PLANTIOS ILÍCITOS na América Latina
Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alvez dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)
Paulo Cesar Pontes Fraga Org.
PLANTIOS ILÍCITOS na América Latina
Copyright © Paulo Cesar Pontes Fraga (org.), 2014 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.
Editor João Baptista Pinto Capa Rian Narciso Mariano
Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Rita Luppi
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br
Sumário Os plantios considerados ilícitos, geração de renda e a política repressiva: uma introdução para leitura................. 7 Paulo Cesar Pontes Fraga Produção de Cannabis em Amambay - Paraguai: o envolvimento de jovens rurais...............................................22 Benito Armando Solis Mendoza Joel Orlando Bevilaqua Marin Políticas de repressão e erradicações de plantios de cannabis no nordeste brasileiro............................................55 Paulo Cesar Pontes Fraga Samuel Marcenes Cunha Luíz Cláudio de Carvalho Territorios, economías de la droga y violencia en las nuevas ruralidades de México. Transformaciones de los cultivos ilícitos en Michoacán.........81 Salvador Maldonado Aranda O impacto do cultivo comercial de maconha sobre uma agência sindical de trabalhadores rurais do submédio São Francisco –PE e BA........................117 Ana Maria Mota Ribeiro Breves reflexões sobre a proibição, a liberação e o aproveitamento da maconha e do cânhamo....................147 Bernardo São Clemente
Prefácio Os plantios considerados ilícitos, geração de renda e a política repressiva: uma introdução para leitura P au l o C esa r P onte s F r aga 1
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ste livro procura discutir e analisar, a partir de realidades diferenciadas e de uso de metodologias específicas em estudos originais, o cultivo de determinadas plantas usadas para fins de produção de substâncias psicoativas ilegais e suas consequências em populações e nas políticas de drogas. Uma questão que, sabemos, é complexa, por mobilizar vultosos recursos dos governos para combater e erradicar culturas agrícolas existentes; por ser elemento fundamental das relações internacionais bi e multilaterais; por envolver hábitos e valores culturais; por ser alternativa de rendas para milhões de trabalhadores e suas famílias, e por compor um dos eixos fundamentais na política internacional de combate às drogas. As ciências sociais têm envidado esforços no sentido de compreender e analisar a relação que se estabelece entre os diferenciados atores ao longo da cadeia produtiva e de comércio e consumo das drogas ilegais; as relações políticas e as consequências econômicas e culturais do cultivo dessas plantas para muitas populações no mundo. Neste livro veremos estudos realizados por especialistas e cientistas sociais que se dedicam a pesquisar o tema em realidades particulares de comunidades, famílias e pessoas, que têm em comum a necessidade de sobreviverem do cultivo ilegal. Desde a implementação da estratégia de se combater o consumo e o tráfico de drogas em suas origens, ou seja, visando evitar a produção de plantas que servem como matéria prima para a produção de determinadas drogas como a maconha, o haxixe a cocaína Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFJF, bolsista de produtividade do CNPq e possui pós-doutoramente na École de Criminologie da Université de Montréal. 1
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e os opiáceos. O objetivo, entre outros, era preconizar a total abstinência das populações a determinadas substâncias psicoativas, mas, além de não atingir o propósito, foram inúmeras as violações de direitos humanos e incontáveis os tipos de abusos à dignidade de pessoas nas regiões produtoras desses cultivos, seja por parte das autoridades ou dos narcotraficantes. Não por acaso, desde o início do que se convencionou denominar “Guerra às Drogas”, expressão cunhada pelo ex-presidente estadunidense Richard Nixon para designar o novo tipo de repressão à produção e ao consumo àquelas substâncias consideradas proibidas, determinadas regiões em países andinos como Colômbia, Bolívia e Peru, principais produtores de coca, o México – que se destacou nesse período pela produção de cannabis e papoula, matérias-primas para a confecção de maconha e de opiáceos –, a Birmânia, grande produtora de papoula, e o Afeganistão – outro grande país produtor da planta utilizada para a produção de ópio –, entre outros, sofreram duramente os efeitos de uma política que, entre outros equívocos, dividiu países entre produtores e consumidores de drogas. A