Ivanaldo Santos (Org.)
Teologia da Libertação: ensaios e reflexões
Copyright © Ivanaldo Santos (org.), 2010 Editor João Baptista Pinto Capa Yuri Alcantara Projeto Gráfico/Editoração Francisco Macedo Revisão Do Autor CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
T29 Teologia da libertação: ensaios e reflexões / Ivanaldo Santos (org.). – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010. 200p.: il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-066-2 1. Teologia da libertação. 2. Socialismo e Igreja Católica. I. Santos, Ivanaldo, 1952-. 10-2193.
CDD: 261.83 CDU: 27-084.7
13.05.10 14.05.10
Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
019019
Teologia da Libertação: ensaios e reflexões
Autores: Ivanaldo Santos Martín Zavala Padre Robert A. Sirico Pe. Estevão Bettencourt, osb Pedro Ravazzano Silvio L. Medeiros
“A teologia da libertação não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente [...] ela é a negação radical do Cristianismo” Cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI.
“É dever dos fiéis católicos esclarecidos expor a seus irmãos e ao público o que é a TL.” Pe. Estevão Bettencourt, osb.
■ Sumário
9 Apresentação 17 Introdução 21
Capítulo I
Teologia da libertação: ambiguidades Pe. Estevão Bettencourt, osb
43
Capítulo II
Igreja popular: o que é? Pe. Estevão Bettencourt, osb
67
Capítulo III
A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos: continuando o debate com Clodovis Boff Ivanaldo Santos
111
Capítulo IV
Teologia da libertação: ‘nem só de pão vive o homem’ Martín Zavala
141
Capítulo V
O Marxismo e a Teologia da Libertação Pedro Ravazzano
153
Capítulo VI
A América Latina prisioneira da Teologia da Libertação Padre Robert A. Sirico
157
Capítulo VII
Teologia da Libertação e Frei Boff Sílvio L. Medeiros
165
Capítulo VIII
A teologia da libertação e o aborto Ivanaldo Santos
195 Sobre os autores
■ Apresentação
I
nfelizmente a maioria dos católicos ainda não sabe o que é a perigosa Teologia da Libertação (TL), que surgiu há cerca de quarenta anos na América Latina, como uma proposta ideológica-religiosa equivocada com o objetivo de apresentar libertação do “pobre” e “oprimido”. Por tentar apresentar uma proposta de “salvação”, desvinculada dos ensinamentos do Magistério da Igreja, e do fidei depositum, a Teologia da Libertação (de cunho marxista) tornou-se uma heresia tão grave, que o então Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, durante quase todo o pontificado de João Paulo II, foi obrigado a dar combate sem tréguas a essa perigosa doutrina, que pouco tem de teologia e muito de sociologia e ideologia marxista, baseada na luta de classes, politização da fé, e esvaziamento do sagrado. Por causa do seu perigo, muitos leigos, padres e bispos enfrentaram a TL; entre eles podemos citar os saudosos: D. Estevão Bettencourt, D. Boaventura Kloppenburg, Cardeal Ratzinger, Cardeal Ângelo Rossi, Cardeal Eugênio Sales e muitos outros. Em face do seu perigo e virulência, a Sagrada Congregação da Doutrina da Fé foi obrigada a alertar o Rebanho do Senhor para 9
o perigo de muitos escritos e livros publicados sobre esse tema, como de Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino e outros. Quando da condenação do livro de Jon Sobrino, em 2007, pelo Vaticano, um grupo de teólogos desta linha publicou um livro contestando a ação do Vaticano e do Papa. Entre eles: Marcelo Barros, Leonardo Boff, Teófilo Cabestrero, Oscar Campana, Víctor Codina, José Comblin, Confer de Nicaragua, Lee Cormie, Eduardo de la Serna, José Estermann, Benedito Ferraro, Eduardo Frades, Luis Arturo Garcia Dávalos, Ivone Gebara, Eduardo Hoornaert, Diego IrarrázavaI, Jung Mo Sung, Paul Kmitter, João Batista Libânio, María e José Ignacio López Vigil, Carlos Mestres, Ricardo Renshaw, Jean Richard, Pablo Richard, Luis Rivera Págan, José Sánchez, Stefan Silber, Ezequiel Silva, Afonso Maria Ligório Soares, José Sols, Paulo Suess, Luiz Carlos Susin, Faustino Teixeira, Tissa Balasuriya e José María Vigil. Isso mostra que esses teólogos caminham na contra mão dos ensinamentos do Papa e do Magistério sagrado. Quem nos responde muito bem o que é a Teologia da Libertação e seus perigos, é o atual Papa Bento XVI. O então Cardeal, Joseph Ratzinger, foi escolhido pelo Papa João Paulo II, em 1981, para ser o Prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé; aquela que está encarregada de cuidar da “sã doutrina” (1Tm1,10; 4,6; Tt1,9; 2,1;2,7; 2Tm4,3), que com tanta ênfase São Paulo recomendava a Timóteo e a Tito. A TL surgiu, mais especificamente, na América Latina, na década de 1960, e ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base. A partir dos anos 1980, pudemos sentir mais de perto a sua ação nefasta. Foi então que o Cardeal Ratzinguer, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos explico a teologia da libertação” (Revista Pergunte e Responderemos, n. 276, set-out, 1984, p. 354-365), onde deixou claro todo o seu perigo. Analisando este artigo, D. Estevão Bettencourt, afirma: “O autor mostra que a 10
