Uso do chic na formação de educadores

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Uso do CHIC na Formação de Educadores À guisa de apresentação dos fundamentos e das pesquisas em foco


Copyright© José Armando Valente e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida (Organizadores), 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

A publicação desta obra foi possível graças ao apoio do Instituto Educacional São João Gualberto - São Paulo, SP Editor João Baptista Pinto Co-editor Maria Eduarda de Lima Menezes Dom Robson Medeiros Alves OSB Revisão Gramatical Eva Célia Barbosa Editoração Rian Narcizo Mariano Capa Adaptação do logotipo e arte final da capa: Maria Eduarda de Lima Menezes CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ U85 Uso do CHIC na formação de educadores [recurso eletrônico] : à guisa de apresentação dos fundamentos e das pesquisas em foco / organização José Armando Valente , Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2015. recurso digital Formato: epub Requisitos do sistema: adobe digital editions Modo de acesso: world wide web Inclui bibliografia e índice ISBN 9788577854080 (recurso eletrônico) 1. Educadores - Formação. 2. Educação - Inovações tecnológicas. 3. Software CHIC. 4. Tecnologia educacional. 5. Livros eletrônicos. I. Valente, José Armando. II. Almeida, Maria Elizabeth Bianconcini de. 15-25997 CDD: 371.3078 CDU: 37.016:316.774

Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


José Armando Valente Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida (organizadores) Régis Gras Jean-Claude Régnier Saddo Ag Almouloud José Armando Valente Mirna Tonus Marilene Andrade Ferreira Borges Ivan Ferrer Maia Júlio Wilson Ribeiro Arnaldo Turuo Ono Beatriz Sanz Vazquez Ana Maria Torres Alvarez Renata Aquino Ribeiro Monica Mandaji dos Santos Nuria Pons Vilardell Camas Paula Carolei Neli Maria Mengalli Katia Alexandra de Godoi Flaviana dos Santos e Silva Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida Leila Rentroia Iannone Maria da Graça Moreira da Silva Nelson Morato Pinto de Almeida Maria Elisabette Brisola Brito Prado Nielce Meneguelo Lobo da Costa

Uso do CHIC na Formação de Educadores à guisa de apresentação dos fundamentos e das pesquisas em foco


CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Saul, PUC-SP André Ary Leonel, UDESC Antonio Chizzotti, PUC-SP Fernando Albuquerque Costa, ULisboa George França dos Santos, UFT José Armando Valente, UNICAMP Maria Altina Silva Ramos, UMinho Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, PUC-SP Robson Medeiros Alves, FSB/RJ Roseli Zen Cerny, UFSC Sérgio Paulino Abranches, UFPE Silvana Donadio Vilela Lemos, PUC-SP Tânia Maria Hetkowski, UNEB


Sumário Prefácio - Uso do CHIC na Formação de Educadores......9 Régis Gras Apresentação........................................................................13 José Armando Valente e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida Parte I Capítulo 1 - Origem e Desenvolvimento da Análise Estatística Implicativa (A.S.I.)..........................22 Régis Gras e Jean-Claude Régnier Capítulo 2 - Uma Conversa entre Régis Gras [RG] e Jean-Claude Régnier [JCR]..............................................46 Régis Gras e Jean-Claude Régnier Capítulo 3 - O que Está por Detrás do CHIC?..................55 Saddo Ag Almouloud Capítulo 4 - O Uso do CHIC na Pesquisa..........................79 José Armando Valente Parte II Capítulo 5 - Interações Digitais: uma proposta de ensino de radiojornalismo por meio das TDIC...........116 Mirna Tonus Capítulo 6 - Apropriação das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação pelos Gestores Educacionais...............................................142 Marilene Andrade Ferreira Borges


Capítulo 7 - No Jardim dos Letramentos: poéticas em rede e tomadas de consciência na cultura da convergência.................................................167 Ivan Ferrer Maia Capítulo 8 - Formação de Professor: TDIC como ferramenta para promover formação a distância e práticas no laboratório de experimentação científica....................192 Júlio Wilson Ribeiro e José Armando Valente Capítulo 9 - O Processo de Construção do Conhecimento por Meio das Novas Tecnologias no Contexto da Conexão sem Fio.......................................217 Arnaldo Turuo Ono Capítulo 10 - Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva: uma construção a partir da história de vida utilizando AVA........................................................250 Beatriz Sanz Vazquez Capítulo 11 - A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo...................277 Ana Maria Torres Alvarez Capítulo 12 - Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia..................................................298 Renata Aquino Ribeiro, Monica Mandaji dos Santos, Nuria Pons Vilardell Camas, Paula Carolei e Neli Maria Mengalli Capítulo 13 - Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados na Escolha de Materiais Didáticos Digitais...........................................316 Katia Alexandra de Godoi e Silva Capítulo 14 - Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores no Brasil e em Portugal......337 Flaviana dos Santos e Silva


Capítulo 15 - Curso de Pedagogia a Distância: contribuições do CHIC na organização e interpretação dos achados de pesquisa.....................................................360 Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Leila Rentroia Iannone e Maria da Graça Moreira da Silva Capítulo 16 - Integração Currículo e TDIC: a prática pedagógica com o uso do laptop na escola........................388 Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e Nelson Morato Pinto de Almeida Capítulo 17 - Formação Continuada do Professor de Matemática no Contexto do Programa Observatório da Educação............................................................................410 Maria Elisabette Brisola Brito Prado e Nielce Meneguelo Lobo da Costa Posfácio.................................................................................427 Dom Robson Medeiros Alves OSB



Prefácio

Uso do CHIC na Formação de Educadores1

A

pedido dos editores aceitei com prazer fazer o prefácio dessa obra, sendo sensível à honra que me fizeram. Fiz isso por várias razões. Em primeiro lugar, por ter participado várias vezes de manifestações científicas no Brasil a mais de 20 anos, sinto-me ligado a este grande país por seus homens e suas mulheres, bem como por sua beleza e o clima ameno, com o qual fui recebido. Mas também, porque os responsáveis e iniciadores da edição do livro, José Armando Valente, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Saddo Ag Almouloud e Jean-Claude Régnier, são amigos e colegas de longa data, no campo que nos interessa aqui. Eu sempre apreciei suas competências científicas, seu dinamismo e sua eficiência. Última razão, é verdade que eu sou originalmente, há quase quarenta anos, criador dos suportes teóricos que fundamentam o coração desse livro: por um lado, a teoria matemática e estatística que constitui o método de análise de dados, a Análise Estatística Implicativa (A.S.I.) e, por outro lado, sua ferramenta de processamento informático dos algoritmos da ASI, o software C.H.I.C. Esses dois suportes vivem e desenvolvem-se continuamente em simbiose total: sem CHIC, ASI seria meramente um objeto matemático cultural especulativo, desprovido de aplicações porque os cálculos seriam intratáveis; sem ASI, a ferramenta informática de processamentos de cálculos e de gráficos, CHIC não poderia dar sentido aos resultados numéricos e às representações que produz, ele os deixaria empobrecidos e inacessíveis para o controle e a crítica. O Professor Djamel 9


Prefácio

ZIGHED, diretor do Instituto de Ciências do Homem de Lyon, define muito bem a dupla paradigmática ASI-CHIC com estas palavras: “ASI não é um método, mas um quadro teórico amplo, no qual problemas modernos de extração de conhecimentos a partir de dados são tratados. É uma teoria geral no campo da teoria causal porque responde a fragilidades de outras teorias, traz ferramentas formais e métodos práticos de resolução de problemas. Suas aplicações são muitas...”. Um quadro teórico, por que e para que? O pesquisador em Ciências e especialmente em Ciências Humanas, o experimentador ou não, por intermédio de suas perguntas, tem como objetivo construir ou reforçar o conhecimento em seu campo. Ele é então confrontado com situações vividas por uma população de indivíduos, nas quais aparecem fenômenos, por exemplo, atributos, levando a muitos dados observados. Destas, entre outras informações, ele quer extrair relações de associação entre as variáveis observadas. Em seguida, a partir dessas relações, ele busca estabelecer saberes estáveis e objetivos. Entre essas, as relações causais ou regras assimétricas, como “causa => efeito (ou consequência)”, fazem parte de seu interesse de descobertas do valor preditivo. Mas são raras as respostas que respeitam os princípios metafísicos da lógica formal, ou seja, em termos de “verdadeiro” ou “falso”. Essas respostas seriam mais aceitáveis se fossem avaliadas em uma lógica dialética, “lógica dos opostos”, a lógica que permite superar as contradições. É esse componente filosófico que orienta, de forma original, o método de análise de dados, ASI, a fim que prevaleçam as quase-regras, ou seja, aqueles que aceitam alguns contra exemplos sem excluir sua plausibilidade. Com efeito, uma regra não estritamente satisfeita encontra seu lugar, enquanto ela poderia logicamente, no sentido matemática, ser refutada; em outras palavras, ao mesmo tempo, regras e não-regras coexistem. A contradição é temporariamente lançada em ASI pela escolha 10


Régis Gras

de um limiar probabilístico variável cuja flexibilidade é controlada pelo pesquisador pelos modos de exploração do CHIC: acima desse limiar, a quase-regra é aceita, abaixo desse limiar, ela é rejeitada. Algum determinismo probabilístico confere à quase-regra uma previsibilidade estatística. Em outras palavras, como afirma o filósofo Lucien Sève, “perde-se no rigor o que é adquirido em riqueza” e gostaria de acrescentar, na fertilidade. A metodologia que desenvolvemos na ASI e que implementamos em CHIC, consiste, partindo da contingência dos dados de um conjunto de repetição de fenômenos, em analisar o singular, o “surpreendente”. Aquilo que constitui a quase-regra, dialeticamente leva à interpretação, um significado e, portanto, um esboço de um saber geral, admitido provisoriamente como uma realidade independente, platônica. Porque, como Lucien Sève disse mais à frente: “há sempre um universal no singular”. Para fazer isso, temos construído e ainda construímos um modelo matemático que permite a comparação estatística do contingente e do teórico sob ordens de modelo teórico. Mas, como eu disse, sem o uso e o desenvolvimento contínuo do CHIC, estes objetivos não poderiam ser alcançados. Com efeito, a partir de cruzamento de sujeitos e variáveis, no âmbito teórico da ASI, CHIC extrai regras implicativas entre essas variáveis que podem ser de naturezas diversas e as organiza, estrutura em gráficos e hierarquias. Estas imagens facilitam o trabalho do pesquisador que pode identificar mais facilmente as relações obtidas em termos ligados às áreas em que desenhou seus dados. Estes termos podem, dependendo do caso, expressar algumas causalidades, mas também gêneses ou levar a previsões. Para refinar o conhecimento das estruturas obtidas, o pesquisador pode identificar os sujeitos e categorias de sujeitos que são responsáveis pelas relações observadas. A maior parte desse livro é dedicada ao uso aplicado 11


Prefácio

do método ASI, com auxílio de CHIC em situações de formação de professores e análise de dados do mundo escolar para fins epistemológicos do conhecimento. É certamente fruto de reuniões internacionais, mas, sobretudo de muitas dissertações e teses defendidas no Brasil, em particular, na PUC de São Paulo, onde Saddo Ag Almouloud tem arquivado e mantido o fermento. O trabalho, cujos organizadores são responsáveis nesse livro, é realmente notável, tanto para guiar e direcionar as pesquisas, bem como para reunir seus resultados em um conjunto coerente e de uma grande riqueza. Felicito-os calorosamente. Prof. Dr. Régis Gras Professor Emérito - Université de Nantes

Nota 1

Do original em francês, tradução do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.

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Apresentação

A

ideia deste livro surgiu a partir do interesse de pesquisadores em conhecer e usar o Programa CHIC (Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive - Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) na análise de dados de suas pesquisas. O programa CHIC foi desenvolvido inicialmente por Régis Gras, Professor Emérito da Escola Politécnica da Universidade de Nantes e do Institut de Recharche Mathématique de Rennes, atualmente vinculado à ARDM (Association pour la Recherche en Didactique des Mathématiques), tendo sido criado a partir da preocupação de pesquisadores do campo de estudos da didática da matemática com o rigor científico na produção de conhecimento com vistas a oferecer uma metodologia de análise de dados que permitisse superar interpretações do tipo “eu acho que...” Caracterizado como um método estatístico, o CHIC se alinha com os fundamentos teóricos da Análise Estatística Implicativa - A.S.I., tendo como base o conceito de implicação estatística ou quase-implicação, com o objetivo de extrair conhecimentos a partir de regras indutivas não simétricas consistentes e atribuir uma medida probabilística em proposições que são enunciadas, por exemplo, da seguinte maneira: quando a ocorre tem-se tendência em ocorrer também b. A ASI expandiu seus estudos com a própria evolução do software CHIC, que incorporou diversas funções, desenvolvidas por meio de pesquisas de teses de orientandos de Régis Gras, entre as quais a de Saddo Ag Almouloud (professor do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática, da PUC-SP), de Harrison Ratsimba-Rajohn e de Jean-Claude Régnier. Atualmente sua ampliação está sob responsabilidade de Raphaël Couturier. O software CHIC tem as seguintes funções: extrair de 13


Apresentação

um conjunto de dados as regras de associação com base em regularidades entre os dados (variáveis), cruzando sujeitos (ou objetos) e variáveis; fornecer um índice de qualidade de associação; e representar uma estruturação das variáveis obtida por meio destas regras. Como resultado o programa fornece três tipos de representações dos dados em uma visão holográfica dos fatores discriminantes (análise fatorial), das tipologias (classificação hierárquica) e hierarquias (análise implicativa e hierarquia implicativa de classes) etc., como mencionado no capítulo 2, de autoria de Saddo Ag Almouloud. O idealizador do CHIC, Régis Gras considerou essa nova abordagem uma ruptura epistemológica com a estatística inferencial e descritiva clássica. No Brasil, este Programa tem sido usado na análise de dados de pesquisas relacionadas com a formação de educadores. Segundo os idealizadores do CHIC, esta é uma característica específica da aplicação do Programa no Brasil. Dentre os países cujos pesquisadores usam o CHIC, a aplicação na área educacional é realizada basicamente no Brasil. Contribuiu para essa expansão no Brasil as pesquisas desenvolvidas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial, no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, em que o Prof. Saddo Almouloud é professor e no Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, em que atuam os organizadores desta obra, tendo o Prof. José Armando Valente como colaborador. A tese de doutorado da Profa. Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida inaugurou a inserção do CHIC na metodologia das pesquisas em educação e currículo, nomeadamente na linha de pesquisas de Novas Tecnologias em Educação e desde então pesquisas de mestrado e, sobretudo, de doutorado, com a orientação desses professores, fazem uso dessa metodologia com ganhos significativos na análise dos dados e nas interpretações. Assim, a maior parte dos capítulos desse livro é relativa às pesquisas de mestrado e doutorado 14


José Armando Valente | Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida

que utilizaram o CHIC como parte dos procedimentos de análise. Além disso, outras pesquisas foram desenvolvidas sob a coordenação de Almeida, uma delas realizada sob demanda da Fundação Victor Civita sobre o Curso de Pedagogia a Distância, em que utilizou o software CHIC, o qual contribuiu significativamente para revelar elementos “escondidos”, que não foram evidenciados pelo uso da estatística clássica, conforme apresentado no capítulo 15. A outra pesquisa se situa no âmbito de uma pesquisa financiada pelo edital público CNPq/CAPES/MEC, em que o uso do CHIC está retratado no capítulo 16 desta obra. Deste modo, os organizadores dessa obra, José Armando Valente e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, convidaram para colaborar com a produção desse livro, tanto os autores responsáveis pelo desenvolvimento do software CHIC e idealizadores da ASI como diversos autores que realizaram suas pesquisas usando as funcionalidades do CHIC em trabalhos relacionados com a formação de educadores, nas áreas de educação e de comunicação social. O pré-lançamento do livro ocorreu no 7º Colóquio Internacional sobre Análise Estatística Implicativa, no período de 27 a 30 de Novembro de 2013, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil.

Organização do livro e dos capítulos O livro é constituído de 17 capítulos, de autoria de diferentes pesquisadores, que recriaram os procedimentos de pesquisa conforme as características dos dados de análise e selecionaram as funcionalidades do CHIC que pudessem atender às especificidades do estudo. Conforme indicado por Régis Gras (1992; 1996), a análise mais usual do CHIC é por meio da classificação hierárquica construída a partir de um conjunto de variáveis organizadas de modo ascendente em uma árvore estruturada a partir da aproximação 15


Apresentação

entre essas variáveis, o que propicia visualizar semelhanças (dessemelhanças) entre classes ou categorias de informações representadas em níveis. Os capítulos que compõem o livro estão estruturados em duas partes. Na primeira parte trata das origens, concepções, desenvolvimento e funcionalidades do CHIC e compreende os capítulos 1, 2, 3 e 4. A segunda parte comporta os capítulos de 5 a 17, que apresentam os modelos concebidos pelos investigadores por meio de distintas formas de organização e tratamento dos dados propiciados pelo uso do CHIC, as representações das inter-relações, os resultados alcançados e as contribuições advindas do uso desse software. A sequência de apresentação dos artigos segue a ordem temporal em relação ao período de realização da pesquisa. A Parte 1 é constituída dos capítulos 1 ao 4, sendo que o Capítulo 1, de autoria de Régis Gras e Jean-Claude Régnier, trata da origem e do desenvolvimento da Análise Estatística Implicativa (A.S.I.). A ASI foi desenvolvida com o objetivo de estabelecer, de modo indutivo, regras e quase-regras entre variáveis observadas por intermédio de instâncias de um conjunto de objetos ou de sujeitos, e de fornecer uma medida a tais regras a fim de estimar a qualidade, que associa a surpresa e a causalidade. O capítulo 2 trata de uma conversa entre Régis Gras e Jean-Claude Régnier. Representa um registro histórico das origens e marcas fundamentais da abordagem ASI, permitindo compreender suas características, convergências e aproximações com problemas de investigação cujos dados são “embaçados”, contribuindo para colocar em evidência “a causalidade das ‘causas primeiras’ entre os fenômenos”. No capítulo 3, Saddo Ag Almouloud aprofunda o tema “O que está por detrás do CHIC”, com um estudo sobre as potencialidades, pertinência e importância da realização de análises estatísticas de dados multidimensionais 16


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(análise hierárquica de similaridade, análise implicativa) nas investigações em Educação Matemática e em Educação de um modo mais abrangente. O autor apresenta um breve estudo de caráter teórico e intuitivo sobre os diferentes métodos de análise de dados multidimensionais e sobre as funcionalidades do software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva). No capítulo 4, José Armando Valente trata do uso do CHIC na pesquisa. Primeiramente contextualiza o CHIC com relação a outros softwares usados na análise de dados. Em seguida descreve os procedimentos que são mais comumente utilizados nas pesquisas retratadas nesse livro, como a preparação dos dados e a interpretação das árvores de similaridades. Finalmente discute algumas variações do uso do CHIC na pesquisa, e como o conhecimento pode ser construído no processo de análise dos dados, usando o CHIC. A Parte 2 consiste dos capítulos sobre estudos realizados que utilizaram o CHIC. No capítulo 5, Mirna Tonus apresenta os resultados de sua tese de doutorado sobre a interação mediada pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) na formação plurimodal e na aprendizagem em radiojornalismo de alunos do curso de graduação em Comunicação Social tendo como objeto a edição digital de áudio. A autora utilizou tanto as árvores de similaridade fornecidas pelo CHIC como a análise coesitiva e implicativa e ressalta que tais análises permitiram a compreensão dos meandros contemplados na pesquisa-ação desenvolvida e as interpretações adquirem um diferencial devido ao tratamento em sua multidimensionalidade. Marilene Andrade Ferreira Borges trata no capítulo 6 do tema relacionado à apropriação das tecnologias de informação e comunicação pelos gestores educacionais participantes de um curso de formação continuada e em serviço desses sujeitos, realizado na modalidade bimodal 17


Apresentação

(parte presencial e parte a distância). A pesquisa, resultante da tese de doutorado da autora, buscou compreender o conceito de apropriação nas diversas áreas do conhecimento; desenvolver um constructo teórico que possibilite a análise do processo de apropriação das tecnologias digitais; e identificar, nos memoriais reflexivos dos gestores, evidências de uso dos instrumentos como meios de comunicação, informação, expressão e autoformação. O capítulo 7, de autoria de Ivan Ferrer Maia, apresenta a pesquisa baseada em seu doutorado, sobre as poéticas em rede e as tomadas de consciência na cultura da convergência evidenciadas em um processo de construção de letramentos de adultos com o uso de recursos das TDIC - Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, segundo um enfoque sócio-histórico. A utilização do CHIC favoreceu a visualização de variáveis com ocorrências similares, permitindo estabelecer categorias sobre os níveis de letramentos evidenciados pelos aprendizes em seus processos construtivos. Júlio Wilson Ribeiro e José Armando Valente exploram no capítulo 8 o uso das TDIC como ferramenta de auxílio pedagógico para promover práticas no laboratório de experimentação científica, evidenciados em um processo de formação de professores realizado a distância, estudado durante os estudos de pós-doutoramento do primeiro autor. O uso do software CHIC foi delimitado ao processo de análise hierarquizada e relacional a partir das narrativas produzidas colaborativamente na formação a distância em um fórum de discussão. Arnaldo Ono trata no capítulo 9 da aprendizagem com mobilidade com o uso de equipamentos móveis e sem fio como apoio ao processo de construção do conhecimento. Esse trabalho é baseado na tese de doutorado do autor, que adotou como foco o processo de construção do conhecimento, por meio da proposta de inter-relação entre o modelo 18


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de Espiral da Aprendizagem, de Valente como referência do olhar sobre os indivíduos e suas reflexões e a teoria de Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi para a análise dos grupos em direção às organizações. A inter-relação entre os dois modelos foi analisada por meio de dados obtidos em entrevistas por meio da técnica de análise de conteúdo e da análise hierárquica do CHIC. No capítulo 10, Beatriz Sanz Vazquez expõe sobre um estudo realizado em seu trabalho de mestrado com a finalidade de mostrar que o ambiente virtual de aprendizagem Teleduc se constitui como um espaço de interação voltado à memória virtual coletiva a partir da história de vida. A análise desenvolvida pela autora fez uso das três funcionalidades oferecidas pelo CHIC, o que permitiu compreender como as memórias conectam-se, conversam, interligam-se ou distanciam-se. Ana Maria Torres Alvarez retrata no capítulo 11 o estudo realizado em sua tese de doutorado em que estudou a infografia como instrumento de ensino e de aprendizagem por meio da produção de infográficos pelos próprios aprendizes com vistas a propiciar o aprimoramento do pensar crítico e criativo, evidenciado em duas edições de um processo de formação-investigação. A autora fez uso do CHIC para a produção de árvores hierárquicas sobre os comportamentos dos participantes e para identificar as relações entre suas habilidades e dificuldades no que diz respeito ao uso e criação de infográficos em situações da formação, bem como utilizou o aplicativo Wordle, gerador de mapas de nuvens de palavras-chave (tag clouds) para identificar as palavras com frequência mais forte. Renata Aquino Ribeiro e coautores exploram no Capítulo 12, o uso do CHIC na análise de práticas em educação e tecnologia a partir dos caminhos explorados na tese de doutorado de uma das autoras (Renata A. Ribeiro) sobre as práticas pedagógicas inovadoras evidenciadas em 19


Apresentação

trabalhos apresentados nos I e II Seminários Web Currículo e do blog web currículo. O processo de análise das publicações desses eventos permitiu identificar categorias e elementos que apontam tendências para práticas inovadoras. No capítulo 13, Katia Alexandra de Godoi e Silva analisa os saberes avaliativos contextuais de professores mobilizados na escolha de materiais didáticos digitais em contexto de formação de professores no âmbito do projeto Um Computador por Aluno (UCA) do Ministério da Educação. Nesse estudo, baseado em sua tese de doutorado, a autora utilizou o software webQDA na realização dos procedimentos de organização, compilação, codificação e categorização dos registros textuais dos professores em formação e, em seguida, construiu a árvore de similaridade com o uso do CHIC para analisar os procedimentos e critérios pedagógicos que o professor utiliza na escolha do material didático digital. O estudo sobre indicadores de potencial de comunidades de prática - CoP on-line de professores do Brasil e de Portugal, que favorecem a formação dos professores no desenvolvimento de competências pedagógicas com o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) é apresentado no capítulo 14, de autoria de Flaviana dos Santos Silva, a partir da pesquisa realizada em sua tese de doutorado. As árvores hierárquicas do software CHIC foram utilizadas em dois momentos da pesquisa, o primeiro, retratado nesse texto, permitiu identificar os indicadores de potencial de sete CoP investigadas, sendo duas de Portugal e cinco do Brasil. O capítulo 15 apresenta um recorte do estudo realizado por Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Leila Rentroia Iannone e Maria da Graça Moreira da Silva, sobre o Curso de Pedagogia a Distância, concluído no ano de 2012, que se desenvolveu mediante duas vertentes de trabalho - análise documental e pesquisa de campo em oito instituições, cujos polos de oferta do curso se situam em distintas regiões do 20


José Armando Valente | Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida

país. Nesta segunda vertente, entre outros procedimentos de coleta, foi aplicado um questionário aos alunos do curso, cujas respostas foram tratadas pela estatística descritiva clássica e pela análise hierárquica de similaridade com o software CHIC. Neste capítulo as autoras fazem um recorte da pesquisa e analisam as categorias currículo, material didático e avaliação. No capítulo 16, os autores Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e Nelson Morato Pinto de Almeida descrevem o tipo de atividade pedagógica desenvolvida pelo professor com o uso pedagógico do laptop a partir das respostas obtidas a um questionário on-line analisadas por meio de árvores de similaridade fornecidas pelo CHIC. As análises permitiram aos autores identificar a concepção de currículo nas atividades concretizadas com o uso do laptop e os indícios de inovação evidenciados nas inter-relações entre as classes e subclasses mostradas pelo CHIC. O capítulo 17, de autoria de Maria Elisabette Brisola Brito Prado e Nielce Meneguelo Lobo da Costa, trata da formação continuada de professores de Matemática da educação básica em um contexto de um Programa intitulado Observatório da Educação, tendo utilizado o CHIC para desenvolver a análise temporal dos registros textuais dos professores disponibilizados nas ferramentas do ambiente virtual de aprendizagem utilizado no curso. Os autores e organizadores esperam resgatar com essa obra os principais trabalhos sobre a produção do CHIC, bem como do seu uso no desenvolvimento de pesquisas a formação de educadores, o que tem sido considerado a característica do uso do CHIC no Brasil. A todos uma ótima leitura! José Armando Valente Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida

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Capítulo 1

Origem e Desenvolvimento da Análise Estatística Implicativa (A.S.I.) Régis Gras1 Jean-Claude Régnier2

Origem da análise estatística implicatica

A

tualmente, a análise estatística implicativa (A.S.I.) designa um campo teórico centrado sobre o conceito de implicação estatística ou mais precisamente sobre o conceito de quase implicação para distinguir este da implicação lógica dos domínios da lógica e da matemática. A modelização e o estudo deste conceito de quase implicação enquanto objeto matemático, no campo das probabilidades e da estatística, conduzem à construção de ferramentas teóricas, instrumentando um novo método de análise de dados. Pode-se constatar que as raízes epistemológicas deste conceito são nutridas de questões que surgiram principalmente no domínio das ciências humanas: o da didática da matemática, se desenvolvendo a partir de questões provenientes de outras disciplinas. Historicamente, uma das questões abordadas tratava de colocar em evidência os níveis de complexidade dos exercícios de matemática aplicados a jovens alunos, a questão se apresentava assim: 22


Régis Gras | Jean-Claude Régnier

R – “Se um exercício é mais complexo do que outro, então todo aluno que resolve o primeiro deverá conseguir resolver o segundo”. Mais precisamente, em 1976, Régis Gras (1979) concebeu uma taxonomia a priori de objetivos cognitivos, que significava uma pré-ordem parcial entre as competências esperadas dos alunos ao curso da aprendizagem e do funcionamento operatório dos conceitos matemáticos. Cinco classes de competências se organizariam então da mais elementar decomposta em 4 subclasses (A={A1, A 2, A3, A4}) a mais complexa decomposta em 3 subclasses (E={E1, E2, E3}): A: conhecimentos de ferramentas e de fatos B: análise de fatos e transposição C: compreensão de relações e de estruturas D: síntese e criatividade E: crítica e avaliação Por exemplo, “Escolha e ordenamento de argumentos” dependente de C3 precederia “crítica de argumentação e construção de contra-exemplos” que depende de E3 e sucederia a “efetuação de algoritmos simples” que depende de A4. Régis Gras esperava a validação desta taxonomia, a partir da aplicação de diversos testes de conhecimentos matemáticos, constituídos de variantes de exercícios ilustrativos destas classes taxonômicas e apresentadas a alunos dos anos finais do Ensino Fundamental3 (13 a 15 anos). Sob forma de grafo orientado sem ciclo, a organização das performances observadas deveria permitir o estudo da adequação da taxonomia para uma preordenação parcial restituída pelo grafo e, acessoriamente o estudo das distorções de performances ligadas a dois modos de ensino diferentes. Todo professor, como todo pesquisador em didática da matemática, sabe pela prática pedagógica ou por observação que os contra-exemplos surgem nas situações observadas por ligação às hipóteses formuladas sobre a performance. Uma ferramenta estatística 23


Origem e Desenvolvimento da Análise Estatística Implicativa (A.S.I.)

se mostrará então necessária para objetivar, representar as regras liberadas das contingências sobre a base de resultados obtidos4 e relacionar a essas regras um índice de qualidade em relação a uma regra estrita, índice chamado de intensidade de implicação. Voltando ao enunciado R acima, ele exprime uma regra que raramente estritamente observada. Ele não pode então, ter o status de teorema no sentido definido em matemática. No entanto, este se inscreve plenamente no quadro paradigmático da relação de implicação estatística que faz o objeto central desta obra, onde as regras se exprimem sob a forma: “Se observa a propriedade a, então se observa geralmente a propriedade b”, como, por exemplo, “Se tem sucesso num exercício classificado E3, então, em geral deve-se ser capaz de resolver um exercício de classe C2”. Vê-se aqui a diferença que nós estabelecemos e sobre a qual nós trabalhamos entre a noção de regra e a de lei que seria uma regra sem exceção. Um teorema matemático seria uma lei; a gramática de uma língua tais como o francês ou o português, emitiria regras porque ela apresenta exceções.

Desenvolvimento da ASI Ao longo dos últimos vinte anos, o desenvolvimento teórico da análise estatística implicativa foi principalmente estimulado por uma dialética entre a prática e a teoria, dentro de uma tensão entre dois quadros: estatística aplicada à alguma coisa e estatística matemática. Dentro de diversos campos científicos, tais como: a didática da matemática, a psicologia, a sociologia, a bioinformática etc., dados observados foram submetidos a este método de análise. Essa aplicação mostrou a eficiência do método dentro de sua capacidade a fazer emergir propriedades, que outros métodos não permitiam, mas ela permitiu também mostrar seus limites que suscitaram novas problemáticas em torno do conceito-objeto da quase 24


Régis Gras | Jean-Claude Régnier

implicação. O raciocínio que apóia a interpretação dos resultados da análise estatística implicativa é essencialmente de natureza estatística e probabilística. Este modo de raciocínio inscreve-se em uma perspectiva proporcionada pelo desenvolvimento do pensamento estatístico, do espírito estatístico. Uma parte importante do desenvolvimento da análise estatística implicativa origina-se dos trabalhos conduzidos, dirigidos ou incentivados por Régis Gras após os anos 70. Mas, igualmente dos encontros internacionais (mais de vinte países foram representados), sobre a Análise Estatística Implicativa 5 (IUFM de Caen em 2000, Universidade PUC de São Paulo em 2003, Universidade de Palermo em 2005 e em 2010, Universidade de Castellón em 2007 e novamente à IUFM de Caen em 2012) foram apresentados discussões e debates que permitiram prosseguir o desenvolvimento da teoria e abrir a variedade de aplicações. A amplificação do desenvolvimento da ASI tem também encontrado apoio dentro da assistência informática que aporta um software dedicado, designado pelo acrônimo CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) cuja construção foi iniciada por Régis Gras em 1985, aperfeiçoado em seguida dentro das teses de Saddo Ag Almouloud (1992) e de Harrison Ratsimba-Rajohn (1992). Sua manutenção e sua atualização são garantidas por Raphaël Couturier (2008) em resposta às demandas de pesquisadores e aos desenvolvimentos teóricos e das expectativas dos utilizadores. Deste modo, o CHIC permite passar da tabela de dados de base do tipo representado pela Tabela 1.

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Origem e Desenvolvimento da Análise Estatística Implicativa (A.S.I.)

Tabela 1 – Exemplo extraído de uma tabela de dados fornecendo as realizações de variáveis binárias para os valores {0;1} ou de variáveis cujos valores pertencem ao intervalo [0;1] tais como considerados dentro da abordagem teórica ASI S s ES s LI s

A

B

D

Sujet_01

1

0

0

0

0

1

Sujet_02

1

0

0

0,8

0

1

Sujet_03

0

1

0

0,8

0

1

Sujet_04

1

0

0

0,1

0

1

E

F

0,6 0,8

G

H

1

0,8

1

0,8

1

1

1

1

0,6

1

0

1

0

0,9

0,9 0,9 0,7 0,5

0

0,4

0

0,4

1

0,6 0,8

1

Sujet_05

1

0

0

1

0

0,2

0

0,8

Sujet_06

0

1

0

1

0

0,8

0

0,1 0,8

0

Sujet_07

0

0

1

0,4

0

0,1

Sujet_08

1

0

0

0

1

0,6 0,2

1

0

1 1

I

J

K

0

1

0

1

0

0

0

1

0,7 0,7 0,7 0,7

0,7 0,9

1

0,9

1

… … …

Para uma tabela como a apresentada na Tabela 2, fornecendo os valores das intensidades de implicação associadas a cada par de variáveis principais obtidas, a partir dos índices ou coeficientes de implicação, calculados segundo os algoritmos apresentados em (Gras; Régnier; Marinica; Guillet, 2013).

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Tabela 2 – Exemplo mostrando um extrato da tabela de intensidades de implicação associada ao TAB1 obtido com o software CHIC

Pode-se ler, por exemplo, na Tabela 2, que a qualidade de implicação da variável E sobre a variável B é medida pelo valor 90 da intensidade de implicação que representa o valor 0.90 correspondente a uma medida de probabilidade. Uma representação gráfica é fornecida pelo software CHIC que organiza automaticamente as relações segundo um grafo dito implicativo como este da Figura 1.

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Figura 1 – Grafo implicativo de variáveis observadas obtido a um nível j de intensidade de implicação superior a 0.70 (um jogo de cores vermelho-azul-verde-cinza permite diferenciar várias escolhas realizadas pelo utilizador, como nós ilustramos aqui)

Cada arco dessa rede de relações é ponderado pelo valor da intensidade de implicação que é tomado como uma medida da qualidade da regra descrita por um dos arcos sob a forma de um nível de confiança probabilística. O conjunto dessas mesmas variáveis é também estruturado segundo uma árvore hierárquica orientada que representa metarregras (regras de regras) do tipo “se tal regra é observada então, em geral, tal outra regra é também”. Cada metaregra é afetada de um índice de qualidade considerando seus valores sobre [0 ; 1] chamado índice de coesão, indicado na Figura 2.

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Figura 2 – Hierarquia dita coesitiva

Correlação, precedência, ontologia e causalidade na perspectiva da ASI Se olharmos a ASI do ponto de vista da exploração de conhecimentos a partir dos dados (ECD ou pesquisa nos dados ou Data Mining), reencontramos o objetivo principal de estabelecimento indutivo de regras e quase-regras entre as variáveis observadas por intermédio das instâncias x de um conjunto E de objetos ou de sujeitos. Uma regra estrita (ou teorema neste caso) se expressará sob uma forma simbólica. Uma quase regra apresentará contra-exemplos, isto é, . que o enunciado seguinte será observado: O objetivo da ASI é fornecer uma medida a tais regras a fim de estimar a qualidade, desde que a frequência de enunciado acima fosse fraca. Em um primeiro momento no quadro da ASI um índice de qualidade foi construído, que nós temos nomeado intensidade de implicação, no intuito, como no caso de outros índices, de propor uma resposta probabilística a esse problema. Mas investigando entre as regras6, que exprimiriam uma causalidade, uma relação de 29


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causa a efeito, ou pelo menos uma relação do tipo causal, pareceu-nos absolutamente necessário apoiar a satisfação da regra direta por uma medida de sua contraposição: . Assim, se estatisticamente, seja com a confiança medida pela probabilidade condicional ou com a intensidade de implicação, a verdade de uma regra estrita é também obtida com sua contraposição, o que não é mais necessariamente o caso com uma quase regra. Também, procuramos construir de uma maneira nova e original uma medida que permite superar o paradoxo de Hempel (1943) a fim de obter uma medida que permite confirmar a satisfação da indução em termos de causalidade. Lembramos que, segundo Carl G. Hempel, o paradoxo é ligado a não-pertinência da contraposição em relação à indução enquanto que seria observada a não-satisfação empírica (de fato) da premissa a. Ele é a consequência da aplicação do terceiro princípio de Hempel: “Se um objeto observado x não satisfaz o antecedente (seja a(x)=falso), ele não conta ou ele é desprovido de pertinência com relação ao condicional (=a proposição direta)”. Isto quer dizer que a confirmação da contraposição em nada contribui para a versão direta da proposição, mesmo que ela lhe seja logicamente equivalente. Por exemplo, este não é da observação confirmatória da contraposição de “Todos os corvos são pretos” por aquela de um gato vermelho (ou seja, não preto) que se confirma a validade de que “todos os corvos são pretos”. Nem, aliás, seguindose a observação de outros objetos não pretos. Pois, para confirmar este enunciado e, portanto, validar a indução, precisar-se-ia realizar o levantamento de todos os objetos não-pretos que podem atingir um número infinito.

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Tabela 3 – Tabelas de verdade 1 a(x) v v f f

2 b(x) v f v f

3 a(x)∧b(x) v f f f

4 a(x)∨b(x) v v v f

5 a(x)⇒b(x) v f v v

6 a(x)⇔b(x) v f f v

Ou seja, ainda, segundo Hempel, na tabela de verdade de implicação (Tabela 3, col. 1, 2 e 5), os casos nos quais a(x) é falso são poucos interessantes para a indução: só as linhas [a(x)=verdadeiro e b(x)=verdadeiro] que confirmam e [a(x)= falso e b(x)=verdadeiro] que invalidam, são consideradas. Ora na ASI, este paradoxo não se mantém por duas razões: 1. Os objetos x são do mesmo conjunto de referência finito ou não, ou seja, infinito numerável ou mesmo infinito contínuo, conforme os últimos desenvolvimentos na área, e no qual todos os x podem ser suscetíveis potencialmente e de maneira pertinente, de satisfazer ou não as variáveis em jogo; ou seja, pela atribuição de um valor de verdade ou um valor numérico, a proposição direta e/ou sua contraposição são elas também avaliáveis (por ex. a proposição é verdadeira mesmo que a(x) seja falso, enquanto que b(x) é verdadeiro); 2. Como temos lidado frequentemente com a quase regra, o equivalente entre uma proposição e sua contraposição não faz sentido, e é a partir da conjunção das qualidades respectivas e avaliadas destes enunciados que induzimos ou não um caráter causal. Aliás, se a regra é estrita, a equivalência lógica com sua contraposição também é estrita e a regra contraposta é satisfeita ao mesmo tempo. Voltamos agora sobre os termos que a literatura utiliza para evocar e eventualmente tratar as questões relevantes 31


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de implicação e de causalidade. Várias situações semanticamente diferentes podem estar associadas às estruturas que descrevem associações entre variáveis: • Duas ou mais variáveis se realizam concomitantemente. O conceito de correlação visa propor uma informação relativa à determinação da qualidade de associação. • Duas ou mais variáveis são ligadas por uma cadeia temporal: c se realiza após b que, ela mesma, se realiza após a. A ordem, ou a pré-ordem, se várias cadeias são ativas, se traduz por uma rede; a intensidade de implicação pode então permitir previsões de aparições consecutivas. Nós designamos por consecutividade ou precedência (Pellois, 2007) esta situação; • Duas ou mais variáveis são estruturadas por uma taxonomia ou ontologia cuja semântica se explica por transições que fazem passar do específico ao menos específico ou ao geral; a intensidade de implicação permite medir a qualidade inclusive das variáveis; • Duas ou mais variáveis são estruturadas por uma relação causal. É a este aspecto, principalmente, que nos interessa neste texto.

Correlação total, correlação parcial Consideramos aqui a noção de correlação num sentido mais geral que o em uso no domínio que desenvolve o coeficiente de correlação linear (medida de ligação linear) ou a relação de correlação (medida de ligação funcional). Em nossa perspectiva, há a correlação total (respectivamente, parcial) entre duas variáveis a e b quando os acontecimentos respectivos que elas determinam, se realizam (respectivamente, quase) ao mesmo tempo assim que seus contrários. Ora, sabemos pelos contra-exemplos numéricos que correlação e implicação não são equivalentes, pois pode haver

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correlação sem implicação e reciprocamente. Se confrontarmos algebricamente o coeficiente de implicação e o coeficiente de correlação linear, esta confrontação mostra claramente a não coincidência das duas noções e, por consequência, elas não levam a mesma informação. Com a correlação considerada do ponto de vista da correlação linear, a orientação da relação entre duas variáveis não é transparente, pois ela é simétrica, o que não é o fundamento da ASI. De uma relação estatística dada pela correlação, podem-se deduzir duas proposições empíricas contrárias. Citamos para este fato, Alain Ehrenberg (2008), sociólogo, diretor de Pesquisas do C.N.R.S. que escreveu na Revista Sciences Humaines, nº 198, Nov. 2008: A constatação de uma correlação não leva a ambiguidade entre “quando eu faço X, meu cérebro está no estado Y” e “se eu faço X, é porque meu cérebro está no estado Y”, isto é, entre alguma coisa que se passa no meu cérebro quando eu faço uma ação e alguma coisa que eu faço quando eu ajo porque meu cérebro é a causa desse fato. Duas coisas diferentes são assim misturadas.

Precedência Há consecutividade ou precedência quando b se produz após a, mas sem que seja necessariamente verdade que b possa se produzir independentemente de a (por exemplo, “se eu apoio sobre o gatilho do fuzil, a arma dispara”). Com efeito, o parâmetro “tempo” cria um ruído na relação e pode conduzir a um artefato não controlado. Além disso, o eixo do tempo que parece aqui fundamental poderá excluir a consideração de observação de não-b quando não-a se produz.

