Repensando as habitações

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REPENSANDO AS HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL



REPENSANDO AS HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL

Luiz Carlos Toledo Petar Vrcibradic Verônica Natividade


Colaboradores: Luciana Corrêa do Lago Cunca Bocayuva Luiz Cláudio Franco Thaís Velasco Vera Tângari Vincenzo Cristallo Sabrina Lucibello Bernardo Soares Fernanda Gianinni Fernanda Petrus Frances Sampaio Maria Isabel Pedro Marina di Blasi Pedro Henrique Bitencourt Júlio Ferreti Flavia Secioso

Copyright© Luiz Carlos Toledo, Petar Vrcibradic, Verônica Natividade, 2014 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Editor João Baptista Pinto

Revisão Edson Monteiro

Editoração Rian Narcizo Mariano

Capa Foto - Júlio Ferreti

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T584r

Apoio: Pela UFRJ/IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Adauto Lúcio Cardoso Luciana Corrêa do Lago Maria Julieta Nunes Pela UFRJ/PROARQ - Programa de Pós Graduação em Arquitetura da UFRJ Vera Tângari

Toledo, Luiz Carlos, 1943Repensando as habitações de interesse social / Luiz Carlos Toledo, Verônica Natividade, Petar Vrcibradic. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital : FINEP ; Brasilia, DF : CNPq, 2014. 96 p. : il. ; 30 cm. ISBN 9788577853151 1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Geografia urbana. I. Natividade, Verônica. II. Vrcibradic, Petar. III. Financiadora de Estudos e Projetos. III. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. IV. Título. 14-17260 CDD: 711.4 CDU: 711.4

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

O livro Repensando as Habitações de Interesse Social tem sua origem na pesquisa desenvolvida pela Rede FINEP sobre Moradia e Tecnologia Social.

Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


PATROCÍNIO CULTURAL

A

prática do exercício profissional da arquitetura e urbanismo, como consequência de uma formação generalista, ganha dimensão em diversas áreas de atuação, tais como: projetos de edificações, paisagismo, legislação urbana, meio ambiente. Luiz Carlos Toledo é a síntese desta formação somada, em particular, a uma notável percepção humanista e social do papel do arquiteto e urbanista. Resultado de sua larga experiência e vivência profissional, Toledo é uma referência na área, tendo influenciado a formação de vários arquitetos e urbanistas de sua época e das novas gerações. Seu compromisso ético, social e político com a profissão resultou na elaboração de planos e estudos arquitetônicos e urbanísticos que se destacam pelo aspecto inovador tanto do ponto de vista da qualidade projetual, como na atenção às demandas de uma população tradicionalmente excluída dos processos decisórios. Um dos exemplos mais significativos é o Plano Diretor Sócio Espacial da Rocinha, apresentado detalhadamente nesta publicação, que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro tem a honra de apoiar através de seu edital de patrocínio cultural. O trabalho é resultado de um envolvimento exemplar com a comunidade e o seu cotidiano, a partir

de uma interação com moradores e a realidade do espaço, em um exemplo notável de integração profissional na busca por uma solução urbana e de habitação que possa conferir dignidade e qualidade de vida para milhares de pessoas que ali residem. A possibilidade real de transformação espacial, com a plena incorporação à malha urbana formal, somada a projetos criativos, demonstra como é possível solucionar a questão das favelas cariocas, melhorando as condições de habitabilidade e oferecendo infraestrutura urbana e equipamentos socioculturais. A partir da proposta de repensar as habitações de interesse social, através de um profundo trabalho de pesquisa, Toledo e os arquitetos Petar Vrcibradic e Verônica Natividade levantaram as diversas alternativas de projetos, levando-se sempre em consideração os princípios fundamentais da boa arquitetura: insolação, iluminação e ventilação. Mesmo enfrentamento uma geografia desafiadora, os arquitetos conseguiram desenvolver propostas criativas e inovadoras, perfeitamente integradas à paisagem natural da Rocinha. São apresentados também estudos do processo construtivo e suas possibilidades, incluindo os chamados projetos complementares de estrutura