teologia da libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese, opções morais, etc”. Basta isso para se ver a virulência da heresia. Entre as afirmações, o então Cardeal Prefeito diz: “A gravidade da teologia da libertação não é avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. “A teologia da libertação é uma nova versão do Cristianismo, segundo o racionalismo do teólogo protestante Rudolf Bultmann, e do marxismo, usando ‘a seu modo’, uma linguagem teológica e até dogmática, pertencente ao patrimônio da Igreja, revestindo-se até de uma certa mística, para disfarçar os seus erros”. O então Cardeal foi muito claro ao afirmar o perigo: “Com a análise do fenômeno da TL torna-se manifesto um perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida”. E o Cardeal vai explicando esta teologia “nova”: “Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão do Cristianismo na sua totalidade. Por isso mesmo muda todas as formas da vida eclesial; a constituição eclesiástica, a Liturgia, a catequese, as opções morais [...]” “A TL pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas, assim como, 11
segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política”. A libertação, para a TL, é conquistada pela via política e não pela Redenção de Jesus, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo1,29). Jesus veio para “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21), e disse a Pilatos que “o seu Reino não é deste mundo”. O pecado, para a teologia da libertação, se resume quase que unicamente ao “pecado social”, mas este, não será “arrancado” com a conversão e com os Sacramentos da Igreja, mas com a “libertação” do povo, pela luta política. Consequência disso é o fato de haver um afrouxamento moral e espiritual em muitos adeptos dessa teologia. Muitos não valorizam a celebração da Missa, a não ser como uma “celebração de mobilização política” do povo oprimido. Não se valoriza suficientemente a oração, a Confissão, a Eucaristia, o santo Rosário, a adoração ao Santíssimo Sacramento, e a todas as práticas de espiritualidade tradicionais, que são, então, consideradas superadas e até alienantes. O grande bispo americano, Fulton Sheen, já falecido, disse com muita propriedade: “A primeira tentação de Nosso Senhor tendia a fazer dele uma espécie de reformador social, para dar pão às multidões no deserto onde nada mais podiam encontrar senão pedras. A visão de um melhoramento social sem regeneração espiritual tem constituído uma tentação à qual sucumbiram, lastimosamente, muitos homens importantes na história”. Conheço várias jovens sacerdotes que se formaram em seminários fortemente influenciados pela teologia da libertação e que hoje deixaram o sacerdócio, ficaram esvaziados espiritualmente. Noto que eles nem se realizaram no campo social e nem no campo religioso. E podemos citar também os exemplos negativos dados por Fernando Lugo, atual presidente do Paraguai, que foi bispo. 12
O então Cardeal Ratzinguer mostrou que é difícil enfrentar esse perigo, pois, como afirma: “Os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e escutam, partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas [...]” O então Cardeal mostrou a inversão que se faz no papel da comunidade, povo e história, para a vida da Igreja: “A comunidade ‘interpreta’, com a sua ‘experiência’ os acontecimentos e encontra assim a sua práxis”. “’Povo’ torna-se assim um conceito oposto ao de ‘hierarquia’ e antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão. Afinal, é ‘povo’, quem participa da ‘luta de classes’; a ‘igreja popular’, acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de ‘história’ torna-se instância hermenêutica decisiva, [...] a história é a autêntica revelação e, portanto, a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica [...]. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação”. Em seguida, o então Cardeal mostra a deturpação também naquilo que é essencial: o Reino de Deus. “Esse conceito encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido, porém, no contexto da hermenêutica marxista. Segundo Jon Sobrino, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido de forma partidária e voltado para a práxis”. Aqui se entende porque os adeptos da TL militam nos partidos políticos que visam a “libertação do povo”. O Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, explicou o que é a verdadeira libertação: “Acerca da libertação que a evangelização anuncia e se esforça 13