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Ontologias Considerando-se a perspectiva desenvolvida por Fabien Gandon (2013): De um ponto de vista prático, uma ontologia informática permite, em particular, graças aos trabalhos de inteligência artificial simbólica sobre os sistemas à base de conhecimentos e os motores de inferência, de implantar os mecanismos de raciocínio dedutivo, de classificação automática, de pesquisa de informação e de assegurar a interoperabilidade entre vários sistemas desse tipo (...). Uma ontologia define conceitos (princípios, ideias, categoria de objeto, noções potencialmente abstratas) e relações. Ela inclui geralmente uma organização hierárquica de conceitos pertinentes e relações que existem entre os conceitos, assim que as regras e os axiomas que os impedem. O conjunto das propriedades de um conceito chama-se sua compreensão ou sua intenção, e o conjunto de objetos ou seres que ele engloba, sua extensão (...). Na ontologia, as intenções são organizadas, estruturadas e forçadas para representar nossa concepção do mundo e seus limites (...). A ontologia captura as intenções e as leis que as regem, a fim de prestar conta dos aspectos da realidade escolhidos pela sua pertinência nos cenários de aplicação considerados. A representação das intenções e da ontologia pode fazer apelo a linguagens mais ou menos formais (grafos, lógicas, língua restrita), segundo a utilização considerada pela ontologia. A construção formal da intenção fornece uma representação precisa e não ambígua da maneira pela qual se pode conceber seu sentido, o que permite sua manipulação informática e sua utilização como uma primitiva de representação de conhecimentos para descrever e estruturar, por exemplo, dados, softwares, utilizadores, comunidades etc. Na ontologia, as intenções são habitualmente 34


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organizadas em taxonomia ou hierarquia de tipos. Chama-se “subsunção” o fato de colocar uma categoria sob uma outra; é também a ligação que resulta entre a subcategoria subsumida e a categoria mãe. A importância de organização taxonômica se justifica pelo fato que a classificação ou identificação (o fato de determinar se alguma coisa pertence à uma classe) e a categorização (o fato de identificar as categorias existentes) são inferências elementares que fazemos todo dia.

Uma taxonomia é, portanto, uma ontologia. Ela é representada por um grafo sem ciclo ordenado por relações semânticas ou inclusivas (por exemplo, “se (Moscatel) é então (vinho branco) então (vinho de Loire)...”). A noção de causalidade não é subjacente.

Causalidade Digamos que há relação do tipo causal7 ou de necessidade de a sobre b se observarmos, no mesmo contexto, as condições seguintes: de um lado, b se produz quando ou desde que a se produz, e por outro, b não se produz, quando ou enquanto que a não se produz. Dito de outra maneira, (Tabela 4) (a(x)∧b(x)) é falsa em toda circunstância x. Tabela 4 – Tabelas de verdade 1 a(x) v f

2 b(x) v f

3 não-b(x) f v

4 a(x)˄não-b(x) f f

Este é o caso da implicação formal ou estrita de a sobre b porque essas condições permitem a verificação simultânea da implicação direta e de sua contraposição. Do ponto de vista da quase implicação, consideramos a causalidade com 35


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um nível de confiança e falaremos de (uma causalidade quando estatisticamente os dois acontecimentos são satisfeitos no limiar de risco α. Deste modo, designamos esta relação causal por causalidade estatística. Esta moderação da causalidade leva a um grau de plausibilidade de sua existência que é uma função decrescente do nível de risco α. Notamos que, nessas condições formais ou não, várias premissas podem ser causais em relação à mesma conclusão. Na International Statistical Review, D. R. Cox e Nanny Wermuth (2004) prepararam a lista de autores e de seus artigos publicados sobre o tema da causalidade. O primeiro, parece-nos, é Yule (1990) que foca a diferença, que acabamos de lembrar, entre causalidade e correlação. Cochran (1965) obtém uma réplica de Fischer, que defendia o recurso a técnicas de randomização, que Cochran deveria estabelecer uma teoria da causalidade se ele persistisse a fazer seu estudo na sua perspectiva. Hill (1965) dá a este fato uma linha diretriz em um contexto epidemiológico. Box (1966) insistia sobre a atenção na interpretação causal das equações de regressão procedentes de observações. O que fizeram de modo mais sistemático Cox e Snell (1981) controlando os efeitos de mudanças de uma ou mais variáveis. Rubin (1974) desenvolve e aplica as ideias de Neyman (1923) nos contextos de ciências sociais. Robins (1997) explora as noções de causalidade nas experiências clínicas e em um quadro epidemiológico. Rosenbaum (2002) colocou as questões conceituais e metodológicas abrindo assim um eixo de pesquisa importante. A partir deste autor, D. R. Cox e Nanay Wermuth fizeram a escolha de reter as questões seguintes: • Escolher uma forma geral adaptada da relação de regressão; • Determinar quais são as variáveis a explorar que podem legitimamente serem incluídas naquelas que têm uma interpretação potencialmente causal; 36


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Examinar os efeitos não lineares e interativos que podem induzir uma interpretação correta; • Combinar as tendências à prova a partir de numerosos estudos. No entanto, o estudo teórico a que eles conduzem neste artigo apoia-se na noção de probabilidades condicionais simples ou compostas, de propriedades bayesianas e explora mais em detalhe o caso no qual as variáveis são combinações lineares de algumas dentre elas. Este estudo sério não é retomado na ASI pelas três razões seguintes: 1° A abordagem bayesiana, conduz a uma estrutura de grupo de Galois, não é o que adotamos na ASI devido às restrições que já temos desenvolvido (Gras et al, 2004) e que retomamos aqui. Essas estão voltadas essencialmente sobre a sensibilidade reduzida no caso de crescimento das observações e sobre a trivialidade da medida de qualidade associada à probabilidade condicional quando a variável “condicionada” é evidente; 2° Nenhum estudo restritivo ao caso linear não é feito na ASI. Ela não constitui uma necessidade para evidenciar as condições da observação da causalidade; 3° O exame da confirmação da hipótese causal pela contraposição não é feita na análise bayesiana enquanto que ela parece fundamental e efetuada em consequência no quadro da ASI. E, portanto, os objetivos desses dois métodos de análise da causalidade instrumentados, por uma, pelos grupos de Galois e, por outra, pelos grafos implicativos são os mesmos: tentar determinar entre as premissas procedentes de uma variável observada aquela ou aquelas, se elas existirem, que implicariam mais intensamente a variável-conclusão. De fato, voltando à cobertura conceitual abrangendo uma variável a que, em geral, é uma conjunção de variáveis, procura-se 37


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estabelecer uma relação hierárquica de subsunção a fim de determinar o conceito que subsume o mais a variável b. Dito de outra forma, utilizando a representação dada pelo software CHIC, por exemplo, pelo que chamamos o “cone implicativo” (conjunção de arcos de conclusão comum), trata-se de encontrar o conceito ideal em montante do topo b desse cone implicativo. O que não interdita que possa existir várias variáveis tendo uma relação aparentemente causal face à mesma conclusão. A emissão de uma presunção forte de causalidade faz apelo necessariamente à utilização conjunta de uma distância semântica permitindo fazer a escolha nos antecedentes de um nó “conclusão”, não somente o que otimiza uma intensidade de implicação, mas também aquela que admite uma fraca distância semântica com o nó. A literatura nos oferece igualmente testes de relação causal. É assim que o que os autores estabelecem como testes (Granger, Haugh-Pierce e Sims citados por Jean-Marie Dufour (2002), relatório de pesquisa à Universidade de Montreal, abril de 2002) consiste a aceitar a não causalidade testando a independência pela rejeição de uma relação linear. O que, em nosso ponto de vista, parece insuficiente em razão de hipóteses limitativas e demasiadamente simétricas. De certa maneira, podemos dizer que a análise estatística implicativa na sua forma que nomeamos clássica, exprime metaforicamente a surpresa, a estranheza estatística provocada pela observação de uma quase implicação da variável a sobre a variável b; isto é ainda, da quase inclusão do conjunto A das observações de a no conjunto B da variável b. A intensidade de implicação que atribui um valor de 0 a 1, é uma medida da qualidade dessa surpresa. Ela pode ser considerada como trazendo uma presunção de causalidade. Mas o índice ou coeficiente de implicação que está na base da intensidade de implicação não distingue as qualidades 38


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respectivas da implicação direta e da sua contraposição. Ele lhe atribui o mesmo valor opondo-se à semântica de numerosos casos observados. Para abordar esta problemática limitativa, construímos uma medida da dupla qualidade da inclusão de A em B e do complementar de B naquele de A, satisfazendo-se a semântica clássica da causalidade: “a cada vez que se observa a, observa-se b, e a cada vez que b não aparece, então não se observa a, presume-se então que a seja causa de efeito b”. Temos nomeado: intensidade de inclusão, um número que atribui um valor ao grau de causalidade de a sobre b ou pelo menos reforça a presunção. O conceito no qual baseamos a intensidade de inclusão é o conceito de entropia de Shannon e Weaver (1949). Para fazer isso, como apresentamos neste artigo, escolhemos como critério, a expressão da fraqueza de entropia da realização de b quando a se realiza, isto é, a qualidade da informação sobre b quando a se realiza e, do mesmo modo, a qualidade da informação sobre não-a quando não-b se realiza. Notamos que, no contexto de ECD que evocamos, esta abordagem nos parece única entre os métodos repertoriados atualmente na literatura consagrada. Ela atenua também um dos limites das redes bayesianas. Com efeito, uma relação causal entre dois acontecimentos será mais voluntariamente ressentida na vida corrente se premissa e conclusões são raras. Em todo caso, ela o será mais quando a premissa é, seja rara, seja frequente, com uma conclusão frequente, de outro modo dita trivial. Em seguida, os métodos de pesquisa de causalidade que filtram as regras na base do suporte e da confiança deixam de lado essas regras nas quais, pelo menos psicologicamente, as relações causais se acomodam. É neste sentido que a A.S.I. oferece um aporte fundamental. Nesse sentido, podemos dizer que a análise entrópica desenvolvida no quadro da ASI associa a surpresa e a causalidade. De um lado, construímos um índice que nomeamos 39


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índice de inclusão que integra a informação dada pela realização de um número fraco de contraexemplos à regra e à sua contraposição. De outro lado, a partir deste índice de inclusão, construímos uma medida que nomeamos índice de implicação entrópica ou intensidade entrópica que qualifica, portanto a surpresa estatística de certa causalidade de a sobre b integrando a qualidade de inclusão. No momento da realização de uma análise estatística implicativa segundo a abordagem que denominamos entrópica, se observarmos um valor forte da intensidade entrópica entre duas variáveis, podemos então presumir uma relação de causalidade da premissa sobre a conclusão. É mesmo possível, de uma parte, proceder a escolha da relação a mais forte associando UMA das premissas e a conclusão, e de outra parte, utilizar a conjunção entre premissas para extrair a relação mais intensa e assim assegurar uma presunção máxima.

Quanto à causalidade em Ciências Sociais A noção de causa divide tanto os sociólogos quanto os filósofos. A. Comte afirma que a pesquisa de causa deve ser substituída pela pesquisa de leis que pressupõem um certo determinismo. O que conduz alguns a rejeitar a causalidade. E. Durkheim pensa que esta pesquisa passa pela utilização de um método baseado num modelo matemático como o relataremos abaixo. Os sociólogos contemporâneos (por ex. P. Lazarsfeld ou R. Boudon) elaboraram ferramentas de análise da causalidade com o mesmo rigor que os da econometria (análise causal). Do fato da interdependência entre as variáveis, as ferramentas levam em conta não somente num esquema simples, as relações duais entre variáveis, mas, sobretudo, a estrutura causal das variáveis, isto é, um esquema complexo no qual as variáveis explicativas são ligadas umas às outras8. 40


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A partir do livro Le suicide, Etude de Sociologie, Durkheim (1897), H. Simon (Models of Man, 1957) matematiza por um modelo linear empírico, mas operacional, as relações entre três fenômenos (a = idade, c = estado civil, t = índice de suicídios) segundo uma matriz M (3x3) de coeficientes associados à estrutura causal:

Ele traduz as dependências causais pela relação matricial na qual os símbolos e1, e2, e3 exprimem a ação de fatores, o primeiro a= e1. Esta matriz denota: 1. A independência de a pela relação à c e t: a = e1 (efeito de fatores) 2. A dependência linear de c pela relação à a: c = x12.a + e2 3. A dependência linear de t pela relação à c e à a: t = x13.a + x 23.c + e3 Essas relações podem igualmente ser representadas pelo grafo implicativo seguinte:

Figura 3 – Grafo implicativo

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Sob outra forma, este grafo traduziria as relações de causalidade expressas por Durkheim: haveria implicação da idade e do estado civil (solteiro, casado) sobre o índice de suicídios (quanto mais a idade avança e mais o sujeito está isolado, mais o suicídio é frequente). A existência dessas relações se revela a partir de simples bases numéricas observadas empiricamente.

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Notas 1 Doctorat ès-sciences: « Mathématiques et Applications » (1979) à l’Université de Rennes. Professeur d´Université émérite – Université de Nantes – Département d´informatique. E-mail: regisgra@club-internet.fr

Doutorado em matemática e didática da matemática - Université Louis Pasteur Strasbourg (FRA) (1983). Professor titular-pesquisador (Título: professeur des Universités classe exceptionnelle) - Université de Lyon - Laboratorio : UMR 5191 ICAR (FRA). E-mail: jean-claude.regnier@univ-lyon2.fr 2

3 Nota do tradutor: no texto original collège corresponde aos 4 últimos anos do ensino fundamental no Brasil.

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4 Em nosso conhecimento, nenhuma outra taxonomia, por exemplo, a mais célebre, a de Bloom (Taxonomy of Education Objectives, 1956), da qual R. Gras se inspirou, não foi provada e validada por meio de métodos estatísticos comparáveis. 5 Em seguida, por praticidade, nós designamos o campo da análise estatística implicativa pelo acrônimo ASI.

Doravante, « regras » significa regras estritas bem como quase-regras. Nós especificaremos este fato quando houver equívocos ou a especificidade da qualidade. 6

7 Dentro de diversos sentidos em função da contingência: psicologia, física, ocorrência etc.

É o que se propõe na ASI com o grafo implicativo e, de modo mais complexo ainda, com a hierarquia orientada como representando uma meta causalidade. 8

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Capítulo 2

Uma conversa entre Régis Gras [RG] e Jean-Claude Régnier [JCR] Régis Gras1 Jean-Claude Régnier2

Q

1: [JCR] Quando se consulta os recursos, descobre-se Régis Gras no domínio da didática da matemática e dentro deste uma parte da estatística: Análise Estatística Implicativa. Uma etapa de seu percurso foi sua tese de doutorado de estado defendida em 1979. Mas qual foi o caminho que você conduziu ao centro de interesse que a sua tese explicita? [RG] Ao risco de uma interpretação narcisista, eu vou responder a tuas questões com sinceridade e franqueza. Eu tenho sempre a preocupação de compreender quais dificuldades os alunos encontram, preocupação de compreender quais dificuldades os encontram, alunos pequenos ou grandes, no momento de aprendizagem de matemática, quais foram as origens dessas dificuldades (psicológica, didática, cognitiva, social,...), a expressão (erros, insucessos, lapsos, bloqueio, rejeição, repulsão,...), quais remediações (repetição, mudança de quadro, de registro, tutoria, exemplos, contra-exemplos, ...) podiam ser trazidas. Pode ser porque eu tinha aplicado a mim mesmo enquanto aluno: nos meus próprios cursos em 46


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licenciatura e bacharelado no domínio da matemática eu anotava tudo no rascunho e me esforçava de me re-explicar através de uma redação pessoal, me apoiando, às vezes, sobre um exemplo numérico ou geométrico ilustrativo. Deste modo, é sempre a questão do sentido que é colocado em primeiro lugar a favor da compreensão e da assimilação. Eu seguia por isso a filosofia dos meus mentores que são Guy Brousseau (Brousseau, 1986) e Gérard Vergnaud (Vergnaud, 1994). Assim não é surpreendente que: eu tenha acompanhado enquanto professor, passo a passo as aprendizagens não formais de alunos de 13 e 14 anos em dificuldades escolares no quadro de uma experiência nacional inovadora; eu tenha trabalhado durante mais de 10 anos no seio da Associação de Professores de Matemática (A.P.M.E.P) tentando apresentar as noções e ensinar a partir de resolução de problemas e não apenas das injunções de programas curriculares. Na realidade, em relação a outros ou a mim mesmo, o “porquê” sempre veio antes do quê”. Q2: [JCR] Quais experiências que você tem de ensino, de formação e de pesquisa em matemática? [RG] Eu tinha ensinado mais ou menos há muito tempo em todos os níveis de ensino, portanto encontrei aprendizes de todas as idades: classes dos anos iniciais do ensino fundamental (primário), anos finais do ensino fundamental, do ensino médio e ensino médio profissionalizante, da universidade (DEUG, licenciatura, mestrado, DEA, CAPES, Agregação (concurso para professor de ensino superior)) e formação continuada de adultos, professores ou não (61 anos de serviço remunerado ou voluntário à Educação Nacional em 2012!). Isto me tem permitido perceber as diferenças de representação dos conceitos matemáticos em função do lugar que o professor ocupa dentro de seu curso: formação geral, função de formador para atribuição de 47


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diploma, função profissionalizante, aperfeiçoamento etc., e correlativamente, os tipos de bloqueios encontrados por esses diferentes estudantes. Eu trabalhei com a pesquisa fundamental em matemática após a obtenção de meus Diplomas de Ensino Superior (DEA) de Probabilidades e de Cálculo Automático (primeiro encontro com os conceitos de algoritmos e de informática). Fortemente interessado pelos conceitos de função de risco, de previsão de probabilidades, de organização racional de tarefas, eu trabalhei sobre os processos de Markov com política de controle sob a orientação do genial e eclético Professor Michel Métivier. Após a obtenção do doutorado eu fui envolvido pela criação dos I.R.E.M, pelos problemas de formação continuada dos professores e de mudanças de programas de ensino, problemas que eu encontrava muito mais apaixonantes ainda, em razão de contatos humanos dos quais resultavam. A esta ocasião eu encontrei dificuldades de aprendizagem de alunos tanto ao nível dos anos iniciais do ensino fundamental como dos anos finais deste mesmo ensino e do ensino médio, assim como nos adultos mais ou menos experientes. Q3: [JCR] Parece-me que você se situava como um probabilista: o que isso significa para você? [RG] É verdade que a conceitualização da incerteza, em contato imediato com as aplicações às apostas, aos desafios, às sondagens, à relatividade da noção de medida, me tem mais seduzido que a análise ou a geometria que eu tenho estudado de maneira mais superficial. E como das probabilidades elementares à pesquisa operacional, só há um passo, eu pude reinvestir e alimentar certos conhecimentos de uma disciplina dentro da outra, porque as noções de otimização e de risco são comuns aos dois campos disciplinares e os atravessam.

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Q4: [JCR] O que é então para você a estatística? [RG] Eu não tenho verdadeiramente frequentado a estatística por intermédio da análise de dados (AFC, ACP, Clustering, ...). Portanto foi passando por seu filtro, certamente redutor, que lidei e simpatizei com a mesma! Assim, é uma visão truncada que eu tenho da estatística, e eu peço desculpas para os autênticos estatísticos. De forma breve, eu diria então que eu percebo a estatística como um domínio disciplinar no qual as probabilidades buscam sentido, oferecem modelos procurando exercer neles um certo controle. Na realidade, é também o lugar onde o desenvolvimento indutivo reencontra nela a felicidade uma certa função predicativa na qual a incerteza se mede sob a vigilância dedutiva. Q5: [JCR] De onde veio o seu interesse pela relação de implicação e a ideia de sua abordagem por um modelo estatístico? [RG] A necessidade fazendo a lei, a fim de avaliar os resultados de uma inovação pedagógica e os comparar a uma taxonomia de complexidade a priori, precisei olhar na direção de métodos estatísticos suscetíveis de hierarquizar comportamentos de resposta, por exemplo, a escala de Guttman, quero dizer, que me permitem enunciar: “quando o aluno acerta uma tarefa A, então ele acerta também uma tarefa B” ou o inverso. Atribuir uma medida a esta quase-implicação, estruturar hierarquicamente o conjunto de resultados em categorias, tais foram os desafios desses objetivos. Percebe-se o interesse para o professor que pode assim, por uma transferência à sua própria prática, hierarquizar a priori seus exercícios e conjecturar as dificuldades que seus alunos encontrarão. Nenhum método estatístico conhecido permite verdadeiramente responder de modo global e sistemático a esse tipo de problemática. É dai que surgem os primeiros passos da ASI (descrito no Capítulo 3). Se eu quisesse me aventurar sobre o terreno psicoló49


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gico, até mesmo psicanalítico, eu diria que no meu cotidiano, eu me surpreendo a identificar, a pesquisar os invariantes, as recorrências, as exceções, as regras contingentes etc. Voltando para minhas pesquisas, eu acrescentei inconscientemente e depois racionalmente ingredientes epistemológicos às vezes em oposição e o que eu pensava ter conciliado na ASI: a estrutura, a classificação, o rigor, a lógica, a dedução, a medida, o invariante, a regra, mas igualmente o “mais ou menos”, o “quase”, o valor aproximado, estimado, a indução, o relativo, o aplicado, o reestruturado, a representação, a relação causa→consequência etc. Q6: [JCR] Quais são para você as ações marcantes da abordagem ASI? [RG] A ASI se apresenta como um método classificatório não supervisionado, não simétrico de análise de dependências orientadas, sobre fundamento probabilístico a partir de dados estatísticos. Ela faz apelo unicamente a ferramentas matemáticas relativamente elementares. Tudo como a maioria dos métodos de análises classificatórios correntes3 que estudam e representam estruturas de dados a partir de critérios de semelhanças ou de similaridades. Uma distância euclidiana ou não euclidiana ou um desvio traduzem geralmente a proximidade entre duas variáveis. Assim, esses métodos são essencialmente simétricos. Pouco dos métodos são dissimétricos. Os mais correntes admitem como critério a confiança (probabilidade condicional) e sua extensão bayesiana (redes bayesianas). Ora a probabilidade condicional não permite fazer aparecer pepitas de conhecimentos porque os acontecimentos raros, portanto surpreendentes, inesperados, são desviados e são geralmente dominados pelos eventos mais frequentes4. Além disso, ela é invariante por dilatação de dados, o que se harmoniza pouco com a filosofia da estatística. Dois problemas que evitam ou contornam a ASI. 50


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Mas nossa abordagem ASI fornece bem mais que o simples tratamento das dependências entre variáveis apenas pelo índice de implicação, graças, em primeiro lugar, à representação original, de sua estrutura sob a forma de grafo implicativo orientado, ponderado, sem ciclo, constituído de um conjunto de redes. Cada arco do grafo representa uma regra do tipo a→b. Ele é ponderado pela intensidade de implicação. Um conjunto de caminhos do grafo é uma rede. Além disso, a ASI apresenta uma dimensão paradigmática não se reduzindo à definição deste índice de dependência orientada, definição na qual muito frequentemente pesquisas em estatística se limitam e, em torno da qual, existem polêmicas. A maioria dessas pesquisas se satisfaz de regras dissimétricas com explicitação “atômica” de relações entre fenômenos, entre acontecimentos. Ora, a ASI vai além disso. Ela estrutura em sistema dinâmico5 o conjunto de variáveis não somente em regras binárias (a implica b), mas igualmente em meta-regras ou regras de regras e as representam sob a forma de hierarquia orientada, a única “no mercado internacional” poderíamos dizer, atualmente. A forma sistêmica e dinâmica obtida se diferencia assim de estruturas simétricas estabelecidas a partir de índices de distância ou de dissimilaridade que elas mesmas conduzem a partições ou nuvens de pontos num espaço geométrico. Assim, a informação fornecida por um « todo » organizado em sistema – grafo e hierarquia - é mais rica que a soma das informações fornecidas por cada uma das partes – arco ou classe. Lembramos em relação a este fato o que conforta seu crédito indutivo, que um sistema complexo resiste à mudança em razão de mecanismos homeostáticos, o que assegura uma espécie de autoconservação. Assim, o especialista poderá emitir conjecturas suficientemente estáveis quanto à significação em termos de conceitos que ele poderá atribuir a um caminho ou a uma rede do grafo, uma classe ou um nível da hierarquia. É então um olhar 51


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próximo do modo de pensamento comparável ao estruturalismo caro ao antropólogo C. Lévy-Strauss. Além do mais, original, como no caso de certos métodos fatoriais, a ASI estabeleceu uma verdadeira dualidade entre os dois espaços em jogo na análise: a das variáveis e a dos indivíduos (sujeitos, objetos). Esta dualidade permite evidenciar a responsabilidade relativa dos indivíduos e de seus descritores nas estruturas obtidas. Além do mais, ela conduz a uma estruturação do espaço dos indivíduos (sujeitos, objetos) mediante uma topologia induzida por suas relações com as variáveis e as regras que as organizam. Q7: [JCR] Quais são para você as grandes problemáticas que nós devemos continuar a enfrentar para o desenvolvimento da ASI? [RG] De acordo com o uso amplamente difundido de técnicas de redes bayesianas, eu desejaria que a ASI se posicionasse mais claramente no exame de técnicas e ações respectivas de duas grandes abordagens. Que se pudesse fazer emergir as vantagens e os limites de cada uma delas, as especificidades de seus campos de aplicação. Quanto à ASI, eu desejaria que se aprofundasse suas respostas aos problemas de dados embaçados ( fuzzy data), de dados ausentes, da qualidade das estruturas obtidas; aos problemas da sensibilidade dos parâmetros às variações das ocorrências, da robustez dos diversos índices construídos, e das árvores de decisão, que se explora menos escassamente a dualidade dos dois espaços cruzados etc... E daí, a multiplicação dos domínios de aplicação me parece a maneira mais eficaz para credibilizar, enriquecer e direcionar uma teoria, seja ela já validada por belos resultados. Através de todos esses desenvolvimentos e aplicações, o objetivo maior visa a aproximar ao máximo possível a colocação em evidência, da causalidade, das “causas primeiras” entre os fenômenos: qual(is) variável(is), qual(is) conjun52


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ção(ões) de variáveis-premissas é (são) determinante(s) para a aparição de uma outra variável-conclusão? Com qual intensidade? Esses objetivos ambiciosos não seriam tentativas de remediações às decomposições encaixadas, expressas por esse pensamento de Mark ASPEN inscrito no museu das crianças do Capitólio em Washington: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?” “Onde está o conhecimento que temos perdido na informação?” “Onde está a informação que temos perdido nos dados?”

Referências BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactique des mathématiques. Recherche en Didactique des Mathématiques, 4/2, Grenoble: La Pensée Sauvage, 1986. DORON, R.; PAROT, F. Dictionnaire de Psychologie.1º edição. Paris:PUF, 1991. VERGNAUD, G. La théorie des champs conceptuels. Recherches en Didactique des Mathématiques, 10/2-3, Grenoble: La Pensée Sauvage, 133-170, 1994.

Notas Doctorat ès-sciences: « Mathématiques et Applications » (1979) à l’Université de Rennes. Professeur d´Université émérite – Université de Nantes – Département d´informatique. E-mail: regisgra@club-internet.fr 1

2 Doutorado em Matemática e Didática da Matemática - Université Louis Pasteur Strasbourg (FRA) (1983). Professor titular-pesquisador (Título: professeur des Universités classe exceptionnelle) - Université de Lyon Laboratorio : UMR 5191 ICAR (FRA). E-mail: jean-claude.regnier@univ-lyon2.fr

Esse aspecto elementar não se encontra, todavia dentro de métodos fatoriais que exigem sérios conhecimentos em álgebra linear. 3

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4 Por exemplo, se o acontecimento B é certo ou quase certo, Prob (B/A) (notação que significa: probabilidade de B condicionada por A) é pouco diferente de 1. Assim, a informação abordada por A sobre B é próxima de 0, contudo limitada, até mesmo supérflua. Nós abordaremos com mais detalhes esse ponto na parte teórica (capítulo 3). 5 As palavras « estruturalismo » e « estrutura », encontra-se na internet a referência seguinte: “A ideia de estrutura, da qual são ademais frequentemente sinônimos os conceitos de figuras, de forma e de sistema, não repousa sobre uma oposição à ideia de função, mas coloca em primeiro lugar a noção de totalidade: a totalidade subtende as partes e não aparece como a combinação de vários elementos (Mengal apud Doron; Parot, 1991, p.653). A definição muito geral de uma estrutura é ser um “conjunto de elementos organizados segundo certas relações” (Richelle, apud Doron; Partot, 1991, p. 653). Em biologia, distingue-se habitualmente a estrutura de um organismo, isto é, o “grupo de elementos cujas relações foram marcadas e descritas” (Richelle, apud Doron; Parot, 1991, p. 653), e sua função, isto é, a atividade psicológica assegurada pela estrutura” (idem).

Em psicologia, e por analogia com a biologia, as estruturas designam “sistemas organizados que sustentam os comportamentos”. (Richelle, apud Doron; Parot, 1991, p.563). É preciso sublinhar que as “estruturas psicológicas” não são observáveis (diz-se também que estas são as “competências”). Elas são inferidas (então “construídas”) a partir dos comportamentos são observáveis (diz-se também que são “performances”). Segundo Marc Richelle, em psicologia, a noção de estrutura tende a explicar a “relativa estabilidade no tempo das condutas”, isto é, sua permanência ou também sua “conservação”.

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Capítulo 3

O que Está por Detrás do CHIC? Saddo Ag Almouloud1

Introdução

R

égis Gras e seu grupo de pesquisa, desde 1979, procuram colocar à disposição de pesquisadores (em matemática, em psicologia, em biologia, em educação etc.) ferramentas estatísticas (a análise implicativa, a hierarquia implicativa) que permitem evidenciar a dinâmica dos comportamentos de sujeitos (alunos, por exemplos) em situação de resolução de problemas, inicialmente no caso da educação matemática e posteriormente em outras áreas relacionadas às ciências humanas. Estas análises permitem visualizar, organizar, construir modelos e explicar fenômenos associados aos dados. Este capítulo tem por objetivo principal apresentar um estudo sobre pontecialidades, pertinência e importância da realização de análises estatísticas de dados multidimensionais (análise hierárquica de similaridade, análise implicativa) nas investigações em Educação Matemática e em Educação de um modo mais abrangente. Apresentamos neste capítulo um breve estudo de caráter teórico e intuitivo sobre os diferentes métodos de análise de dados multidimensionais, e das funcionalidades do software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva). Estudaremos essencialmente os seguintes métodos 55


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de análise de dados: classificação hierárquica de similaridade, a análise implicativa, a hierarquia implicativa. Estes métodos são classificados no que chamaremos “fouille dans les données”. Lembramos que “fouille dans des données” chamada “Knowledge Discovery in Databases” ou ainda “Data Mining” em inglês, inicia-se a partir do cruzamento de sujeitos (ou objetos) e variáveis (propriedades ou atributos) binárias, ordinais ou numéricas. Métodos, como a Análise Fatorial de Correspondências (A.F.C.) e a Classificação Ascendente Hierárquica (C.A.H.) são, geralmente, usados para a exploração destes dados. Dentre estes métodos podemos citar Análise Estatística Implicativa (A.S.I.) cujo objetivo é a extração de conhecimentos, de invariantes, de regras indutivas não simétricas consistentes e a atribuição de uma medida probabilística em proposições do tipo “quando a está escolhido tem-se tendência em escolher b”. A Análise Estatística Implicativa quantifica a qualidade destas regras. O software, denominado CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva), desenvolvido por nós em sua primeira versão e atualizado por Raphaël Couturier, permite: • Tratar diferentes tipos de variáveis (binárias, modais, frequências, intervalares), • Quantificar a significação dos valores atribuídos à qualidade, consistência da regra associada, de classes ordenadas de regras, a tipicalidade e contribuição de sujeitos ou categorias de sujeitos à constituição destas regras, • Representar, por um gráfico, tendo fixado um intervalo de confiança, um caminho de regras ou uma hierarquia de regras sobre regras, • Suprimir, acrescentar variáveis, conforme necessidade da pesquisa. Estes aspectos serão discutidos ao longo deste texto.

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A análise hierárquica de similaridade O critério de similaridade exprime-se da seguinte maneira nos casos das variáveis binárias (presença – ausência, verdadeiro – falsa, sim – não etc.). Consideremos um conjunto E, composto pelos sujeitos da pesquisa. Duas variáveis a e b, satisfeitas respectivamente por dois subconjuntos A e B de E, são muito semelhantes quando o número k de sujeitos que os verificam simultaneamente (ou seja, os elementos de A∩B) é suficientemente grande, de um lado, em relação ao que teria sido no caso da ausência de relação entre a e b e por outro lado, com relação aos números de elementos de E, A e B, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Modelização da hierarquia de similaridade

Mede-se esta semelhança pela probabilidade de sua inverossimilhança. Lerman estuda a noção de similaridade da seguinte maneira: Sejam n e n os números respeca b tivos de sujeitos de A e B. O número s de elementos de é um indicador da similaridade entre a e b, tendo em vista o tamanho de A e B. Considera-se uma parte aleatória Y, escolhida por acaso no subconjunto P(E) das partes de E, e de cardinal n . Lerman, Gras e Rostam b (1981) consideram a variável aleatória sob uma hipótese de ausência de relação a priori entre A e Y. A similaridade entre a e b é tão significativa tanto é maior que os quanto o valor observado valores esperados. Então, o índice de similaridade inicial será: Prob[Sa <s]. 57


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Como em todos os métodos de classificação, procuramos constituir, em um conjunto V das variáveis, partições de V cada vez menos finas, construídas de maneira ascendente.

Figura 2 – Árvore de similaridade

Estas partições encaixadas são representadas por uma árvore obtida a partir de um critério de similaridade entre variáveis. A similaridade é definida pelo cruzamento do conjunto V das variáveis com um conjunto E de sujeitos (ou de objetos). Este tipo de análise permite ao usuário estudar e depois interpretar, em termos de tipologia e de semelhança (e dessemelhança) decrescente, classes de variáveis, constituídas significativamente a certos níveis da árvore e se opondo a outros nestes mesmos níveis. Assim, para construir uma árvore de similaridade, reunimos em uma classe de primeiro nível, primeiramente, as 2 variáveis (WA14 e WA15, no caso da Figura 2) que se parecem mais no sentido do índice de similaridade, depois 2 outras variáveis (WA4 e WA9, Figura 2) ou uma variável e a classe já formada no sentido do índice da classe, e depois outras variáveis ou classes de variáveis. Obteremos, como na Figura 2, uma árvore de classificação hierárquica ascendente composta de várias partições. Os níveis identificados por um traço vermelho (em negrito na Figura 2) são níveis

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significativos, pois, estes são do ponto de vista probabilístico, mais significantes que os outros níveis de classificação.

Análise Estatística Implicatica (A.S.I.) O estudo continua sendo feito sobre o cruzamento de um conjunto de variáveis V e um conjunto de sujeitos E. No caso prototípico das variáveis binárias, queremos dar um sentido estatístico a expressões como: “quando se observa sobre um sujeito de E a variável a, em geral observa-se a variável b”. Trata-se então de procurar um modelo estatístico de uma quase implicação do tipo: “se a então quase b”, a implicação lógica estrita sendo raramente satisfeita. Em situações naturais, humanas ou ciências da vida, a implica b (no sentido matemático) é estabelecida em casos excepcionais. É importante para o pesquisador e usuário “explorar os dados” para destacar regras consistentes (tipo de “teoremas parciais”) para conjeturar uma gênese, descrever (relações, concepções,...), estruturar a população e fazer uma hipótese sobre uma possível estabilidade de relações. Mas, esta exploração exige a elaboração (ou uso) de métodos para livrar o pesquisar do EMPIRISMO e do “ACHISMO”. A esta quase implicação é associada semanticamente uma regra, um tipo de teorema ligando uma premissa e uma conclusão. Vemos assim a diferença entre o método de análise de similaridades que é simétrico e o método implicativo que é, por essência, não simétrico. Partindo dos subconjuntos (Figura 3) A e B, suportes respectivos de a e b, objetivamos estudar o subconjunto dos contra-exemplos da implicação, isto é, as ocorrências da sendo do suporte de ( propriedade o complementar de B em E). O número k de contra-exemplos é considerado como a realização de uma variável aleatória de um modelo de Poisson ou de um modelo binomial,

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um e outro, aproximados pela lei de Gauss quando é legitimado pelos parâmetros. Intuitivamente, diremos que a implicação é admissível no índice de confiança a se a probabilidade que esta variável aleatória seja superior a k é ela mesma superior a 1-a. Isto é, quanto menor for k, em relação às ocorrências de a e b e o tamanho de E, maior é a implicação, sendo, portanto admissível e, sem dúvidas, tendo um sentido.

Figura 3 – Modelização da ASI

O número 1-a é o índice de implicação dito da teoria clássica. O valor 0.95 representa um bom valor de admissibilidade quando n, a e b ultrapassam muitas dezenas de unidades. Um grafo implicativo construído pelo CHIC (Figura 4) traduz graficamente a rede de relações quase implicativas entre as variáveis de V. O intervalo de confiança da aparição de arcos ou flechas do grafo é controlável pelo usuário que 60


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pode, a vontade, aumentar ou diminuir seu valor. A transitividade, que pilota a interpretação em termos de caminhos é aceita para um valor de confiança maior ou igual a 0,50. Quando o tamanho das amostras alcança várias centenas, milhares ou mesmo centenas de milhares, dispomos de uma modelagem mais complexa, embora mais adequada, pois permite estimar não somente a qualidade da implicação direta de a⇒b, mas igualmente sua recíproca ¬b⇒a. Esta modelagem é chamada entrópica, porque apela para a qualidade da informação recolhida pelos respectivos desequilíbrios dos casos ((a∧b) e (a∧¬b) e depois ((¬a∧¬b) e (a∧¬b), desequilíbrio que mede a entropia no sentido de Shannon (apud Gras, 2005). O índice que o corresponde é chamado de índice de implicação - inclusão, pois ele mede mais fielmente a quase inclusão de A em B.

Figura 4 – Grafo implicativo

A opção “Grafo Implicativo” de CHIC permite obter um grafo que mostra as variáveis que têm uma intensidade de implicação superiores a certo valor prefixado pelo usuário Estas variáveis são ligadas por uma flecha representando a implicação. CHIC permite 4 níveis de valores diferentes de implicação. No grafo da Figura 4 escolhemos 4 níveis de 61


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valores por cores diferentes (azul, verde, preta e vermelha). O usuário pode escolher valores entre 50 e 99. Neste caso não é necessário refazer os cálculos de implicações, pois CHIC já as memorizou. O usuário pode explorar rapidamente várias pistas. Ele pode escolher as cores, como na Figura 5, que desejar e pode modificar o tamanho das flechas assim como o tamanho dos códigos das variáveis. Na primeira construção de grafo implicativa, CHIC apresenta as variáveis sem tentar minimizar os cruzamentos. As relações de implicações transitivas não aparecem no grafo implicativo, mas uma opção permite de fazê-la em qualquer momento, mas também de suprima-las de maneira transparentes para o usuário.

Figura 5 – Grafo implicativo – implicações transitivas

Outra opção permite conservar as frequências das variáveis, o que é muito útil para a interpretação de resultados. Entretanto, tendo em conta o tamanho de alguns grafos, é preferível não respeitar as frequências das variáveis a fim de facilitar a leitura do grafo. Podemos também deslocar as variáveis utilizando o mouse para suprimir os cruzamentos.

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É possível escolher uma zona de trabalho e modificála conforme a necessidade do usuário. No início do tratamento de uma grande amostra, recomenda-se tratar todos os dados e, portanto, prever um grande espaço que pode ser maior que a tela do computador que está sendo usado. No decorrer da interpretação, o usuário poderá perceber que só algumas variáveis são interessantes para sua interpretação. Ai ele poderá suprimir temporariamente as variáveis desejáveis usando-se a opção de CHIC prevista para este fato, como indicado na Figura 6.

Figura 6 – Seleção de variaveis

Depois de esta ação realizada, clicando ok, CHIC atualiza novamente o grafo implicativo (Figura 7). Em todo momento, é possível acrescentar ou suprimir variáveis na análise que está sendo feita.

Figura 7 – Grafo implicativo atualizado

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É possível salvar um grafo implicativo, os lumiares de implicação, a seleção ou não de cada variável. O usuário pode retomar um grafo implicativo construído em uma sessão anterior. Além disso, o usuário pode também várias versões de seu grafo implicativo para evidenciar diferentes partes do grafo.

A hierarquia implicativa Este método permite fazer uma análise de relações intra e interclasses de respostas. O índice de implicação entre duas variáveis é estendido ao cálculo da coesão da classe, que dá conta da qualidade da implicação orientada dentro de uma classe de variáveis e traduz a noção de meta-regra ou regra sobre regra. Uma hierarquia ascendente ou árvore coesiva traduz graficamente o encaixamento sucessivo das classes constituídas segundo o critério de coesão que é decrescente segundo os níveis (no sentido contrário da formação das classes de variáveis) da hierarquia. Um intervalo de confiança de parada sobre a coesão permite evitar a constituição de classes que não têm sentido implicativo, o que não se produz nas hierarquias clássicas. A árvore assim construída fica mais em conformidade com a semântica (Figura 8). Na representação da Figura 8, observamos que no primeiro nível, se forma uma classe ordenada (WA17, WA18) porque a implicação de WA17 sobre WA18 é a mais forte entre todas as implicações possíveis entre variáveis.

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Figura 8 – Árvore da hierarquia implicativa

A ela, corresponde necessariamente um nó significativo. No nível 7, por exemplo, uma meta-regra aparece de WA9 sobre (WA12, WA13). Ela pode ser interpretada, por exemplo, da seguinte maneira: se WA9 é verdadeiro então (se WA12 é verdadeiro então WA13) é geralmente verdadeiro; (WA9 Þ(WA12 ÞWA13)) é equivalente a WA9⇒ (WA12 ˄ WA13).

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Auxílio na interpretação dos diferentes gráficos Três informações podem ajudar na interpretação das árvores de similaridade e da hierarquia implicativa, assim como do gráfico implicativo: os níveis significativos, a tipicalidade e a contribuição. a) Níveis significativos Um critério estatístico permite saber quais são os níveis significativos das árvores de similaridade e da hierarquia implicativa entre todos os níveis constituídos. São os níveis em que se formam uma partição e classes que estão mais de acordo com os indícios de similaridade iniciais (ou da hierarquia implicativa). Cada nó significativo está associado à classe obtida nesse nível. A partição pode corresponder à tipologia mais consistente para o número de classes que se formaram, por exemplo, na Figura 2, os níveis 1 e 4 (em vermelho como pode ser observado nas Figuras 2 e 8) são significativos. As noções de nível e de nós significativos, marcados por uma flecha vermelha, mostra para o usuário as classes que ele deve focar sua atenção, pelo fato de estarem em melhor conformidade com os indícios das implicações iniciais. b) Tipicalidade Certos sujeitos são típicos do comportamento do conjunto da população no seguinte sentido: no estudo da similaridade (ou da hierarquia implicativa) eles atribuem ao conjunto das variáveis, valores compatíveis com as similaridades (ou a hierarquia implicativa) constituídas sobre estas variáveis pela população. Se as variáveis suplementares (que definiremos mais adiante) foram definidas pelo usuário, obteremos assim a tipicalidade destas variáveis a partir das tipicalidades dos indivíduos que as satisfazem. Por exemplo, no decorrer de uma pesquisa sócio-profissional, são os auxiliares administrativos que serão típicos do comportamento de uma população de pessoas ativas. 66


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c) Contribuição É possível conhecer a contribuição a cada uma das classes de cada um dos sujeitos e então das variáveis suplementares. Cada uma dessas variáveis contribui mais ou menos na formação da classe, isto significa que os valores que as variáveis dão, vão no sentido de suas similaridades (ou hierarquia implicativa). R. Gras e H. Ratsimba-Rajohn (1996) elaboraram um critério que permite avaliar esta contribuição relativamente a cada uma das classes. Por exemplo, em um questionário de atitude, podemos evidenciar a “responsabilidade” das mulheres de idade entre 30 e 40 anos (definidos a idade e o gênero como variáveis suplementares) na existência de certa classe de variáveis principais (ou ativas), por exemplo, a classe (WA14, WA15) na Figura 2, o que quer dizer que sua participação na construção da hierarquia é significativa dentro dos parâmetros pré-fixados. No caso do grafo implicativo, também é interessante conhecer qual é a responsabilidade dos sujeitos e das variáveis suplementares na formação dos caminhos, como foi feito para a similaridade e a hierarquia implicativa. Esta opção é possível pelo cálculo do valor da tipicalidade de um sujeito x, caracterizando sua conformidade ou sua quase conformidade à tendência geral dada pela intensidade da implicação. Ela pode ser estendida ao conjunto de relações de um caminho do grafo implicativo ou ao de uma classe da hierarquia coesiva. Os sujeitos cujo valor obtido para a tipicalidade é alto podem ser considerados como prototípicos da população. Podemos saber qual é o grupo ótimo dos sujeitos que são os mais típicos de um caminho ou de uma classe e identificar a variável suplementar mais típica deste caminho ou desta classe. Estas informações são úteis para orientar o usuário do CHIC a analisar a ligação de tal ou tal grupo de sujeitos relativamente às regras ou metarregras particulares.