Colômbia, na América Latina, especialmente, viveu décadas em que sua população, em várias partes do país, foi alvo de chacinas, de graves violações de direitos humanos, como o estupro de mulheres e crianças em ações militares e paramilitares de erradicação de plantios ilegais de coca e repressão a movimentos insurgentes. O país foi laboratório de como uma política equivocada de combate à produção de matéria-prima para fins de substâncias psicoativas ilegais pode não somente fomentar o seu crescimento, a ampliação de áreas de plantios, assim como levar à institucionalização de práticas criminosas e autoritárias por novos atores forjados nesses empreendimentos. Os cognominados países produtores tiveram que se submeter a uma política de combate às drogas, na qual se admitiu que apenas utilizar os instrumentos no âmbito da segurança pública para enfrentar o problema, principalmente nos EUA e, também, em outros países da Europa, seria insuficiente para atingir o objetivo de um “mundo sem drogas”. Assim, a questão das drogas tornou-se, também, um problema de geopolítica internacional e foi, progressivamente, militarizando-se. As novas estratégias de ações de erradicação manual e química de plantios, entre outras para combater o
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tráfico internacional, em determinados países, tornaram-se importantes iniciativas para atingir os objetivos de uma política calcada na abstenção e abstinência e de pôr fim às drogas. Mesmo com pequenos êxitos, como as diminuições temporárias de produção e as desarticulações de quadrilhas e grupos que sobreviviam em torno do negócio dos plantios, ao longo de décadas, as ações sistemáticas de erradicações de plantios, como uma das principais estratégias da internalização e militarização do combate às drogas, iniciadas no México e na Jamaica no início dos anos 1970, apresentaram-se custosas do ponto de vista financeiro, violentas e ineficientes em relação aos seus objetivos. As operações Condor e Bucanero, consideradas por especialistas como o início da estratégia da “Guerra às Drogas” (ASTORGA, 2000; FRAGA, 2010; TOKATLIAN, 2000), conseguiram inicialmente a diminuição da aérea de plantio, principalmente no México, principal exportador de maconha para os EUA; a diminuição do volume de maconha exportado e estancar os canais de acesso ao mercado estadunidense, não foram, no entanto, exitosas em manter esses ganhos por um tempo maior. No México os custos sociais foram altíssimos, recaindo principalmente nos camponeses mais pobres, muitos dos quais torturados, assassinados, aprisionados ou expulsos de suas regiões de origem. Os principais chefes do negócio não foram atingidos e, posteriormente, rearticularam suas bases de ações, saindo da região Noroeste do país para regiões industriais mais ricas, conseguindo, notadamente, transações mais expansivas, incrementando suas ações (ASTORGA, 2001). As mesmas ações foram aplicadas em outros países como Peru e Bolívia no final dos 1970 e nos anos 1980, quando eram os principais produtores de folha de coca, e parte dessa produção destinase para fins ilícitos. O Peru montou, nesse período, uma estrutura burocrática para combater o plantio ilegal, para comercializar a produção para fins comerciais de coca; organizou um escritório executivo do controle de drogas e uma empresa nacional de coca. Essa estrutura pesada e militarizada, ao longo desses anos, ganhou corpo e influência no Estado e no governo peruano, tendo como consequências mais diretas os abusos e violações de direitos nas ações de erradicações. A falta de uma alternativa à mera repressão e os arbítrios dos agentes do CORAH, entidade dessa estrutura,
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responsável pelo controle e redução do cultivo de coca na região do Alto Huallaga, levaram a vários confrontos entre esses agentes e os camponeses, culminando, no ano de 1984, com a morte de 19 agentes do CORAH e, consequentemente, a instalação do estado de emergência na região. Alguns estudiosos (CABIESES, 2004) atribuem a insurgência do Sendero Luminoso nas selvas peruanas, a partir da segunda metade dos anos 1980, ao fortalecimento da violência de órgãos oficiais aos campesinos, principalmente, com a retomada pelo governo Alan Garcia, em 1985, das ações de erradicação manual de plantios. Posteriormente a isso, muitas outras ações foram levadas a cabo por governos que se sucederam. Alguns reprimiram ainda mais os campesinos e outros utilizaram o diálogo mais contundentemente, reconhecendo o direito de determinadas etnias de produzir e consumir a folha de coca, considerada planta sagrada. Em sua volta à