por atuar, é necessário dizer antes o seguinte: ela não pode ser limitada à simples e restrita dimensão econômica, política, social e cultural, mas deve ter em vista o homem todo, integralmente, com todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o absoluto, mesmo o absoluto de Deus [...]. Mais ainda: a Igreja tem a firme convicção de que toda a libertação temporal, toda a libertação política, mesmo que ela porventura se esforçasse por encontrar numa ou noutra página do Antigo ou do Novo Testamento a própria justificação, [...] encerra em si mesma o gérmen da sua própria negação e desvia-se do ideal que se propõe, por isso mesmo que as suas motivações profundas não são as da justiça na caridade, e porque o impulso que a arrasta não tem dimensão verdadeiramente espiritual e a sua última finalidade não é a salvação e a beatitude em Deus.” “A libertação que a evangelização proclama e prepara é aquela mesma que o próprio Jesus Cristo anunciou e proporcionou aos homens pelo seu sacrifício.” (n. 33) Os adeptos da TL têm a enganosa mania de pensar que quem não aceita esta teologia não trabalha pelos pobres e oprimidos e não se preocupa com eles; se acham orgulhosamente os “únicos” defensores dos excluídos. Isso é um grande erro. A Igreja em seus 2000 anos de vida sempre socorreu os desvalidos e ainda o faz, mas nunca precisou lançar mão de ideologias estranhas para isso; sempre agiu pelo puro amor a Jesus Cristo que sofre no doente, no preso, no faminto, etc. A Igreja não precisa que novos teólogos a ensinem a fazer caridade; ela a faz desde os Apóstolos, ela é “perita em humanidade”, como disse Paulo VI. Hoje, 25% das instituições que tratam dos aidéticos são da Igreja; em toda a História da Igreja os santos e santas viveram a verdadeira caridade; só para citar alguns: Santa Isabel da Hungria, S. Vicente de Paulo, S. Francisco de Assis, S. Camilo de Lelis, S. João Bosco, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, e milhares de outros que nunca precisaram reinterpretar o Evangelho e politizar a fé 14
com métodos marxistas de luta de classes, invasão de propriedades alheias, fora da lei, etc., para promover os pobres. São os verdadeiros bons samaritanos do Evangelho. O Papa João Paulo II, ao menos por duas vezes, falando aos bispos do Brasil, condenou as invasões de terras: 1 – Ao segundo grupo de Bispos do Brasil, do Regional Sul l da CNBB, em visita ad limina Apostolorum de 13 a 28 de Março de 1996, o Papa disse: “[...] mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que “nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto” (RN, 55). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas.” 2 – Em discurso em 26/11/2002 aos bispos do Brasil, ele voltou a dizer: “Para alcançar a justiça social se requer muito mais do que a simples aplicação de esquemas ideológicos originados pela luta de classes como, por exemplo, através da invasão de terras – já reprovada na minha viagem pastoral em 1991 – e de edifícios públicos e privados, ou por não citar outros, a adoção de medidas técnicas extremas, que podem ter conseqüências bem mais graves do que a injustiça que pretendiam resolver”. Não podemos nos fazer de surdos a essas palavras. Concluo com as sábias palavras de D. Estevão: “O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristamente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse 15
posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes”. O Professor Ivanaldo Santos, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, lança agora o livro Teologia da Libertação: ensaios e reflexões, onde apresenta artigos preciosos escritos por estudiosos que alertaram os pastores e os fiéis da Igreja sobre os perigos da Teologia da Libertação; entre eles está o saudoso Pe. Estevão Bettencourt, osb, monge beneditino que durante cerca de 50 anos publicou a valiosa revista Pergunte e Responderemos, Martín Zavala, Pedro Ravazzano, Padre Robert A. Sirico, Sílvio L. Medeiros e o próprio Ivanaldo Santos. Como ele mesmo diz na Introdução, seu livro “não é uma resposta definitiva para as questões que envolvem a Teologia da Libertação”, mas uma proposta que pretende apresentar “ensaios publicados por teólogos, filósofos e leigos sobre a TL”. É um trabalho valioso, útil e que pode ajudar a muitos conhecerem a origem, a história, as propostas teóricas e a pastoral desenvolvida pela TL. É uma valiosa contribuição do Prof. Ivanaldo Santos para a Igreja, o que mostra que o Espírito Santo nunca deixa de agir nos seus membros para defendê-la e santificá-la. Pedimos a Deus que abençoe este livro e seu autor, e que ele possa dar muitos frutos de Salvação às almas, para edificação da Igreja e glória a Deus.