e instalações, devidamente compatibilizados com o projeto de arquitetura. Há ainda soluções para o mobiliário que previram a utilização específica de marcenaria como alternativa viável sob o ponto de vista funcional e econômico, contribuindo para o desenvolvimento de uma economia solidária e colaborativa. Essa publicação representa uma referência fundamental para estudantes e profissionais interessados em desenvolver projetos de habitação popular, sendo uma contribuição notável também para os gestores públicos que tem pela frente o desafio de urbanizar e oferecer condições dignas de habitação para as camadas mais pobres, especificamente aquelas que vivem nas comunidades cariocas. Sydnei Menezes, Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro



UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL

A

atual política nacional de oferta de moradia de interesse social passa por um estreito relacionamento com os programas de aceleração do crescimento e geração de empregos na construção civil. Em meio a essa realidade, percebe-se que a qualidade dos projetos e das construções foi relegada a um plano secundário. Por outro lado, é evidente que a aplicação de critérios restritivos impostos pela Caixa Econômica Federal – repassadora dos recursos para a construção – na avaliação dos projetos habitacionais acabou se constituindo em um elemento indutor de soluções arquitetônicas medíocres e de baixa qualidade. Diante das críticas generalizadas, alguns setores do governo e da sociedade passaram a se preocupar com a precária qualidade da habitação popular e da sua inserção nas cidades. O desapontamento atual não se restringe às reduzidas dimensões dos imóveis. As críticas se estendem, também, para o acabamento das edificações. Por não resistirem à ação do tempo, os revestimentos externos acentuam as marcas de um envelhecimento precoce e obrigam os moradores a arcarem, periodicamente, com o ônus da sua manutenção. Diante da falta de recursos para honrar esse compromisso, o resultado não poderia ser outro, senão o comprometimento da integridade física do edifício, das suas condições de habitabilidade e, consequentemente, a perda da autoestima dos moradores.

Do ponto de vista urbanístico incorre-se em erro semelhante. Nada justifica as ocupações de áreas inóspitas e afastadas do núcleo urbano das cidades. Um programa governamental com a envergadura do Minha Casa Minha Vida deveria servir como exemplo para nortear a aplicação dos vultosos recursos financeiros em benefício da população e das cidades. Nesse sentido, não se pode aceitar a visão imediatista dos governos e das grandes empreiteiras da construção civil que determinam, de comum acordo, os parâmetros das construções populares. Todavia, no meio dessa complexa estrutura, ao que parece, desponta uma luz no fim do túnel. Algumas universidades brasileiras se dedicam a avaliar, comparativamente, a qualidade da produção habitacional no Brasil e no exterior. As pesquisas elaboradas recentemente por uma equipe de arquitetos cariocas, vinculados ao IPPUR/UFRJ, já apresentam resultados concretos. Esse trabalho, financiado pela Finep, vem tramitando nacionalmente em rede, de forma a permitir um maior intercâmbio e troca de ideias entre pesquisadores das universidades de outros estados. O objetivo principal desse grupo de arquitetos consiste em planejar e utilizar nas habitações de interesse social o maior número possível de componentes construtivos industrializados que se encontram à disposição no mercado.

Não se trata de empregar as técnicas obsoletas de pré-fabricação em grande escala. A proposta é criar uma espécie de “montadora da habitação”, a exemplo do que ocorre nos processos de montagem de produtos industrializados. Cada edificação seria planejada levando em consideração a existência desses elementos construtivos – vigas, pilares, painéis divisórios, forros, elementos de fachada, esquadrias, banheiros completos – e a sua adequação ao projeto do empreendimento e ao contexto físico local. O projeto pretende racionalizar o sistema construtivo, oferecer uma melhor qualidade de acabamento e propor uma solução estética que valorize as edificações e o ambiente urbano no seu entorno. Espera-se que iniciativas dessa natureza recebam a acolhida da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades em benefício da requalificação dos empreendimentos habitacionais e da sua integração ao processo de construção de cidades inclusivas e sustentáveis.