presidência do Peru, Alan García, em 2007, realizou ações extremamente violentas, sem, muitas vezes, discriminar os plantios legais e ilegais de coca, assim como não oferecendo políticas alternativas como a substituição de plantio ou outras medidas que garantissem aos camponeses envolvidos no plantio ilegal alguma renda para sua sobrevivência. Em uma das ações, o governo peruano utilizou aviões A-37 para bombardear regiões que considerava para fins de plantios ilícitos de coca e, segundo ordens do próprio presidente ao, então, ministro do interior, Luiz Alva Castro, “metralhar até a última instalação de processamento e o último aeroporto clandestino”, visando evitar que o Peru se tornasse uma nova Colômbia. Um importante líder camponês na época, Nelson Palomino, tentava uma negociação e a continuidade da suspenção das ações de erradicação, mas devido às pressões internacionais o presidente Alan García retornou às erradicações forçadas, aconselhando os camponeses a buscar alternativas no café e no cacau, mas sem, na época, apresentar um programa de incentivos. A repressão na Bolívia e no Peru, nos anos 1980, elevou a Colômbia como o principal país produtor de coca destinada para fins ilícitos. No entanto, a pesada repressão e outras medidas nas últimas décadas, na Colômbia, fizeram a produção e a área plantada diminuir e, em 2012, dados recolhidos pelo Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e Crimes (UNODC), indicou ter o Peru, à
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época da pesquisa, cerca de 60.400 hectares com área plantada de folhas de coca, enquanto a Colômbia tinha 48 mil hectares (UNODOC, 2013). O que é interessante observar no caso peruano é a dinâmica de diminuição e incremento da produção da coca em décadas, ao sabor do aumento e da redução da repressão. Durante o governo Fujimori chegou a haver uma redução de 66% da produção da folha de coca. No entanto, de 1999 a 2006 a produção passou de 38,7 mil hectares para 51,4 mil hectares em 2006, voltando a incrementar-se. A Bolívia, que também enfrentou durante décadas os plantios ilícitos com uma política repressiva de mera erradicação de plantio, no entanto, tem uma lei que estabelece zonas tradicionais de cultivo de coca e outras consideradas zonas excedentes em transição, desde 1988. A região de Yunga, onde havia histórico de plantio e uso tradicional da folha de coca, foi considerada área de zona tradicional. As demais regiões são consideradas zonas excedentes em transição, principalmente Chapare. Nessas localidades toda a produção deveria ser erradicada, segundo a Lei 1.008. Essa lei significou avanços e também problemas para os cocaleiros. Se por um lado, apesar da ONU considerar a folha de coca uma substância proibida, por ser uma droga para o órgão, a lei reconheceu que havia uma prática em relação à folha de coca que deveria ser respeitada e que o plantio em determinada região não estava voltada para a produção de cocaína, todavia, como reconheceram alguns autores (QUIROGA, 1990; ALBÓ e BARRIOS, 1993), mesmo na região de Chapare havia a existência de cultivos legais. O reconhecimento de apenas uma região no país como cultivadora de folha de coca para fins legais e tradicionais levaria outros cultivadores não vinculados aos plantios destinados a produzir cocaína a ter que abandonar essa fonte de renda ou viver na ilegalidade. Além dessa questão, o procedimento dos programas de erradicação, a partir da Lei 1.008/88 consistia em pagamento em dinheiro, por hectare de coca destruído e promoção de desenvolvimento alternativo como construção de estradas e cultivos lícitos para substituição de plantios. Em 1998, os valores pagos são diminuídos até, em 2000, serem totalmente abolidos, passando a ser adotadas ações de erradicação forçada sem qualquer forma de indenização. Nessa ocasião, os cocaleiros se opuseram à substituição da folha de coca
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pelo plantio de banana na região de Chapare. A liderança de Evo Morales emerge nessa ocasião, no seio do movimento. Os anos seguintes foram de repressão ao movimento cocaleiro, com violência, morte de trabalhadores e aumento significativo dos conflitos, mesmo com a resistência do movimento. Em 2004, o então presidente Carlos Mesa, após pressões dos sindicatos e do convencimento de que a política meramente repressiva para uma questão tão delicada não surtia efeito, permite o cultivo de coca em áreas definidas para a subsistência dos agricultores. Em 2006, Evo Morales é eleito como o primeiro indígena e sindicalista oriundo do movimento cocaleiro a se tornar chefe da nação. Sua eleição é um