Andressa Furtado
um bocado de amor e outras guerras
Copyright © Rosenely Andressa Furtado, 2014 Esta obra não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem a autorização por escrito do editor.
Editor João Baptista Pinto
Capa Luiz Guimarães Ilustração - Andressa Furtado
Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Da autora
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
F987u Furtado, Andressa, 1975 Um bocado de amor e outras guerras / Andressa Furtado. - 1. ed. Rio de Janeiro : Letra Capital, 2014. 76 p. ; 14x21cm.
ISBN 978-85-77-85-285-7
1. Poesia brasileira. I. Título.
14-13534 30/06/2014
CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1 07/07/2014
Letra Capital Editora Telefone (21) 22153781 / 35532236 www. letracapital.com.br
Sumário apresentação......................................................................... 5 átimo..................................................................................... 7 chão...................................................................................... 8 dos teus silêncios de amor.................................................. 9 seres.................................................................................... 10 poema de morte em manhã de inverno........................... 11 fome.................................................................................... 12 calares................................................................................. 13 fereza.................................................................................. 14 infinitude............................................................................ 15 silêncio................................................................................ 16 todo dia o fim do mundo.................................................. 17 pequeno bilhete de amor*................................................ 18 da dor e outras drogas...................................................... 19 Josephine............................................................................ 20 dois..................................................................................... 21 abismo, loucura, memórias recentes................................ 22 Germina-mundo................................................................ 23 sem título VI...................................................................... 24 fome.................................................................................... 26 janela................................................................................... 27 maresia............................................................................... 28 saída de emergência.......................................................... 29 paraíso................................................................................ 30 sem nome........................................................................... 31 fundura............................................................................... 32 das horas da morte............................................................ 33 castigo................................................................................. 34 sem título IV...................................................................... 36 um bocado de amor e outras guerras.............................. 37 sobre a paz osculante......................................................... 38 manhãs............................................................................... 39 um bocado de am or e ou t r a s g u e r r a s
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invasões bárbaras............................................................... 40 física.................................................................................... 41 verbo, versos e outras matanças....................................... 42 hiato.................................................................................... 44 nudez.................................................................................. 45 acaso................................................................................... 46 crueza................................................................................. 47 poema à tarde outonal – ou ao amor descoberto........... 48 Pelas horas não contadas.................................................. 50 vício.................................................................................... 52 something i dreamed last night........................................ 53 sobre a normalidade e desejos represados...................... 54 resposta à Sodoma............................................................. 55 fome ii................................................................................. 56 esse bicho........................................................................... 57 [alter]ego............................................................................ 58 utopia.................................................................................. 59 [sem título]......................................................................... 60 versos loucos...................................................................... 61 avesso.................................................................................. 62 [des]tempo......................................................................... 63 feito carne.......................................................................... 64 da embriaguez de tuas madrugadas................................. 65 alma imortal....................................................................... 66 “o quão estranhos e profundos são os desejos”.............. 68 sobre o meu instinto de correr para teus lábios bonitos................................................................................ 69 do castanho vermelho dos meus olhos............................ 70 dos mistérios que guardam os seios................................. 71 dos infernos que nos beijam em manhãs nubladas......... 72 das cartas de amor que quase escrevo............................. 73 sobre o aniquilamento e os insultos de amar.................. 74 [des]poesia......................................................................... 75
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A n d re s s a F u r t a d o
apresentação