Prof. Felipe Aquino Lorena, SP, maio de 2009.
16
■ Introdução
D
esde quando surgiu, oficialmente, em novembro de 1969, com a conferência proferida pelo teólogo peruano, Gustavo Gutiérrez, intitulada Notas para uma teologia da libertação, a Teologia da Libertação (TL), é um constante campo de disputas filosóficas, teológicas e pastorais. Nestes quarenta anos de atuação ela foi – e continua sendo – o centro de grandes e acalorados debates dentro e fora da Igreja. A TL – como é mais conhecida a Teologia da Libertação – surgiu em um momento histórico muito delicado na América Latina, ou seja, na década de 1960. Um momento carregado de problemas sociais, crescimento da miséria e do autoritarismo político, inclusive com a existência de ditaduras militares em países da América Latina como, por exemplo, Brasil, Argentina e Chile. A Teologia da Libertação é uma corrente teológica que oficialmente tem por objetivo combater a pobreza e todas as formas de opressão social na América Latina, de forma mais específica, e, de forma mais ampla, no terceiro mundo. Esse combate é sintetizado na expressão: opção preferencial pelos pobres. Uma expressão que é repetida constantemente pelos teóricos, militantes e líderes da Teologia da Libertação. Aparentemente o que a TL propõe é uma 17
pastoral da libertação ou que solucione os problemas sociais que angustiam grande parte da população do terceiro mundo. Essa proposta de ação pastoral é nobre e deve ser posta em prática por todos os seguimentos sociais. Sejam esses seguimentos religiosos ou não, cristãos, membros de outras religiões e ateus. Entretanto, a Teologia da Libertação não se limita apenas a lutar para combater a pobreza e a exclusão social. Ela desenvolveu sua própria interpretação do Evangelho e da Bíblia e, em muitos casos, afirma anunciar um novo evangelho e uma nova tradição para a Igreja. Entretanto, há uma pergunta a ser realizada: e a doutrina social da Igreja Católica? O fato é que a Igreja Católica possui uma das mais ricas orientações teóricas e pastorais que a humanidade possui. Essas orientações, as quais estão contidas na doutrina social católica, tem por objetivo combater a pobreza e a desigualdade social. Se isto é verdade, então por que a TL, simplesmente, não afirma seguir ou estar inserida dentro da doutrina social católica? Não é fácil responder essa pergunta e outras que podem ser feitas envolvendo a TL. Talvez, nos próximos anos, não haja uma resposta para os questionamentos que constantemente povoam a TL. Entretanto, é preciso observar que para uma teologia cristã, a TL fez uma opção filosófica perigosa, ou seja, adotou como fundamento epistemológico o materialismo ateu oriundo do marxismo. Essa opção filosófica teve um grande preço. Em grande medida, a TL abandonou a luta contra a pobreza e a exclusão social e terminou sendo um braço instrumentalizado da luta de classes, do secularismo e do indiferentismo religioso. Isto aconteceu especialmente na América Latina. Sinteticamente, é possível apresentar as consequências dessa instrumentalização em três pontos. Primeiro, a TL passou a afirmar a necessidade única da luta social e, com isso, houve um esvaziamento do sagrado dentro dessa corrente teológica. Segundo, ela passou a questionar e até mesmo a negar abertamente as verdades 18