divisor de águas para a delicada problemática da coca na Bolívia. Já no seu primeiro mandato a questão converte-se em prioridade. Denominou “Coca sim, cocaína, não” a nova política de luta contra as drogas no país, fortalecendo o cultivo e as práticas tradicionais de uso de coca como o acullico, hábito praticado por mais de 60% da população boliviana, e rechaçando o plantio e uso ilícito. Era uma questão política a ser enfrentada, pois a folha de coca continuava a ser considerada proscrita pela ONU. Com forte ênfase na participação comunitária e maior respeito aos direitos humanos, tal política reconhece que poderá haver na Bolívia um controle maior e redução da produção ilícita, mas nunca será possível eliminá-la por completo (LEDEBUR e FATHING, 2014). Estudodo sobre a questão (LEDEBUR e COLETTA, 2008) atribui a essa experiência o adjetivo de primeira iniciativa de redução de danos executada do lado da oferta. Essa política, segundo as autoras, buscou deixar de lado as metralhadoras e outras armas e incluir as comunidades cocaleiras para a discussão e análise do problema. Assim, avançando nessa política, uma nova constituição, promulgada em 2009, reconhece pela primeira vez no país os usos tradicionais de coca como elementos constituintes do patrimônio cultural e econômico do povo boliviano, sendo, portanto, legítimos. Uma das ações que fortaleceram essa estratégia foi a implementação do Programa de Apoio ao Controle Social da Coca (PACS), apoiado financeiramente pela União Europeia, que tinha ênfase nos valores culturais da população, na participação democrática de sindicato e nos direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais (LEDEBUR e FATHING, 2014). Iniciado em janeiro de 2009, o programa gastou até março de 2013 cerca de 13 milhões de dó-
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lares em uma campanha que visava conscientizar os produtores a limitar seus cultivos ao modelo cooperativo, fortalecendo a relação Estado, sindicato e cooperados no controle da produção de coca nas regiões. O governo seguiu combatendo os plantios para fins ilegais nesse período. A própria ONU (UNODC, 2014) reconheceu que houve uma diminuição da área de plantio de coca na Bolívia nos últimos anos. O cultivo da planta na Bolívia foi reduzido em 9% no ano de 2013, chegando a seu nível mais baixo desde o ano de 2002, o que representou uma redução de 26%, no período 2011-2013. O órgão reconheceu os esforços de erradicação empreendidos pelo governo boliviano como principal causa do declínio no cultivo da folha usada para fabricar cocaína. Para o ano de 2015, a ONU prevê uma nova redução da área de plantio para fins ilegais, sem comprometer o plantio tradicional e legal da folha de coca. Outra frente de luta que reforça a política calcada no slogan “Coca sim, cocaína não” foi a cobrança constante para que a ONU retire a folha de coca da lista das substâncias proibidas, constante em um artigo da Convenção Única contra Entorpecentes de 1961, o que representa a ilegalidade do hábito do acullico, praticado não só por populações indígenas e seus descendentes da Bolívia, mas também por pessoas no Peru e no Norte do Chile. Em 2011, a Bolívia retirou-se como signatário da Convenção Única, condicionando sua volta ao reconhecimento da ONU pelo direito do país de cultivar a folha de coca para fins medicinais e alimentar. Em 2013, finalmente, a ONU reconheceu por apenas 15 votos contra, do total de 184 países votantes, o direito do cultivo, o que significou o retorno da Bolívia como signatária. Apesar de todo o esforço do governo boliviano para o reconhecimento da folha de coca como planta sagrada, sua perspectiva é no sentido de condenar qualquer outra forma de plantio de coca ou de outras plantas que se destinem à produção de sustâncias psicoativas ilegais. Embora haja, portanto, uma mudança, no sentido de um controle comunitário e estatal do cultivo, há o combate ao cultivo ilegal. Essa posição da Bolívia foi criticada não raramente por movimentos sociais de outros países andinos como a Colômbia, por concentrar suas ações mais contundentemente no plantio tradicional, desconsiderando que, mesmo entre aqueles envolvidos nos cultivos