Luiz Fernando Janot,

arquiteto e urbanista. Artigo publicado no jornal O Globo, em 24/11/2012.



SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................................. 11 APRESENTAÇÃO....................................................... 13 1. INTRODUÇÃO........................................................ 15 2. UMA SÍNTESE DO PLANO DIRETOR SÓCIO ESPACIAL DA ROCINHA (2005 / 2007) .................... 23 2.1 A ocupação do solo na Rocinha

4 CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS PROJETADOS......... 55 4.1 Tipos que criam espaços públicos e melhoram a mobilidade e acessibilidade........ 58 4.2 Tipos evolutivos que permitem aumentar a unidade residencial segundo diretrizes projetuais e tecnológicas pré-definidas............. 59

e a carência de espaços públicos....................... 26

4.3 Tipos com grande variedade de layouts numa mesma edificação................... 59

2.2 A falta de saneamento.................................. 26

5 VOCABULÁRIO ARQUITETÔNICO........................ 61

2.3 A má qualidade arquitetônica e construtiva das edificações............................. 27 2.4 As precárias condições de mobilidade........ 28

6 AS MONTADORAS DE HIS.................................... 67 7 OS TIPOS................................................................ 71

2.5 Aprendendo com o Plano............................. 28

POSFÁCIO................................................................. 89

2.6 As principais propostas

ENCARTE – CDRom (parte impressa e anexos abaixo)

do Plano Sócio Espacial da Rocinha................... 29

ANEXO 1 - Projeto Básico PB 1 - Micro de intervenção com quatro pavimentos PB 1.1 Arquitetura PB 1.2 Estrutura PB 1.3 Instalações PB 1.4 Custo estimado

3 A PESQUISA........................................................... 35 3.1 O papel das HIS na organização e produção de espaços públicos........................ 38 3.2 Parâmetros e indicadores............................. 38 3.2.1 Verticalização, densidade e ocupação do solo....................................... 38 3.2.2 Os módulos pesquisados..................... 39 3.2.3 Estudo morfológico.............................. 42 3.2.4 Análise das declividades da AI2........... 42 3.3 Critérios de intervenção............................... 42 3.4. Estudo do processo de remoção de unidades existentes e inserção de novas tipologias e sua aplicação na criação de espaços públicos e aumento da mobilidade................... 43 3.5 Cenários de implantação das HIS na AI2...... 43 3.5.1 Cenário adotado................................... 43

PB - 2 Micro Intervenção Expansível linear PB 2.1 Arquitetura PB 2.2 Estrutura PB 2.3 Instalações PB 2.4 Custo estimado ANEXO 2 - Oficina Solidária 1. Introdução 2. Modelo Solidário 3. Oficina Solidária 4. Design Solidário



PREFÁCIO

A intenção dessa apresentação é tornar mais visí-

veis os ideais que sustentam as propostas aqui desenvolvidas e que ajudam a enxergar a singularidade desse trabalho. A singularidade de um trabalho coletivo com uma alma única. A alma de um humanista, também arquiteto e urbanista, que ao projetar um espaço, seja uma viela, um edifício de apartamentos ou um centro esportivo, já está embebido das necessidades e desejos daquela gente que usará esse espaço. Luiz Carlos Toledo é a alma desse trabalho, a força vital de uma experiência criativa e realmente coletiva que agregou arquitetos e estudantes em torno de uma grande mesa, ao longo de dois anos. Essa experiência foi viabilizada pela FINEP, ao montar e financiar uma rede nacional de pesquisa sobre moradia e tecnologia social. Um dos desafios postos à rede era pensar processos de intercâmbio entre os saberes técnico e popular que resultassem em projetos habitacionais capazes de redefinir os parâmetros de bem estar urbano hegemônicos no país e que ampliassem o universo de possibilidades construtivas para a população envolvida. Buscava-se assim atrelar ideais da boa moradia às formas de produzi-la, privilegiando as formas autogestionárias, ou em outras palavras, as formas de produzir sob o controle dos que nela vão morar. Esse desafio foi o impulso que faltava para que uma experiência radicalmente democrática de planejamento urbano no bairro da Rocinha tivesse continuidade e ganhasse visibilidade. Como será visto nesse trabalho, o processo de elaboração do plano diretor da Rocinha sob a coordenação do Toledo, entre os anos de 2005 e 2007, gerou uma relação de reciprocidade e confiança entre os profissionais à frente dessa empreitada e os moradores do lugar. E foi justamente a natureza dessa relação que garantiu a compreensão mais