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O que Está por Detrás do CHIC?

Tipo de variáveis tratadas pelo software CHIC O software CHIC permite realizar a análise de dados a partir de variáveis estatísticas. Existem vários tipos de variáveis que podem ser tratadas por este software. Elas podem ser binárias, modais, frequenciais ou intervalo, e classificadas em principais ou secundárias (ou suplementares). Variáveis binárias: toda variável binária assume unicamente dois valores, 0 ou 1 (Tabela 1). Ela significa a antinomia entre estes dois valores, como por exemplo, a presença e a ausência, o verdadeiro e o falso, a posse e a não posse etc. A soma dos elementos de uma coluna representa a ocorrência da variável em questão (número de vezes que ela é satisfeita). A soma dos elementos de uma linha representa o número de variáveis que o sujeito em questão possui ou satisfaz. Tabela 1 – Planilha de dados binários

Variáveis modais: na sequência do desenvolvimento dos instrumentos de análise de dados estatísticos, ampliou-se a noção de implicação estatística a outras variáveis, além das binárias. É o caso das variáveis modais que são associadas a fenômenos nos quais os valores a(x) (valores atribuídos 68


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pelos sujeitos x à variável a) estão compreendidos no intervalo [0, 1] e que descrevem o grau de pertinência ou de satisfação, tal como na lógica fuzzy. Por exemplo, as modalidades “concordância plena”, “concordância”, “concordância parcial”, “não concordância”, reveladas em um questionário de opiniões, são consideradas e transformadas em valores de intensidade ordenados, como por exemplo, as modalidades definidas pelos respectivos valores: 1, 0.75, 0.50 e 0. Nestes casos, J. B. Lagrange (1998) atribuiu novos índices que coincidem com os índices de implicação entre variáveis binárias como na Tabela 2.

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Tabela 2 – Planilha de dados modais

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Variáveis quantitativas ou efetivas: estas variáveis, associadas a valores reais positivos, descrevem situações nas quais a um elemento x de E faz-se corresponder uma quantidade a(x), por exemplo, o número de vezes que a variável a é observada em x. Para tratar estas variáveis basta, com a ajuda de uma planilha eletrônica, transformar os valores observados por uma normalização, utilizando o valor máximo observado, em valores do intervalo [0, 1]. A fórmula que calcula o índice de implicação entre variáveis binárias é então utilizada no caso dessas variáveis. Variáveis-intervalo: este tipo de variável é uma extensão do tipo precedente. Trata-se aqui de uma variável numérica positiva (ou negativa) cujos valores estão contidos num intervalo conhecido. Por exemplo, a variável “altura” ou “peso” em um conjunto de indivíduos é uma variável-intervalo que a teoria implicativa trata, respondendo a duas interrogações do usuário: • Qual é a melhor subdivisão do intervalo em p sub-intervalos maximizando um critério informacional? • Entre duas variáveis-intervalo, transformadas em dois conjuntos de p subintervalos, quais implicações podemos evidenciar reunindo, se for necessário, alguns destes p subintervalos? Mais especificamente, podemos extrair de um conjunto de dados biométricos, por exemplo, a seguinte regra: “se um indivíduo tem um peso entre 65 e 70 kg, então, em geral, ele tem uma altura entre 1,70 m e 1, 76 m”. Uma situação comparável a esta pode ser avaliada estatisticamente no caso da existência de uma relação entre intervalos de desempenho de alunos em duas disciplinas diferentes. Gras (2005) apresenta a situação geral da seguinte maneira: duas variáveis reais a e b assumem valores em e . Seja A (resp. B) dois intervalos finitos 71


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o conjunto dos valores de a (resp. b) do intervalo ). Por exemplo, aqui, a variável “a” representa (resp. os pesos de n sujeitos e “b” as alturas dos mesmos sujeitos. Duas questões se apresentam neste tipo de situação: 1. É possível definir subintervalos adjacentes de ) de modo que a partição, mais fina (resp. obtida, respeite, da melhor forma possível, a distribuição dos valores observados no intervalo )? (resp. e 2. É possível encontrar partições respectivas de compostas de reuniões de subintervalos adjacentes, que maximizam a intensidade de implicação média dos subintervalos de um sobre os subintervalos de outro pertencente a essas partições? Os valores da planilha cuja extensão deve ser “csv” são numéricos: são os valores assumidos pela variável-intervalo. O próprio software faz a partição ótima do conjunto dos valores segundo uma subdivisão em um número de subintervalos escolhidos pelo usuário. As variáveis-intervalos devem dispor de uma codificação literal ou numérica seguida de um espaço e da letra “i”. Assim, uma variável Idade de tipo intervalo será, por exemplo, codificada por: Idade i no Excel para que o CHIC possa identificá-la como variável-intervalo (Tabela 3). Variáveis principais e secundárias ou suplementares: Qualificamos uma variável de principal quando for considerada, normalmente pelo CHIC, para a construção das classes. Como padrão para o software todas as variáveis são principais. As variáveis suplementares (em geral são as descritivas, de identificação), não interferem no cálculo das contribuições das categorias. Por exemplo, se desejamos saber se uma implicação é, na maior parte, formada por pessoas do sexo feminino ou masculino, definimos para cada indivíduo a variável “sexo”. Em seguida, estas variáveis 72


Tabela 3 – Planilha de variáveis binárias contendo variáveis suplementares

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são consideradas apenas quando se procura a contribuição ou a tipicidade das categorias. Para definir uma variável secundária ou suplementar, acrescentamos ao nome da variável um espaço e a letra “s” minúscula. Assim, o atributo Feminino é, por exemplo, codificada Fem como variável principal e Fem como variável suplementar (Tabela 3). As variáveis suplementares não participam diretamente dos cálculos, mas da interpretação que o usuário pode fazer usando-se suas tipicalidades e/ou contribuições. A partir das variáveis principais, CHIC constrói uma hierarquia ou um grafo nos quais algumas variáveis são ligadas por similaridade, implicação ou inclusão. Para interpretar finamente os resultados, pode-se estudar a responsabilidade da categoria sexo na formação do grafo ou das classes. Podemos assim saber se o sexo masculino contribui mais que o sexo feminino na criação de uma estrutura (uma classe em uma hierarquia ou um caminho em um grafo). Esta informação é de uma grande riqueza, pois ela nos informa sobre as categorias de indivíduos que estão no fundamento das estruturas obtidas. Para estabelecer estes cálculos, CHIC define para cada relação entre as variáveis, o grupo ideal desta relação. Um grupo ideal é um conjunto de indivíduos que contribui mais à formação de uma relação que os outros indivíduos. Quando a população tem um grande número de indivíduos, A. Bodin (1996) evidenciou uma falha no cálculo da implicação clássica. Esta falha vem da confusão que temos tendência em fazer entre estranheza e implicação. Como vimos, a análise implicativa apoia-se na estranheza estatística. Ora, esta estranheza varia fortemente de acordo com a dilação dos conjuntos. Na prática, com os grandes conjuntos, é estranho, do ponto de vista estatística, que alguns conjuntos fossem dispostos de uma certa maneira (uma inclusão que podemos considerar fraca) sem, no entanto, pudéssemos falar de implicação do ponto de vista 74


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matemático. Este fato levou a definir uma nova medida que expressa melhor a inclusão. Esta medida é baseada na noção de entropia, daí que o nome “implicação entrópica”. Ela não a falha que destacamos. Nas opções de CHIC, podemos escolher a implicação clássica ou a implicação entrópica. A Figura 9 mostra as diferentes opções.

Figura 9 – Opções de CHIC Fonte: opções de CHIC

Conclusão Os métodos de análise estatística, discutidos neste texto, demonstraram sua pertinência e eficiência em vários campos de investigação (Educação, Educação Matemática, Biologia, Psicologia, Medicina, Avaliação Institucional etc.). O software CHIC tem por funções essenciais extrair de um conjunto de dados, cruzando sujeitos e variáveis (ou atributos), regras de associação entre variáveis, fornecer um índice de qualidade de associação e de representar uma 75


O que Está por Detrás do CHIC?

estruturação das variáveis obtidas por meio destas regras. Ele já se configura, por intermédio de métodos estatísticos nele implementados, como um instrumento importante para a pesquisa em diversos campos, mais especificamente em Educação Matemática, assim como para a formação. CHIC é atualmente capaz de tratar rapidamente uma tabela de contingência de 200x100 000 (esses limites dependem da capacidade de cálculo e memória do computador que está sendo usado). É possível salvar os cálculos intermediários e assim acelerar as próximas utilizações do mesmo arquivo de dados. Como já destacamos, os dados podem ser binários, frequenciais, modais, intervalos, o que permite usar CHIC para várias analises nas quais as variáveis são de natureza diferentes.

Referências Bodin, A. Modèles sous-jacents à l’analyse implicative et outils complémentaires. Cahiers du Séminaire de Didactique de l’IRMAR de Rennes, 1996. Gras, R. Panorama du développement de l´A.S.I. à partir de situations fondatrices. In GRAS, R. e al. Anais Actes des Journées : Troisième Rencontre Internationale A.S.I. Analyse Statistique. Palermo, 6-8 octobre 2005, Università degli Studi di Palermo, p.933, 2005. Gras, R.; Ratsimba-Rajohn, H. Analyse non symétrique de données par l’implication statistique, RAIRO. Recherche Opérationnelle, n°3-96, AFCET Paris, 1996. LAGRANGE, J. B. Analyse implicative d’un ensemble de variables numériques: application au traitement d’un questionnaire aux réponses modales ordonnées. Revue de statistique appliquée, 46(1):71–93, 1998. Lerman, I. C.; Gras, R.; Rostam, H. Elaboration et évaluation d’un indice d’implication pour des données binaires, I et II, Mathématiques et sciences Humaines, n°75, Paris, 1981.

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Saddo Ag Almouloud

Bibliografia Almouloud, S. A. L’ordinateur: outil d’aide à l’apprentissage de la démonstration et de traitement d’analyse de données didactiques. 1992, Tese (Doutorado) Université de Rennes 1, 1992. Bailleul, M. Analyse statistique implicative: application à la modélisation de l’enseignant dans le système didactique. 1994, Tese (Doutorado) Université de Rennes 1, 1994. Couturier, R.; Gras, R. Introduction de variables supplémentaires dans une hiérarchie de classes et application à CHIC. Anais Actes des 7èmes Rencontres de la Société Francophone de Classification, 87-92, Nancy, 15-17 septembre 1999. Gras, R. Data analysis: a method for the processing of didactic questions. In: DOUADY, R.; MERCIER, A. (Ed) Research in Didactique of mathematics - selected papers. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1992. Gras, R. Méthodes d’analyses statistiques multidimensionnelles en didactique des mathématiques. Anais Actes du colloque ARDM de Caen (27 - 29 janvier 1995) - publié par l’ARDM, 1992. Gras, R. et al. L’implication statistique. Nouvelle méthode exploratoire de données. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1996. Gras, R.; Diday, E.; Kuntz, P.; Couturier, R. Variables sur intervalles et variables-intervalles en analyse implicative. Anais, Actes du 8ème Congrès de la SFC de Pointe à Pitre, 17-21 décembre 2001, p. 166-173, 2001 Gras R.; Kuntz, P.; Briand, H. Les fondements de l’analyse statistique implicative. Mathématiques et Sciences Humaines, n° 154155, 2001. Gras, R. ; LARHER, A. L’implication statistique, une nouvelle méthode d’analyse de données. Mathématique, Informatique et Sciences Humaines, n° 120, 1992. GRAS, R.; SPAGNOLO, F.; DAVID, J. Actes des journées: Troisième Rencontre Internationale A.S.I. Anais Analyse Statistique. Palermo, 6-8 octobre 2005, Università degli Studi di Palermo, 2005. Ratsimba-Rajohn, H. Contribution à l’étude de la hiérarchie implicative, application à l’analyse de la gestion didactique des phénomènes d’ostension et de contradiction. 1992, Tese (Doutorado) Université de Rennes 1, 1992. 77


O que Está por Detrás do CHIC?

Nota 1 Doutorado em Matemática e Aplicações na Universidade de Rennes I. Professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: saddoag@gmail.com

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Capítulo 4

O Uso do CHIC na Pesquisa José Armando Valente1

Introdução

U

ma pesquisa, de acordo com o método utilizado, pode ser caracterizada como qualitativa ou quantitativa. Tradicionalmente, os métodos quantitativos estiveram associados à ciência natural ou positivista, enquanto os métodos qualitativos foram associados às ciências humanas e sociais. Embora a distinção entre pesquisa quantitativa e qualitativa seja relativamente bem aceita e esteja devidamente marcada na literatura sobre métodos científicos2 (Alves-Mazzotti; Gewandsznajder, 2004), Souza e Gomes (2003) mencionam trabalhos e autores que permitem identificar posições epistemológicas distintas: a dos positivistas, que exigem os mesmos critérios de validação e legitimação para ambos os métodos; a dos pós-positivistas, que defenderem critérios diferenciados para a validação e legitimação de métodos qualitativos e quantitativos; ou a dos pós-modernistas, para os quais nem toda pesquisa qualitativa deve seguir critérios externos de validação e legitimação. Portanto, as questões que norteiam os métodos adotados na pesquisa são os critérios de validação e legitimação adotados. Os critérios de validação e legitimação estão intimamente ligados à metodologia de trabalho, ou seja, “a lógica 79


O Uso do CHIC na Pesquisa

subjacente ao encadeamento de diligências que o pesquisador segue para descobrir ou comprovar uma verdade, coerente com sua concepção da realidade e sua teoria do conhecimento” (Chizzotti, 2008, p. 27). Isso implica em adotar procedimentos (conjunto estruturado de regras operatórias), recorrendo às técnicas, e instrumentos de coleta de dados, de modo a satisfazer as exigências de credibilidade, consistência e legitimidade do conhecimento produzido. Independente do método utilizado, qualitativo, quantitativo ou qualiquantitativo, como mencionado por Chizzotti (2008), é sempre possível utilizar os recursos de informática, como parte dos procedimentos adotados. Wickham e Woods (2005) mencionam diversos tipos de programas de computadores que podem auxiliar em diferentes aspectos da realização de uma pesquisa. Tais procedimentos podem contribuir no gerenciamento da pesquisa, por exemplo, para controlar o tempo utilizado nas atividades, o envolvimento dos pesquisadores, os recursos financeiros etc., bem como proporcionar novas formas de coleta de dados, como as gravações digitalizadas e entrevistas on-line. Uma das aplicações que tem provocado mudanças marcantemente significativas e realmente surpreendido, se consolida no uso de softwares na análise de dados qualitativos. Programas de computadores dedicados, como CAQDAS (Computer Aided Qualitative Data Analysis Software) 3, têm sido extremamente úteis para a gestão de dados e apoio aos processos de codificação. Um dos desafios da análise de dados constitui a o complexo processo de transformação de centenas de páginas de observações ou dados, coletados por meio de questionários, entrevistas ou depoimentos em um relatório final, que é produzido por meio de processos rigorosos e qualificados. Isso exige a organização de dados de forma a mais detalhada e clara possível, de modo que possa ser demons80


José Armando Valente

trado a relação entre os dados e a fundamentação teórica. A atividade de análise tem ficado cada vez mais sofisticada, à medida que aumenta o volume de dados gerados por situações cada vez mais complexas e interessantes de serem estudadas (Moraes; Valente, 2008). A disseminação dos recursos computacionais, na década de 1980, consolidou um importante papel do desenvolvimento da pesquisa, principalmente da pesquisa quantitativa. O mais conhecido deles é o programa de computador SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais), lançado para os microcomputadores no ano de 1984. A partir dos anos 90 começam a surgir os primeiros programas computacionais direcionados para a análise de dados qualitativos, conhecidos como CAQDAS, que passaram a auxiliar o desenvolvimento do processo de organização, recuperação e codificação de dados. Os programas CAQDAS podem auxiliar no desenvolvimento de sistemas de gestão de dados, facilitando o armazenamento eletrônico, busca e recuperação de dados qualitativos. Como observado por Wickham e Woods (2005, p. 688), Ao facilitar o registro dos detalhes da origem de dados codificados, incluindo a data e hora da coleta de dados, a análise assistida por computador pode tornar mais fácil o detalhamento das etapas do desenvolvimento da interpretação e análise realizada pelo pesquisador.

Além de auxiliar no gerenciamento dos dados, os programas CAQDAS também podem ser usados para apoiar os processos de codificação, que envolve a separação dos dados, de acordo com um sistema de classificação temático ou descritivo. Ademais, Wickham e Woods (2005) mencionam diversas características dos programas CAQDAS, que 81


O Uso do CHIC na Pesquisa

contribuem para melhorar a eficiência na análise qualitativa de dados. Por exemplo, agilizar as atividades mecânicas de cortar, colar e recuperar registros de dados; auxiliar o processo de categorização estruturado com maior número ou com arranjos mais complexos de categorias; checar a consistência da codificação ou melhorar o rigor do processo de codificação, permitindo que o pesquisador verifique a validade de suas impressões sobre os dados; ou favorecer a visualização gráfica, estruturando os dados de modo a facilitar os processos de relacionamento, comparação e interpretação dos dados. Existem no mercado diversos tipos de softwares que apresentam recursos de visualização das relações de dados, como o NVivo4 (2013), o ATLAS.ti5 e o CHIC. Esses softwares podem ser utilizados em inúmeros tipos de pesquisa, de praticamente todas as áreas do conhecimento, desde que sejam respeitados as possíveis limitações de utilização, inerentes a cada um deles, embora, o avanço da pesquisa científica possa, eventualmente, estender suas possibilidades de uso. Assim, a utilização desses recursos de informática na pesquisa deve ser previsto nos procedimentos e deve ser coerente com os objetivos da pesquisa. Esse ponto parece óbvio, mas é muito comum o pesquisador, depois de finalizado a coleta de dados, “inventar” de usar algum desses recursos e se confrontar com dificuldades operacionais, uma vez que os dados coletados não estão de acordo com certas estruturas de organização dos dados exigidas pelo software. Outro ponto a ser observado é o fato de nenhum desses CAQDAS ser neutro – seus protocolos são baseados em premissas ou teorias implícitas de análise quantitativa. Assim, uma das maiores críticas ao uso de CAQDAS é a tendência de forçar os pesquisadores a utilizarem um método particular de análise, de acordo com as características do software. Como mencionado por Lage e Godoy 82


José Armando Valente

(2008), o uso desses recursos tecnológicos pode restringir a abordagem metodológica do processo de análise, levando o pesquisador a trabalhar com os recursos disponíveis no software, sendo que esses podem não ser os mais adequados, para determinado tipo de pesquisa. Existe também o risco de focar a pesquisa somente nos aspectos que podem ser apoiados pelo software ou então determinar procedimentos metodológicos que sejam aderentes aos recursos do software. Isso significa que o pesquisador deve complementar suas análises incorporando e adequando o uso de outros procedimentos e recursos, inclusive conceber uma proposta teórica metodológica para proceder à análise qualitativa, a partir dos dados que dispõe e respectivas unidades de significado. No entanto, é preciso reconhecer que o uso desses softwares favorece a consolidação de importantes contribuições ao desenvolvimento da pesquisa, principalmente no que concerne a etapa de análise dos dados, como atestam Lage e Godoy (2008, p. 87): Em um projeto que avaliou as conseqüências da implantação de sistemas integrados de gestão com base em um estudo de caso múltiplo, os dados foram inicialmente analisados por meio de uma abordagem tradicional, apenas com o apoio do Microsoft Word, para transcrição das entrevistas e codificação dos textos. Numa segunda etapa, dois anos após a primeira análise, os dados foram reexaminados com o apoio do NVivo7. Nesta etapa, o volume de códigos gerados pelo pesquisador foi muito maior que na primeira etapa, porém os resultados encontrados foram similares. Em razão do grande volume de textos codificados, o pesquisador ficou motivado a aprofundar a análise e, a partir daí, encontrou aspectos não identificados anteriormente.

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O Uso do CHIC na Pesquisa

O software CHIC (Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive, - Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) é usado para análise qualitativa e quantitativa e foi desenvolvido inicialmente por Régis Gras, Professor Emérito da Escola Politécnica da Universidade de Nantes, atualmente vinculado ao A.R.D.M. (Association pour la Recherche en Didactique des Mathématiques). Os Capítulos 1, 2 e 3 desse livro foram elaborados pelos autores desse software, e descrevem as bases de sua fundamentação matemática, os recursos que ele oferece e alguns fatos importantes sobre o seu desenvolvimento. Dentre os recursos que o CHIC oferece estão: a extração, de um conjunto de dados, das regras de associação entre variáveis, cruzando sujeitos e variáveis ou cruzando outras variáveis presentes no estudo; o fornecimento de um índice de qualidade de associação; e a representação da estruturação das variáveis obtida por meio dessas regras, sendo que a visualização da representação dos dados analisados pode ser feita através da árvore de similaridade, da árvore coesiva ou do grafo de implicação. No Brasil, a utilização do CHIC apresenta certas peculiaridades. Primeiro, ele tem sido usado em diferentes centros de pesquisa, porém a maior parte deles, relacionados com a área de Educação, mais especificamente com a formação de educadores ou profissionais que atuam em atividades de cunho educacional. Assim, o CHIC tem sido utilizado por pesquisadores do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da UFRGS (Nevado, 2001; Valentini, 2003); do programa de pós-graduação em Educação: Currículo e de Educação Matemática da PUC-SP (ver Capítulos 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, desse livro e os trabalhos de Almeida (2000), Prado (2003), Canales (2008) e Almouloud (2003), e do programa de pós-graduação em Multimeios e Ciência da UNICAMP (ver Capítulos 5, 7 e 10 desse livro). Segundo, em geral nos estudos realizados, os dados a serem analisados são baseados 84


José Armando Valente

em registros textuais que os participantes elaboram e que fazem parte de fóruns desenvolvidos em disciplinas ministradas on-line, memoriais reflexivos, questionários, entrevistas gravadas ou observações documentadas. A maioria dos capítulos apresentados nesse livro foi baseada em estudos que geraram narrativas textuais, embora os Capítulos 15 e 16 descrevam estudos que utilizaram questionários. Terceiro, o material utilizado para a elaboração da maior parte dos capítulos desse livro foi baseado em estudos que utilizaram variáveis binárias, criando a planilha binária, de acordo com o que foi mencionado no Capítulo 3. Quarto, a representação mais recorrente nas pesquisas realizadas nos centros brasileiros é a árvore de similaridades. No entanto, dois capítulos desse livro, Capítulo 5 e Capítulo 10, utilizaram o grafo implicativo, árvore de coesão, além da árvore de similaridade. Finalmente, diversos estudos combinam o CHIC com outros recursos de análise, como por exemplo, mapas de nuvens de palavras-chave no Capítulo 11; histogramas, como no Capítulo 6; uso de outros software como WebQDA6, para auxiliar na identificação de indicadores, usado no estudo descrito no Capítulo 13; ou recursos oferecidos pelo CHIC para levantar indicadores que sejam usados como variáveis em um outro estudo, que também usa o CHIC, como descrito no Capítulo 14. Alguns desses aspectos serão aprofundados ao longo desse capítulo.

Preparação dos dados para entrada no CHIC Para que o CHIC possa produzir a representação dos dados analisados, ou seja, árvore de similaridade, árvore coesiva ou grafo de implicação, é necessário elaborar uma planilha Excel, com a extensão do arquivo em CSV. Como mencionado anteriormente, essa planilha, na maioria dos estudos realizados, tem sido a planilha binária, contendo zeros e uns, indicando a presença ou não de determinadas 85


O Uso do CHIC na Pesquisa

variáveis, que podem ser tanto temas, eventos, categorias ou respostas oriundas da aplicação de questionários. Para a elaboração da planilha, o pesquisador deve colocar em prática os procedimentos previstos em sua pesquisa, gerando os dados. Por exemplo, ele pode aplicar um instrumento de coleta de dados, como questionários, entrevistas, documentos etc. Esses instrumentos geram dados brutos, na forma de respostas tipo múltipla escolha ou depoimentos escritos, ou falados. Esses dados brutos devem ser pré-analisados, em termos de informações que são relevantes ao estudo em questão e categorizados. Para efeito de compreensão de como é gerada a planilha, a partir dos dados brutos coletados, essa explicação será dividida em duas partes: dados originados de questionários e textos.

Dados originados de questionários De acordo com Gil (1999), os questionários utilizados em uma pesquisa podem conter questões fechadas ou abertas. No caso das questões fechadas elas podem ser do tipo múltipla escolha, oferecendo duas alternativas, “sim” ou “não”; ou questões com mais de duas alternativas ou escalas, tipo Likert, com cinco alternativas, variando de “concordo plenamente” até “discordo plenamente”. No caso das questões de múltipla escolha, a montagem da planilha binária é relativamente simples, pois consiste em dispor nas linhas, da planilha Excel, os sujeitos da pesquisa e, nas colunas, as questões. O conteúdo de cada célula será 1 ou 0, dependendo da resposta “sim” ou “não” que o sujeito forneceu para uma determinada questão. Assim, a Figura 1, mostra uma planilha digital Excel, criada a partir de um questionário com questões múltipla escolha.

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Questão1 Questão2 Questão3 Sujeito1

1

0

1

.....

......

.....

0

1

0

...... Questãon 0

1

Sujeito2

0

1

0

1

0

1

0

0

Sujeito3

1

0

1

0

0

1

1

0

.....

..

..

..

..

..

..

..

.

.....

..

..

..

..

..

..

..

..

0

0

0

1

0

0

0

1

Sujeitox

Figura 1 – Planilha digital Excel elaborada a partir de um questionário com questões múltipla escolha

No caso das questões com mais de uma alternativa, uma solução é montar tantas planilhas digitais quanto são as alternativas. Assim, para a alternativa 1 seria montada uma planilha semelhante ao que foi elaborado para as questões de múltipla escolha. O mesmo pode ser feito para a alternativa 2 e, assim por diante. Para facilitar a utilização do CHIC e a análise do questionário, é importante que o número de alternativas seja a mesma para todas as questões, como acontece com o uso da escala Likert, com as 5 opções. Os dados do questionário podem se analisados fornecendo para o CHIC cada uma das planilhas; ou escolhendo as alternativas mais significativas, de acordo com algum parâmetro definido e justificado a priori na metodologia. Por exemplo, nos estudos relatados nos Capítulos 15 e 16 foi escolhido realizar a análise das respostas de um dos extremos da escala, como as frequências “todas às vezes” e “muitas vezes”. A planilha pode ser montada com índices, variando entre 0 e 1, ou porcentagens, variando entre 0 e 100, como mencionado no Capítulo 3. Assim, se as questões usam a escala Likert, com 5 opções, por exemplo, a planilha não seria mais binária, mas para cada pergunta, a célula seria preenchida com um valor 0; 0,25; 0,5; 0,75 ou 1 correspondente respectivamente a “discordo totalmente” até “concordo totalmente”. 87


O Uso do CHIC na Pesquisa

Se as questões forem abertas, o participante da pesquisa pode descrever suas ideias livremente e, nesse caso, os dados produzidos são do tipo textual, cuja preparação da planilha digital segue os procedimentos descritos no próximo tópico.

Dados originados de textos Os dados textuais são oriundos de observações que o pesquisador registra, ou de material escrito ou de transcrição de entrevistas que os participantes da pesquisa produzem. Por exemplo, textos dos memoriais reflexivos, textos produzidos em fóruns de discussão, sessões de bate-papo on-line, Facebook, documentos que o participante elabora, como um artigo etc. Esses textos podem conter descrições que são relacionadas ou não com o objeto de estudo. Por exemplo, o sujeito, ao longo de uma descrição, menciona algum fato relacionado com sua família, que pode não ser pertinente ao estudo em questão. Nesse caso, esses textos devem ser pré-analisados, separando as descrições que são relevantes e dizem respeito ao objeto de estudo. Os registros assim pré-selecionados constituem o que Prado (2002) denominou de “os dados achados” – registros que foram organizados no contexto da pesquisa e pertinentes aos propósitos do que está sendo objetivado pela pesquisa. Isso implica em muitas leituras dos registros textuais, selecionando apenas os registros relacionados com as questões sendo pesquisadas ou eixos temáticos que já foram definidos com base no referencial teórico. Uma vez os registros textuais identificados, eles podem ser analisados em termos de conteúdo, definindo as categorias7, que devem ser devidamente codificadas e descritas. Por exemplo, o trabalho de Borges (2009), que serviu de base para o conteúdo do Capítulo 6 desse livro, menciona o seguinte depoimento, extraído de um dos Memoriais Reflexivos de um gestor-cursista:

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José Armando Valente

Aprendi a grande importância do uso das TIC, que aprimora e agiliza o nosso trabalho na escola. Dificuldade em não dominar totalmente o uso do computador. O que me ajudou a superar as dificuldades (em relação ao uso do computador) foi a ajuda dos colegas. [Registro Textual de N]

Para iniciar a análise desse registro textual o pesquisador pode utilizar algumas categorias iniciais, oriundas do referencial teórico no qual a pesquisa está fundamentada. Segundo Chizzotti, categoria é algo que confere “unidade a um agrupamento de palavras ou a um campo do conhecimento, em função do qual o conteúdo é classificado, quantificado, ordenado ou qualificado” (2008, p.117). O estudo de Borges (2009) mencionado acima estava baseado em diversas teorias, entre elas os aspectos emocionais da teoria de Maturana (2001) e uso de tecnologias na educação, segundo a abordagem construcionista (Papert, 1986). Com base nessas teorias foi possível definir algumas categorias de análise, por exemplo, ansiedade, interesse pelas tecnologias etc. Cada uma das categorias identificadas deve ser codificada, nomeada e descrita, seguindo alguns princípios, como mencionados por Gil (1999): o conjunto de categorias deve ser derivado de um único princípio de classificação, o conjunto de categorias deve ser exaustivo; e as categorias devem ser mutuamente exclusivas. No entanto, à medida que avança a análise dos registros, o pesquisador pode encontrar uma descrição cujas categorias estabelecidas não são suficientes para interpretá-la. Nesse caso, é necessário definir uma nova categoria, que tem sido denominada de categoria emergente. Isso pode ser feito em termos do desdobramento de uma categoria já existente ou a definição de uma nova categoria. Uma vez uma nova categoria definida, os registros textuais já analisados devem ser retomados, e re-categorizados de acordo com o 89


O Uso do CHIC na Pesquisa

novo conjunto de categorias, formado por algumas categorias iniciais e as emergentes. Esse processo deve ser realizado até que todos os registros sejam devidamente categorizados e nenhuma categoria nova seja definida. Isso significa muitas idas e vindas aos registros textuais e, portanto, é um processo exaustivo, demorado e muito trabalhoso. Esse fluxo de ações é representado na Figura 2.

Figura 2 – Fluxo das atividades de análise e categorização dos dados

Finalizada essa etapa de categorização, as categorias podem ser agrupadas de acordo com temas que são identificados e que facilitarão a interpretação dos dados. No entanto, antes de prosseguir com a análise dessas categorias, o processo de categorização deve ser validado. Isso pode ser feito, por exemplo, submetendo as categorias encontradas, juntamente com os registros textuais, para a apreciação de outro pesquisador, externo ao processo de análise. A validação do processo de categorização é importante para que as interpretações dos registros textuais e da categorização possam ser convalidadas. Se no caso, o pesquisador externo apresentar alguma dúvida sobre o processo de categorização, isso pode significar, a re-definição dessa categoria e, por conseguinte, a realização de um novo processo de análise dos registros textuais; ou as categorias estão bem definidas, mas a interpretação ou análise dos registros textuais não está adequado e, portanto, deve ser refeito. Em ambos os caso, o objetivo é atingir o consenso interpretativo. Esse procedimento de validação das categorias procura fornecer o caráter de confiabilidade na identificação das categorias e do processo de categorização8. 90


José Armando Valente

Assim, a partir dos referenciais teóricos e emergência de categorias, Borges (2009, p. 67), por exemplo, identificou no registro textual mencionado anteriormente, as seguintes categorias, codificadas, nomeadas e descritas no Quadro 1. É importante notar que nesse processo de categorização, as categorias não são todas definidas a priori, mas uma combinação de categorias que advém da base teórica e categorias que emergem. Quadro 1 - Categorias emergentes identificadas no registro textual de Nair Código 1E 2E 6E

Categorias Emergentes 1EInteresse pelas TIC 2EMotivação para aprender 6ETransposição de barreiras

10E

10EAnsiedade

12TO

12TOExistência e operacionalização dos recursos tecnológicos

17Imitação Inicial 17I

18I

18Imitação Orientada

Descritores Manifestações de interesse e vontade em utilizar as TIC. As tecnologias digitais são vistas como elementos que estimulam o aprender. Refere-se à capacidade de enfrentar desafios no campo pessoal e profissional. Refere-se ao comportamento pessoal onde o sujeito manifesta, frente a uma situação nova – o uso das tecnologias – uma ansiedade positiva, favorável ao desenvolvimento do processo de aprendizagem. Refere-se à existência e disponibilidade de recursos tecnológicos; à capacidade de operacionalização dos equipamentos e da exploração dos recursos tecnológicos. Explicita a ação que o sujeito realiza imitando (oral, escrito, representação mental) a ação do outro ou a própria ação, tentando chegar ao mesmo ou a resultados semelhantes no uso das tecnologias. Refere-se à aquisição de novas competências e habilidades no uso das tecnologias, sob a orientação de outro mais capaz, para realizar a ação.

Uma vez as categorias definidas, elas são usadas para categorizar os registros produzidos pelos sujeitos da pesquisa, identificando a presença ou não das categorias 91


O Uso do CHIC na Pesquisa

nos registros textuais. O resultado desse processo de categorização dos registros pode ser representado em uma planilha tipo Excel, que contém, na primeira coluna, os registros (sujeitos, ou depoimentos) e, na primeira linha, os códigos (número ou nome) das categorias, normalmente denominadas de “variáveis”. A presença ou não das variáveis nos registros são representadas em cada célula correspondentemente com os valores numéricos 1 (um) ou (zero) respectivamente, como mostra a Figura 3. 1E

2E

.....

.....

.....

12TO

17I

18I

.....

.....

Sujeito1

0

1

..

..

..

0

0

1

..

..

Sujeito2

0

0

..

..

..

0

0

1

..

..

Sujeito3

1

1

..

..

..

1

0

0

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.....

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..

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..

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.....

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..

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..

..

..

..

..

Sujeitox

1

0

..

..

..

0

0

0

..

..

Figura 3 – Planilha digital Excel elaborada a partir da categorização dos registros textuais

Após completar a planilha Excel e salvá-la como um arquivo de extensão CSV, esse arquivo deve ser aberto no software CHIC, gerando gráficos, que podem ser visualizados, por meio de árvores de similaridades, árvore coesiva e grafo de implicação. Além dessas representações, o CHIC fornece outros dois conjuntos de informações, tais como: o número de ocorrências média das variáveis, desvio padrão, coeficiente de correlação, índices de similaridade e identificação de relações mais significativas expressas em nós, nas sub-classes e classes das árvores. Outro conjunto contém todas as informações sobre o arquivo: coeficiente de correlação, índice de similaridade ou de implicação, e valor de tipicalidade, como descrito no Capítulo 3. Essas informações podem ser utilizadas para complementar a interpretação das árvores ou os grafos produzidos pelo CHIC. 92


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Interpretação da árvore de similaridade Para ilustrar o processo de interpretação da árvore de similaridade, serão utilizados os dados gerados a partir do fórum “Socializando experiências com as TIC”, que foi realizado como parte das atividades do curso “Formação de Gestores Escolares para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação”9 do Projeto Gestão Escolar e Tecnologias9. Participaram deste fórum 48 professores em formação e, com base no que eles descreveram no fórum, foram selecionados 106 registros textuais que continham informações relevantes, de acordo com a abordagem e a base teórica que fundamentou o processo de formação. A análise destes registros textuais permitiu identificar 13 categorias, consideradas categorias-emergentes, já que elas foram identificadas a partir da análise interpretativa dos registros textuais dos sujeitos, pautada nos pressupostos teóricos que embasaram o curso. Assim, com base nas contribuições que cada um dos 48 participantes postou no fórum, foi verificada a presença ou não das categorias-emergentes, gerando a planilha Excel, que se encontra na Figura 4. Na primeira coluna da planilha, constam as iniciais dos nomes dos 48 participantes e, na primeira linha da planilha, as 13 categorias-emergentes. A cada célula é atribuída zero ou um, dependendo ou não da presença da categoria-emergente nos registros dos participantes, expressos no fórum.

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Figura 4 – Planilha Excel indica a presença ou não das categorias-emergentes nas contribuições dos 48 participantes do fórum

O Uso do CHIC na Pesquisa

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José Armando Valente

Essa planilha foi aberta no CHIC, versão 5.0, e após a escolha do tipo de cálculo desejado, nesse exemplo, a escolha foi pela árvore de similaridade, de acordo com as opções identificadas na Figura 5b, o software gerou a árvore de similaridade, conforme mostra a Figura 5a. Para gerar essa árvore, o usuário pode habilitar algumas opções, acessando a aba Opções, como mostra a Figura 5b. Essas opções dizem respeito ao tipo de implicações (da Lei Binomial ou Poisson), número de variáveis, cores, tamanho do gráfico, valor de busca e limiar de equivalência.

Figura 5a – Árvore de similaridade gerada pelo software CHIC

Figura 5b – Opções utilizadas na geração da árvore de similaridade

A árvore de similaridades mostra as relações entre as variáveis, nesse caso, as categorias-emergentes identificadas nos registros textuais dos sujeitos participantes da pesquisa. Nessa árvore as relações entre as categorias se apresentam de forma interligada em duas classes, definidas como conjunto de variáveis ou categorias que formam ramos ou sub-árvores. No entanto, essas duas classes ou sub-árvores não se interligam. A classe com maior número de categorias mostra a existência de um nó, na forma de U conforme destacado pela elipse (realizado pelo autor) 95


O Uso do CHIC na Pesquisa

na Figura 5a, que indica um forte e significativo nível de similaridade. A análise das similaridades pode ser iniciada pela identificação da classe ou do nó com maior grau de similaridade, ou seja, é quando existe entre as variáveis (as categorias) um nível forte de convergência ou de similaridade. Isso é representado na árvore pelas classes ou nós que têm a menor altura do U – os segmentos verticais se apresentam mais próximos da extremidade dos segmentos horizontais. Inclusive o CHIC pode fornecer o índice de similaridade para cada classe ou sub-classe ou nó, indicando um valor que pode variar entre 0 e 111. Quanto maior esse índice, maior é o grau de similaridade entre as categorias. Nos estudos descritos nos Capítulos 15 e 16 são usados os índices de similaridades para identificar o grau de similaridade entre as classes analisadas. Além dessas informações o CHIC pode indicar na árvore de similaridade as classes ou sub-classes que são mais significativas, marcadas com segmento horizontal mais grossa, hachurada de vermelho12. Segundo o que foi mencionado no Capítulo 3, essas classes ou sub-classes são, do ponto de vista probabilístico, mais significantes que os outros níveis, indicando para o pesquisador as relações nas quais ele deve focar sua atenção, pelo fato de estarem em melhor conformidade com os indícios das implicações iniciais. Para que as classes ou sub-classes significativas sejam mostradas é necessário escolher essa opção na caixa de diálogo Opção (mostrada na Figura 5b). Assim, a análise das similaridades da árvore fornecida pelo CHIC pode ser feita de diferentes maneiras. Por exemplo, iniciando pelas classes ou nós mais significativos; ou pelas classes com maior grau de similaridade. No caso da árvore da Figura 5a, o nó com maior grau de similaridade foi marcado com uma elipse (realizado pelo autor), definido pelas categorias-emergentes socialização_ conhecimento e dificuldades_operacionalização. Esse também é 96


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um nó significativo, uma vez que o segmento horizontal está indicado com uma linha mais grossa e na cor vermelha. Essa forte relação de similaridade entre essas duas categorias pode ser interpretada como a existência de uma forte relação entre as dificuldades de operacionalização das tecnologias, e a socialização do conhecimento. Uma vez identificada a relação entre as categorias, ela tem que ser interpretada com base no conhecimento proveniente da ação ou intervenção, que foi realizada com os participantes da pesquisa ou na fundamentação teórica que dá sustentação à pesquisa. Por exemplo, no caso da relação entre essas duas categorias é possível entender que o curso de formação tinha como um dos objetivos, a socialização do conhecimento. Essa socialização não estava sendo realizada pela dificuldade de operacionalizar o uso das tecnologias. Outra explicação poderia ser baseada em dados encontrados na literatura que confirmam essa dificuldade de socialização se o usuário não tem familiaridade com as tecnologias. Uma vez a relação interpretada, é importante ilustrar como essa relação entre as variáveis pode ser identificada em um dos registros textuais. No caso, o extrato textual da participante JM exemplifica essa relação. Apesar das dificuldades encontradas, nossa equipe de gestores tentará obter junto aos demais gestores sugestões que possam nos ajudar a superar nossas dificuldades, pois toda ajuda será bem vinda. [Registro Textual de JM].

Continuando a interpretação das relações entre as variáveis, é possível notar que o nó analisado anteriormente está relacionado com outra categoria, afetividade_processo_aprendizagem, indicando que essa relação também é significativa, pois o segmento horizontal que liga essa categoria ao nó é mais grosso e hachurado de vermelho. A relação entre essas três variáveis permite entender que o fato de compartilhar 97


O Uso do CHIC na Pesquisa

conhecimentos e atividades, e o contato com o colega, o apoio do outro, do grupo, fortalecem a busca de soluções para os problemas de operacionalização das tecnologias no âmbito da escola. De fato, um dos objetivos do curso foi a colaboração entre os participantes e a ideia de compartilhar soluções que eram implantadas em cada escola, por cada um dos gestores. Essas atividades de uso das tecnologias contribuíram para a operacionalização das tecnologias na escola. Essa interpretação é exemplificada pelo registro textual da participante CF. A TIC está sendo a minha melhor experiência em informática na área da educação. Tenho tido oportunidade de conhecer melhor meus colegas, suas experiências, adquirindo novos conhecimentos, que sem dúvida, influenciarão na minha escola e no meu desempenho. [Registro Textual de CF].