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oesia tem que cheirar, ter gosto, arrepiar. Poesia é a dose mais deliciosa do seu uísque, é o trago libertador. Poesia é VERDADE. Poesia é um organismo vivo que vai além do que o poeta pretende. Pode ser daqueles românticos, desesperados, versos quebrados pela urgência da vida. Pode ser marginal, sem rimas ou métrica, pode ser o que for desde que a poética visão do ser esteja ali. Ser poeta é a maldição que carregamos expostos como se a vida nos fizesse uma autopsia constante. O que é escrito, o que vai para o papel, o que é digitado, o que é pensado e repensado não são apenas palavras aleatórias que surgem em uma mente conturbada. O poema é o espelho de uma alma ativa e inquieta, como um lunático em uma noite infinda. Andressa Furtado é uma dessas pessoas que não escrevem simplesmente. Ela te chama pra mesa e o papo vai longe. Ela olha nos olhos e nos inquieta e aprisiona em seu verso. Escreve como poucos e vez em quando deixa o santo ofício de lado, o que me deixa triste, já que sou leitor de seu blog. Os poemas que ela escreve merecem ser lidos em voz alta, merecem ter a sonoridade sensual da confissão. Ali está esta alma forte/doce, santa/puta, atitude de quem tem certeza de que nada é pronto e tudo se constrói de leve. Leio o blog e, vez em quando, fico com ódio dela porque ela escreve as coisas que eu queria ter escrito. Ela fala as coisas que eu gostaria e poderia ter dito. Ela tem esse dom de “furar a fila” da inspiração e quando vejo, BAM, ela além de ter escrito antes já publicou e ficou bem melhor do que eu faria. Não há competição entre a gente, afinal é a primeira vez que assumo isso e faço isso de uma forma que ela recorde sempre. Contudo, quando o que leio me fala demais, não resisto. Mando mensagem deixando claro o quanto gostei do que li. um bocado de am or e ou t r a s g u e r r a s
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Compreendo que essa vida tem vezes que cansa também. O dia a dia e os compromissos soterram a inspiração, a poesia entra em coma. Por vezes o simples fato de digitar parece tão maior que tudo e simplesmente não acontece. Não é que a fonte secou, não é que não há nada mais para ser dito. Apenas precisam de um tempo para amadurecer e acontecer naturalmente. E voltam, em geral quando menos esperamos, quando ressurge aquele tanto a mais que vai para o papel e ganha outra vida em outros olhos. Acreditam, alguns, que escrever poema é fácil como copiar uma lista de mercado. É carregar pedras montanha acima. Mesmo sendo desta forma não existe nada mais gratificante do que ter feito o poema. É como construir uma casa, como apontar um caminho. É também o partilhar de um segredo sem medo de que ele se espalhe. O poema é o bilhete, é o desejo de ser o mais verdadeiro possível. É um bailar com as palavras inebriado de magia. O poema é afago e soco. Nada mais. Andressa faz assim em seus escritos: te tira pra bailar rodando a taça de vinho, o copo de cerveja, o shot de uísque. O que vale é o embriagar-se da verdade de que os poetas são, acima de tudo, pessoas que sonham e vez em quando se perdem. Os poetas são aqueles que podem surpreender o seu dia, podem ajudar a sorrir, a chorar e a se lembrar de que estamos aqui. Não sabemos das coisas mais do que ninguém – olhamos diferente para as mesmas coisas apenas. Espero que entendam que o poema é sempre um convite. Aceitem o convite de Andressa e se deliciem com a verborragia dessa carioca com o mundo no peito. Não tenham medo, é apenas de verdade. Jim Duran Escritor
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átimo há de ser eterno o instante dos olhos tal como o instante do grito haverá infinitude no gesto que viverá ligeiro na pele permanente n’outro tempo do corpo no tempo que anestesia o átimo que castiga a saudade que fere docemente a memória e quando a eternidade do segundo esquecido de um milésimo de intento encharcar teus olhos com maresia haverá no tempo um transtorno alcoólico agitação tumultuosa na profundidade de tua garganta gritos espiralados em meu verbo conjugado no futuro do meu presente instante.
um bocado de am or e ou t r a s g u e r r a s
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chão na terra do chão do teu cômodo suspiro louca no escuro que há dentro de nós no inferno que nos consome entranhas e adornos desfaço-me em ti – meu querer apocalíptico. tua saliva quente me conta tuas sandices de amar tuas animalices segredos homicidas, glutonices e pavores ardências monstruosas e desmedidas língua tua, minha carne exposta teus dentes a me desenhar brutalidades e rosnar desejos de corpos vulcânicos em chão frio em manhã de Primavera.
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dos teus silêncios de amor Na crueza de teus silêncios – tuas palavras poucas – descobri tua língua. Ouvi teus manifestos de amar. E de perambular nesse escuro que é o vazio de tua distância – porque jamais és presença, tamanha saudade a que me condena a alma – descubrome cega. Vejo corvos em minhas pálpebras. Sinto remansos embebidos em anis e tormentas tomando forma em meu céu azul – meu paraíso e inferno. E sonho teu amor escorrendo pelos meus flancos, transbordado de todos os meus cantos e curvas, embriagando-me poros e garganta. Sou eu, apenas, erotizando tua verdade em mim. Porque me fodes cada vez que falas de amor. Porque sonhas com minha boca, minhas coxas, minha carne quente. Porque espumas em tua mão quando me imaginas por dentro – espuma salgada de teu desejo vibrante. Porque sou o nome que tua boca balbucia no silêncio escuro do teu quarto. E por me amares assim, latejante e homicida, sopro palavras com hálito de amoras em tua direção: espera. Ama. Devora.
um bocado de am or e ou t r a s g u e r r a s
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seres Deslizo a ponta do dedo médio na borda do copo lentamente, esperando que algum som venha romper o silêncio da sala. Há apenas a música que toca em minha cabeça e o silêncio ensurdecedor do lado de fora. São dois ambientes que não se misturam por completo – o lado de dentro e o lado de fora do corpo. E o lado de fora é oco, por mais estranho que possa parecer, enquanto meu interior ebule em maciez e doçura – porque hei de ser doce e suave em meus desatinos. E quando meus olhos cerram-se na noite do meu espírito partido, as trevas me engolem inteira pra tua morte, pro teu desespero homicida de me querer mais que me amar, de me destroçar em partes que não se reunem novamente, de me pulverizar no meio de tua fome, de tua miséria, de teu desengano. E já não sou mais eu, então. Sou tuas vísceras. Sou tua saliva. Reviro teu estômago com força mas não quero que me regurgites. Sou umas dores que se espalham pelo teu corpo, pelas tuas veias bailarinas de homem nu. Sou aquela droga que te acelera o pulso e te dilata a pupila – aquela adrenalina que bebes a goles largos em noites cinzas. Um movimento bruto enlaça nossos desejos mórbidos de seres distintos. Sou inteira teu rancor e tua matança.
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