profunda, por parte dos profissionais, das necessidades e desejos dos moradores, tanto adultos quanto crianças. Já nesse momento, começou a ser gestada a ideia nuclear desse trabalho, a de se pensar a habitação como instrumento da urbanização. Rompeu-se assim com a concepção da habitação apenas como espaço privado da família, incorporando-se em seu interior a dimensão pública inerente à cidade. Os projetos habitacionais para a Rocinha seriam, então, projetos de urbanização voltados para a necessidade urgente de espaços livres e públicos, que ao mesmo tempo garantiriam o direito de todos permanecerem em seu bairro. Como de praxe, esse e os demais princípios norteadores do plano diretor não foram apropriados e utilizados nas políticas de intervenção pública na Rocinha. Porém, permaneceram nos corações e mentes de todos que se envolveram na elaboração do plano. Foi a partir do acúmulo de informações e percepções sobre a vida cotidiana naquele bairro popular, que a equipe de arquitetos responsável pelos projetos aqui apresentados desenvolveu os parâmetros habitacionais para novas construções na Rocinha. Três desses parâmetros, aqui destacados, exemplificam claramente o caminho, desde a imersão no lugar até a criação dos projetos. O primeiro parâmetro é o que define os espaços construídos de uso público, em que as necessidades de circulação, de encontro e de trocas devem ser atendidas. Elevadores, escadas, corredores e pilotis de edifícios ganham aí novas funções ao se tornarem espaços públicos, se somando às praças e às ruas. Tal parâmetro altera as concepções de espaço privado, condominial e público vigentes nos programas habitacionais, ampliando as atribuições do Estado na difusão do bem comum.

O segundo parâmetro resulta da diversidade de arranjos domésticos associada às estratégias de sobrevivência das classes populares. Projetos habitacionais flexíveis e diferenciados incorporam a dimensão do tempo, abrem a possibilidade de adequação da moradia às necessidades de quem lá vive e invertem a lógica histórica no Brasil de forçar as famílias a se adequarem ao modelo oficial de habitação. O terceiro parâmetro introduz o mundo do trabalho na concepção de um bem, a casa, comumente pensado como o lugar do descanso. A moradia como espaço do ócio e do trabalho não é exclusividade dos bairros populares, mas guarda forte presença nestes. A flexibilidade aqui se refere aos possíveis usos da habitação. Tive o privilégio e o prazer de acompanhar a feitura desse trabalho no escritório na Rua da Glória, participando de dezenas de conversas com a equipe, com lideranças comunitárias e profissionais de diferentes áreas, convidados a sentar em volta da mesa e reagir às ideias expostas, alimentando com suas opiniões a força criativa da equipe. Em síntese, as propostas e projetos reunidos nesse livro estão enraizados num lugar, um lugar com nome próprio, vida própria, porém intensa e conflituosamente conectado à cidade que o contém. E justamente por estarem enraizados em vidas humanas e suas histórias, tais propostas e projetos são universais. Sendo universais e históricos, a cada ideia implantada vão sendo repensados, talvez modificados e novamente implantados, seja em seu lugar de origem, seja em qualquer lugar... Luciana Corrêa do Lago