Nessa mesma classe, é possível observar a existência do nó formado pelas categorias “trabalho_em_equipe” e “comunicação” que não apresenta segmento vermelho, mas é interessante considerar que a relação entre essas categorias tem um forte nível de similaridade (demonstrada pelos segmentos verticais do U mais próximos do segmento horizontal). Além disso, esse nó está ligado com a categoria “uso_computador_aplicativo”, que dá um indicativo de análise para o pesquisador, podendo ser ampliado na medida em que reconhece as evidências interpretativas em outros encadeamentos de categorias presentes nessa classe. E, assim por diante. Uma vez esgotada as possibilidades de análise dessa classe, o pesquisador pode interpretar outra classe formada por duas sub-classes, sendo uma “mudança_concepção_tecnologia_aplicação” e “aplicar_tecnologia_contexto_escolar” que está interligada a outra sub-classe, formada pelas categorias “acumulo_atividades_...” e “projeto_pedagógio”. No entanto, é interessante que o pesquisador também identifique e explicite a razão dessa classe estar separada da outra. 98


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Portanto, o exercício de interpretação das relações indicadas na árvore de similaridade deve ser feito pelo pesquisador, procurando entender as relações evidenciadas. Isso pode ser feito pinçando as relações mais significativas ou varrendo sequencialmente as a árvore, interpretando todos os nós, desde os mais até os menos significativos. No entanto, é importante notar que, contrário ao que muitos pesquisadores pensam antes de usar o CHIC, ele somente representa as similaridades entre as variáveis, cabendo ao pesquisador explicar e justificar sua interpretação, à luz do conhecimento contextual do que foi realizado durante o trabalho de pesquisa e das teorias que fundamentam a análise dos registros textuais produzido pelos participantes.

Variações do uso do CHIC Além da árvore de similaridade o CHIC fornece também a árvore coesiva. Segundo Couturier, Bodin e Gras (2003), a árvore coesiva apresenta uma janela com resultados numéricos contendo índices decrescentes das coesões e a árvore, indicando os níveis de coesão das classes. A árvore apresenta as implicações orientadas dentro de cada classe, que traduz a noção de regras sobre regras. Usando a mesma planilha da Figura 4, foi gerada a árvore coesiva, como indica a Figura 6a, usando as mesmas opções que foram selecionadas para a geração da árvore de similaridades, ou seja, implicações segundo a teoria clássica, Lei de Poisson, valor de busca igual a 90 e limiar de equivalência igual a 80, como mostra a Figura 6b.

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O Uso do CHIC na Pesquisa

Figura 6a – Árvore coesiva gerada pelo software CHIC

Figura 6b – opções utilizadas na geração da árvore coesiva

Nesse caso, a análise inicia pela observação que algumas variáveis não implicam e não são implicadas por nenhuma outra variável. É o caso das variáveis falta_equipamento_ escola, acumulo_atividade_organização_tempo, e projeto_pedagógico. Elas são neutras. No caso das variáveis comunicação, trabalho_equipe e uso_computador_aplicativo, formam uma relação estatisticamente significativa (segmento horizontal grosso e hachurado de vermelho). A regra entre essas variáveis pode ser indicada como Comunicação => (trabalho_equipe => uso_ computador_aplicativo), que pode ser interpretada como: a comunicação será satisfeita tanto quanto é satisfeita a regra trabalho em equipe implica no uso de aplicativos computacionais. Essas relações podem ser interpretadas como o uso de aplicativos ajuda o trabalho em equipe, que por sua vez favorece a comunicação. Outra relação significativa é formada pelas variáveis afetividade_processo_aprendizagem, dificuldades_operacionalização, e socialização_conhecimento, cuja regra pode ser determinada como: afetividade_processo_aprendizagem => (dificuldades_operacionalização => socialização_conhecimento), ou

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seja, afetividade no processo de aprendizagem será satisfeita se a dificuldade de operacionalização das tecnologias implicar em socialização do conhecimento. As outras relações podem ser interpretadas também na forma de regras, como expectativa_tecnologia => expectativa_curso, ou seja, o foco do curso era o domínio da tecnologia e, nesse sentido, a expectativa tecnológica implica na expectativa do curso. Os estudos descritos no Capítulo 5 e no Capítulo 10 usam a árvore coesiva como parte da análise realizada. O CHIC também pode fornecer o grafo implicativo, que indica graficamente a rede de relações quase implicativas entre as variáveis. O grafo mostra as variáveis que têm graus de intensidade de implicação superiores a certo valor prefixado pelo usuário. Essas variáveis são ligadas por uma flecha representando a implicação. Conforme mencionado no Capítulo 3, o intervalo de confiança da aparição de arcos ou flechas do grafo é controlável pelo usuário que pode aumentar ou diminuir seu valor. A transitividade, que possibilita a interpretação em termos de caminhos é estabelecida para um valor de confiança maior ou igual a 0,50. O CHIC permite 4 níveis de valores diferentes de implicação, que são representados por cores diferentes (azul, verde, preta e vermelha). Usando a planilha da Figura 4, o CHIC não forneceu o grafo implicativo correspondente. A explicação nesse caso é que o valor de confiança, ou seja, os “indícios de implicativos” são muito pequenos, sendo a maioria menor do que 0.5. Segundo o Professor Saddo Ag Almouloud, que foi consultado sobre esses resultados, para as categorias emergentes a análise implicativa não apresentou nenhuma relação consistente13. No entanto, o valor do grafo implicativo, para se proceder à análise das relações entre as categorias-emergentes pode ser observado no Capítulo 5 e Capítulos 10 desse livro, que usam o grafo implicativo como parte da análise realizada. 101


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Outra facilidade fornecida pelo CHIC, além das árvores de similaridade, coesiva e do grafo implicativo, são os dados estatísticos, como a frequência de pares de variáveis, índices de ocorrência das variáveis, que podem complementar a análise das respectivas árvores. No trabalho de Borges (2009), por exemplo, os índices de ocorrências foram utilizados para gerar gráficos de barras, que auxiliaram na interpretação das árvores de similaridades obtidas. Quando os dados, por níveis de “apropriação”, foram expressos por intermédio dos gráficos de barra, relativos ao número de ocorrências das categorias, a figura obtida se assemelhava à metade de uma pirâmide. Assim, a pirâmide foi usada como representação para mostrar como os níveis de apropriação tecnológica crescem na forma de uma espiral, desde os níveis mais simples, até os mais sofisticados. Nessa linha de representações advindas da análise da árvore de similaridade, encontra-se o trabalho de Maia (2011), que serviu de base para a produção do Capítulo 7 desse livro. Trata-se do estudo de idosos no desenvolvimento dos diferentes letramentos (alfabético, digital, imagético) a partir do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. As árvores de similaridades formadas foram interpretadas, possibilitando classificar os níveis de letramentos em pré-letramentos, letramentos primários, letramentos medianos e letramentos avançados. De acordo com Maia (2011), esses níveis foram se desenvolvendo por partes, semelhante ao surgimento dos principais elementos de uma flor, sendo a raiz, submersa no solo, identificada como os elementos básicos, o pré-letramento; o pedúnculo da flor, que emerge do solo, foi identificado como o nível de letramento primário; o receptáculo, onde os verticilos florais estão diretamente ligados, remete ao nível de letramento mediano; e finalmente a flor, que emerge do receptáculo, faz analogia com o nível de letramento avançado. O processo de identificar categorias nos registros 102


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textuais pode ser facilitado por intermédio de uso de softwares que auxiliam nessa tarefa, como o WebQDA (Web Qualitative Data Analysis), utilizado no trabalho de Godoi (2013), base do Capítulo 13 desse livro. O objetivo da pesquisa foi a avaliação de material didático digital como estratégia na formação continuada de professores do Ensino Fundamental. Assim, os registros textuais, juntamente com códigos de categorias que foram previamente identificadas (iniciais e emergentes), foram fornecidos ao software WebQDA, que gera uma planilha binária, indicando a presença ou não da categoria em cada registro textual. Essa planilha pode ser fornecida ao CHIC, gerando as árvores desejadas. Os resultados fornecidos pelo CHIC podem ser complementados com dados fornecidos por outros softwares. Por exemplo, o trabalho de Alvarez (2012), base do Capítulo 11, sobre “Infografia na Educação”. Os dados sobre as ações realizadas com professores sobre uso da infografia em atividades pedagógicas foram analisados por intermédio das árvores de similaridade. Com base nas falas dos participantes, referentes às habilidades e dificuldades identificadas pelo CHIC em cada fase da formação, foram desenvolvidos mapas de nuvens de palavras-chave utilizando o software Wordle. Com essa complementação foi possível interpretar com mais propriedade os termos recorrentes nas expressões dos professores, as habilidades e as dificuldades que ocorreram em cada fase da formação. O CHIC pode ser usado para gerar dados para alimentar o próprio CHIC. Essa estratégia foi utilizada no trabalho de Silva (2013), base do Capítulo 14, sobre comunidades de prática na formação de professores. Inicialmente foi feito um levantamento sobre comunidades de prática existentes, e com base nessas comunidades foram estabelecidos os “indicadores de potencial”, que identificam as características das atividades desenvolvidas nas comunidades de prática que contribuíram com a formação de professores. Esses indicadores foram 103


O Uso do CHIC na Pesquisa

identificados analisando as árvores de similaridades, obtidas a partir de registros textuais, advindos das comunidades estudadas. As categorias que formaram as relações mais significativas foram denominadas de “indicadores de potencial”. Esses indicadores foram utilizados como categorias iniciais no processo de categorização das atividades de formação, realizadas em uma comunidade de prática, que foi criada em uma das escolas, cuja formação dos professores estava sendo estudada. A ideia foi entender se as “melhores práticas de formação”, identificadas nas comunidades de prática mais atuantes, estavam presentes na comunidade de prática que foi criada, visando a formação dos professores. Assim, à medida que o CHIC está sendo apropriado e cada vez mais presente nas metodologias das pesquisas desenvolvidas na área de formação de educadores, é possível identificar diferentes abordagens e variações de uso, que são bastante criativas. Essas variações contribuem tanto para auxiliar na interpretação e aprofundamento da compreensão do fenômeno em estudo, bem como para mostrar a versatilidade de uma ferramenta de análise como o CHIC. Sempre que um trabalho de pesquisa faz uso do CHIC, os resultados são surpreendentes no sentido de possibilitar a construção de novos conhecimentos.

Como o conhecimento é construído na análise com o CHIC O CHIC tem sido utilizado em pesquisas que originaram teses e dissertações, algumas delas serviram de base para a elaboração da maior parte dos capítulos desse livro. Essas pesquisas propiciaram grandes contribuições teóricas, que foram construídas a partir de programas de intervenção, realizados com formação de educadores ou profissionais de áreas relacionados com atividades educacionais. Os elementos que deram origem a essas contribui104


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ções teóricas foram identificados a partir da metodologia de análise dos dados, especificamente em duas situações distintas: na identificação das categorias, quando surgem as categorias emergentes, ou na análise das relações que as árvores fornecem.

Conhecimento advindo do processo de categorização Um exemplo bastante ilustrativo de como o processo de construção de conhecimento acontece na categorização dos registros textuais constitui o trabalho de Prado (2003) que foi baseado no “Curso de Especialização em Desenvolvimento de Projetos Pedagógicos Realizados com as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação”, desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo da PUC-SP, a partir de uma demanda do Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) da Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC), durante o período de agosto de 2000 a maio de 2001, no total de 360 horas de curso e mais 60 horas para o desenvolvimento da monografia, finalizando com uma avaliação final presencial. As atividades do curso consistiram de vivências do professor-aluno em situações de uso dos recursos computacionais ora como aprendiz, ora como professor, atuando com os alunos no cotidiano de sua prática pedagógica escolar. Segundo Prado (2002, p. 3), “O contexto da prática foi o foco do curso, propiciando ao professor-aluno refletir sobre as potencialidades e as limitações dos recursos computacionais, para integrá-los nas atividades de sala de aula”. O curso foi fundamentado em algumas teorias, como o princípio da reflexão de Schön (1983; 1992), acrescidas de outros conceitos e teorias como o uso das tecnologias em sala de aula e na educação. A teoria de Schön sobre a reflexão forneceu como 105


O Uso do CHIC na Pesquisa

categorias iniciais a “reflexão na ação”, que o professor realiza enquanto desenvolve sua prática em sala de aula, e a “reflexão sobre a ação”, que acontece quando ele reflete sobre o que aconteceu na sua prática, estando afastado dela. No entanto, no processo de categorização dos registros textuais produzidos pelos professores-alunos, Prado (2003) identificou outros tipos de reflexão, que emergiram e descritos como reflexão com estabelecimento de relações entre os aspectos envolvidos no contexto do curso e/ou da prática profissional; e reflexão que evidencia sistematização do conhecimento, potencializando mudanças de concepções e/ou práticas. Assim, o fato de o curso ser realizado a distância e os alunos trocarem mensagens por meio da tecnologia, ele proporcionou situações para que os alunos refletissem não só sobre a prática, mas na relação entre o conteúdo do curso e a prática que realizavam, bem como na sistematização dos conceitos estudados e a prática que realizavam no curso e em sala de aula.

Conhecimento advindo da análise das relações fornecidas pelas árvores Na conversa entre Régis Gras e Jean-Claude Régnier, descrita no Capítulo 2 desse livro, Régis Gras menciona algumas características do CHIC que contribuem para que seja possível o pesquisador encontrar “pepitas de conhecimentos”. Isso porque os “acontecimentos raros, portanto surpreendentes, inesperados, são desviados e são geralmente dominados pelos eventos mais frequentes”. Nesta mesma entrevista, Régis Gras observa que essas características do CHIC permitem que o pesquisador possa “emitir conjecturas suficientemente estáveis quanto à significação, em termos de conceitos que ele poderá atribuir a um caminho ou a uma rede do grafo, uma classe ou um nível da hierarquia”. As pepitas de conhecimento foram identificadas em 106


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praticamente todos os estudos relatados nesse livro. Em um dos primeiros trabalhos desenvolvidos para uso do CHIC na análise qualitativa multivariacional, Almeida (2000) estudou o processo de formação de professores contextualizado na escola, cujo objetivo era compreender como acontecia a formação de professores, para que estes se tornassem mais capazes de inserir o computador na prática pedagógica, procurando identificar possíveis mudanças na prática docente e suas influências na escola. A análise utilizando o CHIC permitiu identificar e entender as associações significativas, representadas em cinco classes como: tensão entre estabilidade e mudança, perspectiva inovadora da prática pedagógica, mudança em construção, mediação contextualizada, e registro da transversalidade. Essa análise foi importante para entender, naquele momento, que a formação no contexto da escola era muito mais complexa. Porém, o fato de ela acontecer como parte da prática que o professor desenvolveu em sala de aula, favoreceu as mudanças de ordem pessoais, bem como profissionais, influindo na mudança da prática pedagógica. Esse trabalho permitiu concluir que a formação se desenvolveu na transversalidade do currículo e inter-relacionou formação, ação e reflexão, realidade e conteúdo, homem e máquina, arte e tecnologia, teoria e prática, razão e emoção. É importante notar que essas pepitas de conhecimentos não são totalmente evidentes e, em geral, são interpretadas com estranhamento por parte dos pesquisadores. Elas aparecem no estado bruto e destoam daquilo que o pesquisador espera. Em muitos casos, essas relações “estranhas” são interpretadas como “erro” do CHIC, provocando inclusive consultas ao Prof. Saddo, um dos desenvolvedores do CHIC, para explicar como essas relações são possíveis. Aprofundamentos teóricos e a procura por situações específicas que ocorreram durante a intervenção levam à lapidação e à identificação das pepitas de conhecimentos. Assim, é neces107


O Uso do CHIC na Pesquisa

sário estar aberto ao estranho e entender o que emerge, pois ai está o novo conhecimento a ser construído. Uma grande contribuição do uso continuado do CHIC, na análise qualitativa multidimensional, realizada desde a década de 1980, constitui o fato de haver contribuído para o estabelecimento de novas propostas teórico-metodológicas, no campo da metodologia de pesquisa. Pois, anteriormente a pouco mais de três décadas atrás, não seria possível aos pesquisadores conseguirem realizar, sem o auxílio de processamento computacional, o desenvolvimento da análise qualitativa multidimensional, mais refinada e complexa, como e é produzida, através do de programas tipo CAQDAS, como o CHIC e outros citados no presente livro. Outra atividade com o CHIC, criando oportunidades para que o pesquisador possa construir novos conhecimentos é o “brincar” com os dados e procurar identificar hipóteses que podem ser negadas ou confirmadas. Por exemplo, em uma planilha digital constituída de sujeitos X categorias, é possível entender o papel que uma determinada categoria desempenha no conjunto das categorias e do estudo sendo realizado. Para tanto, essa categoria pode ser eliminada da planilha, simplesmente excluindo sua coluna. Com isso é gerada uma nova planilha, que pode ser fornecida ao CHIC. Dependendo do significado dessa categoria, as relações nas árvores fornecidas podem ser totalmente diferentes, exigindo novas interpretações e, portanto, a compreensão mais aprofundada sobre essa categoria. O mesmo pode ser feito sobre a compreensão do papel de sujeitos no estudo. Nesse caso, o sujeito pode ser excluído do estudo, eliminando a linha de dados correspondente e novas relações podem ser fornecidas pelo CHIC.

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José Armando Valente

Esse “brincar” com o CHIC foi observado e utilizado no estudo realizado por Borges (2009), que observou: A utilização do software CHIC neste estudo e investigação tem-me permitido inúmeras reflexões. A sua flexibilidade, ao permitir excluir e incluir determinadas categorias, gerando árvores de similaridade diferentes, instiga-me a estabelecer relações, comparações, assim como, a retomar os originais dos memoriais reflexivos, buscando novas possibilidades de compreensão (p. 76-77).

Assim, o fato de estar sendo utilizada uma ferramenta digital no processo de análise de dados, facilita a criação de diferentes estratégias, do “brincar” com os dados, obtendo certas informações que podem ser muito relevantes para a interpretação dos resultados das intervenções feitas na pesquisa. Esse tipo de atividade seria impensável se a análise não fosse realizada com a ajuda de programas tipo CAQDAS, como o CHIC.

Considerações finais O uso do CHIC pode trazer importantes contribuições ao desenvolvimento da pesquisa, como foi mencionado ao longo desse capítulo. Isso acontece com praticamente todos os programas do tipo CAQDAS, como afirmam Lage e Godoy (2008). Embora muitos pesquisadores sejam bastante favoráveis ao uso desses programas, quanto à eficácia e facilidade para lidar com grande quantidade de dados, outro grupo de pesquisadores é bastante cético e demonstra dúvidas com relação ao uso desses softwares. Os aspectos negativos podem ser classificados em dois grupos de argumentos: um, contrário ao uso de software em pesquisa; o outro, questionando a forma como esses softwares são utilizados. 109


O Uso do CHIC na Pesquisa

Com relação ao primeiro grupo, a crítica está relacionada com o isolamento da realidade que o uso desses softwares tende a provocar. Como observado por Lage e Godoy (2008), o pesquisador pode ficar totalmente envolvido em aspectos de codificação, categorização e interpretação de dados produzidos pelo software e se dissocia da realidade em estudo e do material de campo produzido. Segundo esse argumento, o software contribui para isolar o pesquisador das fontes que possibilitam o estabelecimento de conceitos e construção de novos conhecimentos. A solução nesse caso é evitar essa imersão no software e criar situações de diálogo dos resultados do software e a realidade em estudo, procurando relacionar os dados fornecidos pelos softwares com as ações ou atividades desenvolvidas ao longo da pesquisa. O outro conjunto de argumentos está relacionado com a forma como esses softwares são usados na pesquisa. Nesse sentido, é muito comum encontrar pesquisas nas quais o processo de identificação dos registros textuais não fica claro, não são explicitadas as estratégias para identificação das categorias emergentes, ou mesmo a descrição de cada categoria. Essas informações são fundamentais, pois sem elas todo processo de preparação dos dados para o uso do software fica obscuro e passível de questionamento. É necessário entender que o uso de softwares em pesquisa é relativamente novo, e não totalmente aceito por alguns pesquisadores. Se a descrição da metodologia não for clara e não explicitar a forma como esse software está sendo usado, dificilmente essa pesquisa será levada a sério e aceita pela comunidade acadêmica. Portanto, é importante fornecer o máximo de detalhes sobre os procedimentos usados, especialmente como as informações metodologicamente estão sendo produzidas, organizadas e processadas pelo pesquisador e como o software está inserido na pesquisa e auxilia o processo de análise dos dados. Finalmente, Lage e Godoy (2008) fornecem uma impor110


José Armando Valente

tante reflexão sobre o uso de softwares na pesquisa. Esses programas não substituem a intuição e capacidade dos pesquisadores de fazer julgamentos. Eles possuem recursos para auxiliar o tratamento e a análise de dados, cabendo ao pesquisador a tarefa de saber o que analisar e como interpretar os dados. Tanto o design da pesquisa, a decisão de usar softwares, bem como o processo de interpretação dos resultados fornecidos pelos softwares, são atribuições exclusivas do pesquisador. Esses autores mencionam Goulding (apud Lage; Godoy, 2008, p. 84) que afirma: “‘a construção de teoria é uma atividade mental’, e muitos pacotes [softwares] ainda não estão preparados e direcionados para executar esse tipo de tarefa”. Ou seja, embora os softwares sejam extremamente úteis, o desenvolvimento de uma pesquisa de relevância ainda depende da inteligência, da intuição, e da criatividade do pesquisador!

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José Armando Valente

Notas 1 Livre Docente, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação, Instituto de Artes, UNICAMP. E-mail: jvalente@unicamp.br 2 Para entender o desenvolvimento das pesquisas educacionais no Brasil, ver o artigo de Bernadete Gatti (2001). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742001000200004>. Acesso em: 21 nov. 2014.

Para entender as contribuições dos softwares tipo CAQDAS na pesquisa em educação, ver o artigo de Maria Lage. Disponível em: <http://www. fe.unicamp.br/revistas/ged/etd/article/view/2302/pdf>. Acesso em: 21 nov. 2014. 3

4 Em 2012 foi lançado o NVivo10, sendo a versão mais atualizada. As versões anteriores substituem o NVivo2 e o Nud*ist, corrigindo deficiências importantes nestes programas.

A primeira versão comercial deste software foi lançada em 1993. Em 2012 foi lançado a versão ATLAS.ti7 (Atlas.ti, 2013).

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6 O WebQDA (Web Qualitative Data Analysis) é um software de análise de dados qualitativos em um ambiente on-line colaborativo (WebQDA, 2013). 7 Há pesquisas que não adotam a denominação categoria e fazem trabalho semelhante. Usam temas, unidades de análise ou outros. 8 Obviamente a validação do processo de categorização pode usar outra estratégia. No entanto, é importante que ele seja realizado, pois revistas especializadas podem recusar artigos que não apresentam claramente os procedimentos de validação das categorias.

Agradeço a colaboração da Profa. Dra. Marilene A. F. Borges que realizou análise dos dados e do uso do CHIC para esse caso. 9

10 O Projeto Gestão Escolar e Tecnologias resultou de uma parceria entre Secretarias Estaduais de Educação, o Programa de Pós graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Microsoft Brasil.

Para a solicitação da árvore de similaridade o CHIC fornece três janelas. Na primeira janela constam os dados estatísticos sobre as variáveis, como ocorrência, desvio padrão e os índices de similaridades para as classes ou sub-classes. Na segunda janela, são apresentadas tabelas contendo os mesmos dados da primeira janela. Na terceira janela é mostrada a árvore de similaridade.

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As classes ou sub-classes mais significativas também podem ser obtidas na primeira janela fornecida pelo CHIC.

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E-mails trocados com o Prof. Saddo no período de 17-19 de novembro de 2013.

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Capítulo 5

Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo por meio das TDIC1 Mirna Tonus2

Introdução

A

pesquisa de que trata este capítulo resultou na tese que discute como a interação mediada pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) pode ser empregada na formação em radiojornalismo e como auxilia na aprendizagem dos alunos, tendo como objeto a edição digital de áudio. Outras questões foram levantadas, por exemplo: Como proporcionar aos estudantes condições para a aprendizagem da edição digital de áudio? Em que nível a interação e a interatividade com essas tecnologias interferem nessa aprendizagem? Para responder a tais questionamentos, relacionados à importância da interação mediada pelas TDIC e às estratégias empregadas pelos alunos para a construção do conhecimento no contato com essas tecnologias, foi desenvolvida uma pesquisa-ação, envolvendo alunos do componente curricular Radiojornalismo II3, do curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo, da Universidade de Sorocaba (Uniso). O objetivo geral foi mostrar que a interação mediada pelas TDIC auxilia na aprendizagem de radiojornalismo. Os objetivos específicos, por sua vez, foram: promover a 116


Mirna Tonus

aprendizagem do radiojornalismo, por meio das TDIC, discutindo sua aplicabilidade enquanto meio de interação a distância e ferramenta facilitadora da aprendizagem, em uma metodologia de formação plurimodal4 ; explicitar como as TDIC auxiliam no processo de formação do radiojornalista com vistas à edição digital de áudio; conhecer como se dá a relação dos estudantes com os multimeios que lhes são acessíveis dentro e fora da escola, bem como os efeitos dessa relação sobre sua aprendizagem; estimular um processo contínuo de aprendizagem com reflexos nas práticas comunicacionais dos alunos no meio estudantil e, posteriormente, como profissionais; e construir um diálogo teórico transdisciplinar, envolvendo educação, comunicação e TDIC, com vistas ao estabelecimento de uma base para reflexão e análise da prática proposta. A relevância da pesquisa reporta-se à academia, à medida que fornece informações sobre os reflexos da interação mediada pelas TDIC na formação dos alunos de radiojornalismo e, posteriormente, em sua atuação profissional em um novo mercado que se configura a partir das tecnologias digitais, bem como à sociedade, devido a discussões sobre as TDIC e a seus processos de digitalização. As implicações sociais advindas desse trabalho contemplam, primeiramente, uma reflexão, de docentes e discentes, sobre a importância da interação, principalmente a mediada pelas TDIC, na formação do jornalista e de outros profissionais que, no mercado de trabalho, se deparam com novas demandas tecnológicas. Outra implicação social remete à tendência da educação a distância no Brasil e no mundo, abordada na pesquisa com a intenção de estimular a elaboração de propostas plurimodais em cursos universitários. No campo teórico, a principal implicação está na abordagem transdisciplinar, envolvendo comunicação, educação e tecnologias, mediante um diálogo que considera indissociáveis essas áreas na referida pesquisa. 117


Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo...

Metodologia Educação e comunicação imbricam-se a ponto de não ser possível estabelecer limites entre uma e outra. Ao contemplar o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa em questão, a interação mediada pelas TDIC foi determinante. O caminho metodológico percorrido foi o da pesquisa-ação (Thiollent, 2002; Elliot, 2001), consequência da atuação da autora como pesquisadora-docente, o que leva ao agir e participar ativamente. Simultaneamente à pesquisa-ação, foi efetuado um estudo exploratório de fontes de dados secundários, especialmente pesquisa bibliográfica. Devido às características intrínsecas da pesquisa-ação, os métodos de coleta de dados foram definidos com os estudantes, contemplando: levantamento do perfil sociográfico dos sujeitos; aplicação de três questionários – um de sondagem para avaliar o grau de familiaridade, ou conhecimento, com áudio digital; outro de avaliação da metodologia de formação desenvolvida e que serviu de subsídio para possíveis alterações no decorrer do processo; e, o último, de avaliação sobre a formação proposta –; relato individual com base em análise de material didático em áudio, após observação espontânea, visando à sensibilização dos alunos quanto à produção de material jornalístico científico radiofônico; interações com os estudantes a distância, por meios síncronos (chat no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA TelEduc e mensageiro instantâneo) e assíncronos (e-mail); avaliação dos produtos jornalísticos radiofônicos (enquetes, matérias e documentário científico) elaborados pelos estudantes envolvidos na pesquisa. Na metodologia formativa, que incluiu os métodos citados, foram adotadas aulas expositivas, ambientação no uso do software5, audição de produções jornalísticas em áudio6, atividades laboratoriais de gravação e edição digital de áudio.

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Mirna Tonus

A metodologia formativa proposta baseou-se na premissa do aprender fazendo (Piaget, 1977), com auxílio das TDIC, elementos fundamentais para a formação de radiojornalistas com habilidade para efetuar edição digital. Destaca-se a importância da pesquisa no tocante à produção de material didático, o qual, de acordo com esse autor, pode ser elaborado paralelamente à pesquisa. A população envolvida na pesquisa compreendeu 43 alunos, que cursaram Radiojornalismo II, durante o quinto período de Jornalismo da Uniso, no primeiro semestre de 2005, abrangendo um processo de aprendizagem de edição digital de áudio para produzir material jornalístico científico radiofônico. O perfil da turma foi obtido a partir de informações fornecidas por 36 alunos, que responderam a questões relacionadas a idade, sexo, localidade de residência; ao tipo de escola em que cursaram o Ensino Médio; à existência de computador na residência; local de acesso a computador; e renda familiar. Os dados foram coletados com a finalidade de traçar um perfil sociográfico dos alunos participantes da pesquisa-ação. As respostas estão representadas descritiva e quantitativamente nos Gráficos 1 a 7. A turma, em sua maioria, era feminina (Gráfico 1). Esse dado, embora não tenha interferido diretamente na pesquisa, é importante por revelar uma realidade cada vez mais comum nos cursos de Comunicação Social. A idade média dos alunos girava em torno de 23 anos (Gráfico 2), configurando uma turma jovem. Independentemente de idade, porém, todos se mostraram dispostos a aprender a lidar com as TDIC dentro da prática proposta. Informação relevante refere-se ao município de residência dos alunos, como ilustrado no Gráfico 3. Dos 36 alunos, 25 residiam em Sorocaba, município-sede da universidade, enquanto 11 moravam em outras cidades da região. Devido às características do transporte entre esses muni119


Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo...

cípios e Sorocaba e à localização do campus, em diversos momentos do curso, alguns alunos tiveram problemas para acompanhar as aulas presenciais na íntegra, demandando complementação de conteúdo por meios digitais, como e-mail ou mensageiro instantâneo, utilizados com frequência na prática formativa proposta. Gráfico 1 – Alunos de radiojornalismo II, por sexo

Fonte: Adaptado de Tonus (2007)

Gráfico 2 – Alunos de radiojornalismo II, por idade

Fonte: Adaptado de Tonus (2007) 120


Mirna Tonus

Gráfico 3 – Alunos de radiojornalismo II, por local de residência

Fonte: Adaptado de Tonus (2007)

A maioria da turma apresentava renda familiar mensal entre cinco e dez salários-mínimos (Gráfico 4). A outra metade estava dividida igualmente entre renda familiar de até cinco e mais do que dez salários-mínimos. Esses dados refletem a heterogeneidade da turma, mas sem interferência direta no andamento da pesquisa, bem como os referentes ao tipo de escola em que cursaram o Ensino Médio, expressos no Gráfico 5. Gráfico 4 – Alunos de radiojornalismo II por renda familiar mensal (em salários-mínimos)

Fonte: Adaptado de Tonus (2007) 121


Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo...

Gráfico 5 – Tipo de escola onde os alunos cursaram o ensino médio

Fonte: Adaptado de Tonus (2007)

O fato de a maioria possuir computador em suas residências (Gráfico 6), por sua vez, tem relação direta com a proposta formativa apresentada e com o andamento da pesquisa, pois, em diversos momentos, foram sugeridas atividades que poderiam ser desenvolvidas em qualquer computador, em casa ou na universidade. Os alunos que não possuíam computador em suas residências, acessavam equipamento tanto no trabalho, quanto na Universidade (Gráfico 7). Nesse caso, o acesso durante o semestre em que cursaram Radiojornalismo II foi estimulado, devido à proposta formativa exposta. Gráfico 6 – Alunos que possuíam computador em suas residências

Fonte: Adaptado de Tonus (2007) 122


Mirna Tonus

Gráfico 7 – Local de acesso por alunos que não possuíam computador em suas residências

Fonte: Adaptado de Tonus (2007) O questionário utilizado para diagnosticar o conhecimento da turma quanto às TDIC e edição digital de áudio, respondido por 34 alunos, permitiu verificar, quantitativamente, que: 1) de 34 alunos que responderam à questão sobre manipulação de arquivo de áudio, 74% já o haviam feito e 26% não; 2) dos 26 que mencionaram o tipo de manipulação de arquivos de áudio, 62% já haviam gravado em CD, 38%, editado, e 62%, feito download. Apenas 19% tinham realizado outras ações, como manipulação de MP3 e Real Áudio; reprodução e mudança de formato e qualidade; edição de áudio para matérias jornalísticas de TV e transformação de videoclipe em MP3; 3) dos 32 que responderam sobre contato com software de áudio, 50% haviam tido contato com algum software e 50% não; 4) dos 15 alunos que responderam sobre o tipo de contato com o software, 27% tiveram contato apenas visual, 47% conheciam SoundForge, 1% havia utilizado Nero (software de gravação de CD) e 20% conheciam, mas não sabiam nomear; 5) dos 29 que responderam sobre aprendizagem por TDIC ou educação a distância (EaD), 41% já haviam passado por algum processo de aprendizagem nesse sentido e 59% não; 6) dos 26 que 123


Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo...

responderam sobre o conhecimento a respeito das tecnologias empregadas no radiojornalismo, 35% afirmaram ignorá-las, possuindo apenas conhecimento teórico, 58% disseram que as conheciam na prática e 8% que as dominavam; 7) a percepção quanto à aprendizagem por meio das TDIC foi positiva para os dez alunos que responderam à questão aberta relacionada a essa forma de aprendizagem; 8) a crença nas TDIC como auxiliares da aprendizagem foi apontada por 97% dos 31 respondentes a essa questão. Um diagnóstico geral da turma participante da pesquisa indica que aproximadamente 3/4 manipularam áudio digital antes de iniciada a metodologia formativa proposta. Entretanto, somente cerca de 7% da turma já havia feito edição. Com relação a software de edição, a relação entre os que conheciam e os que nunca tiveram contato era meio a meio; 47% conheciam o SoundForge, software utilizado no laboratório de rádio da universidade. Sobre as tecnologias empregadas no radiojornalismo, pouco menos do que 1/3 da turma as conhecia.

Resultados e análises A análise dos dados obtidos nos três questionários mencionados foi realizada com o emprego do software denominado Classificação Hierárquica Implicativa e Coesitiva (CHIC)7, segundo as três possibilidades oferecidas – árvore de similaridade, árvore coesiva e grafo de implicação. Isso foi feito a fim de usufruir ao máximo do software para interpretar as respostas dos alunos aos questionários aplicados e detectar diferenças entre as similaridades e implicações entre as categorias selecionadas, buscando uma avaliação mais completa da aprendizagem dos alunos envolvidos na pesquisa. Para tanto, foram estabelecidas categorias, elaboradas a partir de termos ou expressões mencionados nas respostas dos alunos, as quais foram agrupadas em: 124


Mirna Tonus

Conhecimento em Tecnologias de Edição de Áudio (CTE) – CTE1 (ignora) e CTE2 (conhece); Percepção dos Alunos quanto a Tecnologias (PT) – PT1 (facilitam assimilação), PT2 (exigem mais tempo de manipulação), PT3 (exigem mais atenção do professor), PT4 (são eficientes), PT5 (possibilitam aperfeiçoamento), PT6 (inspiram falta de confiança), PT7 (proporcionam interação), PT8 (são ferramentas de EaD); Relação entre TDIC e Aprendizagem Percebida Previamente pelos Alunos (TA) –TA1 (agilidade), TA2 (facilidade), TA3 (grande quantidade de informações), TA4 (prática), TA5 (mais recursos), TA6 (interação), TA7 (emprego de diversos sentidos), TA8 (atualização), TA9 (acompanhamento), TA10 (autonomia), TA11 (estímulo), TA12 (otimização), TA13 (aprimoramento), TA14 (acesso), TA15 (criatividade); Práticas Presenciais (PP) – PP1 (fonte de informação), PP2 (orientação), PP3 (esclarecimento de dúvidas), PP4 (rapidez), PP5 (interatividade), PP6 (memorização), PP7 (complementação), PP8 (elaboração textual); Ferramentas Digitais (FD) – FD1 (facilidade de busca por informação), FD2 (estreitamento da relação), FD3 (solução de problemas), FD4 (dinamismo), FD5 (fornecimento de modelos), FD6 (tendências), FD7 (aprofundamento), FD8 (novidade), FD9 (facilidade), FD10 (atendimento individual), FD11 (qualidade), FD12 (orientação para finalização), FD13 (redução da distância), FD14 (ampliação de oportunidades), FD15 (participação docente), FD16 (apreensão de métodos), 125


Interações Digitais: uma proposta de ensino de Radiojornalismo...

FD17 (treinamento), FD18 (interação), FD19 (armazenamento), FD20 (criatividade), FD21 (eficiência), FD22 (agilidade), FD23 (orientação imediata), FD24 (atenção a técnicas), FD25 (recurso didático) e; Avaliação da Aprendizagem (AA) – AA1 (compreensão), AA2 (prática), AA3 (falta teoria), AA4 (aprendizagem autônoma), AA5 (acompanhamento), AA6 (noções básicas), AA7 (inovação), AA8 (contextualização), AA9 (atualização). As árvores foram geradas separadamente com as categorias extraídas das respostas a cada questionário e, em seguida, relacionadas às categorias mais significativas das respostas a todos os questionários, a fim de fornecer uma visão das partes e do todo sobre a participação dos alunos na pesquisa. A partir das árvores geradas pelo CHIC, a análise foi realizada por meio de interpretações próprias, com base nas teorias e na prática docente adotadas8.

Análise de similaridade O emprego do CHIC gerou uma árvore de similaridade nitidamente dividida em dois grupos – um menor, envolvendo 16 categorias; outro bem maior, com 51 categorias – indicados pelas chaves em vermelho na Figura 1.