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para fins ilícitos, estão agricultores que retiram do plantio sua sobrevivência. A não criminalização dos agricultores e o reconhecimento de que eles retiram dos plantios ilegais o sustento e de suas famílias requerem ações para além da discriminação entre plantios para fins legais e ilegais. Malgrado, países como a Colômbia possuem uma pequeníssima população que faz uso tradicional da folha de coca. O volume significativo de sua produção sempre esteve atrelado aos fins ilícitos. Por outro lado, essa posição de país reconhecido como produtor de folha de coca para fins estritamente ilícitos fragilizou o país e, notadamente, sua população mais pobre. Anteriormente aos anos 1990, a produção e a colheita da folha de coca foi, praticamente, uma atividade artesanal na Colômbia (MASON e ORJUELA, 2003). A diminuição da produção de coca para fins ilícitos no Peru e na Bolívia, vinculada à maior repressão nos anos 1980 e inicío de 1990; o desmantelamento das rotas aéreas que levavam a coca desses países para Colômbia e a disseminação de um fungo que diminuiu ainda mais a produção peruana, dificultaram a distribuição da droga que era feita pelos já existentes denominados cartéis da droga no país, foram os principais fatores do aumento da produção de coca para fins ilícitos no país (THOUMI, 1997). Os cartéis que já negociavam a droga, pois o país era uma importante rota de escoamento para a América do Norte e Europa, investiram pesadamente em compras de terras para cultivo, principalmente em regiões no Sul do país. O resultado foi, em poucos anos, a ascenção da Colômbia como o maior cultivador de folha de coca e líder na produção de cocaína. De 1991 a 2004, passou de uma produção de 14% do total de cocaína produzida no mundo para ser a detentora de 80% da produção mundial da droga. Como observa Pécault (2010), a leniência das autoridades colombianas com a ascenção dos cartéis no país na primeira metade dos anos 1980 e a crescente imoportância que o país passou a ter na distribuição de cocaína no mundo, resultou em pressão de Washington, culminando, após o assassinato do minitro da Justiça, em 1984, a uma assinatura de um acordo com os EUA para a extradição de nacionais. Na verdade, tal iniciativa representava prender e enviar para o país da América do Norte, os chefões do tráfico. Em retaliação, a Colômia conheceu um período de muitos atentados, muitas vezes sem seletividade, atingindo policiais, juízes,
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três candidatos à presidência de 1990, a explosão de um avião da empresa Avianca em pleno voo e a explosão de carros que mataram muitas pessoas. Outra consequência foi a irrupção de violência no meio urbano de cidades como Medellin, Cali e Bogotá, como o surgimento de bandos armados e de milicianos que dividiam os espaços territoriais e recebiam retaliação da polícia. Nesse ínterim, os grupos insurgentes, como as FARC, crescem suas ações, principalmente em regiões rurais, taxando a produção de coca nas áreas de seu domínio. A situação vai se tornando muito tensa no país com o aumento de sequestros, com vitórias e derrotas do governo, até que, em 2000, é implementado o Plano Colômbia, acordo entre os EUA e o governo colomiano, que representou uma miríade de estratégias para combater o plantio e o tráfico de drogas e enfrentar grupos guerrilheiros que controlavam parte do país, como as FARC-EP. Desde sua implementação foram utilizados instrumentos diversos para atingir seus objetivos: ajuda financeira e militar, erradicação química de plantios, entre outras medidas, sendo que apenas 16% do orçamento total foram destinados a programas de desenvolvimento econômico e alternativo de promoção dos direitos humanos, enquanto cerca de 60% voltaram-se para ações militares repressivas (VILLA e OSTO, 2005). Os baixos recursos para ações e programas visando à proteção da população e os direitos humanos refletiram-se nas sérias consequências das fumigações para a população e o deslocamemnto interno de cerca de 3 milhões de pessoas (ACEVEDO et al., 2008). A administração de Uribe (2002-2010) é reconhecida (MEZA, 2006; GARCIA, 2008) como um período em que houve registro e denúncias de graves violações de direitos humanos no país. Diversas chacinas não investigadas ou punidas, expulsão de pequenos produtores de suas terras, assassinato de lideranças sindicais e comunitárias, fumigações em áreas com densidades populacionais, com graves consequências para a saúde das pessoas, foram algumas dessas ações de violação. Para especialistas (MEZA, 2006), o principal objetivo do Plano Colômia seria acabar com as FARC. Esta meta praticamente foi atingida, pois a guerrilha se enfraqueceu nos últimos dez anos, com perdas de lideranças importantes e cortes importantes de financiamentos, principalmente aqueles advindo da taxação do plantio em áreas nas quais o grupo não manteve mais o controle. O desman-