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APRESENTAÇÃO

E

ste é um trabalho coletivo, como bem assinala Luciana Correa do Lago no Prefácio deste livro, desenvolvido por mim e pelos jovens arquitetos Petar e Verônica, cujo talento, criatividade e comprometimento despertaram-me a vontade de enfrentar o desafio de revisitar o tema da habitação de interesse social numa época em que os grandes eventos, com seus megaprojetos, monopolizam a atenção do público e de boa parte dos arquitetos. O livro nasceu do estudo de novas alternativas para o projeto e construção das habitações de interesse social, parte integrante da pesquisa desenvolvida pela Rede FINEP sobre Moradia e Tecnologia Social. A Seleção Pública de Projetos para Patrocínio, em boa hora lançada pelo CAU/RJ, possibilitou esta edição. Petar Vrcibradic vem desenvolvendo uma carreira brilhante que se inicia com um período de um ano no Escritório Morphosis, do Arquiteto Thom Mayne, seguido pelo mestrado na Faculdade de Arquitetura de Columbia em 2004/2005, que o credenciou para trabalhar no escritório de Frank Gehry durante três anos, até retornar ao Brasil. Verônica Natividade fez o mestrado em arquitetura na USP em 2007/2010, leciona várias disciplinas na PUC-Rio e tem participado de vários projetos de

urbanização de favelas, além de dominar diversos programas de modelagem paramétrica, conhecimentos que se mostraram imprescindíveis no desenrolar do trabalho.

Mayerhofer & Toledo Ltda, CGE Engenharia Ltda e CONSULT Projetos e Instalações Ltda, sob a coordenação dos arquitetos Verônica Natividade e Rafael Veríssimo.

Com o desenvolvimento da pesquisa juntaram-se à equipe os arquitetos Luiz Cláudio Franco e Thais Velasco, assim como os estagiários de arquitetura Bernardo Soares, Fernanda Gianinni, Fernanda Petrus, Frances Sampaio, Maria Isabel Pedro e Marina Di Blasi, cujo entusiasmo e dedicação se refletiram, tanto na arquitetura dos tipos habitacionais projetados como na qualidade das imagens.

O Anexo 2 contém projetos de mobiliário para as unidades habitacionais e de uma marcenaria baseada nos princípios de economia solidária e colaborativa. Esse estudo resultou de convênio entre a UFRJ e a Sapienza Università di Roma, viabilizado pelo Programa Ciência Sem Fronteiras. Nele participaram os professores Vincenzo Cristallo e Sabrina Lucibello, os bolsistas do Programa Ciência Sem Fronteiras Fernanda Petrus e Pedro Henrique Bitencourt, além de uma grande equipe multidisciplinar do Dipartimento di Pianificazione, Design, tecnologia dell´architettura.

O acompanhamento da pesquisa pelas Professoras Doutoras da UFRJ Luciana Lago e Vera Tângari, suas críticas, observações e estímulo, em muito contribuíram para o resultado da pesquisa e para a decisão de escrever este livro. Para a elaboração dos dois anexos colaboraram vários escritórios com larga experiência em projetos de arquitetura, estrutura e instalações prediais e dois professores da Faculdade de Desenho Industrial da Sapienza Università di Roma.

Os autores agradecem à FINEP e ao CNPq a prioridade dada ao tema da habitação de interesse social, viabilizando a pesquisa que deu origem a esta publicação e, especialmente, à Luciana Correa do Lago e Cunca Bocayuva, os Prefácio e Posfácio instigantes que iniciam e fecham nosso livro. Luiz Carlos Toledo

No Anexo 1 dois tipos projetados foram desenvolvidos em nível de projeto básico pelos escritórios