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Mirna Tonus

Figura 1 – Árvore de similaridade gerada pelo CHIC a partir das categorias Fonte: Tonus (2007, p. 139)

A similaridade obtida a partir das respostas foi igual a um, em 23 níveis. Outras relações apresentaram similaridade correspondente a 0,99, aproximadamente, que também se mostram significativas para a análise. No primeiro grupo, representado pela chave menor, o primeiro nível de similaridade é verificado entre duas categorias do grupo PT, quais sejam PT1 e PT2, de onde se pode inferir que a facilidade de assimilação aumenta conforme é prolongado o tempo de manipulação. No nível dois, a similaridade relaciona a categoria PT3 às duas anteriores, e leva a perceber que é necessária atenção do professor, reforçando a ideia de interação, assim como mais tempo de manipulação (PT2) para que as TDIC possam facilitar a assimilação. No nível 12, a relação é estabelecida entre a categoria PPR, do grupo PP, e a AA3, do grupo AA. Como o 127


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componente curricular é laboratorial, a teoria foi mencionada, mas não ocupou as aulas, o que pode ter levado à rapidez indicada. Ainda nesse grupo, aparecem outras relações, como a estabelecida entre PT7 e TA6, com similaridade em torno de 0,99, no nível 26, ambas apresentando similaridade também por volta de 0,99, no nível 29, com a categoria TA14, do grupo TA. Dessa relação, é possível inferir que a interação tem relação direta com o acesso, o que reforça a importância da participação ativa do docente nos diversos tipos de interação mediado pela tecnologia, estimulando o aluno a construir seu conhecimento relacionado à edição digital de áudio. Outra relação, no nível 40, com similaridade em torno de 0,99, está entre as categorias TA3 e TA7, do grupo TA, de onde se depreende que a utilização das TDIC, como provedoras de informação, demanda dos alunos o uso das inteligências visual-espacial e musical pelo menos. No nível 48, verifica-se similaridade entre as categorias PT1, PT2 e PT3, do grupo PT, descritas no início da análise, e a TA5, do grupo TA, que relaciona TDIC e aprendizagem, e depreende-se que a quantidade de recursos é fator importante na percepção dos alunos sobre as tecnologias. No nível 51, com similaridade também em torno de 0,99, há relação entre as categorias PT8, do grupo PT, e TA12, do grupo TA. Novamente verifica-se influência entre uma categoria da percepção sobre as tecnologias e outra de TDIC e aprendizagem, levando a crer que o fato de serem utilizadas em atividades a distância, em uma educação plurimodal, pode otimizar a aprendizagem. O último nível desse grupo com similaridade significativa, dentro do padrão adotado, é o 53, que correlaciona as categorias PT7, do grupo PT, com TA6 e TA14 a TA3 e TA7, do grupo TA, reforçando a relação entre esses grupos. É possível inferir, assim, que tais características de TDIC e 128


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aprendizagem têm importância na percepção sobre a interação entre as tecnologias. Conforme citado, o segundo grupo abrange mais categorias com similaridade um e 0,99, em diversos níveis. No nível três, apresentam similaridade as categorias PT4 e PT5, do grupo PT, de percepção sobre tecnologias, indicando que as TDIC podem contribuir para a formação. O nível seguinte remete à similaridade entre as categorias PT6, do grupo PT, e FD12, do grupo FD. Dessa relação, pode-se inferir que, embora alguns alunos desconfiem das tecnologias, outros podem demandar orientação mediada para concluir o produto do componente curricular. Os níveis cinco a oito, também com similaridade um, correspondem às categorias TA9, do grupo TA; e FD2, FD6, FD9 e FD10, do grupo FD. A partir dessas relações, percebese que, mediante acompanhamento docente, as ferramentas digitais oferecem vantagens significativas no processo de aprendizagem. Uma relação de similaridade que pode parecer contraditória, a princípio, está presente no nível nove, entre as categorias TA10, do grupo TA, e FD18, do grupo FD. Entretanto, isso pode indicar que, para a autonomia se concretizar, ou seja, o aluno sentir-se capaz de lidar com a tecnologia no processo de aprendizagem, ele necessita da interação via ferramentas digitais, reforçando a análise dos quatro níveis anteriores. No nível dez, a relação determina similaridade um entre as categorias TA15, do grupo TA, e PP8, do grupo PP, o que leva a crer que as práticas presenciais, com produção de texto, podem ser facilitadas pelo exercício de criatividade na aprendizagem, por meio das tecnologias, à medida que estas proporcionam autonomia. Outra similaridade um é verificada no nível 11, entre as categorias PP1, do grupo PP, e AA1, do grupo AA, demonstrando, na avaliação da aprendizagem, que houve um 129


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processo de reflexão a partir das informações fornecidas nas práticas presenciais, em estúdio de rádio. No nível 13, também com similaridade um, esse segundo grupo apresenta relação entre as categorias FD3 e FD8, do grupo FD, retratando a necessidade de resolver problemas, presencialmente, ou a distância, à medida que uma novidade é apresentada ao aluno que utiliza ferramentas digitais. Um novo formato, uma nova atividade, enfim, geram problemas, solucionados paulatinamente com a orientação docente, seja na interação presencial, no laboratório, seja na interação mediada por computador. As categorias FD4 e FD7, do grupo FD, apresentam similaridade um no nível 14, indicando relação direta entre a produção e a interação proporcionadas pelas ferramentas digitais, o que levaria os alunos a se aprofundarem a partir de práticas dinâmicas, remetendo ao aprender fazendo e interagindo. Do nível 15 ao 23, apresentam similaridade um as seguintes categorias, representadas sequencialmente: FD13, FD14, FD15, FD16, FD17, FD19, FD20, FD21, do grupo FD; AA7 e AA9, do grupo AA. Das nove categorias, sete referem-se às ferramentas digitais, e duas, à avaliação da aprendizagem. O que se pode inferir, dessa relação, é que a inovação e a atualização resultantes do processo de aprendizagem encontram apoio nas categorias citadas do grupo FD, obedecendo a suas respectivas similaridades. Assim como no primeiro grupo, o segundo também apresenta similaridades em torno de 0,99, igualmente significativas para esta análise. É o caso das categorias PP3, do grupo PP, e FD1, do grupo FD, contidas no nível 24, que têm similaridade 0,99 com outras duas categorias, a PP1, do grupo PP; e a AA1, do grupo AA, no nível 36. Tal relação indica que a informação, tanto nas práticas presenciais, quanto nas ferramentas digitais, cumpre papel esclarecedor, levando à compreensão. A informação desempenha, assim, 130


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duplo papel nesse processo de aprendizagem híbrido, ou plurimodal, ora circulando nas aulas presenciais, em laboratórios, ora sendo objeto da interação e da interatividade estabelecidas com o uso das ferramentas digitais. No nível 25, a similaridade é verificada entre as categorias PP5, do grupo PP, e FD22, do grupo FD, inferindo-se dessa relação que a interatividade nas práticas presenciais garante agilidade ao lidar com as ferramentas digitais para interação com o docente, por e-mail, ou software de mensagem instantânea, reforçando a necessidade do contato com a tecnologia presencialmente para interagir com o docente empregando os meios digitais a distância. As duas categorias acima citadas, assim como outras três, no nível 37, têm similaridade aproximada de 0,99. Duas delas – TA10, do grupo TA, e FD18, do grupo FD –, apresentam similaridade um, no nível nove, e, ambas, similaridade em torno de 0,99, com FD23, do grupo FD, no nível 31. A inferência que se faz, a partir da relação, é que a autonomia no uso das TDIC, no processo de aprendizagem, tem a ver, em princípio, com a interação e, ambas, em seguida, com a orientação imediata por meio de ferramentas digitais a distância. Interatividade e agilidade estão envolvidas nesse processo em um nível mais distante, mas igualmente importante. No nível 27, com similaridade em torno de 0,99, encontram-se as categorias TA4, do grupo TA, e FD24, do grupo FD, que se relacionam, com a mesma similaridade, no nível 30, com FD25, do grupo FD, e, na sequência, no nível 35, com AA4, do grupo AA. Ao interpretar essa relação, destaca-se que a prática envolvendo a tecnologia de edição digital requer atenção às técnicas no uso da ferramenta, incluindo o material didático empregado, que leva, como esperado, a uma aprendizagem autônoma, consequência do aprender fazendo. Outra similaridade é encontrada entre as categorias PP6, do grupo PP, e FD11, do grupo FD, no nível 28, e entre 131


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estas, e AA5, do grupo AA, no nível 33. Esta última, como avaliação de uma aprendizagem que, por meio da memorização nas práticas presenciais, garante qualidade no uso das ferramentas digitais para interação com o docente. No nível 32, nesse segundo grupo, agrega-se à similaridade indicada entre TA15, do grupo TA, e PP8, do grupo PP, a categoria TA11, do grupo TA, levando a crer que ambas devem ser estimuladas para se efetivarem. O nível 34 também apresenta similaridade em torno de 0,99, estabelecida pelo software entre PP7, do grupo PP, e AA8, do grupo AA. Infere-se, dessa relação, que os complementos oferecidos nas práticas presenciais contribuem para uma aprendizagem contextualizada, conforme avaliação dos alunos. Essas categorias relacionam-se com as anteriores, no nível 38, indicando que, ao estimular a criatividade e a elaboração textual, utilizando complementos como áudio digital de sites, contextualiza-se a aprendizagem no uso de software de edição de áudio. No nível 39, a similaridade é estabelecida entre as categorias FD5, do grupo FD, e AA6, do grupo AA, as quais, no nível 49, relacionam-se com PT6, do grupo PT, e FD12, do grupo FD. A inferência que se faz dessa relação é que, a partir do momento em que os alunos são orientados para finalizar o trabalho, a falta de confiança é eliminada, estabelecendo-se a aprendizagem de noções básicas, por meio de modelos fornecidos com o uso das ferramentas digitais. As categorias relacionadas nos níveis cinco a oito – TA9, do grupo TA; FD2, FD6, FD9 e FD10, do grupo FD –, têm similaridade aproximada de 0,99, no nível 41, com FD3 e FD8, do grupo FD, que se relacionam no nível 13. São seis categorias referentes a ferramentas digitais que, com base na visão dos alunos, são significativas, desde que haja acompanhamento no uso das tecnologias no processo de aprendizagem. O nível 42 de similaridade abrange categorias já citadas 132


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nesta análise, estabelecendo relação entre TA11, TA15, do grupo TA; PP8, PP7, do grupo PP; e AA8, do grupo AA; e FD4, FD7, do grupo FD. Tais similaridades, que reúnem os grupos de categorias ferramentas digitais, TDIC e aprendizagem, práticas presenciais e avaliação da aprendizagem, levam apensar no processo de aprendizagem como um todo e reforçam a importância da educação plurimodal, em que o conteúdo e a interação com o docente cumprem papéis essenciais. As categorias PP1 e PP3, do grupo PP; AA1, do grupo AA; e FD1, do grupo FD, têm similaridade em torno de 0,99, no nível 43, com outra categoria, qual seja, AA2, do grupo AA, sinalizando que a informação, presencialmente ou não, com o esclarecimento de dúvidas e compreensão, leva à prática, conforme a avaliação da aprendizagem. A categoria PP2, grupo PP, com similaridade ao grupo de categorias recém-citado, no nível 46, indica a importância do docente nas práticas presenciais. Novamente, no nível 44, categorias já citadas no nível 42 aparecem relacionadas, com similaridade por volta de 0,99, com PP6, do grupo PP; FD11, do grupo FD; e AA5, do grupo AA. Retoma-se, aqui, a questão da educação plurimodal, visto que, enquanto os alunos indicam como características das práticas presenciais as categorias PP6, PP7 e PP8, do grupo P, conferem àquelas do grupo FD (FD4, FD7 e FD11) aspectos otimizadores, valorizados pelo uso das TDIC na aprendizagem (TA11 e TA15, do grupo TA). Contextualização e acompanhamento, na avaliação da aprendizagem, representam o resultado dessa otimização. As categorias TA4, TA9, do grupo TA; FD2, FD3, FD6, FD8, FD9, FD10, FD24, FD25, do grupo FD; e AA4, do grupo AA, encontram-se novamente no nível 45 da árvore de similaridade construída pelo CHIC, similares no valor aproximado de 0,99. São oito as categorias do grupo FD que, com apoio da prática e do acompanhamento no uso 133


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das TDIC, levam a uma aprendizagem autônoma, como indica a avaliação dos alunos. O nível 47 de similaridade, em torno de 0,99, envolve categorias já citadas nessa análise, que se relacionam em diversos níveis. As categorias AA7 e AA9, do grupo AA, configuram a avaliação, que apresenta similaridade com 11 categorias referentes a ferramentas digitais, uma de práticas presenciais, e uma de TDIC e aprendizagem. Note-se que a prática presencial contida nesse nível de similaridade, a interatividade (PP5, do grupo PP), refere-se ao uso das TDIC. Essas categorias dos grupos TA, FD e PP, garantem, portanto, aprendizagem inovadora e atual. No nível 50, as categorias que apresentam similaridade no nível 47 têm relação com as constantes nos níveis 43 e 46, ainda com similaridade em torno de 0,99. A partir disso, é reforçada a importância das ferramentas digitais empregadas, das práticas presenciais e da autonomia do aluno para lidar com a edição digital, para efetivar a prática e a compreensão e, consequentemente, obter uma aprendizagem inovadora e atual. O último nível, com similaridade em torno de 0,99 – nível 52 –, no segundo grupo fornecido pelo CHIC, é formado pelas categorias correspondentes aos níveis 44 e 45 de similaridade. Como na relação anterior, ferramentas digitais e práticas presenciais complementam-se, no uso das TDIC, levando a uma aprendizagem autônoma e à contextualização.

Análise coesiva e implicativa Outra análise realizada na pesquisa citada refere-se ao grafo implicativo gerado pelo CHIC. A título de ilustração, também foi formada uma árvore coesiva, a fim de apresentar as implicações entre as categorias, uni ou bidirecionais, o que pode ser visto em Tonus (2007, p. 168). À medida que, 134


Mirna Tonus

para trabalhar as implicações, foi definido o valor mínimo 70, significativo do ponto de vista estatístico, conforme Gräs e Almoloud (2005), o CHIC forneceu o grafo implicativo representado na Figura 2.

Figura 2 – Grafo implicativo com valor 70 Fonte: Tonus (2007, p. 169)

A partir das categorias dispostas no grafo, as que apresentaram valores menores que 70 de implicação foram eliminadas, tendo como resultado a árvore coesiva constante da Figura 3.

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Figura 3 – Árvore das categorias com valor 70 de implicação Fonte: Tonus (2007, p. 170)

Analisando as implicações nos 11 níveis citados, dos 20 dispostos na Figura 3, o nível um pode ser verificado entre AA6, do grupo AA, e FD5, do grupo FD, a primeira categoria implicada na segunda, inferindo-se que os modelos de edição digital dependem de noções básicas, conforme avaliação da aprendizagem dos alunos. No nível dois, PP3 está implicada em PP2, ambas do grupo PP, reforçando a importância do docente nas práticas presenciais. Mais uma vez, mostra-se relevante a interação, desta vez em sala de aula e nos laboratórios de informática e rádio. O nível três demonstra implicação de CTE2, do grupo CTE, em TA2, do grupo TA, ou seja, o conhecimento prévio sobre tecnologia de edição leva a ver a facilidade como consequência das TDIC aplicadas à aprendizagem. 136


Mirna Tonus

A categoria PP5, do grupo PP, está implicada, no nível quatro, na relação entre AA6, do grupo AA, e FD5, do grupo FD, do que se pode inferir que os modelos dependentes de noções requerem interatividade, ou seja, relação aprendizcomputador para aquisição desses modelos. No nível cinco, as categorias PP3 e PP2, do grupo PP, implicam a categoria FD1, do grupo FD, levando a refletir sobre a importância da informação existente ou trocada por meio de ferramentas digitais como elemento esclarecedor e orientador nas práticas presenciais. O nível seis é o primeiro a apresentar implicação mútua, entre FD4 e FD7, do grupo FD, ambas representando aspectos das ferramentas digitais atribuídos pelos alunos. O mesmo grupo de categorias está presente no nível sete, com a relação entre FD3 e FD8, do grupo FD, também com implicação mútua, levando a refletir que, mediante ferramentas digitais, a solução dos problemas está na novidade e esta se encontra na primeira. Importante ressaltar as implicações mútuas de categorias que integram esse mesmo grupo, pois reforçam a visão dos alunos sobre as ferramentas digitais propostas. As categorias TA10, do grupo TA, e FD18, do grupo FD, também se implicam mutuamente, no nível oito, inferindose, dessa relação, que, ao passo que os alunos consideram a primeira uma característica das TDIC na aprendizagem, ela está presente em momentos de interação, seja entre aprendiz e docente, seja entre aprendiz e aprendiz, no uso das ferramentas digitais. Já no nível nove, ambas as categorias estão implicadas em AA2, do grupo AA, na avaliação da aprendizagem realizada pelos alunos. No nível dez, a categoria AA8, do grupo AA, encontrase implicada em PP7, do grupo PP, portanto, uma avaliação que indique aprendizagem contextualizada se concretiza, desde que existam atividades que a complementem nas práticas presenciais. 137


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As categorias implicadas mutuamente no nível sete FD3 e FD8, do grupo FD -, estão presentes novamente no nível 11, implicando-se em TA8, do grupo TA, ou seja, esta última, enquanto característica do uso das TDIC na aprendizagem, carrega as duas primeiras quando da utilização de ferramentas digitais. Se, na visão dos alunos, as TDIC são uma tendência, isto se comprova à medida que eles têm contato com novas tecnologias digitais e as utilizam para solucionar problemas.

Considerações finais Na análise das 67 categorias, na árvore de similaridade, o CHIC estabeleceu similaridades significativas – entre 0,99 e 1 – em 53 níveis, o que demonstra forte relação entre as respostas dos alunos nas diversas fases da pesquisa-ação. Das 16 categorias integrantes do primeiro grupo, cinco apresentaram similaridades inferiores a 0,99 – CTE1, CTE2, do grupo CTE; TA2, do grupo TA; PP4, do grupo PP; e AA3, do grupo AA – e foram desconsideradas nesta análise. Por outro lado, é possível conjeturar sobre sua supressão, e crer que, independentemente de ignorar ou conhecer as tecnologias de edição de áudio, da facilidade que atribuíam às TDIC na aprendizagem, da rapidez das práticas presenciais e da falta de teoria enquanto resultado da avaliação da aprendizagem, o desenvolvimento dos alunos se manteve similar no tocante às outras 11 categorias desse grupo. Já no segundo grupo, formado por 51 categorias, apenas três se relacionaram às outras com similaridades menos significativas, todas referentes às tecnologias e aprendizagem –TA1, TA13 e TA8, do grupo TA –, ou seja, características atribuídas pelos alunos às TDIC no processo de aprendizagem. Isso demonstra que tais atributos das TDIC não interferiram nas relações entre as demais categorias.

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Em contrapartida, vale destacar que algumas categorias – TA9, do grupo TA; TA9, FD2, FD10, FD12, FD13, FD15 e FD18, do grupo FD –, reforçam a importância do docente nesse processo, especialmente no uso das ferramentas digitais, que possibilitam interações além da presencial. A partir dessas considerações, confirma-se a importância da interação mediada pelas TDIC. Quanto à análise coesiva e implicativa, das 18 categorias envolvidas, sete referem-se às ferramentas digitais, mais uma vez, como na análise de similaridade, reforçando a importância das TDIC no processo de aprendizagem, especialmente as referentes à ação docente, como FD3 e FD18, do grupo FD. As práticas presenciais, por sua vez, aparecem representadas por quatro categorias – PP3, PP2, PP5 e PP7, do grupo PP –, confirmando a efetividade da educação plurimodal, na qual a presença, o “estar junto virtual” e a aprendizagem autodirigida têm papéis importantes no processo de aprendizagem. Merece destaque a importância da contextualização – categoria AA8, do grupo AA –, citada por parte dos alunos na avaliação da aprendizagem, o que indica que a metodologia formativa proposta concretizou o ciclo de ações e a espiral de aprendizagem, defendidos por Valente (2002; 2005). Importante ressaltar que as árvores geradas pelo CHIC contribuíram sobremaneira para as análises e para a compreensão dos meandros contemplados na pesquisa-ação desenvolvida, oferecendo um diferencial devido à sua multidimensionalidade, já que, a partir do tratamento estatístico dos dados obtidos nos registros dos estudantes, foi possível elaborar interpretações sobre o processo de ensino e de aprendizagem. A forma como os aspectos envolvidos se relacionam pode, assim, ser bem-compreendida.

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Referências ELLIOTT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. de A. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente: professor(a)pesquisador(a). 2ª. reimp. Campinas, SP: Mercado de Letras/ Associação de Leitura do Brasil (ALB), 2001. Coleção Leituras no Brasil. GRAS, R.; ALMOULOUD, S. A. A implicação estatística usada como ferramenta em um exemplo de análise de dados multidimensionais. 2005. Disponível em: <http://math.unipa.it/~grim/asi/asi_03_ saddo_gras.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2013. PIAGET, J. A tomada de consciência. Tradução por Edson Braga de Souza. São Paulo: Melhoramentos, 1977. 211 p. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2002. Coleção Temas Básicos de Pesquisa-Ação. TONUS, M. Interações digitais: uma proposta de ensino de radiojornalismo por meio das TIC. 2007, Tese (doutorado em Multimeios e Ciências) Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/11357243/TeseInteracoes-Digitais-Mirna-Tonus-Setembro-2008-a>. Acesso em: 21 jul. 2013. VALENTE, J. A. A Espiral da Espiral de Aprendizagem: o processo de compreensão do papel das tecnologias de informação e comunicação na educação. 2005. Tese (Livre-docência em Multimeios e Ciências) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP. 2005. Disponível em: <http://www. bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code = 000857072>. Acesso em: 21 jul. 2013. VALENTE, J. A. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando conceitos. In: JOLY, M. C. (Ed.). Tecnologia no ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p. 15-37. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=9Q l2Z4Bf JDoC & pg = PA 22& hl = pt-BR& source = gbs_ selected _ pages&cad=3#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 20 jan. 2015.

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Notas 1 O título deste capítulo é idêntico ao da tese desenvolvida pela autora, defendida em agosto de 2007, no Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para acesso à tese, ver Tonus (2007). 2 Doutora em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora-pesquisadora do curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo e do Mestrado Profissional Interdisciplinar em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: mirnatonus@gmail.com 3 O trabalho foi desenvolvido com base na ementa de Radiojornalismo II, constante do Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social da Universidade de Sorocaba, aprovada em 23/01/2003 e vigente no primeiro semestre de 2005, qual seja: Redação e edição de radiojornais. Produção de informação e entretenimento radiofônico. Processos técnicos e de suporte do Jornalismo no rádio. 4 A definição de plurimodal adotada refere-se a uma modalidade de educação que abrange material didático para aulas presenciais, TDIC (CDs, computadores, software de edição de áudio) para uso presencial e em momentos de EaD (educação a distância), como e-mail, mensageiro instantâneo, chat e Orkut, mídia social adotada à época da pesquisa. 5

Para as atividades em questão, foi adotado o software gratuito Wavepad.

As edições do quadro Eureca, adotado na audição, estão disponíveis em: <https://soundcloud.com/mirnatonus>

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Para a análise apresentada na tese, foi utilizada a versão francesa CHIC 2.3, com opção do idioma inglês, lançada por Saddo Ag Almouloud em DOS, design Windows por Raphaël Couturier a partir do método implicativo elaborado por Régis Gräs. 7

8 A análise detalhada, com imagens de cada nível, e excertos das respostas, relacionadas às similaridades indicadas, está disponível em: <http://www.scribd.com/doc/11357243/Tese-Interacoes-Digitais-Mirna-Tonus-Setembro-2008-a>.

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Capítulo 6

Apropriação das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação pelos Gestores Educacionais Marilene Andrade Ferreira Borges1

Introdução

O

presente trabalho é resultado da tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O estudo teve como objetivo geral investigar como ocorre o processo de apropriação tecnológica no contexto da formação dos gestores educacionais no projeto Gestão Escolar e Tecnologias e, como objetivos específicos: compreender o conceito de apropriação nas diversas áreas do conhecimento; desenvolver um constructo teórico que possibilite a análise do processo de apropriação das tecnologias digitais; e identificar, nos memoriais reflexivos dos gestores, evidências de uso dos instrumentos como meios de comunicação, informação, expressão e autoformação (Borges, 2009). Esses objetivos conduziram a pesquisa, a fim de elucidar o seguinte problema: Como o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), no projeto Gestão Escolar e Tecnologias, promoveu a apropriação desses instrumentos na gestão escolar de diretores, vice-diretores e supervisores de ensino? 142


Marilene Andrade Ferreira Borges

O referencial teórico aborda os fundamentos teóricos da pesquisa. Inicia-se com o tópico Formação, Gestão e Tecnologias, que articula, no mesmo eixo, os três subtemas em que as tecnologias são abordadas como possibilidades/ espaços de formação e construção do conhecimento e emergem como potencializadoras dos processos de formação, autoformação e formação permanente. Discute o Pensamento Complexo2, Pensamento Ecossistêmico e a Espiral da Aprendizagem, três recortes teóricos que iluminam a apropriação das tecnologias digitais. Desvela o processo de apropriação em algumas áreas do conhecimento e aponta pressupostos de como é efetivado para tecnologias digitais. Na sequência, apresentam-se os pressupostos teóricos para o processo de apropriação das tecnologias digitais elaborados a partir de estudo cuidadoso sobre o significado e a representação da apropriação nos diferentes campos do conhecimento: Teologia, Arte, Linguística, Sociologia, Filosofia, Práticas Sociais, Psicologia, Psicologia Social e TDIC.

Pressupostos teóricos do processo de apropriação das tecnologias digitais Ao mergulhar na literatura atrás do entendimento do conceito de apropriação nas diversas áreas do conhecimento, buscaram-se referências para subsidiar, iluminar, estabelecer analogias, compor um processo de análise que permitisse revelar como se dá a apropriação da TDIC. Nessa perspectiva, e com base nos referenciais teóricos, foram elencados os pressupostos de um processo de apropriação das tecnologias. Um movimento que entendemos acontecer numa perspectiva sempre crescente, contínua, num mesmo processo que, se trabalhado, pode levar a outros níveis de apropriação mais elaborados, mais complexos, ou seja, a apropriação das 143


Apropriação das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação...

tecnologias se constituiria em níveis, que, apesar de suas identidades, fazem parte de um único movimento, e na base desse processo está o nível Emocional.

Emocional Concordamos com Maturana (2001) ao dizer que, nos seres vivos sistêmicos, racionais, são as emoções3 que, a todo momento, determinam o domínio racional em que operamos; são elas, também, que guiam nosso viver e agir; que criamos, aprimoramos e utilizamos as mais diversas tecnologias como realização pessoal, como satisfação de nossos desejos. E que, para satisfazê-los, buscamos não só adquirir esses objetos que nos seduzem, atraem; potencializam os nossos sentidos do ver, ouvir, sentir e olhar; acenam com melhores possibilidades de lazer, trabalho, uso do tempo - mas também compreendê-los, manuseá-los, utilizá-los. Como extensão de nossos sentidos, procuramos, nas tecnologias com as quais convivemos, possibilidades de realizar nossas emoções. Nessa perspectiva, é preciso querer, desejar, sentir-se seduzido, para interagir com as tecnologias digitais, de forma especial com o computador e a rede. “E se queremos compreender qualquer atividade humana, é preciso estar atento para a emoção que define o domínio de ações no qual aquela atividade acontece e, no processo, aprender a ver quais ações são desejadas naquela emoção.” (Maturana, 2001, p.130). Entendemos que o emocional potencializa o campo operacional, portanto, partimos do pressuposto de que a apropriação das tecnologias passa primeiro pela realização do desejo; um movimento em que interno e externo se conjugam para concretizar-se. Ao analisar o conceito de apropriação, nos diversos campos do conhecimento, encontramos evidências de que a apropriação implica a ideia de desejo, movimento, mediação, 144


Marilene Andrade Ferreira Borges

construção, mobilização do próprio sujeito, de suas relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo. De que é um processo complexo, subjetivo, mediado pelo outro e/ ou por objetos, que vão se constituindo, permitindo que um sujeito ativo evolua de forma gradativa no exercício da ação. Um processo em espiral, que tem como fio condutor o emocional, pois, mesmo estando na base, é o nível que vai alimentar, permear todo o processo e continuar evidente nas futuras ações do sujeito. No entanto, ainda é necessário que haja equipamentos, recursos tecnológicos, para que o sujeito possa dar um passo a mais no seu processo de apropriação, ou seja, é preciso materializar o nível Técnico-Operacional, e ter acesso aos equipamentos tecnológicos.

Nível Técnico-Operacional Esse nível está diretamente relacionado à existência e disponibilidade dos recursos, equipamentos tecnológicos, softwares e acesso à rede, enquanto um novo meio de informação e comunicação. A simples existência dos equipamentos não garante, por si só, o uso das tecnologias; no entanto, sem eles, é inviável qualquer processo de apropriação. É preciso que o sujeito tenha acesso a equipamentos atualizados, que permitam executar as versões mais recentes dos softwares e programas disponibilizados na rede.

Imitação Sem realizar uma análise aprofundada do termo imitação, busca-se compreender seu significado a partir de algumas abordagens. A noção de mimese artística é apresentada na obra Poética de Aristóteles, como atividade capaz de criar o existente por meio de novas correlações, 145


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proporcionando bases para possíveis interpretações do real. A mimese em Aristóteles, não representava simplesmente a imitatio (imitação) como compreendida por Platão. Aristóteles dá relevância à mimese no âmbito da espécie humana; o processo de imitação é inerente ao ser humano, “imitar é congênito da espécie humana” (Poética, 1448 a, II, §13. Apud Araújo, 2007, p.2), ou seja, há, na espécie humana, uma tendência natural para a imitação. A abordagem aristotélica permite perceber que o prazer encontrado na imitação, na representação, é intelectual e baseado na identificação e no reconhecimento do objeto imitado em sua forma natural conhecida. O ato de imitar constitui relevante característica humana, que permite, ao sujeito apropriar-se dos conhecimentos por meio do processo de imitação da ação e/ou dos fatos narrados (oral e/ou escrito) pelo outro. Nessa perspectiva, a imitação é parte de processo em que o sujeito, com seu empenho e esforço pessoal, ao adquirir as primeiras noções, age imitando (oralmente, na escrita, em representação mental) a ação do outro. Um processo que pode ser potencializado com a participação, orientação, de outro mais capaz, e possibilitar a aquisição de novas competências e outras habilidades. A imitação, também, está na base dos processos de troca de experiências, ou seja, no compartilhamento dos conhecimentos, achados, sucessos e insucessos entre pares, em que o sujeito é capaz de - a partir da narração oral ou escrita realizada pelo outro - construir, reconstruir, ressignificar a ação em outro tempo e espaço. Outra abordagem refere-se ao estudo sobre imitação em crianças, como parte do desenvolvimento cognitivo. Segundo Piaget (1978) e Piaget e Inhelder (1993), esse processo exerce papel fundamental na representação, na função semiótica, envolvendo a diferenciação entre significantes e significados. 146


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Vygotsky (1984) também atribui importância à imitação. Segundo ele, sob a orientação de adultos, usando a imitação, as crianças são capazes de realizar muitas coisas, inclusive ações que estão muito além de suas próprias capacidades. Essas abordagens sobre imitação são parte de um processo de aprendizagem que não se limita às fases iniciais da atividade humana e nem a uma mera cópia da realidade. E ao trazê-lo para o campo da apropriação das tecnologias, encontra-se o conceito de imitação como parte de um processo, em que o sujeito, a partir do seu agir, imita a ação do outro, tentando chegar aos mesmos ou a resultados semelhantes. Com a imitação, observando, compreende a ação do outro, e tenta reconstrui-la, construi-la à sua maneira, assegurando inclusive a possibilidade de superar, aprimorar, melhorar, modificar e recriar o objeto imitado. E, nesse processo, vai se apropriando dos meios que lhe permitem realizar a ação almejada. Um processo que é potencializado pela mediação do outro e pode levar ao nível mais complexo de apropriação, que é o relacional.

Relacional A essência humana não está no indivíduo isolado, mas “é o conjunto das relações sociais” (Marx; Engels, 2002, p.101). Ou seja, a essência originária do indivíduo humano não está nele próprio, mas no mundo das relações que estabelece. Segundo Charlot (2000), “o saber é relação” (p. 62) e essa relação é importante, uma vez que a “ideia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros” (p. 61). Explicita que “o sujeito de saber desenvolve uma atividade que lhe é própria: argumentação, verificação, experimentação, vontade de demonstrar, provar, validar” (p. 60). A apropriação das tecnologias, portanto, não está nem 147


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no sujeito, nem nas próprias tecnologias, e nem no outro, mas nas relações estabelecidas entre eles. No campo da apropriação das tecnologias, há vários tipos de relação entre o sujeito, o objeto e o outro que merecem ser mais bem analisados e que sinalizam como processos de apropriação. São eles: Relação/Comunicação, Relação/Informação e Relação/ExpressãoReflexiva – níveis que se inter-relacionam, e, afetados por processos interativos, podem produzir emergências ainda não pensadas. Relação/Comunicação Comunicação é aqui entendida como processo de estabelecimento do diálogo oral ou escrito utilizando o computador e/ou a rede; em que o sujeito é capaz de usar as ferramentas disponíveis para informar ao outro quais são suas ideias, assim como receber e compreender as manifestações do outro. Ao comunicar-se com o outro utilizando o computador/rede, quer seja falando, digitando, enviando e-mail, o sujeito encontra-se em um dos níveis de apropriação.

Relação/Informação A informação é abordada aqui como aquilo que está disponibilizado na Internet para consulta, como: notícias, fatos, dados, ou mesmo como algo que as pessoas trocam, entre si, no campo das ideias. De forma que o sujeito se relaciona com a rede para se informar, e buscar a informação para si ou para o outro. O ato de informar-se pode desencadear novo processo no qual o sujeito procura interpretar a informação. Ao interpretá-la, passa a compreendê-la e dela se apropriar (Ricouer, 2002).

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Relação/Expressão Reflexiva Expressão é entendida como um processo que permite ao sujeito externar, por meio das tecnologias, suas ideias, seus conhecimentos, valores, sentimentos, conjugando diversos tipos de linguagem e recursos disponibilizados na rede. Possibilita ao sujeito comunicar-se, informar-se, atribuir significações e, de forma consciente, escolher, tomar decisões a partir das atividades por ele desenvolvidas usando o computador; assim como utilizá-la a seu favor, a favor do outro, e do seu grupo social, para facilitar os processos de informação e comunicação. É uma relação/ expressão reflexiva que corresponde ao que foi denominado por Valente (2007) como “letramento”. A aquisição desse nível de apropriação permite que o sujeito utilize as tecnologias digitais a favor da sua autoformação.

Autoformação Expressa um processo em que o sujeito volta-se para a satisfação de suas próprias necessidades no campo do conhecimento, da relação com o outro, da realização pessoal, da renovação de um pensamento vinculado com a natureza e com todo o planeta; expressa uma formação na qual o sujeito leva em conta todas as dimensões humanas, que busca a indissociabilidade do triângulo da vida (D`Ambrosio, 1997). Nesse processo, o sujeito tem a consciência de que é responsável pela própria formação; de que é capaz disso e pode buscar os meios de realizá-la, permitindo-lhe desencadear um processo de formação permanente ao longo da vida, que vai além do individualismo, do cognitivismo e utilitarismo do conhecimento. Saber lidar com o tempo, desenvolver a autonomia, a criticidade, buscar o autoconhecimento, fazendo das tecnologias parceiras para interagir com as próprias ideias, com 149


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outros sujeitos, com as informações disponibilizadas na rede, é ter, nas mãos, o próprio processo de autoformação. Ao atingir esse nível, o sujeito utiliza as tecnologias para melhorar sua qualidade de vida, e não para dela ser escravo. Nessa perspectiva, a apropriação das tecnologias se constitui em níveis, os quais, apesar de suas identidades, fazem parte de um único movimento. São eles: Emocional, Técnico-Operacional, Imitação, Relação/Comunicação, Relação/Informação, Relação/Expressão Reflexiva e Autoformação. Na base desse processo, está o nível Emocional, que vai alimentar e permear todo o processo e continuar atuante nas futuras ações do sujeito.

Metodologia, constituição e análise dos dados Como cenário de estudo e investigação, a pesquisa utilizou o projeto Gestão Escolar e Tecnologias, desenvolvido para atender a uma demanda de formação dos gestores escolares das escolas estaduais do Estado de São Paulo, para o uso das TDIC na gestão escolar e no cotidiano da escola. A sua realização ocorreu por meio de parcerias entre a PUC-SP, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) e Microsoft. Como sujeito da pesquisa, foi eleito um grupo de 30 gestores-cursistas da Diretoria de Educação de Araraquara (SP). Para constituir os dados, foram utilizados extratos textuais, retirados dos três Memoriais Reflexivos elaborados ao longo do curso. Esses dados foram compilados e submetidos a uma nova perspectiva de análise, com o uso do método estatístico multidimensional viabilizado pelo software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva). Os 895 extratos textuais selecionados dos Memoriais Reflexivos foram agrupados em 39 categorias emergentes, conforme sua identidade com um dos sete níveis de apropriação: Emocional, Técnico-Operacional, Imitação, Relação/ 150


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Comunicação, Relação/Informação, Relação/Expressão reflexiva e Autoformação. Como as categorias emergiram a partir dos conteúdos extraídos dos três Memoriais Reflexivos dos gestores-cursistas, o conjunto das 39 categorias foi utilizado na planilha do Excel para gerar os dados a serem analisados nos três Memoriais Reflexivos, em três momentos distintos: Memoriais Reflexivos 1 e 2 e Síntese dos Memoriais. Portanto, a ocorrência da categoria na árvore de similaridade e/ou nos gráficos de barras, está relacionada à sua presença no Memorial Reflexivo de origem. A partir da constituição dos dados, apoiou-se em um método estatístico multidimensional que consiste na organização e análise de dados, segundo seu agrupamento e intersecção, as quais se desenvolvem com a utilização do software CHIC (Almouloud, 1992; Prado, 2003), gerando as árvores de similaridades e os índices de ocorrências que permitiram elaborar os gráficos de barras.

Apropriação das tecnologias: a metáfora da pirâmide Na pirâmide (Figura 1), visualiza-se a metáfora do processo de apropriação das tecnologias pelo sujeito. Não uma pirâmide fechada, concluída, mas com níveis e vértice abertos, possibilitando a ressignificação do processo a cada movimento ascendente ou descendente realizado pelo sujeito. Uma pirâmide que se compõe por pequenas espirais de aprendizagem, a partir do nível Técnico-Operacional, que se integram umas às outras a favor de um processo mais intenso de apropriação.

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Figura 1 – Espiral da aprendizagem - horizontal- e o processo de apropriação

No processo de apropriação das tecnologias, o ciclo Descrição/Reflexão/Depuração/Nova Descrição (Valente, 2002) acontece nos diferentes níveis do processo de apropriação, ou seja, está presente, com exceção do nível Emocional, em todos os outros, a partir do nível Técnico-Operacional. Apesar de o nível Emocional estar na base de todo o processo, o ciclo não se configura para a sua realização, uma vez que não é mediado pelo computador. No entanto, é o fio condutor de todo o processo. O citado ciclo Descrição/Reflexão/Depuração/ Nova Descrição apresenta-se no processo de apropriação em dois modos diferentes, que não se excluem, mas se complementam. O primeiro, num movimento individual, do próprio sujeito, em que, a partir de um processo de 152


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interação com o computador e a rede, vai construindo o seu processo individual de apropriação: acrescenta novos elos à sua Espiral da Aprendizagem na proporção em que se familiariza com as tecnologias (Figura 2).

Figura 2 – Espiral da aprendizagem e a apropriação das tecnologias (o invólucro azul representa o nível emocional)

No segundo modo, vivencia o ciclo Descrição/ Execução/Reflexão/Depuração/Nova Descrição, com o apoio do professor e/ou pares, a partir do processo de interação e mediação em ambiente virtual, que potencializa a construção do processo de domínio das tecnologias, configurando, assim, o estar junto virtual (Valente, 2002) enquanto Espiral da Aprendizagem (Figura 3).

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Figura 3 – Espiral da aprendizagem e apropriação das tecnologias com a mediação e interação do professor ou pares (o invólucro azul representa o nível emocional)

Nessa perspectiva, os níveis de apropriação são alimentados pelo fio condutor que é o nível Emocional. O processo não é linear e nem segmentado, pois os níveis, sem limites definidos, misturam-se (ver lado esquerdo da Figura 4).

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Figura 4 – Espiral da aprendizagem – vertical – e o processo de apropriação

Mesmo estando na base do processo de apropriação, o nível Emocional vai promover o surgimento dos demais níveis, suscitando o desejo, despertando o interesse; e, ao atingir o último nível, pode ser novamente mobilizado pelo nível Emocional, em busca de outras significações, em qualquer um dos níveis. A seguir, é analisado o número de ocorrências das categorias nos três memoriais e que estão expressos em gráficos de barras.

Processo de apropriação expresso em gráficos de barras Nos extratos textuais de 30 gestores-cursistas, foram identificadas 236 ocorrências das categorias emergentes contidas nos diversos níveis do processo de apropriação

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do Memorial Reflexivo 1. Quando os dados por níveis de apropriação são expressos em gráfico de barras, nota-se que a sobreposição das barras relativas ao número de ocorrências das categorias assemelha-se à metade de uma pirâmide (Figura 5). Para facilitar a visualização, a imagem da pirâmide da Figura 5 encontra-se duplicada na Figura 6.

Na base da pirâmide, está o nível Emocional, ou seja, o de maior incidência, seguido dos Técnico-Operacional e Imitação, dois níveis que apresentam diferença mínima entre suas ocorrências. O número de ocorrências das categorias, que compõem o nível Imitação, sinaliza que, nesse momento inicial, os sujeitos o utilizaram muito enquanto processo de apropriação das tecnologias. Ainda nesse momento inicial do curso, o processo de apropriação das tecnologias é representado por uma pirâmide simétrica, em que os níveis do processo de apropriação apresentam-se na mesma sequência da pirâmide que contém os níveis de frequência. No Memorial Reflexivo 2, foram identificadas, nos extratos textuais de 27 gestores-cursistas, 290 ocorrências das categorias emergentes, contidas nos diversos níveis do processo de apropriação; 54 categorias a mais do que no anterior, mesmo considerando um número inferior de ocorrências em relação ao Memorial Reflexivo 1, ou seja, os gestores-cursistas utilizaram as tecnologias com alguns fins a 156


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mais e de diferentes modos aos até então utilizados (Figura 7). Quando condensados, por níveis de apropriação num gráfico de barras, esses dados, novamente, proporcionam a figura da pirâmide com novo formato (Figura 8). Nota-se que o nível Emocional é o mais expressivo, com 99 ocorrências.

Na pirâmide dos dados extraídos do Memorial Reflexivo 2, o que emerge é um movimento nos níveis do processo de apropriação das tecnologias, com o surgimento de novos dados, provocando a perda da simetria da figura, externando um formato mais verticalizado do processo. Na Síntese dos Memoriais Reflexivos, foram identificadas, nos extratos textuais de 27 gestores-cursistas, 369 ocorrências das categorias emergentes contidas nos diversos níveis do processo de apropriação (Figura 9). Quando duplicada a metade da pirâmide (Figura 10), percebese modificação na sua estrutura, com a forte presença do nível Relação/Expressão-Reflexiva. É como se nova base se abrisse alicerçada no nível Emocional, seguido do nível de Autoformação, promovendo a reestruturação da pirâmide.

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O nível Emocional, assim como nos outros dois memoriais, é o mais expressivo, com 125 ocorrências e, está, portanto, com 107 ocorrências; e o terceiro é o nível Autoformação, com 37, localizado na base da pirâmide. O segundo em número de ocorrências é o nível Relação/Expressão Reflexiva.

A superposição desses três níveis acarreta mudança estrutural na pirâmide e provoca novas reflexões, sinalizando que o sujeito, ao fazer uso reflexivo das tecnologias e caminhar rumo à sua autoformação, possui saberes, conhecimentos, habilidades e mobilidade suficientes para conjugar os níveis de apropriação das tecnologias e utilizá-las a seu favor, como, também, a favor do outro.

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Processo de apropriação expresso nas três árvores de similaridades A partir dos extratos textuais retirados dos memoriais reflexivos dos gestores-cursistas, foram levantadas 895 ocorrências, surgidas das 39 categorias emergentes que caracterizavam os sete níveis de apropriação. Para gerar as árvores, o software CHIC realizou uma leitura dessas ocorrências, estabelecendo similaridades. Nos gráficos das árvores de similaridade gerados, percebem-se as mudanças ocorridas ao longo dos três memoriais. A incidência das categorias variou de um memorial para outro. Algumas categorias surgiram no Memorial Reflexivo 1; outras, no Memorial Reflexivo 2; outras, na Síntese dos Memoriais; e ainda outras, que emergiram nos Memoriais Reflexivos 1 e 2, não se manifestaram no último memorial. Outro dado observado está na formação das classes. Das 21 categorias contidas na árvore do Memorial Reflexivo 1, nove são relativas ao nível Emocional, e apresentam-se de forma equitativa. Três, em cada classe, permitem inferir que o nível Emocional não está só na base da pirâmide, mas, também, ao longo do processo de apropriação, potencializando a existência e a ação dos demais níveis. Para melhor visualização, as categorias do nível Emocional, foram grifadas em azul, como indicado na Figura 13.

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Figura 13 – Árvore do memorial reflexivo 1 – nível emocional

De acordo com Maturana (2001), nossas emoções, a todo momento, determinam o domínio racional em que operamos. Categorizadas como nível Emocional, estão presentes, em todos os extratos; ora sinalizando como interesse, vontade, satisfação pessoal, motivação; ora expressando receio, preocupação, ansiedade, dentre suas manifestações. Análise pormenorizada das três classes sinaliza que, naquele momento do curso, o sujeito concentrava todos os esforços para a operacionalização básica dos recursos tecnológicos, como acessar e transitar pelo ambiente virtual; utilizar as ferramentas; e estabelecer, ainda que minimamente, um processo de comunicação com professores e pares, numa apropriação tecnológica mais centrada no sujeito. A única categoria do nível Relação/Expressão Reflexiva [31REX trabalho em equipe] manifestada sinaliza a abertura de um processo reflexivo em que a participação do outro pode levar a novas apropriações. A árvore do Memorial Reflexivo 2 (Figura 14) apresentase com 32 categorias, distribuídas em três classes, porém, com configuração diferente do Memorial Reflexivo 1. A modificação estrutural das classes é visível, não só pelo surgimento de outras categorias, mas também pelas novas 160


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similaridades estabelecidas entre as categorias existentes e as novas que emergiram.

Figura 14 – Árvore do memorial reflexivo 2 - nível emocional

Na primeira classe, a maior delas, concentram-se categorias dos níveis Emocional e Relação/Expressão Reflexiva. O aumento significativo das categorias do nível Relação/ Expressão Reflexiva sinaliza que houve avanço no processo de apropriação das tecnologias pelos gestores-cursistas e a forte presença do nível Emocional, nesse momento do curso, potencializa o processo de apropriação, mudando o foco de um processo centrado mais na operacionalização dos recursos tecnológicos, para um voltado para a aplicação das tecnologias no trabalho e no cotidiano. Na árvore da Síntese dos Memoriais (Figura 15), formada por três classes, estão presentes 37 categorias. Houve um aumento expressivo das categorias do nível Relação/ Expressão Reflexiva e emergiram mais duas categorias do nível Autoformação. Observa-se que não há concentração dessas categorias, que estão distribuídas pelas três classes. As ausências das categorias [22RC Tempo e comunicação] e [25RI Tempo e informação] sinalizam que a falta de tempo, apontada como elemento que dificultava as atividades do curso, tanto no ambiente virtual como no cotidiano do trabalho, foi superada. Como um avanço, emerge a categoria 161


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[38AF Gestão do Tempo], sinalizando que o uso das tecnologias contribui para a aquisição de saberes relacionados ao ato de gerir, administrar, organizar, otimizar o tempo, possibilitando a criação de tempos pessoais e coletivos.