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telamento de grupos de narcotraficantes que trabalhavam com a guerrilha fooi realizada por ações contínuas do governo colmbiano. Hoje, há uma negociação em trânsito entre guerrilha e governo para a entrega das armas e um acordo que ponha as FARC-EP na legalidade, findando décadas de conflito armado. Entretanto, em relação a redução total ou significativa da enorme produção de cocaína, a questão é mais complexa. Para Bautista e Joves (2012) não há como negar que com o Plano aumentou a segurança em algumas regiões do país, principalmente nas áreas urbanas, mas na zona rural a instabilidade permaneceu. A coca continua sendo produzida, inclusive em regiões onde não havia plantio anteriormente. Além disso, a redução da área de plantio não significou proporcionalmente a diminuição da produtividade, pois hoje se utiliza espaços menores de plantios onde se cultivam pés da planta que são até três vezes mais produtivos. Apesar da diminuição da área de plantio e do desmantelamento de cartéis, o consumo da droga na Europa e nos EUA não diminui (UNODOC, 2012). Segundo Granada, Restrepo e Vargas (2009), outra razão para a manutenção da oferta de cocaína para os EUA e Europa está vinculada ao fato de o processo de distribuição e produção da droga ter se deslocado para países da América Central e o México. Esta dispersão na produção e na distribuição dificultou o combate ao sistema, que se internalizou mais. Por outro lado, a corrupção de servidores e políticos colombianos, que alimenta as redes criminosas, se mantém, convertendo-se em importante gargalo para o combate ao narcotráfico. A questão da produção de cocaína em grande escala está longe de se acabar, apesar de toda repressão, o uso de estratégias militares e os recursos utilizados. Assim como a repressão ao cultivo de determinadas plantas e à produção de outras drogas também está longe de se acabar. Como bem observa Labrousse (2005), os cultivos de coca, de papoula e de cannabis são matérias-prima de mercadorias altamente valorizadas e demandadas pelos mercados internacionais, possibilitando o acesso a créditos para muitos agricultores, como no sistema salaam do Afeganistão, permitindo que o ópio ilegal seja adquirido por comerciantes com um ou dois anos de antecedência, acarretando para os agricultores planejamento das safras vindou-
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ras. O mercado das drogas ilegais se beneficia de uma vantagem importante: enquanto a oferta é inelástica a demanda é elástica. Das três culturas ilícitas mais cultivadas, a cannabis é a planta mais consumida e, paradoxalmente, para a qual o conhecimento sobre a extensão do cultivo é mais abstruso (UNODOC, 2006). As razões para esse desconhecimento podem ser encontradas, por um lado, no fato do cultivo de cannabis ser o mais disseminado, podendo ser encontrado tanto na modalidade extensiva quanto INDOR, presente na quase totalidade dos países; por outro lado porque os cultivos de coca e papoula receberam mais atenção dos organismos antidrogas e dos projetos alternativos para substituição de plantios das agências de desenvolvimento, sendo, portanto, mais analisados pela literatura internacional (OGD/CE, 1995 ). O continente africano, entretanto, é de conhecimento dos especialistas, e é o principal produtor para fins de exportação da planta e responde pelo abastecimento do importante mercado europeu, notadamente fornecendo matéria- prima para a produção de haxixe, advindo do Marrocos, convertendo-se no principal fornecedor da resina no mundo. De forma global, a produção de cannabis no continente responderá aos imperativos econômicos, bem mais do que os imperativos estratégicos. Neste sentido, a cultura tem servido bem menos aos conflitos armados , ao contrário do ocorrido no Afeganistão e na Birmânia, no caso dos opiáceos, e na Colômbia, em relação ao cultivo de coca para fins ilícitos (CHOUVY e LANIEL, 2004). O papel desempenhado pela planta nos conflitos africanos é menos como recurso econômico do que como produto de consumo escolhido pelos atores em conflito. Assim, na África Subsaariana a presença da cultura da cannabis é percebida como sintoma da existência de problemas de instabilidade econômica, política e ecológica, e não a causa de tais problemas ( PEREZ e LANIEL, 2004). Os laços entre produção de cannabis e estabilidade social, econômica e política, também foram percebidos no Marrocos por Afsahi (2009). A região de Rif, concentradora da maior parte do plantio de cannabis para exportação, é também a região mais pobre do país, com uma densidade populacional três vezes maior que a média do país. Região montanhosa, apresenta sérios problemas para o desenvolvimento de uma agricultura legal suficientemente comercial, com o agravante de a região ter sofrido por décadas de completo abandono pelo governo central do país, expresso na au-