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INTRODUÇÃO



A

pesquisa da Rede FINEP sobre Moradia e Tecnologia Social possibilitou à equipe da UFRJ aprofundar uma série de reflexões sobre o potencial das Habitações de Interesse Social (HIS) como agentes de transformação do espaço urbano e como indutoras de um esforço de renovação da forma de projetar e construir que transfira os avanços projetuais e tecnológicos à população. Nesse sentido a equipe propõe uma alternativa à maneira de projetar e construir, mediante um vocabulário contemporâneo e substituição dos métodos tradicionais de construir por um sistema de montagem aberto à (1) participação dos que atuam na construção das HIS − na industrialização dos seus componentes e na produção dos materiais nelas utilizados – e (2) à população a que se destinam. Nossas primeiras ideias sobre o papel das HIS como instrumento de reorganização espacial surgiram durante a elaboração do Plano Diretor Socioespacial da Rocinha (2005 a 2007), ao se perceber que as HIS poderiam ter sua função ampliada de forma a proporcionar, além de moradia, a reorganização do espaço urbano, combatendo a excessiva ocupação do solo, criando novos espaços públicos, melhorando a mobilidade e as condições sanitárias da favela, com um mínimo de desapropriações.

que facilitava o trânsito de pedestres. O projeto, integrado à topografia da Rocinha, previa pavimentos acima e abaixo do nível das ruas de acesso. Infelizmente, nem a fábrica nem as elegantes HIS projetadas pelo arquiteto José Carlos Franco, integrante da equipe do Plano Diretor, foram implantadas pelo Governo do Estado, sob a alegação de que não se enquadravam nos parâmetros estabelecidos pelo Ministério das Cidades para o MCMV. A dificuldade de viabilizar essas propostas ocorria em um momento no qual, mais do que nunca, se fazia necessário pesquisar e criar tipologias de HIS tais, que além de combater o déficit habitacional com unidades que correspondessem às necessidades da população, também contribuíssem para a requalificação do espaço urbano.

No Rio de Janeiro, durante a existência do programa Favela Bairro, assim como no PAC das Favelas, os investimentos em habitações foram sempre marginais em relação aos alocados em infraestrutura e equipamentos urbanos. Os dois programas concentraram suas ações na implantação de redes de drenagem pluvial, de sistemas de abastecimento de água e eliminação de esgotos, abertura e alargamento de vias, criação de áreas de lazer, creches, equipamentos esportivos etc. As unidades residenciais construídas eram destinadas apenas aos moradores removidos das áreas de risco, de terrenos onde seriam construídos os equipamentos públicos e para moradores cujas casas não tinham condições mínimas de habitabilidade. Esse tem sido até o momento o receituário empre-

A participação da população nas fases de projeto e construção das unidades habitacionais e a transferência das técnicas construtivas utilizadas foi uma das preocupações da equipe que elaborou o Plano, que propôs nesse sentido, a implantação de uma fábrica de componentes pré-fabricados de argamassa armada na própria favela, a ser operada por moradores da comunidade. As HIS propostas no Plano, projetadas com estrutura metálica e argamassa armada, tinham as circulações verticais separadas dos blocos. No pavimento térreo, em pilotis, uma galeria coberta, à guisa de calçada,

Figura 01 – Habitações projetadas como parte do Plano Diretor da Rocinha. Projeto de arquitetura: Arq. José Carlos Franco, 2007. 17


gado na urbanização de favelas. A proposta em pauta se distingue por prever em suas ações, tanto a melhoria das edificações existentes, como a implantação de novas tipologias habitacionais, contribuindo com o desadensamento das áreas excessivamente ocupadas, criando espaços públicos, além de melhorar a acessibilidade e a mobilidade. O sentimento de pertencimento próprio da maioria dos moradores de comunidades em relação aos poucos espaços públicos disponíveis explica-se pelo fato de que os largos, praças e quadras de esporte são, muitas vezes, fruto de árduas lutas da população local. O mesmo se aplica às habitações, em grande parte, construídas pelos próprios moradores. Desse modo, a discussão da moradia tem um forte apelo à mobilização, principalmente se a população partici-