Figura 15 – Árvore da síntese dos memoriais - nível emocional

Numa análise final, as convergências e similaridades revelam a inclusão digital de um sujeito capaz de movimentarse no espaço virtual, utilizar ferramentas digitais para comunicar-se, informar e expressar o pensamento; capaz de lidar com as tecnologias; utilizá-las no trabalho e no cotidiano; ressignificar ações com o seu uso em outros tempos e lugares; ir da teoria à prática num mesmo viés; capaz também de valorizar o agir coletivo; fazer gestão do tempo; e reconhecer a importância do outro para o desenvolvimento individual e coletivo. A Figura 16 apresenta a evolução do processo de apropriação das tecnologias. Quando alinhadas no sentido vertical, as três árvores de similaridade criam uma figura que se assemelha a uma pirâmide invertida, com o vértice para baixo e a base para cima, sinalizando que a apropriação das tecnologias não é um processo conclusivo, finito, mas aberto a novas relações.

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Figura 16 – Pirâmide invertida – evolução do processo de apropriação das tecnologias

A gravura formada pelas três árvores permite deduzir que o processo de apropriação das tecnologias vai se alargando, tornando-se mais complexo, na proporção em que o sujeito é capaz de estabelecer novas relações com o computador e a rede, com pares e professores, e com a própria realidade. Ainda com base nas informações obtidas por meio das árvores de similaridade, o resultado das análises mostrou também a existência de princípios norteadores do pensamento complexo, apontando a apropriação tecnológica 163


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como um processo complexo e relacional em que as relações estabelecidas entre o sujeito, objeto e o “outro”, sinalizam que a apropriação tecnológica não está nem no sujeito e nem nas próprias tecnologias, mas nas relações estabelecidas entre eles.

Conclusão A apropriação das tecnologias digitais é um processo relacional, complexo e em espiral. Constitui-se em níveis que, mesmo singulares em suas identidades, fazem parte de um único movimento. Esses níveis emergiram na proporção em que foram sendo realizadas as atividades com diferentes abordagens, no ambiente virtual e nos momentos presenciais, os quais, conjugados à mediação e interação entre pares e professores e potencializados pelas incidências emocionais dos participantes, imprimiram movimentos ao processo individual de apropriação tecnológica de cada gestor-cursista, possibilitando-lhe a ressignificação do processo a cada movimento em espiral, ascendente ou descendente, por ele realizado nos seus próprios níveis de apropriação. Na base desse processo, está o nível Emocional, que potencializa a existência dos níveis Imitação, Relação/ Comunicação, Relação/Informação, Relação/Expressão Reflexiva e Autoformação. O nível Emocional só não está relacionado com o nível Técnico-Operacional. A identificação, a compreensão e o entendimento dos níveis poderão contribuir para que as ações de formação de educadores, ou outros segmentos, que têm nas tecnologias digitais um dos seus suportes, utilizem-nas como forma de comunicação, informação e expressão, possibilitando que os gestorescursistas delas se apropriem.

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Revista Pátio. Porto Alegre, RS, v. 11, n. 44, Nov.2007/jan.2008. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

Notas 1 Doutora em Educação e Currículo/PUC-SP; Professora do Departamento de Educação e Tecnologias (DEETE), Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: marileneafb@yahoo.com.br

“O pensamento complexo é a união entre a simplicidade e a complexidade. Isso implica processos como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar.” (Sátiro, 2002). 2

Emoções são disposições corporais que especificam a cada instante o domínio de ações em que se encontra um animal (humano ou não). (Maturana, 1997, p.170). 3

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Capítulo 7

No Jardim dos Letramentos: poéticas em rede e tomadas de consciência na cultura da convergência Ivan Ferrer Maia1

Introdução

N

o país da crescente produção de novelas e de minis séries, ainda há grandes disparates relacionados à condição socioeconômica e o acesso às tecnologias digitais. Quanto mais alta a renda, mais computadores há, nos domicílios. Os disparates aumentam quando também são consideradas outras variáveis: residência em área urbana, ou rural, a idade e o grau de instrução (CGI, 2013, p. 156). Os indivíduos com idade acima de 60 anos são os mais afetados pela exclusão digital. Relatório do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI, 2013, p. 164) revela que 77% dos indivíduos com idades entre 10 e 15 anos são usuários de computador; os que têm de 45 a 59 anos marcam 32%; e os que possuem de 35 a 44 anos atingem 47%. Para os indivíduos com 60 anos ou mais, essa proporção é de 9%. O que intensifica a exclusão do público idoso à rede não é apenas a falta de acesso a microcomputador; mas também de conhecimento para utilizar a Internet. É um público iletrado digitalmente, afastado e segregado do universo digital. 167


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Assim, é necessário encontrar soluções que levem os sujeitos, considerados excluídos, a dominar um sistema de rede que possibilite expressar o conhecimento de maneira ampla, de solidificar, no coletivo, a subjetividade. Dessa forma, o objetivo principal deste estudo, é entender, dentro de um enfoque sócio-histórico, como os sujeitos construíram letramentos, a partir de recursos das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Ao mesmo tempo, pode-se verificar a trajetória dos letramentos em situações de tomadas de consciência2 e de contextualização. Paralelamente, é possível compreender como os adultos apropriaram-se das novas tecnologias, a partir dos próprios contextos.

Os letramentos na cultura da convergência Preferiu-se adotar o termo letramentos – com “s” no final – para reforçar a ideia de que o conceito de letramentos vai além do canal escrito, abrangendo também o visual, oral e sinestésico. Esses canais podem ser convergidos e, dependendo do caso, potencializados nas mídias digitais, o que favorece o exercício de diversas competências (OECD, 2005). O sujeito que alcançou o estágio de letramentos é capaz de usar ou compreender estratégias próprias dos canais de comunicação3, construir sentido a partir de sistemas de canais, agir na estrutura dos significantes e auxiliar nas transformações sensíveis e cognitivas, para promover tomadas de consciência, transformações da realidade na qual se encontra. Valente (2007) aponta três características próprias dos letramentos. A primeira, é que as tecnologias digitais proporcionam novas alternativas para a leitura e escrita sequencial, bem diferente do lápis e papel. A segunda, a capacidade para usar as tecnologias exige o desenvolvimento de novas competências. A terceira, os letramentos podem alcançar um nível fraco, quando o sujeito apenas desenvolve habilidades funcio168


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nais relacionadas às tecnologias; ou um nível forte, quando o sujeito constrói capacidades de lidar com a tecnologia como um meio de tomar consciência da realidade e transformá-la. O nível forte de letramentos tem a ver com a lógica participativa explicitada também na concepção de Jenkins (2006, p. 3). Ele utiliza o termo “cultura da convergência4”, para argumentar a ideia de que a convergência deve ser entendida além de um processo tecnológico, que reúne várias funções de mídia dentro dos mesmos dispositivos. Em vez disso, a convergência representa uma mudança cultural, na qual os usuários ou consumidores não ficam na postura passiva, mas protagonistas na busca de novas informações e de estabelecer conexões entre conteúdos midiáticos dispersos. Para Almeida (2007, p. 6), desenvolver letramentos atrelados às novas mídias significa “alavancar a aprendizagem significativa, autônoma e contínua, que se expressa pela criação e organização de nós da rede de significados”. Já Rangel (2009) alerta que, se os letramentos “não precisar(em) as necessidades emergentes das práticas sociais, poderá(ão) conduzir a arritmias entre as diversas mediações, aprendizagens e letramentos”. Assim, pode-se dizer que o sujeito envolvido pelo fenômeno de letramentos consegue dar uso social aos signos analógicos ou digitais, em contextos específicos e despertar a consciência para a realidade, a ponto de ser capaz de transformá-la (Maia, 2011). Nesse artigo, são analisadas a construção e qualidade dos letramentos.

Procedimentos metodológicos Foi utilizado o método da pesquisa-ação integral e sistêmica (Morin, 2004). Vinculou-se, assim, o trabalho teórico e prático simultaneamente, um redirecionando e subsidiando o outro.

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Local As atividades ocorreram nos laboratórios de informática das Faculdades Integradas Paiva de Vilhena, associadas à Universidade do Estado de Minas Gerais, na cidade de Campanha/MG. Os laboratórios de informática com acesso à Internet via banda larga estão localizados no mesmo bairro, ou próximos das residências dos aprendizes.

Sujeitos Os sujeitos da pesquisa foram 16 adultos, dos quais nove idosos na faixa etária de 60 a 78 anos e sete adultos com idades próximas dos 60 anos. Eram 14 mulheres e 2 homens. A formação educacional ia do 3o ao 7o ano do Ensino Fundamental e praticamente todos eram considerados excluídos em tecnologia digital. Dos 16 adultos, quando iniciaram o projeto, nove não possuíam computador em casa; seis podiam acessar o computador de algum parente, principalmente do filho; e apenas um possuía computador em casa. Porém, nenhum deles sabia ligar o computador.

Ações • • • • •

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As principais ações desenvolvidas foram: Diálogo com os participantes; Análise sociocultural dos envolvidos, mediante fichas cadastrais e conversa coletiva; Desenvolvimento de atividades transdisciplinares, pautadas no contexto sócio-histórico dos atores; Discussões constantes sobre as atividades; Atividades para trabalhar as habilidades básicas para manusear o computador;


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Uso de site de busca, captar informações na Internet, identificar, selecionar informação; Exercícios de digitação e atividades com processador de texto; Atividades com jogos diversos da Internet, enquanto entretenimento e treinamento de psicomotricidade; Exercícios de coleta de informações de sites com temáticas específicas (receita, tricô, artesanato, notícias, etc.); Acesso aos vídeos do YouTube; Utilização de e-mail - acessar, escrever e responder; Confecção coletiva de uma apostila didática explicando as dúvidas básicas (acessar e-mail, site de busca etc.); Construção de conteúdos e inserção das informações em redes sociais; Atividades com software de autoria – inserção de textos literários, imagens; Palestras sobre segurança nas redes sociais; Registro fotográfico de cada agente, do grupo e durante atividades, para atividades nas redes sociais e com softwares de autoria; Exercícios de utilização de chats e conversas por e-mails; Observação, análise e debates sobre as atividades, as relações dos participantes e desempenho dos aprendizes; Observação de aplicações, usos das TDIC e tomadas de consciência entre os participantes do projeto e os elementos implicantes para a construção de novos letramentos.

Ferramentas de registros de informações Entre as técnicas de registro, foram utilizadas: diário de bordo, atas de reuniões, captação de imagens em audiovisual e fotografia, entrevistas e questionários, atividades on-line e off-line em plataformas digitais.

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Análise de dados A análise de dados seguiu a divisão das três principais fases apontadas por Morin (2004, p.157): Observações, Classificação e Conclusões. Optou-se pela observação qualitativa, que considera a subjetividade, sem esquecer o coletivo e o aspecto sociocultural de cada participante que está interligado em um contexto sistêmico. As avaliações permitiram chegar ao consenso de classificação de alguns tipos de categorias. Após a classificação, algumas conclusões foram levantadas, por meio de comparações dos resultados categorizados e dos processos das ações com os resultados alcançados.

Categorias de análise As informações registradas foram analisadas com o objetivo de identificar categorias emergentes. As categorias estabelecem “unidade a um agrupamento de palavras ou a um campo do conhecimento, em função do qual o conteúdo é classificado, ordenado ou qualificado” (Chizzotti, 2006, p. 117). As categorias não foram criadas no início do projeto, mas identificadas a partir de variáveis surgidas durante os três anos de atividades com as tecnologias digitais, realizadas pelos aprendizes. As variáveis foram classificadas e ordenadas conforme as concepções teóricas que auxiliaram o processo de letramentos. As 36 variáveis detectadas durante os três anos de pesquisa foram agrupadas em categorias, conforme níveis que demonstravam processo de construção de letramentos: Repetição, Adaptação, Consciente, Transformativo. Além dessas, também foram levantadas as que fizeram referências à canais de comunicação e à processos de conscientização e contextualização. No entanto, o foco desse artigo será nas categorias: Repetição, Adaptação, Consciente, Transformativo. 172


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A classificação das variáveis foi submetida aos membros da equipe pesquisadora para verificação e convalidação. Esse procedimento contribuiu para depurar e garantir a confiabilidade da identificação e classificação das variáveis. Os dados resultantes da análise interpretativa foram associados às categorias, copilados em uma planilha do Excel e inseridos no software de Classificação Hierárquica Implicativa e Coesitiva (CHIC). As categorias e variáveis identificadas são apresentadas a seguir, no Quadro 1, com os respectivos descritores. Quadro 1 – Códigos, variáveis e descritores relacionados às categorias repetição, adaptação, consciente e transformativo CATEGORIA REPETIÇÃO Código Variáveis Emergentes Fe

Fetiche

Au

Automatismo

Re

Repetição

De

Dependência

In

Insegurança

ASC

Ação sem Contextualização

OS

Operações Simples

SM

Domínio Sensório-Motor

Descritores Supervalorização do computador, com atribuições de poderes mágicos ou sobrenaturais Inserção ou captação de informações sem reflexão Reprodução dos movimentos e operações dos mediadores Ação sem autonomia, com necessidade constante de receber ajuda de mediador Sentimento de incapacidade diante de situações de mudanças ou de novos desafios Desenvolvimento de tarefas sem relacionálas com a realidade ou o contexto de vida Realização de tarefas sem complexidades, vinculadas aos elementos concretos ou visíveis Capacidade de articular os elementos físicos e sensoriais diante do hardware e do software

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CATEGORIA ADAPTAÇÃO Código Variáveis Emergentes

Descritores Quando se ajusta às condições do meio, Ada Adaptação passa a atuar por tentativas e erro diante dos desafios Reflexão sobre Elementos Raciocina sobre os elementos concretos, RC Concretos táteis ou aparentes Ocorrem referências ao passado, sem Nostalgia sem No Contextualização criar vínculos com a situação ou Atual realidade do presente AE Autoestima Sentimentos de conquista e superação Incentivo ou aumento do interesse em Mo Motivação realizar tarefas Relação do aprendiz com os elementos da Int Interatividade informática E Uso para Entretenimento Realizar tarefas para causar prazer CATEGORIA CONSCIENTE Código Variáveis Emergentes Descritores Envio de mensagens prontas, captadas Mensagem sem MSC da internet, sem vínculos com o Contextualização contexto Envio de mensagens vinculadas ao Enviar mensagens MC Contextualizadas contexto dos interlocutores Autonomia em Relação A Iniciativa própria para dar uso às TDIC ao Uso das TDIC Relação aprendiz com colegas ou outros I Interação usuários via tecnologias digitais Atua como agente fomentador de novos M Multiplicador significados no contexto Atitude de reflexionar a realidade às CC Consciência Crítica práticas exercidas Ampliação das relações via plataforma de RS Aumentar a Rede Social redes sociais Captação de informações distintas na BI Buscar Informação internet Uso Contextualizado Vinculação dos diversos usos das UC das Ferramentas ferramentas digitais ao contexto Digitais Compreensão das Entendimento da utilidade dos recursos Co Funções das digitais aplicados nas tarefas Ferramentas Capacidade de dar uso prático às AI Aplicar Informação informações acessadas via internet Raciocínios complexos diante de RA Reflexão Abstrata elementos intangíveis

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OC HC

PC AA Ec

Operações Complexas Referência Histórica Contextualizada Potencializar a Comunicação Auxiliar na Aprendizagem Auxiliar na Economia

Realização de tarefas de maiores graus de dificuldades. Habilidade de fazer referências ao passado e de vinculá-lo à situação ou à realidade do presente Uso das ferramentas digitais para aumentar a comunicação Utilização dos recursos digitais para contribuir com a aprendizagem Aplicação das tecnologias digitais para favorecer a própria economia

CATEGORIA TRANSFORMATIVO Código Variáveis Emergentes Descritores Mudança da própria realidade a partir de T Transformação práticas com as tecnologias digitais Uso dos recursos digitais para divulgar os DP Divulgar Produtos próprios trabalhos manuais Uso dos recursos digitais para a PM Preservar a Memória preservação dos patrimônios cultural e humano Produção de informações para serem PrC Produzir Conteúdo disponibilizadas em plataformas digitais

Árvores no jardim: análise de similaridades dos registros As TDIC foram utilizadas como ferramentas para obter informações; divulgar produtos criados por eles próprios; produzir conteúdos; preservar a memória da família por meio de inserções de fotos nas redes sociais; trocar mensagens com familiares e amigos; para entretenimento com jogos digitais, telenovela e música; para auxiliar na aprendizagem; e para outras práticas com os recursos digitais. Os dados compilados e inseridos no software CHIC geraram árvores de similaridades de quatro categorias-chaves: Repetição, Adaptação, Consciente e Transformativo. As categorias foram evoluindo em suas complexidades, ou seja, a cada categoria, apareceram novas variáveis. As ocorrências das variáveis pertencentes às categorias anteriores foram mantidas nas categorias sucessoras. 175


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Na sequência, serão analisadas as quatro árvores de similaridades, iniciando pelas oito variáveis que apresentaram ocorrências na avaliação inicial dos aprendizes, e compuseram a categoria Repetição (Figura 1).

Figura 1 – Extrato da árvore de similaridades. Variáveis da categoria repetição

O nó formado pelas variáveis OS (Operações Simples) e SM (Sensório-Motor) configura-se um nível de similaridade forte, pois a linha vertical se aproxima mais das extremidades das linhas horizontais. Essa ligação forte sinaliza que a quantidade de ocorrências da variável OS (Operações Simples) foi semelhante à da variável SM (Sensório-Motor), ou seja, na medida em que melhoravam o domínio sensóriomotor, os aprendizes conseguiam realizar operações com as tecnologias digitais, mesmo que estas fossem simples. O gráfico da Figura 1 representa o estágio inicial dos aprendizes. Eles manifestavam insegurança, ações sem contextualizações e dificuldade sensório-motora. Por outro lado, com a repetição das ações que os mediadores faziam e de suas orientações, os aprendizes conseguiram realizar operações simples – ligar/desligar o computador, entrar no sistema, entre outros. Esse estágio pode ser chamado de pré-letramentos5, com posturas constantes de repetições. A Figura 2 apresenta o estágio de adaptação dos aprendizes aos recursos de informática.

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Figura 2 – Extrato da árvore de similaridades. Variáveis da categoria adaptação

Como mostra a Figura 2, as ocorrências das variáveis Fe (Fetiche) e Au (Automatismo) diminuíram. A variável In (Insegurança) está conectada a elas, indicando também baixa ocorrência. Os aprendizes foram superando os efeitos psicológicos de fetiche e insegurança diante das tecnologias digitais. Em paralelo, começaram a entender porque deveriam apertar determinado botão; o que significa a mensagem que aparece ao apertar o botão; etc. A emergência das variáveis AE (Autoestima), Mo (Motivação) e E (Entretenimento) indica que os aprendizes utilizaram o computador para o entretenimento, seja para jogar, digitar poesias, visualizar novela, ou acessar músicas de época. Essas ações ficaram ligadas ao desenvolvimento da motivação para novas atividades e da autoestima. A variável OS (Operações Simples) formou um par com No (Nostalgia), e ambas criaram um nó de similaridade forte com os pares RC (Reflexão sobre Elementos Concretos) e Int (Interatividade). Esse complexo de variável também se conectou significativamente com os pares SM (Sensório-Motor) e Ada (Adaptação). O percentual de aprendizes que estabeleceram operações simples aumentou. A variável No (Nostalgia) também demonstrou acréscimo - eles estabeleciam comparações 177


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com o passado, mas essas comparações estavam no nível nostálgico. Não havia relação sócio-histórica no sentido de compreensão das causas que repercutissem na vida atual. Conforme mostra a variável RC (Reflexão sobre Elementos Concretos), os aprendizes começaram a refletir sobre as operações concretas ou sobre os procedimentos que deveriam seguir ao interagir com os recursos tecnológicos. A desenvoltura sensório-motora contribuiu para que os aprendizes ficassem mais independentes e se adaptassem, sem o peso da insegurança, aos recursos técnicos, para operar principalmente os elementos concretos. Esse estágio foi denominado de Adaptação. Os aprendizes começaram a articular operações simples e a decodificar os elementos, principalmente visíveis ou concretos. Na Figura 3, a árvore de similaridades foi redesenhada, com o aparecimento de outras variáveis que emergiram.

Figura 3 – Extrato da árvore de similaridades. Variáveis da categoria consciente 178


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É possível visualizar que algumas variáveis diminuíram, ou não registraram ocorrências devido às superações manifestadas pelos aprendizes. As ocorrências manifestadas nas variáveis OS (Operações Simples), SM (Sensório-Motor), E (Entretenimento), AE (Autoestima) e Mo (Motivação), chegaram a 100%. As variáveis E (Entretenimento), AE (Autoestima) e Mo (Motivação) mantiveram essa porcentagem alcançada no estágio anterior. Nas variáveis OS (Operações Simples), SM (Sensório-Motor), Ada (Adaptação) e Int (Interatividade), houve crescimento de ocorrência para 100%. Todos os aprendizes conseguiram realizar operações simples, e dominar o aspecto sensório-motor necessário para manipular as tecnologias digitais. No grupo entre Ada (Adaptação) até BI (Busca de Informação), há ocorrências de similaridades com Ada (Adaptação) e Int (Interatividade), que possuíam valores em torno da média e alteraram para ocorrência de 100%. Dessa forma, a árvore de similaridade revela que os aprendizes conseguiram se adaptar às novas tecnologias e estabelecer interatividade, no sentido aprendiz-máquina. Nesse mesmo grupo, as variáveis MSC (Mensagem sem Contextualização) e BI (Busca de Informação) se conectam, e ficou evidente que o crescimento da capacidade de enviar mensagens estava ligado à desenvoltura em buscar informações. No entanto, essas mensagens enviadas ou recebidas eram sem contextualização, porque prontas da internet. A variável RC (Reflexão sobre Elementos Concretos), manifestada no estágio anterior, alcançou a maior ocorrência do grupo. Nessa árvore de similaridades, apareceram variáveis que tangem a interatividade e a tomada de consciência. São variáveis novas, ou seja, que ampliaram as ocorrências de 0% para acima da média: MSC (Mensagem sem Contextualização), BI (Buscar Informação), RC (Reflexão sobre Elementos Concretos), CC (Consciência Crítica), HC 179


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(Referência Histórica Contextualizada), Co (Compreensão das Funções das Ferramentas) e RA (Reflexão Abstrata). Há um nó forte de similaridade nesse grupo, que demonstra crescimento semelhante das ocorrências. Apesar de fazer emergir a variável MSC (Mensagem sem Contextualização), esse grupo demarca a superação no aspecto adaptativo para a tomada de consciência. Vale ressaltar que, nessa mesma árvore de similaridades e no próximo grupo, começará a emergir a variável MC (Mensagens Contextualizadas), remetendo à tendência dos aprendizes em conseguir contextualizar as mensagens enviadas. No grupo formado entre as variáveis OC (Operações Complexas) e AA (Auxiliar na Aprendizagem), as ocorrências ainda estavam abaixo da média. Essas variáveis formam um grupo de forte similaridade, pois as ocorrências ocorreram na mesma proporção. Elas exigiam dos aprendizes complexidade, tanto no aspecto técnico quanto no reflexivo. Nesse grupo, há outro nó forte de similaridade, entre a dupla OC (Operações Complexas) e AI (Aplicar Informação), com a variável Ec (Auxiliar na Economia). O domínio das operações mais complexas possibilitou, ao aprendiz, não só acessar informações, mas aplicá-las e, de certa forma, ter intenção em favorecer o aspecto econômico. Entretanto, as ocorrências desse grupo ainda estavam abaixo da média. Os mesmos aprendizes que manifestavam essas intenções, também começaram a utilizar os recursos digitais para dinamizar a aprendizagem em situações não formais, e nas formais. Por exemplo, uma aprendiz voltou a estudar no programa de Educação de Jovens e Adultos e utilizou o sistema de busca para captar informações solicitadas na escola. Alguns aprendizes também tentavam levar informações adquiridas durante as atividades para outros membros da família ou amigos. A intenção era multiplicar as informações. Nesse estágio, os aprendizes demonstraram melhor desempenho na tomada de consciência, 180


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em compreender os fenômenos que envolviam os recursos tecnológicos. Novos avanços no processo de letramentos podem ser visualizados na quarta árvore de similaridades (Figura 4), que exibe todas as variáveis que emergiram durante os estágios. A árvore inicia-se com a variável Fe (Fetiche) e se estende até a variável AE (Autoestima). É possível observar um nível mais forte de letramentos nas ocorrências do grupo de variáveis entre OC (Operações Complexas) a AE (Autoestima), quando sinalizam a apropriação dos recursos tecnológicos para dar uso social contextualizado. A variável OC (Operações Complexas), ligada à MC (Mensagens Contextualizadas), mostra que ambas possuem ocorrências muito próximas. É possível entender que essa relação se constituiu uma vez que os aprendizes superaram a fase de operações básicas e passaram a articular operações complexas. O gráfico da Figura 4 indica que essas performances mais arrojadas estão ligadas às ocorrências do uso de e-mail e de plataformas de redes sociais para enviar mensagens significativas, mais contextualizadas. Fica também evidente a coerência entre as similaridades das ocorrências entre as variáveis A (Autonomia) e T (Transformação). A autonomia foi um pré-requisito para que ocorressem transformações significativas nos aprendizes, para que pudessem se apropriar dos recursos tecnológicos e dar sentidos a eles, por exemplo, o e-mail e recursos das redes sociais utilizados para trocar informações com parentes e amigos. A árvore de similaridades indica aproximação entre as variáveis CC (Consciência Crítica) e RS (Rede Social). As ocorrências de ambas as variáveis se superaram, nesse estágio, em relação ao anterior. Quando os aprendizes ampliaram suas redes sociais, estavam ampliando a consciência de mundo.

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Figura 4 – Árvore de similaridades formada pelas variáveis da categoria transformativo

As variáveis AA (Auxiliar na Aprendizagem) e Ec (Auxiliar na Economia) estão interligadas. A aquisição de novas informações permitiu que os aprendizes obtivessem profundidade de interpretação dos problemas, como ocorreu com o aprendiz que solicitou à empresa de serviços de internet que revisse os serviços prestados, pois estavam aquém do contrato. Ele acessou informações da própria internet e mediu a qualidade do sinal que recebia em casa. O uso das tecnologias digitais para auxiliar na economia também está vinculado às redes sociais. Muitos aprendizes passaram a utilizar as plataformas de redes sociais para esta182


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belecer diálogos mais constantes com os parentes e amigos para amenizar o gasto excessivo com ligações interurbanas. As ocorrências nas variáveis M (Multiplicador) e PrC (Produção de Conteúdos) indicam a condição dos aprendizes em serem autores, construtores de informações ou potenciais agentes de transformação. Os aprendizes auxiliavam os familiares ou amigos, quando conheciam o assunto. A questão de ser multiplicador está diretamente relacionada com a variável PrC (Produção de Conteúdos), que remete a um aprendiz autor, que não fica apenas na recepção de informações; ao contrário, que cria, produz, codifica signos, escreve o mundo. As variáveis DP (Divulgar Produtos) e PM (Preservar a Memória) apresentaram ocorrências semelhantes às de M (Multiplicador) e PrC (Produzir Conteúdo). Essas variáveis apresentam indicativos que os aprendizes estavam na postura de partícipes, com inserções de informações. Não aceitavam mais ficar na postura de recepção, sem ser criadores. Os aprendizes tiveram a preocupação em inserir fotografias de peças artesanais ou culinárias, criadas por eles, nas plataformas de redes sociais, a fim de torná-los públicos. Também gravaram vídeos explicativos das peças e inseriram na rede. Compreenderam que as ferramentas digitais são recursos tecnológicos para descrever realidades que não alcançavam. A variável PM (Preservar a Memória) indica ocorrências do uso de plataformas digitais para preservar a memória da família por meio de divulgação e organização de arquivos de fotografias. Os idosos aprendizes demonstraram forte sensibilidade em querer reunir toda a família por meio da fotografia. Havia preocupação em criar laços afetivos por meio de imagens que pudessem garantir lembranças no futuro, preservassem os significados sensíveis e culturais de suas famílias. 183


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As emergências das variáveis BI (Buscar Informação) e UC (Uso Contextualizado das Ferramentas) demonstram que os aprendizes desenvolveram habilidades de buscar informações que fizessem sentido para eles. Esses aspectos dessas duas variáveis demonstram características semelhantes com as variáveis Co (Compreensão das Funções das Ferramentas) e I (Interação). As ocorrências dessas últimas duas variáveis remetem à habilidade de compreensão e domínio das ferramentas digitais, a ponto de os aprendizes estabelecerem interações, para além da interatividade. A variável AI (Aplicar Informação) conecta-se com a variável PC (Potencializar a Comunicação) em ligação simples de similaridade. Essas ocorrências sinalizam que os aprendizes estavam usando as ferramentas digitais para promover novos acontecimentos, seja na aplicação de informações coletadas da internet ou para estender a oralidade no processo de comunicação, que antes era inviável. A variável RA (Reflexão Abstrata) estabelece ligação com AE (Autoestima). Os indicativos dessas variáveis levam, no presente estágio alcançado pelos aprendizes, à construção do sentimento de empoderamento. Os aprendizes obtiveram a capacidade de articular reflexões mais complexas, para o intangível, o que se assemelhou com as ocorrências da autoestima.

Níveis de letramentos Analisar o desempenho dos aprendizes possibilitou classificar níveis de letramentos: Pré-letramentos, Letramentos Primários6, Letramentos Medianos7 e Letramentos Avançados8. Esses níveis foram se desenvolvendo por partes, de forma semelhante ao surgimento dos principais elementos de uma flor (Figura 5). Na raiz, que fica submersa no solo, estão os elementos básicos, que dizem respeito à categoria Repetição (Re), e 184


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devem ser superados. O nível Pré-letramentos está relacionado a essa categoria. As variáveis surgidas não demonstram tomadas de consciência e nem ações contextualizadas durante a manipulação das ferramentas digitais. O pedúnculo da flor, que emerge do solo e estabelece as primeiras impressões com a nova realidade, pode servir de analogia com o nível de Letramentos Primários. Os aprendizes começaram a realizar operações básicas, de interatividade. Esse nível de letramentos está vinculado à categoria Adaptação (Ada).

Figura 5 – Níveis de letramentos, de acordo com as variáveis

O receptáculo, onde os verticilos florais estão diretamente ligados, remete ao nível de Letramentos Medianos, e que também estão relacionados com a categoria Consciente. Nessa categoria, os aprendizes começaram, mesmo 185


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que ainda abaixo da média de ocorrências, a atuar como multiplicadores, a enviar mensagens contextualizadas e estabelecer interações. A categoria Consciente enquadra na classificação de Letramentos Fortes. Contudo, os aprendizes deram uso às tecnologias digitais, mas a produção de significados ainda não era tão forte. A flor, que emerge do receptáculo, faz analogia com o nível de Letramentos Avançados. Esses letramentos apontam para a categoria Transformação (T), em consequência de que emergiram tomadas de consciência com intenção de mudar e adotar práticas transformativas com os canais de comunicação. Os aprendizes tornaram-se agentes, construtores, capazes de inserir significados na própria estrutura do sistema de comunicação. A passagem de um nível de letramentos a outro não se deu de forma exata, com choques de categorias ou de níveis. A linha fina espiralada (Figura 6) representa a passagem de variáveis que compõem as categorias.

Figura 6 – Espiral dos letramentos. A relação das categorias com os níveis de letramentos

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A Figura 6 também mostra que, quando o sujeito inicia o processo de novos letramentos ou começa nova adaptação, é possível que pule os obstáculos da fase inicial (Repetição - Re). Para ilustrar essa ideia, mostra a passagem do nível de Letramentos Avançados para novos Letramentos Primários; da mesma maneira, apresenta a passagem da categoria Transformação (T) para nova Adaptação (Ada). Dessa forma, haverá um continuum no processo de construção de letramentos – novas flores, novos saberes, conforme Figura 7.

Figura 7 – As categorias no processo continuum de construção de letramentos 187


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A Figura 7 ilustra o nascimento de novos ramos de letramentos, representados pelas flores laterais, que se desenvolveram a partir da flor central. Uma vez superados os desafios das categorias, inicia-se um novo processo de letramentos, com a categoria Adaptação (Ada).

Considerações finais A utilização do software CHIC favoreceu a visualização de variáveis com ocorrências similares. A partir da identificação de similaridades, foi possível estabelecer categorias, ou seja, agrupar unidades de variáveis de acordo com o processo de construção de letramentos, apontando para níveis crescentes de letramentos – Repetição, Adaptação, Consciente e Transformativo. Como auxílio do software CHIC, foi possível detectar a categoria Repetição (Re), pela ausência de habilidades em que se encontravam os aprendizes durante essa fase e, dessa forma, foi relacionada ao nível de Pré-letramentos. Na categoria Adaptação (Ada), que pôde ser visualizada pelo software CHIC, os aprendizes conseguiram usar os recursos digitais, porém, de maneira fragilizada e individualizada. Estavam tentando dominar e se adaptar às ferramentas. Dessa forma, a categoria Adaptação (Ada) possui características de Letramentos fracos, de Letramentos Primários. O software CHIC contribuiu para visualizar o salto qualitativo, do uso individual para o social, na categoria Consciente. As variáveis emergentes dessa categoria indicaram que os aprendizes tomaram consciência sobre os diversos usos possíveis das ferramentas para o cotidiano. Assim, a categoria Consciente é análoga à classificação de Letramentos Fortes. No entanto, classificados como medianos, no sentido de que ocorreram tomadas de consciência, mas os aprendizes não agiram significativamente sobre a realidade.

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Na categoria Transformativo, foi possível observar, nas árvores fornecidas pelo software CHIC, variáveis produto de ocorrências mais ostensivas de ações sobre a realidade. Os aprendizes agiam significativamente sobre a realidade, enquanto partícipes da cultura da convergência, criando conteúdos, trocando ideias e utilizando as tecnologias como ferramenta para potencializar os próprios canais de comunicação. Dessa forma, a categoria Transformativo também pode ser classificada como Letramentos Fortes, mais especificamente como letramentos mais avançados. Pelas árvores de similaridades geradas pelo software CHIC, foi possível observar que, ao usar a tecnologia digital, os aprendizes ampliaram os sistemas subjetivos de referências do mundo formados culturalmente. Diante dessas considerações, surgem novas proposições. Com o auxílio do software CHIC, é possível identificar tipos de subvariáveis de consciência transformativa capazes de ampliar os níveis de Letramentos Avançados. O processo de construção de letramentos para um público jovem segue os mesmos procedimentos que do público idoso? Questionamentos que podem ser investigados com o auxílio do software CHIC e levando em conta as relações inter e transdisciplinares do universo epistemológico.

Referências ALMEIDA, M. E. B. de. Tecnologias digitais na educação: o futuro é hoje. E-TI. 5º Encontro de Educação e Tecnologias de Informação e Comunicação. São Paulo: PUC, 2007. Disponível em: <http:// etic2008.files.wordpress.com/2008/11/pucspmariaelizabeth. pdf>. Acesso em: 10 out. 2013. CGI. TIC domicílios e empresas 2012. São Paulo: CGI no Brasil 2013. Disponível em: <http://www.cetic.br/publicacoes/2012/ticdomicilios-2012.pdf>. Acesso em: 08 out. 2013. CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. 189


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JENKINS, H. Convergence culture: where old and new media collide. New York, London: New York University Press, 2006. MAIA, I. F. No jardim dos letramentos: tomadas de consciência e poéticas em rede na cultura da convergência. 2011. Tese (doutorado em Artes Visuais, Audiovisual e Mídia), Programa de Pós-graduação em Artes Visuais: Instituto de Artes, UNICAMP, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital. unicamp.br/document/?code= 000840127&opt=1>. Acesso em: 28 dez. 2014. MORIN, A. Pesquisa-ação integral e sistêmica: uma antropopedagogia renovada. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. OECD. The definition and selection of key competences. Executive summary. 2005. Disponível em: <www.oecd.org/ dataoecd/47/61/35070367.pdf>. Acesso em: 08 out. 2013. RANGEL, F. de O. Mediação pedagógica em EAD: a falta de tempo como sintoma. 2009. Tese (doutorado em Educação), Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, PUC-SP, 2009. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ arquivo.php?codArquivo=9062>. Acesso em: 28 dez. 2014. VALENTE, J. A. As tecnologias digitais e os diferentes letramentos. Pátio Revista Pedagógica, Porto Alegre, ano. XI, n. 44, p. 12- 15, nov. 2007 - jan. 2008.

Notas 1 Doutor em Multimeios e Artes pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Docente da Universidade Anhembi Morumbi, SP – Loureate International Universities. E-mail: ivanfm1@gmail.com

A tomada de consciência é entendida como um fenômeno mais complexo do que a formulação simples de um conhecimento. A tomada de consciência é uma capacidade superior de compreender as trajetórias dos sujeitos, vinculadas aos contextos sociais nos quais atuam, e permitir atuar lucidamente em novas esferas sociais, como sujeitos ativos “do” e “para” o mundo. 2

De outra maneira, a tomada de consciência é a postura reflexiva da própria condição e da condição de suas práticas sociais em contextos nos quais os sujeitos atuam como protagonistas da ação. Assim, tomar consciência significa, de um ponto, a capacidade de identificar como e porque determinados usos das lógicas comunicativas são, no contexto

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sociocultural, legitimados e; de outro ponto, os usos e práticas de maneira autônoma das lógicas comunicativas em situações nas quais os sujeitos estão inseridos, sejam elas de poder, política, consumo, laços sociais, de aprendizagem, entre tantas outras. Por isso, é importante atentarmos para as (diversas) tomadas de consciência em relação às complexidades de fenômenos, ações ou situações da cultura contemporânea nas quais os sujeitos estão inseridos. Além da escrita e das tecnologias digitais, a oralidade, o visual e a sinestesia são vistos como canais de comunicação que podem receber tratamentos técnicos adequados, ser tecnologias para a qualificação humana e de todo o sistema social e ecológico envolvido. Os canais de comunicação são essenciais na era da informação e a sinergia entre eles é fundamental. Podem se integrar e não se anularem. 3

Diante de tantas informações, decisões que devem ser tomadas e da evolução e popularização nas formas de se comunicar, os usuários passaram a ser mais participativos, mais colaboradores do que meros espectadores. Os níveis de colaboração são heterogêneos: as pessoas produzem, divulgam e trocam conteúdos. Independente do canal de comunicação, os usuários estão conectados a pessoas, marcas, valores e aspirações. O que as diferencia é o potencial de influência e decisão em seu círculo de relacionamentos. 4

No pré-letramentos, os aprendizes são dependentes e repetem, sem compreensão, as ações dos mediadores. Por isso, esse estágio é denominado de Repetição. Não se trata de uma repetição com tomada de consciência do fato, é uma repetição automática, mecânica. 5

6 Letramentos primários estão vinculados à categoria Adaptação, pois sinalizam usos simples dos canais de comunicação, no sentido de recepção de dados ou informações, e para um processo de transição de início de reflexão sobre as ferramentas, mas ainda fraco. As observações ou reflexões são voltadas aos objetos visíveis ou concretos. Nos letramentos primários também não são detectadas ações significativas de contextualização. Entretanto, há o início de operações básicas, de interatividade. Por isso, a categoria Adaptação está vinculada ao nível fraco ou inicial de letramentos. 7 Nos letramentos medianos aparecem variáveis que sinalizam consciência crítica e reflexões mais abstratas. Além da contextualização que emerge de maneira mais expressiva, nesse nível também pôde ser observado o processo de levantamento de novas ideias e visões de mundo. Dessa forma, os letramentos medianos estão vinculados à categoria Consciente.

Letramentos avançados apontam para a categoria Transformação, em consequência de que emergem tomadas de consciência com intenção de mudanças e práticas transformativas com os canais de comunicação. Os aprendizes tornam-se agentes, construtores, capazes de inserir significados na própria estrutura do sistema de comunicação. 8

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Capítulo 8

Formação de Professor: TDIC como ferramenta para promover formação a distância e integrar práticas no laboratório de experimentação científica Júlio Wilson Ribeiro1 José Armando Valente2 Uma escrita criativa e original requer movimentos nos limites do caos (Moraes; Galiazzi, 2011, p. 107)

Introdução

O

presente capítulo expressa reflexões a respeito dos caminhos que a educação brasileira deva seguir, em face das vertiginosas mudanças vivenciadas pela sociedade digital do século XXI, que envolvem: políticas educacionais nacionais e internacionais, o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e as desigualdades sociais (Ribeiro, 2012). No tocante à integração de saberes ao currículo (Tardif, 2008), são discutidos resultados de uma pesquisa qualitativa que envolve a formação a distância de professores, no intuito de

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Júlio Wilson Ribeiro| José Armando Valente

promover a articulação pedagógica entre o uso das TDIC e laboratórios de práticas de experimentação científica (Ribeiro et al., 2011; Almeida; Valente, 2011). Nos cenários da educação contemporânea, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Program for International Student Assessment - Pisa) ressalta que, dentre os mais de 50 países avaliados, o Brasil classifica-se nos últimos lugares em matemática, ciências, e medianamente na língua nativa. Com avaliação trianual, engloba, no universo de alunos pesquisados, centenas de escolas de todas as regiões brasileiras, urbanas e rurais, pertencentes às redes pública e privada (Ribeiro et al., 2008a). Tal panorama é decorrente de uma educação memorística e instrucionista, que compromete a conquista da dignidade social e humana dos cidadãos, segundo os avaliadores internacionais do Pisa. Adicionalmente enumera-se a enorme carência nacional de professores licenciados em Ciências, Matemática, ou áreas afins. Para ministrar essas disciplinas, uma alternativa adotada tem sido a alocação de professores, às vezes, com limitações na formação ou experiência docente, o que contribui para aumentar a desmotivação, evasão e fragmentar ainda mais a Educação.