contidas nas Sagradas Escrituras, ou seja, na Bíblia, na tradição e no magistério da Igreja. Terceiro, se inicialmente a proposta da TL era de libertação social, lentamente ela passou a apoiar e até mesmo endossar outras formas de opressão, principalmente ligadas às ditaduras socialistas-marxistas implantadas em várias partes do mundo como, por exemplo, Cuba, Nicarágua e Coréia do Norte. Obviamente que não está se defendendo, na presente discussão, algum tipo de ditadura ou regime político de direita ou burguês. Apenas está sendo apresentado a opção realizada pela TL no campo do autoritarismo social e político. Este livro não é uma resposta definitiva para as questões que envolvem a Teologia da Libertação. Sua proposta é bem simples, ou seja, tenciona-se apresentar ensaios publicados por teólogos, filósofos e leigos sobre a TL. Em grande medida esses escritos são reflexões críticas sobre a origem, a história, as propostas teóricas e a pastoral desenvolvida pela TL. É preciso esclarecer que quase todos os ensaios que constam dessa coletânea já foram publicados em revistas acadêmicas e em sites teológicos na Internet. A exceção é o ensaio: A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos: continuando o debate com Clodovis Boff. Trata-se de um ensaio inédito. Além disso, esclarece-se que todas as fontes originárias dos ensaios são citadas e, por sua vez, estes foram reproduzidos nesta coletânea com as respectivas autorizações. O primeiro capítulo, intitulado Teologia da libertação: ambiguidades, escrito pelo monge beneditino, Pe. Estevão Bettencourt, osb, apresenta os objetivos, o conceito e as ambiguidades tanto teóricas como práticas presentes da Teologia da Libertação. O segundo capítulo, intitulado Igreja popular: o que é?, também escrito pelo Pe. Estevão Bettencourt, osb, apresenta e discute de forma aprofundada o conceito de Igreja popular, um conceito central dentro da TL, e a realidade prática decorrente desse conceito. O terceiro capítulo, intitulado A Teologia da Libertação e a 19
questão de seus fundamentos: continuando o debate com Clodovis Boff, apresenta a discussão realizada por Ivanaldo Santos sobre o polêmico e famoso artigo publicado pelo teólogo da libertação Clodovis Boff na Revista Eclesiástica Brasileira (V. 67, n. 28, outubro de 2007, p. 1001-1022). Neste artigo Clodovis Boff defende a tese de que a TL se afastou de seus fundamentos epistemológicos e, com isso, colocou o pobre no lugar de Jesus Cristo. A consequência dessa inversão é que a Igreja passou a ser percebida e vivenciada pela TL como sendo uma ONG ou um braço do movimento social. Acarretando, com isso, um esvaziamento do sagrado dentro da Igreja. O quarto capítulo, intitulado Teologia da libertação: ‘nem só de pão vive o homem’, escrito por Martín Zavala, apresenta uma série de reflexões críticas sobre a situação atual da TL e como a Igreja, especialmente a Igreja latino-americana, deve se comportar diante da TL. O quinto capítulo, intitulado O Marxismo e a Teologia da Libertação, escrito por Pedro Ravazzano, apresenta, de forma analítica, a relação existente entre o marxismo e a TL. O sexto capítulo, intitulado A América Latina prisioneira da Teologia da Libertação, escrito pelo Padre Robert A. Sirico, de forma sintética discute a situação atual na América Latina, onde despontam vários governos neopopulistas que encontram na Teologia da Libertação uma fundamentação teológica e uma possibilidade de atuação pastoral junto as massas. O sétimo capítulo, intitulado Teologia da Libertação e Frei Boff, escrito por Sílvio L. Medeiros, apresenta, de forma esclarecedora, a relação fundadora e fundamental entre a TL e o teólogo Leonardo Boff. O oitavo e último capítulo, intitulado A teologia da libertação e o aborto, escrito por Ivanaldo Santos, apresenta e discute a relação existente entre a Teologia da Libertação e o aborto.
20