Figura 01-A – Habitações projetadas como parte do Plano Diretor da Rocinha. Projeto de arquitetura: Arq. José Carlos Franco, 2007. 18

pa da seleção dos projetos, discutindo suas características e propondo alternativas. Com a criação da Rede FINEP, formada pelas universidades UFGRS, UFAL, UFCG, UFMG, UFPEL, UFRJ, USP e pela FIOCRUZ, o tema Tecnologia Social /HIS passou a ser discutido pela academia a nível nacional. Coube ao IPPUR/UFRJ contribuir para essa discussão em dois planos: no teórico, participando da construção de um marco conceitual do binômio “Tecnologia Social / HIS” e, no prático, projetando um conjunto de tipos de HIS caracterizados pela sustentabilidade e capacidade de qualificar o território onde serão implantadas e propondo uma nova maneira de projetar e construir. Os programas arquitetônicos dos tipos projetados variam desde um pequeno estúdio (conjugado), com aproximadamente 22m², a apartamentos de

quatro quartos de 85m², para atender aos diversos tamanhos e composições familiares. Os 14 tipos foram projetados de modo a criar unidades habitacionais flexíveis que permitem diversos arranjos em uma mesma edificação e unidades evolutivas que comportam, até mesmo, o aumento de área. A Figura ao lado ilustra alguns dos diferentes arranjos arquitetônicos possíveis em uma mesma edificação, fixando a posição dos poços de descida de instalações (shafts). Em relação aos métodos construtivos, a proposta se fundamenta na aplicação de um processo de montagem baseado em sistemas estruturais e componentes arquitetônicos industrializados os quais, além de reduzir o tempo de construção, evitar desperdícios de materiais e melhorar a qualidade da obra, poderão inaugurar um novo ciclo

Figura 01-B – Habitações projetadas como parte do Plano Diretor da Rocinha. Projeto de arquitetura: Arq. José Carlos Franco, 2007.


de transferência tecnológica aos agentes formais e informais que participam da construção das HIS. Quando avanços tecnológicos são incorporados aos projetos das HIS, mudanças na forma de construílas, além de naturais, passam a ser necessárias, rompendo-se, muitas vezes, com processos tradicionais de construção. O melhor exemplo dessa ruptura é a obra do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, da qual não podem ser separados os processos construtivos inovadores que utilizou para erguer, entre outros projetos, os hospitais da rede SARAH. Se neste caso foram utilizadas técnicas construtivas relativamente sofisticadas, o mesmo não ocorreu com a escola rural e as pontes que Lelé construiu na pequena cidade de Abadiana (GO), onde, mantendo os princípios de racionalização, modulação e préfabricação, simplificou as técnicas de construção e utilizou mão de obra local, obtendo custos de construção inferiores ao dos métodos tradicionais. Na pesquisa, o projeto e o modo de construir também caminharam juntos e, com base na obra de Lelé, foi idealizada a Montadora de HIS, inspirada na “Fabrica de Escolas” por ele criada no Rio de Janeiro, durante o Governo Brizola, com uma diferença: enquanto Lelé utiliza um sistema fechado, onde controla e realiza magistralmente, além do projeto, a fabricação dos componentes e sua montagem, na proposta o sistema é aberto, baseado na utilização de componentes existentes no mercado, ou que venham a ser fabricados para atender ao sistema proposto. Nesse sentido, a adoção de projetos e sistemas construtivos inovadores pelas construtoras que participam do MCMV será fundamental para estimular a industrialização de componentes e a aplicação de novos materiais às HIS. O sistema proposto pretende ser uma alternativa inovadora às práticas tradicionais de construção,

Figura 02 – Arranjos arquitetônicos 19


semelhante a que ocorreu com o modelo automotivo, cujas fábricas deram lugar às “montadoras”, que tem por finalidade principal juntar os milhares de componentes produzidos por centenas de fábricas de autopeças, motores, carrocerias, vidros, rodas, pneus, eletroeletrônicos, estofados etc. Na figura ao lado se faz uma comparação entre os dois processos, mostrando o que aconteceria se os métodos tradicionais de construir, com seus canteiros de obras, dessem lugar à “montadora de HIS”.

em relação à rapidez da obra e melhor acabamento. A montagem desses componentes, aliado à industrialização da estrutura, seja ela metálica, em argamassa armada, ou em concreto, entregue na obra dentro das dimensões definidas no projeto, completa o sistema de montagem proposto. A utilização de estruturas metálicas em HIS construídas em favelas