Formação de professores, TDIC, laboratório de experimentação científica e saberes: tecendo articulações curriculares No que se reporta o cenário do uso operacional e pedagógico das TDIC, articulado aos laboratórios de práticas de experimentação científica e educação matemática, questionam-se aspectos relacionados ao exercício de práticas pedagógicas colaborativas, que no Brasil retratam evidências de limitação (Costa, 2013; Ribeiro et al., 2011; 2013). Carvalho e Gil-Pérez (2006) apontam para a necessidade de se promover a renovação de metodologias de 193


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ensino e aprendizagem, concernentes às áreas de Ciências e Matemática, atendendo aos princípios postulados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), como a educação CTSA - Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Fernandes, 2011; Ricardo, 2007; Santos et al., 2011). Veit e Teodoro (2002) questionam que, na educação científica e matemática, a aprendizagem deva ser favorecida através do uso pedagógico de software de modelagem e simulação computacional. A tecnologia permite ao aprendiz contextualizar a representação, solução e visualização interativas de modelos matemáticos, associados a inúmeras situações fenomenológicas e dinâmicas do mundo das ciências, e, desta forma, ressignificar a teoria a partir da prática e vice-versa. Ancorado nos princípios da aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian (1968), subentende-se que os caminhos de interação do aluno com o modelo computacional devam ser exploratórios ou criativos (Dorneles; Araújo; Veit, 2006), contudo, não constituem espaços polarizados, mas estratégias construtivistas que conduzam a uma trajetória dinâmica e não linear. Nos contextos do projeto pedagógico, currículo e desafios do século XXI, a articulação das TDIC e laboratórios de práticas científicas, se pensada sob a ótica da aprendizagem significativa (Ausubel; Novak; Hanesian, 1968; Ribeiro et al., 2008b), complexidade e transdisciplinaridade (Moraes; Valente, 2008; Morin, 2007; Santos et al., 2011), deve ser investigada de forma mais sistêmica, no âmbito das políticas e ações educacionais, de maneira a favorecer espaços para a concepção de uma educação holística, ecológica e promotora da cidadania. É necessário consolidar um modelo de educação que priorize a formação continuada do professor, incorpore o uso pedagógico das TDIC em suas atividades docentes, 194


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numa perspectiva da integrar tecnologias e currículo (Almeida; Valente, 2011), migrando-se, assim, de um modelo de educação instrucionista para um patamar construtivista e reflexivo, no qual o aluno possa, mais facilmente, desenvolver espirais de aprendizagem e construir novos saberes (Valente, 2005). Na grade curricular, para consolidar ações e mudanças que promovam a integração do uso pedagógico das TDIC, laboratórios de práticas científicas e educação matemática, as disciplinas devem ser repensadas, sob a ótica de um currículo integrado (Opitz et al., 2008) e incorporadas a uma proposta transdisciplinar (Moraes; Valente, 2008; Ribeiro et al., 2013), destacando-se a estratégia de inter-relacionar e transversalizar (Palharini, 2007) conteúdos, habilidades, competências e favorecer o processo de revalorização da interdisciplinaridade, para que Ciências, Educação e Tecnologias caminhem bem mais próximas. Na construção de novos saberes, é possível conceber novas situações de aprendizagem, elaboradas com o auxílio pedagógico das TDIC e laboratório de experimentação científica, de maneira que o aluno exerça e aprimore seu empreendedorismo, no intuito de refletir e maturar cooperativamente, com seus colegas, a concepção e prática de atividades discentes (Ribeiro et al., 2008a; 2008b; 2011; 2014). Nesta direção, as classes, técnicas e os recursos de mapeamento cognitivo3, utilizados para construir redes de conhecimento, podem facilitar os mecanismos de acesso, seleção, reorganização, inter-relacionamento, ressignificação e socialização do gigantesco fluxo de informações e conhecimentos, continuamente disponibilizados na Web, na forma impressa ou digital (Okada, 2008). Entretanto, no tocante às novas realidades promovidas pela sociedade do conhecimento, ainda há enorme resistência dos professores, por não perceberem a necessidade de mudanças no sistema educacional (Almeida; 195


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Assis, 2010). Nessas novas realidades, observa-se que o ambiente da sala de aula torna-se cada vez mais virtual e imersivo, formado que é por uma nova geração mais autônoma e que se apropria de recursos digitais cada vez mais complexos, planetários e mutáveis (Lévy, 2004; Morin, 2007).

Aplicação curricular para promover a integração das TDIC e o laboratório de experimentação científica: percursos da formação a distância de professores Para contextualizar a integração da experimentação científica e TDIC ao currículo, a seguir são discutidas contribuições resultantes de investigação efetivada durante Estágio de Pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (Ribeiro et al., 2008a). Ressalta-se que, durante a etapa de investigação de campo, foi realizada uma formação a distância de professores4, que promoveu nove fóruns temáticos de discussão, decorridos no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) TelEduc, com registro de 1.407 entradas no ambiente, postadas por 19 cursistas efetivamente participantes, entre 6 de dezembro de 2007 e 7 de junho de 2008. Na pesquisa, foi enfatizado o uso do computador para favorecer o apoio pedagógico às práticas de experimentação científica, de maneira a facilitar a aprendizagem significativa de conteúdos de eletricidade e promover a formação de professores, que eram majoritariamente oriundos de escolas da educação básica do Estado do Ceará. Esperava-se também que os docentes maturassem novos saberes e redimensionassem suas visões pedagógicas. A formação foi elaborada consoante três módulos, distribuídos segundo uma carga horária total de aproximadamente cem horas. Os dois primeiros módulos decorreram a distância, abordaram a introdução ao ambiente virtual de 196


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aprendizagem TelEduc/PUC-SP e o estudo colaborativo de temas de eletricidade5, enfatizando a aprendizagem telecolaborativa e o uso de fóruns temáticos de discussão. No terceiro módulo da formação, ofertado na modalidade semipresencial, parte deste foi desenvolvida no TelEduc, enquanto a parte restante, que constituía a última atividade da formação, foi realizada presencialmente, nas dependências de um laboratório de experimentação científica, situado em uma escola pública de Fortaleza, num único turno de tarde e durante 4 horas de duração. O momento presencial consistiu de um teste de avaliação de conhecimentos de eletricidade e circuitos elétricos, seguido de duas práticas presenciais de circuitos elétricos. No início da formação, foi aplicado um questionário aos professores, para mapear seus conhecimentos prévios de eletricidade. Com questões de avaliação do tipo objetivas e subjetivas, o questionário permitiu verificar que a maioria dos cursistas apresentava limitações em seus conhecimentos de eletricidade, denotando quase que total desconhecimento do uso de equipamentos de medição experimental, nos aspectos relacionados à experimentação científica, e demonstravam poucas habilidades no uso pedagógico das TDIC em sala de aula. A partir do estudo dos materiais didáticos de eletricidade, disponibilizados no TelEduc/PUC-SP, durante os dois primeiros módulos de formação, progressivamente, constituiu-se, junto aos cursistas, um processo de aprendizagem telecolaborativa, com ênfase no uso dos fóruns temáticos de discussão, para maturar a construção de novos conhecimentos. No módulo final da formação, e início do momento presencial, foi aplicado um questionário com a finalidade de avaliar os avanços dos cursistas na apropriação de novos conhecimentos de eletricidade. Em seguida, foram realizadas duas práticas presenciais, uma envolvendo experimen197


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tação científica e, a outra, simulação computacional, ambas encampando e integrando o estudo do tema circuitos de resistores elétricos. Nessas práticas, um dos objetivos constituía a reconstrução e ressignificação de conceitos de resistência, diferença de potencial e corrente elétrica. Tal objetivo foi enfatizado através da concepção de situações de aprendizagem significativa6, encampadas em ações pedagógicas, relecionadas à formação dos professores e que visavam investigar e analisar o comportamento fenomenológico da variação de corrente e tensão, em diferentes pontos dos circuitos elétricos, ressaltando que os circuitos eram (re)montados segundo diferentes arranjos de tipo série e paralelo. As observações dos cursistas estavam centradas na medição de grandezas físicas e na análise visual da variação do comportamento de brilho de lâmpadas contidas nos circuitos, que representavam seus resistores elétricos (Costa, 2013; Dorneles; Araújo; Veit, 2006; Ribeiro et al., 2008a). A análise da variação do brilho das lâmpadas (Dorneles; Araújo; Veit, 2006) foi metodologicamente utilizada nas práticas de experimentação e simulação computacional para proceder à avaliação dos conhecimentos prévios de eletricidade dos professores7. Para tanto, equipes de professores, colaborativa e presencialmente, executaram as práticas, utilizando bancadas de experimentação científica, nas quais montaram, ensaiaram e coletaram dados experimentais nos circuitos elétricos. Analogamente, tais atividades pedagógicas, relacionadas ao estudo fenomenológico de circuitos elétricos, foram realizadas com o uso do software educativo de simulação, denominado crocodile8 (Costa, 2013; Ribeiro et al., 2008a). Desta forma, efetivou-se a reprodução e simulação de situações de aprendizagem, que foram anteriormente trabalhadas no ambiente da prática presencial de experimentação de circuitos em bancada, por meio da contextu198


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alização de situações-problemas, envolvendo as associações de circuitos elétricos. Destaca-se que os conhecimentos prévios de eletricidade, maturados nos fóruns do AVA/TelEduc durante os dois primeiros módulos de formação, desempenharam um papel estratégico para o desenvolvimento de organizadores prévios e ressignificação de subsunçores (Ausubel; Novak; Hanesian, 1968; Moreira, 1999), o que, durante o último módulo do curso de formação de professores, facilitou o desenvolvimento da aprendizagem significativa e construção de novos saberes. As atividades integradoras, caracterizadas desde a fase inicial da formação, constando da construção telecolaborativa de conceitos de eletricidade nos fóruns de discussão, seguida por atividades presenciais de práticas de experimentação científica e simulação computacional, permitiram aos professores, colaborativamente, maturar e ressignificar novos conceitos e saberes. Para delimitar dados de campo mais representativos e utilizados para se proceder à análise de resultados do estágio de pós-doutorado, foram escolhidas as narrativas dos 19 cursistas, sendo três destes professores-formadores, que participaram do fórum 6 do TelEduc/PUC-SP, o qual abordava o tema estudo de conteúdos de circuitos elétricos e que possuía o título Fórum Sub-Módulo 2.2: Circuito Elétrico/Conteúdo. O Quadro 1 apresenta uma síntese do número de acessos e postagens, registrados pelos cursistas nas ferramentas pedagógicas do TelEduc/PUC-SP, durante o período em que foi realizado o curso de formação de professores. Foram utilizados os princípios metodológicos da técnica de análise textual discursiva, (ATD) desenvolvidos por Moraes e Galiazzi (2011), para definir os elementos textuais representativos das 25 narrativas, postadas pelos 19 cursistas participantes do fórum 6 Sub-Módulo 2.2: Circuito Elétrico/ Conteúdo. O objetivo foi elencar categorias emergentes indu199


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tivas, representativas do processo de formação dos professores, e mapear indícios de mudança de visão pedagógica, para o uso contextualizado das TDIC e do laboratório de experimentação científica, numa perspectiva de promover a aprendizagem de conceitos de eletricidade e o uso de instrumentos de medição em experimentos de circuitos de resistores elétricos (Dorneles; Araújo; Veit, 2006; Ribeiro et al., 2008a; Costa, 2013). Quadro 1 – Síntese do número de acessos e postagens dos 19 cursistas registrados nas ferramentas pedagógicas do TelEduc/ PUC-SP Total de acessos dos cursistas Entrada no Ambiente: 1.406 Agenda: 2.077 Fórum: 1.407 Correio: 759 Material de Apoio: 611 Portfólio: 536 Total de mensagens postadas Correio: (179) entre 6/12/2007 e 12/62008 Fóruns de discussão realizados no período 1.Vamos nos Conhecer no Fórum de Discussão (107) 10/12/2007 a 4/1/2008 2.Fracasso do Ensino de Ciências no Brasil (78) 13/12/2007 a 20/1/2008 3. Sub-Módulo 2.1: Eletricidade/Conteúdo (43) 19/1/2008 a 9/3/2008 4. Sub-Módulo 2.1: Eletricidade/Pedagogia (45) 19/1/2008 a 16/4/2008 5. Discutindo lista exercícios SM 2.1-eletricidade (29) 3/3/2008 a 29/3/2008 6. Sub-Módulo 2.2: Circuito Elétrico/Conteúdo (25) 4/4/2008 a 4/5/2008 7. Sub-Módulo 2.2: Circuito Elétrico/Pedagogia (47) 4/4/2008 a 13/5/2008 8. Discutindo Lista Exerc SM2.2-Circuit+Instrument. (76) 28/4/2008 a 22/5/2008 9. SM 3.1: Computador e Lab./Experiment/Cientif. (37) 19/5/2008 a 7/6/2008

Metodologicamente, a ATD é desenvolvida mediante uma forte impregnação9 do leitor junto aos textos elencados para serem analisados, denominados corpus, o que decorre através de um processo analítico e cíclico de movimentos, composto por três elementos: unitarização10, categorização11 e comunicação, o que permite emergir novas compreensões, baseadas na auto-organização e consequente elaboração de metatextos. Construídas as categorias, numa fase seguinte, são estabelecidas pontes entre as mesmas, na intenção de 200


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expressar mais consubstanciadamente novas intuições e compreensões atingidas, o que se ancora em teorias que servem de fundamentação teórico-metodológica para uma investigação. Decorrente e simultaneamente, o pesquisador produz metatextos parciais, para as diferentes categorias. Progressivamente, seguindo possíveis movimentos cíclicos da ATD, os metatextos podem ser integrados, para se promover a estruturação de metatextos, de caráter mais inclusivos e generalizantes do corpus da pesquisa (Góes, 2012; Moraes; Galiazzi, 2011). O processo que levou à obtenção das categorias emergentes da presente investigação foi posteriormente convalidado pela professora Dra. Maria José Costa Santos, o que demandou ciclos de discussão e reanálise, até ser atingido um consenso, conforme visualizado no Quadro 2. Quadro 2 – Categorias indutivas, emergidas a partir de narrativas postadas pelos 19 participantes no fórum 6 - sub-módulo 2.2: circuito elétrico/conteúdo. Categorias emergentes Fórum 6 - Sub-Módulo SM2.2: Circuito Elétrico/Conteúdo (25 mensagens postadas pelos 19 participantes entre 4/4/2008 e 4/5/2008) 1. Trabalho telecolaborativo 2. Valorizar o uso da instrumentação de medida 3. Contextualizar o mundo real 4. Mudança de visão pedagógica 5.Valorizar o uso pedagógico do computador 6.Valorizar o uso pedagógico do laboratório científico 7.Articular o uso do computador e laboratório científico 8.Articular teoria e prática 9.Valorização da prática científica 10.Dificuldades no uso da instrumentação 11.Dar sentido e vida à ciência 12.Dificuldades de aprendizagem 13.Necessidade de simulação de fenômenos 14.Motivação para realizar a prática presencial 15.Texto disponibilizado no SM2.2 facilitou a aprendizagem 16.Texto disponibilizado no SM2.2 motivou a aprendizagem 17.Reelaborar o texto SM2.2 18.Despreparo para realizar prática científica 19.Refletir sobre estratégias de aprendizagem

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Uma vez que os dados de campo foram representados e consolidados na forma de categorias, na próxima sessão, apresenta-se o software de Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (CHIC), utilizado para auxiliar à análise e interpretação das mesmas.

Uso do CHIC na interpretação de dados qualitativos multidimensionais A análise qualitativa multidimensional e inter-relacional das categorias caracterizadas no Quadro 2 foi posteriormente realizada com o uso do software CHIC (Canales, 2007; Góes, 2012; Moraes; Valente, 2008), com foco nas ações e reflexões tecidas nas narrativas telecolaborativas dos cursistas, postadas no Fórum 6 TelEduc/PUC-SP. Para tanto, sob a ótica do referencial teórico-metodológico adotado na investigação, priorizam-se as inter-relações e a hierarquização das categorias emergentes, estabelecidas e visualizadas na forma de árvores de similaridade, que são obtidas à partir da saída de dados do CHIC. Enfatiza-se que foram utilizados os procedimentos metodológicos para uso do CHIC, como descrito no Capítulo 4 deste livro, seguindo-se uma abordagem de análise qualitativa, hierárquica e relacional. Foi criada a planilha Excel, cruzando os cursistas participantes e a presença das 19 categorias emergentes, expressas no Quadro 2. Tal planilha foi processada pelo CHIC para se obter, a partir do acesso a uma de suas formas de saída de dados, a árvore de similaridade expressa na Figura 1. Essa árvore apresenta 16 nós significativos e três classes, respectivamente 1, 2 e 3, possuindo 3, 9 e 4 nós significativos, respectivamente, e localizadas à esquerda, no centro e à direita da Figura 1.

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Figura 1 - Árvore de similaridade gerada pelo CHIC, exibindo relações entre categorias emergentes, obtidas a partir de narrativas postadas no fórum de discussão 6 do TelEduc

Canales (2007) conceitua como classe de uma árvore de similaridade uma região geométrica, caracterizada por determinado conjunto de nós e categorias ou relação entre nós, selecionada com a finalidade de organizar e facilitar a análise de resultados. Exemplificando: uma classe pode ser constituída por um único nó, contendo duas categorias. Uma nova classe pode ser estruturada a partir de união de outras classes. Conforme os procedimentos metodológicos adotados na análise qualitativa das categorias, descritos no Capítulo 4, inicia-se a análise pelo nó mais significativo, o de maior grau de similaridade, gerando metatextos interpretativos. Depois, o procedimento de análise passa a ser estendido a outros nós, subclasses e classes da árvore de similaridade. Desta forma, observa-se, na Figura 1, que o nó de maior grau de similaridade da árvore pertence à classe 2 e é constituído pela forte relação de similaridade existente entre as categorias emergentes '5. Valorizar o uso pedagógico do computador' e '7. Articular o uso do computador e do labo203


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ratório de experimentação científica', que podem ser nominadas como subclasse 2.1 (ver a Figura 2). Essa forte relação pode ser interpretada como a existência de uma forte coesão entre as categorias 5 e 7. Nesse sentido, um aspecto fundamental a ser ressaltado é que, resultante das discussões telecolaborativas, tecidas no fórum de discussão 6 do TelEduc, envolvendo o estudo dos temas, observa-se que os cursistas elaboraram narrativas que inter-relacionam atividades pedagógicas de estudo de circuitos de resistores elétricos, constituídas por práticas laboratoriais de experimentação científica, com atividades pedagógicas que promoveram o uso de software de simulação computacional.

Figura 2 - Subclasse 2.1: formada pelas categorias 5 e 7 e concebida a partir da árvore de similaridade (Figura 1)

Tais discussões textuais estabeleceram, para os cursistas, diferentes formas de articulação entre as supracitadas atividades pedagógicas, ilustrando a possibilidade de verificar, analisar e comparar fenomenologicamente diferentes arranjos de circuitos e as correspondentes variações do comportamento de grandezas físicas associadas. Portanto, em relação ao conjunto das mensagens postadas e entrelaçadas no fórum 6, a parte da discussão que envolveu propostas pedagógicas que articulam experimentação de bancada e simulação de circuitos elétricos se consolidou como significativa para os alunos, o que justifica a forte 204


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relação entre as categorias 5 e 7, visualizada na análise da árvore de similaridade gerada pelo CHIC. A transcrição textual da mensagem 5, elaborada pelo cursista fm1 e armazenada no fórum de discussão 6 do TelEduc12 exemplifica o surgimento da correlação entre as categorias emergentes 5 e 7: Uma das intenções desta formação é mudar a visão pedagógica do professor, para que ele reflita sobre o papel pedagógico do computador e do laboratório de experimentação científica, operando como recursos que auxiliem, motivem e ajudem a compreender os conceitos, fenômenos observados, estabelecer ligações entre teoria e prática, tornando assim a aprendizagem de ciências mais significativa. (Cursista fm1).

Citada narrativa do cursista fm1 qualitativamente expressa a proposta geral caracterizada no projeto de pesquisa de pós-doutorado, ou seja, identificou-se que, durante o processo de discussão telecolaborativa dos docentes, foi construída uma visão pedagógica da necessidade de integração entre o uso das TDIC e o laboratório de experimentação científica, conforme os seguintes trechos da mensagem “... mudar a visão pedagógica do professor, para que ele reflita sobre o papel pedagógico do computador e do laboratório de experimentação científica(...) estabelecer ligações entre teoria e prática(...)”. Prosseguindo a construção da análise hierárquica e relacional, a árvore de similaridade é remapeada (Figura 1), para ser adicionado à subclasse 2.1 o nó mais próximo, realizando-se a inclusão da categoria ‘13. Necessidade de simulação de fenômenos’, o que leva à definição da subclasse 2.2, visualizada na Figura 3. Essa subclasse possui similaridade menos forte do que a classe 2.1, contudo, apresenta índice de similaridade quantitativamente mais significativo, se comparada a determinados nós da árvore de similaridade. 205


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Desta forma, as categorias 5, 7 e 13, contidas na subclasse 2.2, se inter-relacionam na forma ’5. Valorizar o uso pedagógico do computador’ e ’7. Articular o uso do computador e do laboratório de experimentação científica’ e ’13. Necessidade de simulação de fenômenos’.

Figura 3 - Subclasse 2.2: formada pela subclasse 2.1 e categoria 13, concebida a partir árvore de similaridade da Figura 1

A análise qualitativa hierárquica e relacional da subclasse 2.2 pode ser inicialmente constituída ancorandose na narrativa apresentada pelo professor cld, que aqui é transposta, a partir dos registros de narrativas, gravados na mensagem 19, do fórum de discussão 6 do TelEduc/ PUC-SP: Mais uma vez bato na tecla a importância do tratamento prático do ensino da física, utilizando também o computador, como o uso de software para simulação de fenômenos, como o estudo de circuitos elétricos. (Cursista, cld).

Quando o cursista cld argumenta, em sua narrativa, postada no fórum 6 do TelEduc, sobre “a importância do tratamento prático do ensino da física”, está se referindo à necessidade de práticas de simulação computacional no laboratório de experimentação científica, de maneira a corroborar e tecer considerações complementares em relação às duas primeiras 206


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categorias emergentes aqui discutidas, de números 5 e 7, constitutivas da subclasse 2.1. A relação dessas três categorias ressalta a necessidade de valorizar a integração do uso pedagógico do computador, por meio da realização de simulação dos fenômenos físicos, articulado à necessidade de atividades pedagógicas no laboratório de práticas de experimentação científica, o que está expresso na categoria emergente 13. Para dar continuidade à análise qualitativa hierárquica e relacional, visualiza-se novamente a classe 2 da Figura 1 e se define agora como subclasse 2.5 o nó constituído pelas categorias: ’10. Dificuldades no uso da instrumentação’ e ’18. Despreparo para realizar prática científica’ (ver Figura 4).

Figura 4 - Subclasse 2.5: formada pelas categorias 10 e 18 e concebida a partir árvore de similaridade da Figura 1

Portanto, há uma relação que expressa a existência de uma coesão entre as categorias ’10. Dificuldades no uso da instrumentação’ e ’18. Despreparo para realizar prática científica’. Para compreender a relação entre as categorias 10 e 18, é fundamental ressaltar que, nas discussões telecolaborativas tecidas pelos cursistas no fórum de discussão 6 do TelEduc, envolvendo o estudo dos temas conteúdos de circuitos de resistores elétricos, instrumentos de medição e uso do computador como ferramenta de auxílio à execução de práticas de experimentação científica, observa-se que, em um certo conjunto de narrativas postadas, caracterizam-se determi207


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nados graus de preocupação dos cursistas. Notadamente, no tocante a aspectos relacionados a limitações e dúvidas de como utilizar tais aparelhos, durante as práticas pedagógicas, que ocorreriam no momento presencial da formação. Desta forma, citadas narrativas, postadas e entrelaçadas no fórum 6, justificam a relação entre as categorias 10 e 18, visualizada na análise da árvore de similaridade gerada pelo CHIC. A relação entre as categorias 10 e 18 pode ser verificada na expressão de um dos cursistas, por meio de trechos da narrativa textual da mensagem 4, postada pelo cursista lus e armazenada no fórum de discussão 6 do TelEduc: Tenho uma dificuldade particular em trabalhar com essa parte prática da Física, em virtude de minha formação. Na verdade, poucas vezes utilizei algum dos aparelhos que são descritos no início do módulo 2: multímetro, voltímetro... O conteúdo apresentado nesse módulo tem a vantagem de apresentar uma descrição desses aparelhos para quem, como eu, não os conhece ainda. (Cursista lus).

Na narrativa do cursista lus, quando afirma:“Poucas vezes utilizei ... multímetro e voltímetro” e “... para quem, como eu, não os conhece ainda”, está se referindo às dificuldades no uso da instrumentação, ou seja, à categoria 10. Já quando afirma: “Tenho uma dificuldade particular em trabalhar com essa parte prática da Física em virtude de minha formação”, reporta-se ao despreparo para realizar prática científica, no caso, à categoria 18. Desta forma, o cursista articula em suas narrativas as categorias 10 e 18. Prosseguindo a construção da análise hierárquica e relacional, visualizando a árvore de similaridade (Figura 1), adiciona-se à subclasse 2.5 o nó mais próximo, fazendo-se a inclusão da categoria: "12. Dificuldades de aprendizagem", para então se definir a subclasse 2.6, visualizada na Figura 5.

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Figura 5 - Subclasse 2.6: formada pela subclasse 2.5 e categoria 12, concebida a partir árvore de similaridade da Figura 1

Assim, as categorias 10, 18 e 12, constituintes da subclasse 2.6, se inter-relacionam na forma "10. Dificuldades no uso da instrumentação" e "18. Despreparo para realizar prática científica" e "12. Dificuldades de aprendizagem". As narrativas de sete cursistas possuem registros da categoria 12, contudo, na presente análise, elencam-se apenas trechos de narrativa da professora jan, postada na mensagem 6: Sempre que falamos em aulas práticas ficamos com um pouco de medo, uma vez que não temos tanta facilidade em trabalhar com fatos reais, que podem, de alguma forma, fugir ao nosso controle. ... O que torna mais complicado é saber o que usar e para que. Uma vez tendo a teoria bem definida, a prática torna-se uma consequência e tudo vai ficar facinho, você vai ver.... (Cursista jan).

Quando afirma: “... Falamos que em aulas práticas ficamos com um pouco de medo, uma vez que não temos tanta facilidade em trabalhar com fatos reais ...’ e ‘O que torna mais complicado é saber o que usar e para que”, a cursista jan reporta-se às eventuais dificuldades de aprendizagem que podem surgir, ao longo do estudo telecolaborativo de conteúdos de circuitos elétricos, o que constitui o tema do fórum 6 de discussão. Tais narrativas da cursista jan, relacionadas à categoria 209


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‘12. Dificuldades de aprendizagem’, se inter-relacionam às categorias emergentes discutidas, de números 10 e 18, constitutivas da subclasse 2.5, que caracterizam as dificuldades para uso de instrumentação científica, relacionadas ao despreparo dos professores em práticas de experimentação científica. Apresentado esse estágio da análise qualitativa hierarquizada e relacional, tal procedimento poderia ser recursivamente estendido aos demais nós e classes da árvore de similaridade, de modo a se percorrer caminhos e tecer uma análise qualitativa multidimensional, hierárquica e relacional, incorporada de uma visão holística e integradora das interações e narrativas tecidas entre os atores, no universo de formação a distância que se concretizou no AVA TelEduc/PUC-SP.

Considerações finais Na presente análise qualitativa de dados multidimensionais, optou-se por delimitar o processo de análise hierarquizada e relacional às subclasses 2.1, 2.2, 2.5 e 2.6. Desta forma, a partir das narrativas produzidas telecolaborativamente na formação a distância, postadas pelos cursistas no fórum de discussão 6 TelEduc/PUC-SP e do referencial teórico adotado, decorrente da análise qualitativa multidimensional relacional e hierárquica realizada com o apoio do CHIC, emergiram evidências preliminares de relações estabelecidas entre as subclasses 2.1 e 2.2, em que se destacaram a valorização do uso pedagógico do uso do computador, a articulação entre o uso da simulação computacional de circuitos de resistores elétricos do computador e do laboratório de experimentação científica,o que foi complementado pela necessidade de promover a simulação de fenômenos científicos, no sentido de maturar a ressignificação e construção de novos conhecimentos de eletricidade. Nas subclasses 2.5 e 2.6, foram mapeadas evidências de dificuldades de uso da instrumentação científica, relacio210


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nadas ao despreparo dos professores para realizar práticas de experimentação científica, estando essas evidências vinculadas a dificuldades de aprendizagem dos professores, que ocorreram durante o estudo telecolaborativo de temas de eletricidade e circuitos elétricos, desenvolvido no fórum de discussão 6 TelEduc/PUC-SP, pertencente ao curso de formação de professores. Certamente, a inclusão de outras subclasses da árvore de similaridade, incorporando outros nós e novas subclasses, da classe 2 e das demais classes, dotaria a presente análise da formação de professores de maior amplitude e diversidade, pois incorporaria novos elementos discursivos, caracterizados a partir da inclusão de outras categorias e narrativas dos professores. Contudo, tal proposta constará de ações que deverão ser descritas em futuras publicações. Finalmente, partindo-se dos pressupostos apresentados neste capítulo e análise das narrativas dos professores, infere-se que há evidências da articulação do uso pedagógico das TDIC e laboratórios de experimentação científica e que é necessário superar determinadas dificuldades de aprendizagem, trabalhando a formação continuada dos professores, nos aspectos da experimentação e instrumentação científica, integrando teoria e prática. Há, portanto, a necessidade de priorizar políticas públicas educacionais para reverter os quadros apontados pelo programa internacional de avaliação Pisa, no sentido de promover a educação e a conquista da dignidade cidadã.

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Júlio Wilson Ribeiro| José Armando Valente

Notas 1 Professor Associado, Universidade Federal do Ceará (UFC). Departamento de Fundamentos da Educação, Faculdade de Educação, UFC. E-mail: juliow@uol.com.br 2 Livre Docente, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação, Instituto de Artes, UNICAMP. E-mail: jvalente@unicamp.br

Mapeamento da mente, mapeamento conceitual, mapeamento da Web, mapeamento do diálogo ou argumentativo, e mapeamento de dados multidimensionais (Okada, 2008).

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Participaram voluntária e efetivamente 16 professores graduados e três professores-formadores, com perfil de formação inicial variando de bacharéis a licenciados, humanistas a cientistas, das áreas de: Química, Física, Biologia, Matemática, Pedagogia, Engenharia e Computação. A seleção fundamentou-se na realidade do cenário educacional brasileiro, onde existe déficit acentuado de professores licenciados em Ciências e Matemática. 4

Os conteúdos pedagógicos impressos, que utilizavam recursos de texto e imagem, foram elaborados e disponibilizados no TelEduc pelo professor-formador. Foram contextualizados aspectos da teoria, complementada por representações imagéticas do mundo real (Lévy, 2004). Foi trabalhada uma metodologia apropriada à formação de professores de Ciências e Matemática (Carvalho; Gil-Pérez, 2006) e do aprender juntos virtualmente (Valente, 2005), numa perspectiva ausubeliana (Ausubel; Novak; Hanesian, 1968; Moreira, 1999; Novak, 2010). 5

6 Durante os momentos virtuais, foram disponibilizados, para os cursistas,no TelEduc, mapas conceituais (Góes, 2012; Novak, 2010), representando sínteses e organizadores prévios dos conteúdos de eletricidade. Segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1968), organizadores prévios constituem uma estratégia pedagógica, que visa facilitar o desenvolvimento da aprendizagem significativa de novos conteúdos, a serem aprendidos. Neste caso, concebe-se como organizadores prévios determinadas informações, que apresentem alguma forma de relacionamento com os novos conhecimentos que devem ser aprendidos. Assim, pedagogicamente, os organizadores prévios devem ser previamente apresentados ao aprendiz, para potencializar a criação de pontes entre seus conhecimentos prévios e os novos conhecimentos a serem aprendidos.

O brilho de lâmpada observado é função de sua potência elétrica, que por sua vez é função da variação dos valores da resistência, corrente elétrica e da diferença de potencial elétrico, medidas entre seus terminais. Dorneles, Araújo e Veit (2006) utilizam uma proposta pedagógica que envolve o uso de software de modelagem de circuitos de resistores elétricos, focando na variação do comportamento do brilho de lâmpadas, 7

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Formação de Professor: TDIC como ferramenta para promover formação...

para, metodologicamente identificar, analisar e trabalhar dificuldades de aprendizagem e sua superação. 8 Software de representação icônica que permite aos aprendizes montarem circuitos de resistores elétricos e simular situações de aprendizagem. 9 Leitura aprofundada que explora uma diversidade de significados, que podem ser (re)construídos com base em um conjunto de significantes. 10 Na unitarização, o corpus é ciclicamente desconstruído e ressignificado, resultando em unidades de análise, que são elementos que representam o corpus. 11 Na categorização, ocorre um processo cíclico e analítico, que visa gerar um movimento de síntese. As unidades de análise são (re)agrupadas em conjuntos de elementos semelhantes e (re)significadas à luz do corpus, resultando no surgimento de categorias representativas, ocorrendo a produção de uma nova ordem, compreensão e síntese.

Devido à limitação de espaço desta publicação, não é possível transcrever na íntegra os 25 registros de narrativas, postados pelos 19 cursistas, no fórum 6 do TelEduc/PUC-SP.

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Capítulo 9

O Processo de Construção do Conhecimento por Meio das Novas Tecnologias no Contexto da Conexão sem Fio Arnaldo Turuo Ono1

Introdução

A

possibilidade da aprendizagem com mobilidade e conexão com a internet é uma realidade tecnicamente viabilizada por meio da nova geração de tecnologias móveis e sem fio de informação e comunicação existentes e das que estão sendo lançadas a todo o momento. Essa nova perspectiva de mobilidade, aliada aos novos modos de vida da sociedade, fazem com que a questão da educação on-line seja repensada para além dos computadores pessoais conectados às redes físicas. Aliado à mobilidade e à conectividade sem fio dos equipamentos estão os novos ambientes virtuais direcionados para vários tipos de interação, como, por exemplo, o Orkut, fenômeno de popularidade no Brasil, o Second Life, o Twitter, ou, ainda, o Facebook, entre inúmeros outros que surgem a cada dia. Se bem aplicados, com intencionalidade, podem seguir como meios auxiliares para a construção do conhecimento daqueles envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Até o advento da terceira geração de tecnologias móveis e sem fio, o uso de equipamentos como netbooks, 217


O Processo de Construção do Conhecimento por Meio das Novas Tecnologias...

telefones celulares, assistentes pessoais digitais (PDA) e similares, em atividades mais elaboradas, que fossem além de textos enviados por meio de serviços de mensagem curta (SMS – short message service), somente era possível e com sérias limitações relacionadas à qualidade e capacidade, quando da criação de sistemas específicos, desenvolvidos para determinado fim, como, por exemplo, visualização de notas, pelos alunos; consultas a sites especiais para celulares; entre outros. A navegação sem fio (wi-fi – wireless), pela Internet, em alta velocidade, passa a ser uma realidade. Assim como acessar conteúdos de determinada instituição, por meio de rede, como, por exemplo, uma extranet, com o uso das tecnologias móveis, ou mesmo “surfar” em sites criados originalmente para PCs ou notebooks. Logo, o desenvolvimento de programas especiais para visualizar conteúdos comuns deixa de ser mandatário e o acesso a conteúdos e a interação em ambientes virtuais que possuam mídias mais sofisticadas que textos, como vídeos, imagens, podcasts (áudios digitalizados), blogs, fóruns e outros, torna-se viável, sem a necessidade de desenvolvimentos ou customização. Um ponto importante relacionado às novas alternativas tecnológicas, que consideram a mobilidade com conexão sem fio e direcionam para a possível adoção das tecnologias móveis e compactas, é o que se convenciona chamar de cloud computing, ou computação em nuvem. De acordo com Buyya (2008), a computação em nuvem é um tipo de sistema paralelo e distribuído, composto de um conjunto de computadores virtualizados e interconectados, que são dinamicamente provisionados e disponibilizados como um ou mais recursos unificados de computação, baseados no padrão de nível de serviço estabelecido (service level agreement) por meio de negociações entre provedores de serviço e consumidores. Em virtude da crescente disponibilidade de conexão à Internet em qualquer local, as tecnologias móveis têm 218


Arnaldo Turuo Ono

chamado a atenção como interessante opção para os usuários comuns. Um exemplo refere-se às empresas fabricantes de netbooks, que passaram a disponibilizar seus produtos diretamente para os consumidores finais. Se, inicialmente, essas empresas tinham como foco as instituições de ensino, em função de projetos como Um Computador por Aluno (UCA), do governo brasileiro, ou o projeto de Nicholas Negroponte, Um Laptop por Criança (One Laptop Per Child – OLPC), tão logo perceberam o novo nicho de mercado, mudaram o público-alvo. Uma vez contextualizado o cenário, passa-se, então, para o interesse em saber como os usuários estão utilizando as novas tecnologias com conexão sem fio; que tipos de estudos estão sendo desenvolvidos, de modo a entender essa nova realidade; e, por fim, desenvolve-se investigação com foco no processo de construção do conhecimento, por meio da proposta de inter-relação entre o modelo de Espiral da Aprendizagem, de Valente (2002), e da teoria de Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), no contexto das novas tecnologias. Entender como as pessoas estão construindo o conhecimento por meio das novas tecnologias é fundamental para que as instituições possam definir os mais variados meios para atender às diferentes demandas existentes. Mas, para entender o processo de construção do conhecimento de cada um dos aprendizes inseridos nesses ambientes, é necessário embasamento teórico que aborde e reflita sobre cada um dos diferentes estágios dessa construção. A teoria de Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), sugere que é por meio do indivíduo que as organizações constroem conhecimento, entretanto, os autores não explicitam como esse processo ocorre com a pessoa. A discussão parte de grupos de indivíduos até o âmbito interorganizacional. Em contrapartida, Valente (2002), em seu modelo de Espiral da Aprendizagem, tem 219


O Processo de Construção do Conhecimento por Meio das Novas Tecnologias...

como unidade de análise o indivíduo. O autor apresenta e discute o processo em que o indivíduo está inserido, mas sem avançar para o âmbito grupal ou o organizacional. A origem desse trabalho é o estudo de Ono (2010), realizado no programa de doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A partir de pesquisa documental, que contemplou vários países, Ono (2010) identifica o estado da arte daquele momento. Nessa primeira etapa, considera que o uso das novas tecnologias digitais, especialmente as que possuem conexão sem fio, não ocorre ao mesmo tempo, em todos os lugares. Questões econômicas, sociais e culturais influenciam as decisões sobre a adoção de uma ou outra tecnologia. Países mais estruturados tendem a antecipar o uso de novas tecnologias e disponibilizar recursos à sua população e, para que isso seja possível, pesquisas são realizadas, com o intuito de prover os conhecimentos necessários, de tal sorte que se transforme a prática em realidade. Na segunda etapa de seu estudo, que considera os resultados da pesquisa documental, Ono (2010) percebe a necessidade de se estudar todo o processo de construção do conhecimento, partindo do indivíduo até a organização. O resultado da pesquisa culmina na elaboração desse trabalho, que contempla os resultados da pesquisa de campo e aponta como interesse maior a proposta de inter-relação entre a teoria de Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), e o modelo de Espiral da Aprendizagem, de Valente (2002), considerando o contexto das novas tecnologias digitais. Logo, o problema de pesquisa que norteia este trabalho é: Como os indivíduos constroem conhecimentos, por meio das novas tecnologias, à luz da proposta de inter-relação? Os objetivos específicos são: 1) Verificar de que maneira os indivíduos usam as novas tecnologias, conectadas à Internet, quando querem construir novos conhecimentos; 2) Mapear indícios de construção do conhecimento em 220


Arnaldo Turuo Ono

diferentes estágios, com base na proposta de inter-relação entre os modelos de Valente (2002) e de Nonaka e Takeuchi (2003); 3) Identificar possíveis relações entre as formas de uso das novas tecnologias e os diferentes estágios de construção do conhecimento.

Modelo de Valente e teoria de Nonaka e Takeuchi Ao apresentar seu modelo de Espiral da Aprendizagem, Valente (1999) considera o indivíduo como a unidade de análise central, quando o ciclo descrição-execução-reflexãodepuração é evidenciado no processo de aprendizagem. Por meio desse processo é que o indivíduo aprende e, consequentemente, constrói seu conhecimento. O nível de detalhamento do processo se dá no indivíduo, considerado, no modelo, a unidade de análise. O primeiro ciclo de construção do conhecimento se dá por meio da sequência descrição1-execução1-reflexão1depuração1-descrição2. Quando um novo ciclo se inicia, a posição de partida se amplia, proporcionando, assim, por meio da interação da pessoa com os objetos de estudo, a expansão dos conhecimentos e, consequentemente, justificando a ideia da espiral. Por seu turno, a teoria de criação do conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), que apresenta o modelo de espiral, embora considere o indivíduo como a fonte de criação do conhecimento, aborda a questão tendo como unidades de análise o grupo e a organização. Quando detalham os modos de conversão do conhecimento, os autores se concentram na descrição das nuances do processo e na estruturação da teoria a partir da interação grupal. Logo, não entram no mérito do processo individual. Ambos os modelos apresentam ricas contribuições para o entendimento de como pode ocorrer a “construção do conhecimento” e, ao considerar a possibilidade de inter221


O Processo de Construção do Conhecimento por Meio das Novas Tecnologias...

relacionamento entre os modelos, propõe um arcabouço teórico, apresentado a seguir, em quatro estágios, que proporciona a oportunidade de interpretações estruturadas e especificadas em todas as possíveis unidades de análises e eventuais interações. Ao discutir os quatro estágios, é importante considerar a argumentação de Nonaka e Toyama (2008) quando afirmam que, para ocorrer a construção, ou o desenvolvimento, do conhecimento, é necessário que haja um local (contexto), que pode ser físico, ou até mesmo virtual. Esse contexto é chamado, pelos autores, de Ba. A proposta de inter-relação entre a Teoria da Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), e a Espiral da Aprendizagem, de Valente (2002), é composta por quatro estágios, cada um contemplando uma fase de construção do conhecimento (Figura 1).

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Arnaldo Turuo Ono

Figura 1 – Interação entre o indivíduo aprendiz e os demais membros e produções em um Ba virtual Fonte: Ono (2010, p. 93)

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Estágio I: A socialização em um Ba virtual, à luz da inter-relação Partindo do paradigma da aprendizagem autônoma, um indivíduo que queira aprimorar seus conhecimentos em determinado assunto e que utilize como meio para trilhar seu caminho de aprendizagem a Internet, num primeiro momento, atua mentalmente, de acordo com o modelo de Valente (2002). Ao se deparar com conteúdos produzidos e armazenados em repositórios eletrônicos, atua no âmbito do modelo de Valente (2002). Entretanto, ao ingressar em ambientes virtuais constituídos para o desenvolvimento de interações que culminem no aprimoramento de conceitos, técnicas e correlatos, o mesmo indivíduo também ingressa no primeiro estágio da conversão do conhecimento, mencionado por Nonaka e Takeuchi (2003), denominado de socialização, ainda, como descrevem os autores, de maneira subjetiva e intuitiva. Ao ingressar em um ambiente virtual com participantes (membros) e estruturação adequada para desenvolver os assuntos de interesse específico dessa comunidade, que poderia ser classificada como um Ba virtual (Nonaka; Toyama, 2008), o indivíduo, nesse momento, assume a posição de aprendiz, por meio de um processo de interação direta com os demais membros, que atuam como “mestres”. Ao realizar a interação direta com os diferentes membros de determinada comunidade, o indivíduo deparase com os diferentes níveis de conhecimento, daqueles que na comunidade estão, quando na fase de socialização, concomitantemente ao processo do modelo de Valente (2002). Um entendimento da etapa de socialização (Nonaka; Takeuchi, 2003), ocorrendo como sugere a espiral da aprendizagem de Valente (2002), pode ser observado por meio da estrutura apresentada na Figura 1 (Socialização).