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sência de políticas públicas efetivas para o enfrentamento do grave problema agrícola. O cultivo da cannabis está presente em 75% dos vilarejos, mobilizando 96 mil famílias (AFSAHI, 2009). A cannabis permite a fixação de um efetivo demográfico na região, evitando a migração para outras regiões do país e modera o ressentimento econômico e político de abandono. Todas as questões elencadas aqui nos levam a pensar como as ações adotadas por governos para enfrentar a questão das drogas, em geral, e dos cultivos de plantas usadas para a confecção de drogas ilegais, específicamente, estão longe de elencar soluções que levem em consideração toda a sua complexidade. Apesar de ser um grande avanço as iniciativas como a do Uruguai e de alguns estados estadunidenses que resolveram dar tratamento não criminológico a determinadas formas de cultivo da cannabis, essas iniciativas são apenas os primeiros passos para dar novo tratamento ao problema. Sabemos que alguns países, como a Indonésia, punem traficantes com a pena de morte; e outros países, como o Brasil, classifica o tráfico de drogas como crime hediondo. Este livro pretende, portanto, contribuir para o debate da temática, pouco tratada, ainda, no Brasil e está organizado em cinco capítulos. No primeiro, os profesores BenitoArmando Solis Mendoza e Joel Orlando Bevilaqua Marin tecem um importante cenário sobre o envolvimento de jovens rurais com o plantio de cannabis na região de Amambay, no Paragauai. Trabalho original, o artigo Produção de cannabis em Amambay - Paraguai: o envolvimento de jovens rurais, é dos poucos que desvendam as relações existem entre os atores que enveredam no plantio da erva e suas consequências para a população local em nosso país vizinho. Políticas de repressão e erradicações de plantios de cannabis no Nordeste Brasileiro, de autoria de Paulo Cesar pontes Fraga, Samuel Marcenes Cunha e de Luiz Cláudio de Carvalho, relata as ações de erradicações de plantios ilícitos no Brasil. Originado de pesquisa dos autores sobre o tema, o texto mostra o perfil dos envolvidos nessa atividade ilícita e como a repressão pode ter levado o cultivo para outras áreas nos estados da Bahia e de Pernambuco, diferentes daquelas em que há maiores ocorrências. O terceiro capítulo Territorios, economías de la droga y violencia en las nuevas ruralidades de México. Transformaciones de
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los cultivos ilícitos en Michoacán de autoria do professor Salvador Maldonado Aranda analisa a emergência dos campesinos produtores de plantas para fins ilícitos como atores sociais fundamentais da nova ruralidade mexicana. O autor destaca a reformulação da paisagem rural onde os plantios ilícitos substituem a agricultura tradicional. Por uma questão de opção editorial, mantivemos o texto em seu original em castelhano. Ana Maria Mota Ribeiro analisa no seu artigo O impacto do cultivo comercial de maconha sobre uma agência sindical de trabalhadores rurais do submédio São Francisco –PE e BA a luta dos trabalhadores rurais atingindos por barragens e como os plantios considerados ilícitos de cannabis que cresceram na região impactaram a agenda dos sindical trabalhadores e as formas de enfretarem os problemas relativos à seca e ao cultivo agrícola tradicional. O capítulo que encerra esta publicação Breves reflexões sobre a proibição, a liberação e o aproveitamento da maconha e do cânhamo, de autoria de Bernardo São Clemente faz um levantamento histórico-social sobre as implicações morais, políticas e sanitárias envolvendo a maconha no Brasil e em outros países. Tenham uma boa leitura!
Referências ACEVEDO, Beatriz et al. Ten years of Plan Colombia: an analytic assessment. The Beckley Foundation, 2008. ALBÓ, Xavier e BARRIOS, Raul. Violencias encubiertas en Bolivia; Cultura y política. Vol. IV, Cipca/Aruwiyiri, La Paz, 1993. AFSAHI, Kenza. Les producteurs de cannabis dans le Rif - Maroc: étude d’une activité économique à risque. Tese, Universidade de Lille, Lille, 2009. ASTORGA, Luis. The limits of anti-drug policy in Mexico. International Social Science Journal, n. 169, 2001, pp 427-434. ______. “Organized-crime and the organizatation of crime”. In: BAILEY, John; GODSON, Roy. Organized crime and democratic governability. Mexico and the US-Mexican Bordeslands. Pittsburgh: University of Pittsburgh, 2000.
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Paulo Cesar Pontes Fraga
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