A alternativa proposta vai além do conceito de pré-fabricação, ao prever a utilização maciça de componentes industrializados pelo mercado. Nesse sentido, existe muito a ser feito, já que os componentes existentes, em geral, são direcionados aos edifícios corporativos, shoppings e habitações das classes de renda mais alta. Para estimular os fabricantes a lançarem produtos para as HIS será fundamental admitir custos de construção maiores dos que os aprovados pelos órgãos de financiamento, incompatíveis com moradias de boa qualidade. No momento de especificar, construtoras e órgãos de financiamento devem levar em conta que, nem sempre, a utilização de sistemas construtivos, materiais ou componentes arquitetônicos mais caros implicam num maior custo da obra, desde que contribuam para a redução do tempo de construção, eliminação de desperdícios e redução dos custos de outros componentes. É o caso da adoção de estruturas metálicas, em princípio mais caras, que se tornam competitivas quando é considerada a rapidez, o rigor dimensional e a estabilidade da edificação. Da mesma forma, o uso de paredes de gesso cartonado e painéis leves nas fachadas influem positivamente no custo da estrutura, ao reduzir as dimensões de pilares e vigas, além de proporcionar maior qualidade nos acabamentos. Os “banheiros prontos”, atualmente utilizados em hotéis e edifícios corporativos, poderão ser adaptados para as HIS, com grande vantagem 20

Figura 03 – Modelo automotivo de fábricas x montadoras

não é novidade e tem se mostrado bastante eficaz, na medida em que sua montagem é mais rápida, reduzem o movimento de terra necessário às fundações e são mais fáceis de transportar. As HIS apresentadas na figura a seguir foram projetadas pelo escritório carioca ARQTRAÇO Projetos Ltda. para as favelas Cantagalo e Pavão – Pavãozinho, no Rio de Janeiro, e construídas pela OAS.


Figura 04 - HIS na Favela Pavão-Pavãozinho. Projeto ARQUITRAÇO Projetos Ltda.

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Para contemplar todos esses objetivos, os tipos de HIS desenvolvidos durante a pesquisa, além de atender às necessidades de famílias de diversos tamanhos e composições, constituem projetos modulares, de forma a possibilitar a máxima utilização de componentes industrializados e peças estruturais pré-fabricadas. Longe da proposta, entretanto, a adoção de um único repertório e programa arquitetônico, o que reproduziria a mesmice dos conjuntos habitacionais, limitando as unidades habitacionais a apartamentos de sala e dois quartos (S2Q). A Figura 5, abaixo, demonstra a diversidade dos tipos projetados quanto à sua morfologia.

O caráter prospectivo da pesquisa levou a equipe da UFRJ a seguir duas orientações metodológicas. A primeira, como visto anteriormente, consistiu na decisão de adotar um cenário real para contextualizar os tipos de HIS projetadas, inserindo-as numa estrutura urbana existente, a Área de Intervenção 2 (AI2) na favela da Rocinha. Essa escolha revelou um território extremamente complexo, tanto do ponto de vista topográfico, como de sua estrutura viária, constituída por uma via principal (a Estrada da Gávea) e um emaranhado de becos e travessas que impõem aos moradores condições de mobilidade precárias.

A segunda orientação foi a de não condicionar os projetos dos tipos de HIS aos parâmetros estabelecidos pelo Ministério das Cidades e adotados pela CEF para o PMCMV, nem atender integralmente à legislação urbanística do Rio de Janeiro. Agindo dessa forma, pretendeu-se que a pesquisa, livre dessas amarras, pudesse, eventualmente, contribuir para a revisão de alguns critérios adotados pelo programa MCMV, assim como de algumas exigências da Legislação em vigor.

Figura 05 – Utilizando-se o mesmo vocabulário arquitetônico e sistema construtivo alcançou-se grande diversidade de forma e escala nos tipos projetados, fugindo da mesmice dos empreendimentos do MCMV.

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