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Arnaldo Turuo Ono

Estágio II: A externalização em um Ba virtual, à luz da inter-relação Dentre os modos de conversão do conhecimento, Nonaka e Takeuchi (2003) consideram que a externalização é a chave para a criação do conhecimento. Nessa etapa é que conceitos novos e explícitos são criados, a partir do conhecimento tácito. Takeuchi e Nonaka (2008) descrevem a externalização como sendo a quintessência do processo de criação do conhecimento. Na medida em que o conhecimento tácito é articulado, este passa a ser explícito, tomando a forma de analogias, metáforas, conceitos, hipóteses formuladas ou, ainda, modelos. Porém, tais formas de expressão podem, em muitos casos, ser deficitárias, inconsistentes e insuficientes, em virtude do estágio da construção do conhecimento. Contudo, essas lacunas e incoerências, entre imagens e expressões, estimulam a reflexão e a interação entre os indivíduos (Nonaka; Takeuchi, 2003). No processo de interação entre os membros de determinado grupo e o indivíduo aprendiz, ocorrem vários ciclos de descrição-execução-reflexão-depuração-descrição (Valente, 2002), que se dão por meio das ações que podem ser interpretadas pelos indivíduos participantes, como discussões coletivas, esboços de modelos, tentativas de formulação de conceitos, fluxogramas, figuras, textos, entre outros. Nesse momento, ocorrem as reflexões e depurações, em diferentes níveis, proporcionando novas formas de entender, e culminando em explicitações de novos conhecimentos. Uma representação hipotética pode ser observada na Figura 1 (Externalização).

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Estágio III: A combinação em um Ba virtual, à luz da inter-relação Nesse modo de conversão é que ocorre a combinação de diferentes corpos de conhecimento explícito; combinações e compartilhamento de conhecimento, por meio de documentos, reuniões, conversas; entre outros. As interações ocorrem em âmbito grupal e de forma explícita para explícita, ou seja, os conhecimentos explicitados em forma de documentos, relatos, entre outros, são reorganizados, de maneira a criar novos conhecimentos explícitos (Takeuchi; Nonaka, 2008). As interações e trocas ocorrem entre os indivíduos de determinada comunidade, por meio de inúmeras interações, trocas de informações, discussões on-line, entre outras formas e, simultaneamente, esses mesmos indivíduos participam de outras comunidades similares, nas quais discussões também ocorrem, trocas de documentos, desenvolvimentos são explicitados e os diferentes corpos de conhecimento explícito são realinhados, resultando em novos conhecimentos, que são construídos. Ao longo do processo de combinação, os indivíduos estão, intrinsecamente, em constante processo de reflexão, alinhados com o modelo de Valente (2002) e, simultaneamente, ao interagirem com os demais indivíduos dos diferentes grupos, dá-se então a conversão do conhecimento explícito para explícito, caracterizando a combinação, descrita pelo modelo de Takeuchi e Nonaka (2008), representado na Figura 1 (Combinação).

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Arnaldo Turuo Ono

Estágio IV: A internalização em um BA virtual, à luz da inter-relação As experiências produzidas por meio da socialização, externalização e combinação são internalizadas, como mostra a Figura 1 (Internalização), nas bases do conhecimento tácito, em forma de modelos mentais compartilhados, também denominados de know-how (saber como). E passam, então, a compor um patrimônio valioso (Takeuchi; Nonaka, 2008). No caso, os autores referem-se ao conhecimento que se constrói e passa a fazer parte da cultura daquela comunidade, ou comunidades, que participam das interações. Quando o conhecimento tácito, armazenado no indivíduo, é socializado com os membros das comunidades, inicia-se nova espiral de criação do conhecimento, proporcionada em âmbito organizacional, ou seja, de toda a comunidade (Takeuchi; Nonaka, 2008). A partir da proposta de inter-relação, uma pesquisa de campo foi estruturada e é apresentada a seguir nos aspectos metodológicos.

Aspectos metodológicos A pesquisa realizada é descritiva, de abordagem qualitativa (Gil, 2002). A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas em profundidade, com base em um roteiro semiestruturado.

Sujeitos entrevistados A pesquisa contou com 33 sujeitos universitários (denominado grupo CP), com média de idade de 21 anos. O segundo grupo (BS), cursa MBA (Master of Business Administration) e é composto de 19 sujeitos com idade média de 34 anos. Outros 13 sujeitos, com idade média de 44 anos, são pós-graduandos 227


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stricto sensu (mestrado e/ou doutorado) da PUC-SP, e compuseram uma Comunidade Virtual (grupo CV).

Análise dos dados Critério de Codificação dos Indivíduos Entrevistados Uma identificação codificada foi criada para cada um dos sujeitos. Composta por duas letras, que definem o grupo, são seguidas de dois dígitos, que indicam o número do indivíduo entrevistado. Logo, CP 12 refere-se ao décimo segundo entrevistado do primeiro grupo (CP).

Análise por meio do software CHIC O software de Classificação Hierárquica Implicativa e Coesitiva (CHIC- Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive), método estatístico multidimensional, comumente aplicado em pesquisas qualitativas, possibilita a análise hierárquica de similaridades ou semelhanças (Almeida, 2003). De acordo com Couturier, Bodin e Gras (2003, p. 1), o software tem como funções essenciais: “Extrair de um conjunto de dados, cruzando sujeitos e variáveis (ou atributos), regras de associação entre variáveis, fornecer um índice de qualidade de associação e de representar uma estruturação das variáveis obtida por meio destas regras”. Os dados desta pesquisa foram estruturados de forma binária, por meio de planilhas em MS Excel, com extensão csv, que separa os dados por vírgulas (exigência do software CHIC). A partir daí, ocorreu a aplicação do método estatístico multidimensional, que permite a análise hierárquica de similaridades, possibilitando a visualização de semelhanças, bem como de classes de variáveis, mapeadas em níveis de uma árvore hierárquica (Prado, 2003). Por meio da análise das entrevistas realizadas, foram 228


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confeccionadas três planilhas distintas, uma para cada grupo (CP, BS e CV), que serviram de base para a geração das árvores de similaridades.

Resultados obtidos por meio do software CHIC As árvores de similaridades geradas pelo CHIC possibilitam a visualização de semelhanças e classes de variáveis, dispostas em diferentes níveis de hierarquia, obedecendo às relações de mais força entre as variáveis agrupadas. Em seguida, são apresentadas e discutidas as classes que emergiram da análise. A partir das planilhas elaboradas em Excel (CP, BS, CV), tendo como “fonte de dados” as entrevistas realizadas, três árvores hierárquicas foram geradas. A análise de cada uma e seus desmembramentos é apresentada a seguir. CP – Campus Party A primeira árvore gerada (Figura 2) é constituída das entrevistas realizadas no evento do Campus Party, edição de 2009.

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Figura 2 – CP – Campus Party - Resultado da árvore de similaridades – extraído pelo software CHIC Fonte: Elaborada pelo autor

De modo a obter profundidade nas análises, esta árvore de similaridades foi desmembrada em três classes: CP – CLASSE 1: Primeiros passos (CPC1) A primeira classe que surge do CHIC (Figura 3), é apresentada a seguir.

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Figura 3 – a CP - Classe 1: Primeiros passos - Resultado da árvore de similaridade – extraído pelo software CHIC Fonte: Elaborada pelo autor

A partir da CPC1, novo desmembramento foi realizado, resultando na subclasse CPC 1.1 [2.1 Metáforas, analogias, modelos] e [2.2 Produções inconsistentes, insuficientes]. A estrutura hierárquica da árvore de similaridades apresenta forte relação entre as duas categorias, sinalizando o estágio em que se encontram as produções existentes entre os indivíduos. Nesse momento, as interações se desenvolvem em forma de indagações e discussões, que buscam a formulação de conceitos, hipóteses e analogias. Logo, sugere um movimento de busca por conhecimento ainda numa fase inicial, correspondendo às conversões Socialização e Externalização, à luz de um Ba virtual, Estágio I e Estágio II, da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente (2002) e Nonaka e Takeuchi (2003). Uma segunda subclasse, CPC 1.2, composta por [6.7 Mobilidade], [7.4 Acesso básico], num primeiro nível, e [1.2 Reprodução mecânica, repetição] também surge com relação bastante forte. Esse ramo da árvore sugere que a mobilidade aponta para formas básicas de conexão, quando o indivíduo 231


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procura por informações em um nível elementar, ou seja, as buscas seriam realizadas somente para esclarecimentos de dúvidas pontuais ou, ainda, curiosidade acerca de determinado tema, sem que haja necessariamente aprofundamento naquele assunto. Importante salientar que a árvore mostra que ambas as subclasses, CPC 1 e CPC 2, estariam no nível das [1.1 Habilidades técnicas], sinalizando que as construções de conhecimentos constituídas estariam localizadas nos dois estágios iniciais da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente (2002), e Nonaka e Takeuchi (2003). A subclasse CPC 1.3, composta por [7.1 Desenvolvimento] e [7.2 Liderança], apresenta relação que sugere que os coordenadores das atividades criam as condições que favorecem, ao grupo, as construções de conhecimentos. Um orientador, presente nessa etapa da construção, pode assumir o papel de mestre e coordenar o desenvolvimento, auxiliando no entendimento e na interpretação dos processos de reflexão dos indivíduos aprendizes. CP – CLASSE 2: Aprendendo juntos (CPC2) A classe CPC2 (Figura 4), é desdobrada em três subclasses. A subclasse CPC 2.1 é composta pelas categorias [3.1 Documentos compartilhados e combinados], [6.3 Fórum] e [5.3 Ensinar e aprender]. Esse ramo apresenta a maior força relacional entre as categorias, sugerindo que, por meio das produções realizadas coletivamente, nos ambientes existentes nos fóruns (Almeida, 2008), os indivíduos têm possibilidades de aprender e também de ensinar, isto é, há alternância de papéis.

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Figura 4 – CP - Classe 2: Aprendendo juntos - Resultado da árvore de similaridade – extraído pelo software CHIC Fonte: Elaborada pelo autor

A subclasse CPC 2.2, composta por [4.1 Aprender fazendo] e [5.2 Trabalho colaborativo], também apresenta relação com a subclasse anterior, reforçando a ideia de que os indivíduos, ao colocarem a “mão na massa” (Prado, 2004), realizam trabalhos colaborativos; discutem coletivamente; e compartilham o fazer, a reflexão sobre o fazer e as produções com todos os membros; promovem construções de conhecimento de forma explícita e em âmbito coletivo, corroborando com o que é apresentado nos Estágios III e IV da proposta de correlação entre os modelos de Valente (2002), e Nonaka e Takeuchi (2003). A subclasse CPC 2.3, composta por [6.6 Blogs e microblogs] e [7.3 Superior completo] apresenta relação que talvez indique nova tendência, uma vez que, entre as pessoas graduadas, aparentemente, existem mais formadores de opinião e são estes que veem as ferramentas mais novas, como os blogs e microblogs, como recursos mais apropriados para o desenvolvimento de atividades coletivas. Os ramos compostos pelas três subclasses se relacionam, sugerindo que a construção de conhecimentos ocorre de maneira dinâmica e em grupo. As atividades são realizadas colaborativamente, com os membros assumindo as atividades de professores e alunos, posições que se revezam em função de seus desenvolvimentos, ora professor, ora aluno. 233


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Os ambientes usados propiciam as interações em grupos e os documentos são compartilhados livremente entre os membros, que os desenvolvem, estudam, e aprendem, por meio de recombinações, culminando em novos desenvolvimentos. Todos os processos apontados nesta classe se assemelham às conversões Combinação e Internalização, que se referem ao Estágio III e Estágio IV da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente, Nonaka e Takeuchi. CP – CLASSE 3: Escolhendo os caminhos (CPC3) A terceira classe, CPC3, é desdobrada em duas subclasses. A subclasse CPC 3.1, a primeira, é composta pelas categorias [5.1 Intencionalidade] e [6.2 Mecanismos de busca] as quais sinalizam que os indivíduos usam, como meio de acesso, os mecanismos de busca com a intenção de encontrar informações, materiais de referência e ambientes, onde possam interagir de maneira a satisfazer suas necessidades específicas. Há que ter clareza dos propósitos da busca para atingir os objetivos planejados.

Figura 5 – CP - Classe 3: Escolhendo os caminhos Fonte: Elaborada pelo autor

A subclasse CPC 3.2, composta por [5.4 Comunidade virtual] e [7.5 Acesso especializado] sugere que os indivíduos, membros de comunidades virtuais, lancem mão de acessos especializados, com estruturas mais robustas e velozes, de maneira a desenvolver suas atividades sem que existam limitações técnicas relacionadas às conexões. A árvore de similaridades apresenta relação entre as duas subclasses, sugerindo que os indivíduos intencionados 234


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a construir novos conhecimentos, acessam informações por meio dos mecanismos de busca; em seguida, iniciam seu desenvolvimento em comunidades virtuais, usando para isso conexões estruturadas que garantam sua participação sem que ocorram problemas técnicos. Os resultados da terceira classe (Figura 5) indicam que os indivíduos iniciam suas pesquisas com um objetivo traçado. Há uma expectativa do que se quer encontrar e os meios para que esses consigam atender às suas demandas são pensados. Primeiramente, iniciam suas buscas de maneira generalizada, por meio dos mecanismos automáticos e, a partir desses, chegam a ambientes especializados e propícios para seus estudos, com possibilidades de interação com outros indivíduos, acessos a produções, entre outros. BS – Business School São Paulo A segunda árvore gerada (Figura 6) foi constituída das entrevistas realizadas nas dependências da BSP, durante o período letivo de 2009. De modo a obter profundidade nas análises, essa árvore de similaridades foi desmembrada em três classes.

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Figura 6 – BS – Business School São Paulo Fonte: Elaborada pelo autor BS – CLASSE 1: Construções em processo (BSC 1) A partir da classe BSC 1, outro nível de desmembramento foi realizado, resultando na subclasse 1.1 [1.2 Reprodução mecânica, repetição] e [2.1 Metáforas, analogias e modelos]. A árvore de similaridades apresenta forte relação entre essas duas categorias, apontando o estágio de conversão do conhecimento em que os indivíduos estão inseridos. Nesse momento, as interações se desenvolvem em forma de indagações e discussões que buscam a formulação de conceitos, hipóteses e analogias. Logo, sugere um movimento de busca por conhecimento ainda numa fase inicial, correspondendo às conversões Socialização e Externalização, à luz de um Ba virtual, Estágio I e Estágio II, da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente (2002) e Nonaka e Takeuchi (2003). O segundo ramo, subclasse BSC 1.2 é composto pelas categorias [6.3 Fórum] e [7.4 Acesso básico] sugerindo que 236


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os sujeitos entrevistados lançam mão de conexões básicas para acesso a fóruns ou que, para o uso dessa ferramenta, as conexões especializadas não são prioritárias. De certo modo, essa sugestão encontra-se presente ao avaliar a categoria [7.5 Acesso especializado], que aparece na relação entre os ramos, mas com um valor correlacional baixo. Assim como ocorreu com o primeiro grupo de entrevistados (CP), esta primeira classe (Figura 7) também sugere um movimento de busca por conhecimento ainda numa fase inicial, correspondendo às conversões Socialização e Externalização, à luz de um Ba virtual, correspondendo ao Estágio I e Estágio II da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente, Nonaka e Takeuchi.

Figura 7 – BS - Classe 1: Primeiros passos Fonte: Elaborada pelo autor

BS – CLASSE 2: Aprendendo e ensinando no coletivo (BSC 2) A classe BSC 2 foi desdobrada em duas subclasses. A primeira subclasse, BSC 2.1, é composta pelas categorias [5.2 Trabalho colaborativo] e [5.3 Ensinar e aprender]. A relação entre essas categorias sugere que os indivíduos, ao desenvolverem trabalhos colaborativos estejam envolvidos em um ambiente onde exista a possibilidade de aprender e também de ensinar, por meio do fazer e refletir em conjunto, dependendo do conhecimento do sujeito sobre o tema de estudo. Ora o indivíduo atuará como aprendiz, ora como mestre. 237


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A segunda subclasse, BSC 2.2, é composta pelas categorias [2.2 Produções inconsistentes, insuficientes] e [5.4 Comunidade virtual]. A partir da relação entre essas categorias, suspeita-se que as produções estejam num modo de conversão alinhado com um movimento de busca por conhecimento, na conversão conhecida como Externalização, à luz de um Ba virtual, Estágio II, da proposta de inter-relação entre os modelos de Valente (2002) e Nonaka e Takeuchi (2003). Os ambientes virtuais estimulam a construção do conhecimento (Figura 8), que num primeiro momento se apresenta de forma inconsistente e insuficiente e, por meio das diversas interações e trabalhos realizados em colaboração, que estimulam o processo de ensino e aprendizagem, proporcionam produções melhor elaboradas, possibilitando assim novas construções de conhecimento em âmbito coletivo.

Figura 8 – BS - Classe 2: Aprendendo juntos Fonte: Elaborada pelo autor

BS – CLASSE 3: Escolhendo os caminhos (BSC3) A classe BSC 3 (Figura 9) é desdobrada em duas subclasses. A primeira subclasse, BSC 3.1, é composta pelas categorias [7.1 Desenvolvimento] e [7.2 Liderança]. Essa relação pode ser interpretada como as ações dos indivíduos, coordenadores de atividades, que buscam formas de desenvolvimento dos membros das comunidades e de suas produções, consequentemente, são ações de construção do conhecimento coletivo. 238


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Figura 9 – BS - Classe 3: Escolhendo os caminhos Fonte: Elaborada pelo autor

A subclasse BSC 3.2, composta pelas categorias [6.2 Mecanismos de busca] e [7.3 Superior completo], sinaliza que os formadores de opinião usam as ferramentas de busca quando procuram novas informações que possam ser usadas para a construção do conhecimento com base em distintas fontes informacionais. Como há relação entre as duas subclasses (3.1 e 3.2), entende-se que esses formadores de opinião são, em sua maioria, os coordenadores das atividades envolvidos em promover as construções de conhecimentos de suas comunidades e seus membros. CV – Comunidade Virtual A terceira árvore gerada (Figura 10) é constituída das entrevistas realizadas, por meio da Internet, em 2009. De modo a obter profundidade nas análises, essa árvore de similaridades foi desmembrada em duas classes, que se mostram sem inter-relação.

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Figura 10 – CV - Comunidade Virtual - resultado da árvore de similaridade – fruto do tratamento realizado pelo software CHIC Fonte: Elaborada pelo autor

CV – CLASSE 1: Aprendendo por meio dos ambientes (CVC 1) A classe CVC 1 foi desmembrada em duas subclasses. A primeira subclasse CVC 1.1 é composta pelas categorias [5.2 Trabalho colaborativo], [5.4 comunidade virtual] e [1.1 Habilidades técnicas]. Este ramo aponta para os trabalhos colaborativos desenvolvidos em comunidades virtuais e a relação, de fraca intensidade, com as habilidades técnicas, o que sugere diferentes estágios de construção do conhecimento, neste caso apontando para o Estágio I da proposta de inter-relação ente os modelos de Valente, Nonaka e Takeuchi. A segunda subclasse CVC 1.2 é composta pelas categorias [6.3 Fórum], [7.1 Desenvolvimento] e [5.3 Ensinar e aprender]. As relações desse ramo apontam que as atividades realizadas em fóruns propiciam desenvolvimentos e os indivíduos que participam desses ambientes assumem diferentes papéis, em função de seus conhecimentos acerca dos temas estudados; em alguns momentos atuando como aprendizes e em outros como mestres. 240


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Os resultados da CVC 1 (Figura 11) sugerem que os trabalhos colaborativos, que ocorrem nas comunidades virtuais, propiciam o desenvolvimento de habilidades técnicas em diversos níveis. O processo de ensino e aprendizagem está presente tanto nas comunidades como nos ambientes em que os desenvolvimentos acontecem por meio das interações e partilha de conhecimentos, realizadas nos fóruns.

Figura 11 – CV - Classe 1: Aprendendo por meio dos ambientes Fonte: elaborada pelo autor

CV – CLASSE 2: Escolhendo os caminhos (CVC 2) A classe CVC 2 (Figura 12) é desmembrada em duas subclasses. A primeira, subclasse 2.1, é composta pelas categorias [7.4 Acesso básico], [7.5 Acesso especializado] e [6.2 Mecanismos de busca]. As relações mostram que os mecanismos de busca são ferramentas usadas frequentemente, seja pelos que possuem conexões básicas com a Internet, seja pelos que possuem conexões mais especializadas. Logo, os mecanismos parecem ser a “porta de entrada” quando os indivíduos buscam por novas informações na Web.

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Figura 12 – CV - Classe 2: Escolhendo os caminhos Fonte: elaborada pelo autor

A segunda subclasse, composta pelas categorias [7.2 Liderança] e [7.3 Superior completo] apontam uma relação esperada entre formação e posição de coordenação, identificada diretamente no perfil dos sujeitos entrevistados e em uma relação mais fraca, mostrada no ramo, sinalizando certa conexão com a primeira subclasse, possivelmente um indício de que os coordenadores lançam mão dos mecanismos de busca, independentemente da qualidade de infraestrutura, para iniciarem suas buscas por informações.

Respondendo aos objetivos O objetivo geral que serviu para direcionar as ações de pesquisa foi: “Entender como os indivíduos constroem conhecimento por meio das novas tecnologias, à luz da proposta de inter-relação da Espiral da Aprendizagem e da Teoria de Criação do Conhecimento”. A partir deste, ocorreram os desdobramentos em objetivos específicos. O objetivo 1 definido foi: Verificar de que maneira os indivíduos usam as novas tecnologias, conectadas à Internet, quando buscam novos conhecimentos. Por meio de análises, pôde-se identificar que os indivíduos usam as tecnologias de diferentes maneiras, entretanto, não há evidências de que estejam priorizando uma tecnologia específica. 242


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A mobilidade surge como um recurso auxiliar, colocada mais como facilidade do que necessidade. Os questionamentos relacionados à qualidade e viabilidade são ainda frequentes, sugerindo que os indivíduos não as veem como tecnologias suficientemente desenvolvidas, de modo a atender às necessidades plenas (CPC 1.2). Os problemas quanto ao tamanho do teclado e da tela também são apontados, e fazem com que os indivíduos usem os equipamentos somente para consultas rápidas e em situação de trânsito, além de comunicação oral. Quando os indivíduos procuram por informações pontuais, o fazem por meio de mecanismos de busca, que as disponibilizem facilmente em diferentes fontes. Não se interessam por participar de comunidades e as interações são raras ou evitadas. Nessas ocasiões, as novas tecnologias são interessantes, pois os indivíduos querem respostas rápidas e algumas vezes a consulta é feita em trânsito, por meio de equipamentos móveis, que nem sempre possibilitam exploração profunda dos conteúdos. O objetivo específico 2, desdobrado do geral foi: Mapear indícios de construção do conhecimento em diferentes estágios, tendo como base a proposta de inter-relação. Foi possível identificar indícios de construção do conhecimento em diferentes níveis, nas falas dos sujeitos entrevistados. Percebeu-se características do Estágio I da proposta de inter-relação de Valente, Nonaka e Takeuchi, nas árvores de similaridades apresentadas pelo CHIC, a partir das bases de dados analisadas (CPC 1.1; CPC 2.2; BSC 1.1, BSC 2.2; CVC 1.1). Com relação ao Estágio II da proposta de inter-relação de Valente, Nonaka e Takeuchi, também foram encontradas características relacionadas. Por meio do CHIC, foram encontrados indícios de caracterização desse estágio, que pode ser observada nas relações formadas pelos ramos das árvores (CPC 1; BSC 2.2). 243


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Indícios que apontam para o Estágio III da proposta de inter-relação de Valente, Nonaka e Takeuchi foram observados. Por meio do CHIC, constatou-se a presença desse estágio, que apresenta as estruturas de similaridades que evidenciam a característica propícia para se construir conhecimentos em âmbito grupal, de caráter coletivo e colaborativo (CPC 2.2, CPC 2.3). Observam-se indícios do Estágio IV da proposta de inter-relação de Valente, Nonaka e Takeuchi, que apontam para um conhecimento desenvolvido a partir da coletividade das comunidades, que se desenvolveram e atingiram níveis ontológicos superiores, promovendo conhecimento tácito internalizado por toda a comunidade. A árvore de similaridades apresentada pelo CHIC sinaliza para a estruturação que se compatibiliza com esse estágio, propiciando construções de conhecimento de expressão para o grupo (CPC 2.2; CPC 3.2; CVC 2.2). O objetivo 3 estabeleceu-se em: Identificar possíveis relações entre as formas de uso das novas tecnologias e os diferentes estágios de construção do conhecimento, à luz da proposta de inter-relação. As novas tecnologias estão contidas em todos os estágios de construção do conhecimento relatados pelos sujeitos entrevistados. A questão interessante é que, em se tratando de ambientes virtuais existentes na Internet, essas são consideradas naturalmente, de maneira transparente. Os indivíduos as usam, combinam e recombinam de diferentes formas, de modo a produzir ambientes mais eficientes e que atendam às suas necessidades. A aplicação das mais variadas ferramentas e recursos da internet parece estar diretamente relacionada com as intenções daqueles que as usam. Para os envolvidos com atividades de desenvolvimento, como a construção de sistemas, linguagens de programação (ex.: Linux), entre outros, a intensidade com que os diferentes recursos são 244


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usados é elevada. Estruturas são compostas de maneira a promover diversas formas de interação, atividades colaborativas, desenvolvimento de produções, bem como seu gerenciamento e armazenamento (CPC 1.1; CPC 1.2; CPC 2.3; CPC 3.1; CPC 3.2; BSC 1.2; BSC 2.2; BSC 3.1; CVC 1.1; CVC 1.2; CVC 2.1). Por outro lado, para aqueles que se posicionam como usuários comuns, poucos são os recursos usados. Os ambientes são minimamente frequentados e explorados, somente visitas rápidas e esporádicas ocorrem e apenas as produções de fácil acesso são visualizadas, estabelecendo um contato superficial com os ambientes e seus membros, impossibilitando a construção de novos conhecimentos coletivos. Logo, somente entendimentos instrumentais ocorrem, no âmbito do indivíduo. Quanto aos equipamentos móveis com conexão sem fio, não há evidências do uso desses, de maneira que esse formato se sobreponha às demais formas tradicionais (ex.: a telefonia fixa), na condução de atividades que propiciem a construção de conhecimento. Por meio do CHIC, a categoria Mobilidade surgiu apenas uma vez, na subclasse CPC 1.2. Nessa, percebe-se que a mobilidade ainda é usada para atividades elementares, como leitura de e-mails, envio de mensagens do tipo SMS, quando os indivíduos estão em trânsito de um local para outro. As questões relacionadas ao tamanho dos teclados e das telas é ponto de queixa coletiva, além do alto custo de aquisição e manutenção desses equipamentos, muito além das possibilidades dos cidadãos comuns, não tão envolvidos no processo.

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As semelhanças entre os grupos analisados As análises das falas dos sujeitos, realizadas separadamente, permitiu verificar as eventuais semelhanças e diferenças entre os grupos participantes da pesquisa. Na busca por novos conhecimentos, pode-se dizer, a partir dos resultados, que os grupos adotam comportamentos semelhantes. As ações iniciais dos indivíduos com a intenção de construir novos conhecimentos segue o mesmo padrão, iniciando-se pelos mecanismos de busca, partindo para ambientes mais específicos, como fóruns e comunidades virtuais (CPC 3.1; BSC 3.2; CVC 2.1). A participação em comunidades virtuais, trabalhos colaborativos e participação em fóruns, apresentam certa diferença entre os grupos. O grupo de sujeitos pertencentes ao CP demonstra mais interesse em participações com vínculos e de longo prazo. Geralmente, participam de várias atividades e a frequência de interação com outros indivíduos é constante. Já o grupo de sujeitos pertencentes ao BS demonstra pouco interesse em trabalhos colaborativos e participação em comunidades virtuais ou fóruns. Seus interesses são pontuais e de curto prazo, evitando relações duradouras e que exijam qualquer assiduidade. Os sujeitos pertencentes ao CV parecem estar envolvidos em ferramentas virtuais preestabelecidas pela estrutura de suas atividades, usufruindo dos seus recursos, entretanto, sem ampliação de novas estruturas tecnológicas. Em suma, o que parece diferenciar ou aproximar os sujeitos está mais relacionado às suas intencionalidades, aos seus desejos e objetivos. A estabilidade profissional também parece ser um fator de influência, uma vez que os que possuem essa questão ainda em desenvolvimento, tendem a se dedicar mais ao uso das novas tecnologias para construção do conhecimento.

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Análise final Percebem-se características do Estágio I da proposta de inter-relação de Valente (2002), Nonaka e Takeuchi (2003), sinalizando os primeiros contatos nos ambientes virtuais e a busca por referências, como “mestres” que estejam à disposição para ajudar em seus estudos. Com relação ao Estágio II da proposta de inter-relação de Valente (2002), Nonaka e Takeuchi (2003), também foram encontradas características relacionadas, quando as falas dos sujeitos apontam para produções disponíveis nos ambientes, tentativas de organização ainda iniciais e sinalizações de que as produções precisam de desenvolvimento. Apontamentos para o Estágio III da proposta de inter-relação de Valente (2002), Nonaka e Takeuchi (2003) são percebidos quando identificadas situações de reflexões intensas, com inúmeras interações entre os diferentes indivíduos e grupos, revisando os conhecimentos existentes, reagrupando-os e recompondo-os, em novos conhecimentos. Observam-se indícios do Estágio IV da proposta de inter-relação de Valente (2002), Nonaka e Takeuchi (2003), que apontam para um conhecimento desenvolvido a partir da coletividade das comunidades, que atingiram níveis ontológicos superiores, promovendo conhecimento tácito internalizado por toda a comunidade.

Considerações finais Esse estudo apresenta informações construídas a partir de um estudo de abordagem qualitativa, que trouxe contribuições para o entendimento dos processos de construção do conhecimento daqueles indivíduos que se enveredam pelos diversos ambientes virtuais existentes na internet, no contexto das novas tecnologias digitais, em busca do aprendizado sobre os mais diversos temas de interesse. 247


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A proposta de inter-relação foi confrontada com os resultados da análise das entrevistas, realizada por meio da técnica de análise de conteúdo e do CHIC. Os indícios encontrados apresentaram consonância com cada um dos estágios propostos. Logo, acredita-se que este estudo oferece, à comunidade acadêmica, algumas reflexões com base no modelo da Espiral da Aprendizagem, de Valente (2002), que serviu como referência do olhar sobre os indivíduos e suas reflexões, e a teoria da Criação do Conhecimento, de Nonaka e Takeuchi (2003), que foi referência para a unidade de análise dos grupos em direção às organizações.

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Nota 1 Doutor em Educação: currículo pela PUC-SP; Docente do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: arnaldo.ono@hotmail.com

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Capítulo 10

Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva: uma construção a partir da história de vida utilizando AVA Beatriz Sanz Vazquez1

Introdução

A

passagem das memórias humanas à memória virtual coletiva configura a construção de um caminho que é possível trilhar a partir das histórias de vida, utilizadas, nesta pesquisa, como metodologia de pesquisa e de formação, compartilhadas em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). A pesquisa que embasou a dissertação de mestrado (Vazquez, 2009) aborda esse processo, iniciado com a história de vida desta pesquisadora, nas fases de estudante, profissional da educação e mãe. Com esta pesquisaformação, a intenção foi recolocar os professores no centro dos debates educativos e da pesquisa, ao perceber que a maneira como cada um ensina é diretamente dependente daquilo que é como pessoa e dos laços que construiu em sua história de vida, como também dos desafios enfrentados nas complexas relações entre objetividade e subjetividade. Os estudos de Furlanetto e Batista (2001) ajudam a esclarecer que, ao observar a trajetória de alguns professores, estes pareciam possuir um professor interno, base da qual 250


Beatriz Sanz Vazquez

provinham suas ações pedagógicas, a denominada matriz pedagógica. “Essa não era somente a síntese de seus aprendizados teóricos, mas sintetizava também suas experiências como alguém que aprende” (p. 4-5). Com essa preocupação, parte-se para o problema central da pesquisa a que se refere esse capítulo: Como o AVA TelEduc pode configurar-se em lugar de interação para a construção de uma memória virtual coletiva a partir de memórias individuais. A questão é mostrar como o ato de dialogar e socializar essas informações sobre as memórias de cada professor pode auxiliar na construção e integração de uma comunidade de aprendizagem colaborativa, virtual e presencialmente, levando a questionamentos sobre novos paradigmas quanto a ser professor, por meio da práxis, quais sejam: como proporcionar aos alunos condições para a aprendizagem por meio das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e do AVA TelEduc. Em que nível a interação e a interatividade com essas tecnologias interferem nessa aprendizagem e na construção da memória virtual coletiva. Essas questões estão postas para um olhar-se para si mesmo, reabitar, revisitar conceitos, pontos de vista, convenções pedagógicas, científicas, segundo Tavares (2001, p. 68). O objetivo geral da pesquisa foi mostrar que o AVA TelEduc é um local de interação das diversas memórias narrativas das histórias de vida, voltado à construção de uma memória virtual coletiva. Os objetivos específicos, por sua vez, foram: 1) Promover a aprendizagem do componente curricular Multimeios e Educação, por meio das TDIC e do ambiente de educação a distância TelEduc, sistematizando os relatos das memórias individuais, e permitindo outras formas de socialização dessas narrativas, de forma a construir uma memória virtual coletiva; 2) Identificar as funções do TelEduc no desenvolvimento da disciplina enquanto organizador, repositor e local de interação e de avaliação; 3) Propor a utilização do computador, a partir do ambiente de 251


Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva...

educação a distância TelEduc, como meio de interação das diversas histórias de vida escolar; 4) Estimular a memória imagética, com fotos e pesquisa em sites, bem como com o recurso de contar história, como instrumento para sensibilizar e refletir sobre a memória escolar dos alunos; 5) Depreender da visão dos estudantes se o conhecimento em informática e do ambiente de educação a distância TelEduc é fator que facilita ou impede a realização das atividades propostas, especificamente na interação das memórias. Não há milagres educacionais promovidos com a aplicação desta ou daquela teoria. No entanto, faz muita diferença para um profissional que deseja aproximar seu fazer pedagógico das necessidades educacionais de seus alunos, caminhar no sentido da compreensão das necessidades de sua sala de aula (presencial ou virtual), lançar um olhar sobre suas práticas pedagógicas e a aprendizagem. Refletir sobre essa nova prática e analisar as potencialidades e dificuldades do uso do computador e dos ambientes de educação a distância, bem como suas contribuições na formação de professores e na prática pedagógica, são aspectos pertinentes a esta pesquisa Assim como proporcionar dupla experiência ao professor: a vivência enquanto sujeito em formação e, ao mesmo tempo, construtor de sua história de vida, bem como no papel de aluno de um tempo passado e aluno no presente de sua formação na graduação. Na experiência do tempo passado, podem ser revividos os sentimentos, as impressões registradas em sua memória por seus professores, colegas, familiares. No aluno do presente, desenvolvese o “saber-analisar, equipar o olhar e a reflexão sobre a realidade” (Perrenoud, 2002, p. 17), na interação com seus pares e com base nas referências absorvidas das estratégias de aula e do método utilizado durante o semestre em questão “aprender fazendo a fazer o que não se sabe fazer” (Perrenoud, 2002, p. 18). 252


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No caso, os registros digitais das narrativas de vida cumpriram esse papel de resgatar a memória. A história de vida permite trabalhar o processo de formação do professor, com base no que ela pode proporcionar como processo de autoconhecimento, conscientização, resgate da memória escolar, entre outros efeitos. A pesquisa torna-se importante, pois, ao refazer o percurso das memórias individuais de cada aluno. Interagindo umas com as outras, construímos uma memória coletiva no AVA, em que os registros tornam-se marcas, identidades, apropriações de um sujeito coletivo capaz de refletir, recriar, propor mudanças em sua formação e suas práticas pedagógicas.

Questões metodológicas A pesquisa foi desenvolvida nos cursos Normal Superior e Pedagogia, nos componentes curriculares, respectivamente, Multimeios e Educação e Comunicação, Multimeios e Educação, da Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas (Metrocamp), no espaço do laboratório de informática e nas salas de aula. Durante cinco meses, foram acompanhadas todas as aulas das turmas do terceiro semestre dos cursos de Pedagogia e Normal Superior, que aconteciam no período noturno, envolvendo 66 alunos. Para auxiliar os que apresentaram dificuldade na utilização dos recursos computacionais, foram oferecidas aulas extracurriculares, anteriormente à aula, horário denominado Orientação de Suporte à Informática. A ação da pesquisadora, nessa pesquisa, ocorreu de forma intensa, abrangente e participativa, desde a autorização quanto ao local da pesquisa, definido pela docente da disciplina e pelo reitor da instituição, na época, até a formatação da disciplina, elaboração de ementa, preparação do ambiente de ensino a distância e as aulas propriamente ditas. 253


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Este estudo é analisado sob a ótica da pesquisa-ação (Thiollent, 2002). Envolve métodos de coleta de dados, como história de vida; análise de documentos memoralistas digitais; observação espontânea e participante; filmagem e foto digital, como forma de registro. Pode-se inferir que esta é uma pesquisa-ação educativa com ação na estratégia de formação, e que parte da história de vida dos participantes. A coleta de dados centrou-se na compilação da história de vida, instrumento de pesquisa que privilegia informações pessoais de um ou de vários informantes (Chizzotti, 2003, p. 95). Discute-se como um AVA, o TelEduc, é utilizado no contexto dos relatos, servindo de instrumento pedagógico para reflexão sobre as memórias de cada aluno e suas interações. A coleta de dados foi efetivada por meio de: 1) questionários: um de avaliação sobre os recursos empregados, organizada de forma semiestruturada. Foram respondidos 55 questionários; outro dividido em três partes: perguntas sobre o perfil do aluno; perguntas sobre conhecimentos em informática; e perguntas sobre o ambiente de educação a distância TelEduc. Continha duas questões abertas para justificativas e outros esclarecimentos que o aluno julgasse necessários. Foram respondidos 56 questionários; 2) análise de documentos memorialísticos digitais postados nos portfólios; 3) interações feitas pelos alunos deixadas nos portfólios; 4) apresentação da trajetória escolar elaborada no Microsoft PowerPoint; 5) observação espontânea e participante; e 6) filmagem da aula da contadora de histórias. Os dados do perfil sociográfico apontam uma turma 62,94% feminina, com idade média de 35 anos, a maior parte concentrada na faixa entre 31 e 51 anos. Nesse levantamento, 60% de alunos não utilizavam bastante ou nunca utilizaram o computador anteriormente a esta disciplina, exigindo capacitação técnica das docentes. O fato 254


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demonstra que 59% dos alunos não utilizavam bastante a Internet, indicando, talvez, a dificuldade em fazer uso das TDIC, verificada ao longo do curso. Quanto ao acesso ao computador, 73% dos alunos o possuíam, mas em sua maior parte na faculdade (43%), nas disciplinas frequentadas durante esta pesquisa, que se constituiu, desse modo, em espaço de inclusão digital. A forma de acesso mais utilizada ainda era a discada. Esses dados, assim como nossa observação, demonstraram que o alunado era de um estrato social com renda média baixa, pois a maioria trabalhava para custear a graduação. As respostas sobre dificuldades na utilização do ambiente Windows demostram que 62% dos alunos possuíam muita ou alguma dificuldade, demandando ajuda, como também 54% dos alunos possuíam pouca ou razoável habilidade na utilização do Word, e ainda que 62% apresentavam pouca ou razoável habilidade na utilização de clientes de e-mail e dos aplicativos PowerPoint, Paint e software de digitalização de imagens, denotando as expressivas dificuldades de uso. Essa realidade tem relação direta com a proposta formativa desenvolvida na pesquisa, pois, em distintas situações, foram sugeridas atividades que poderiam ser realizadas em qualquer computador, em casa, no trabalho ou na faculdade, mas a maior parte dos alunos não pôde executá-las de forma satisfatória. Para propiciar familiaridade e organização aos alunos no AVA, as memórias das aulas foram feitas na ferramenta Parada Obrigatória. Se o tema, a história de vida, já era de domínio de todos, o mesmo não se dava com as atividades que exigiam a utilização das TDIC. Desse modo, as instruções, em cada uma das atividades, foram recapituladas, na ferramenta Agenda. Com a alta quantidade de dados gerados, foi preciso sistematizá-los, quantitativa e qualitativamente, utilizando a Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (CHIC) 2, 255


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software que contempla a necessidade desta pesquisa, relacionada à quantidade e ao tipo de dados gerados, assim como à sua especificidade.

Resultados e análises Por meio da análise qualitativa, verificou-se como as memórias conectam-se, conversam, interligam-se ou distanciam-se. Assim, a análise dos resultados obtidos foi feita com aplicação do software CHIC às categorias descritas. Optou-se por abranger as três probabilidades que o programa oferece para obter mais dados comparativos, visando à detectar diferenças e convergências, a partir, primeiramente, da análise implicativa, seguida da coesiva e, por fim, das similaridades. Grande parte das atividades solicitadas aos alunos, extraídas no AVA TelEduc, foram utilizadas e compiladas, para a análise quantitativa, em grupos e respectivas categorias. Como esperado nos processos de ensino-aprendizagem, nem todos os alunos cumpriram a totalidade das atividades, mas todos os que fizeram atividades e/ou comentários foram incluídos nas referidas categorias, descritas a seguir. Aula de Contar Histórias (ACH) – Grupo pensado a partir dos comentários deixados no AVA, a respeito desta atividade, logo após a oficina sobre Contação de Histórias3, ACH1 (aprendizado); ACH2 (reflexões sobre educação); ACH3 (técnicas utilizadas); ACH4 (memória infantil); ACH5 (sensações vivenciadas). Comentários dos alunos (CA) – Grupo extraído dos comentários a respeito das histórias de vida de colegas, no portfólio criado no AVA. CA1 (características individuais); CA2 (escolha profissional); CA3 (trabalho docente); CA4 (atuação profissional); CA5 (fatos escolares); CA6 (fatos escolares negativos); CA7 (amizade); CA8 (brincadeiras de infância); CA9 (situações de aprendizagem); CA10 (referên256


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cias familiares); CA11 (outras profissões); CA12 (palavras de encorajamento); CA13 (identificação emocional) e CA14 (aspectos do curso). Fotos da História de Vida (FHV) – Categorias eleitas a partir da atividade que solicitava a criação de uma apresentação, utilizando o PowerPoint, sobre a trajetória de vida escolar e/ou profissional. Foram consideradas as fotos não inseridas na apresentação. FHV1 (família atual); FHV2 (família primária); FHV3 (filhos); FHV4 (infância); FHV5 (representações); FHV6 (trabalho); FHV7 (escolaridade); FHV8 (amigos); FHV9 (curso) e FHV10 (aluno). Relato de História de Vida do Aluno (HV) 4 – Grupo extraído a partir das atividades de relato de história de vida escolar, postada na ferramenta Portfólio do AVA. HV1 (características individuais); HV2 (memórias da escolha profissional); HV3 (memórias do trabalho); HV4 (atuação profissional); HV5 (memórias escolares positivas); HV6 (memórias escolares negativas); HV7 (memórias afetivas); HV8 (memórias de brincadeiras); HV9 (memórias de aprendizagens afetivas); HV10 (memórias familiares); HV11 (outras profissões); HV12 (curso); HV13 (reflexões sobre educação); HV14 (magistério) e HV15 (memórias escolares). Imagem Associada aos processos de Aprendizagem e/ou Ensino (IAE) – Grupo de categorias extraídas de relatos sobre a primeira ocorrência em suas memórias de uma situação de aprendizagem, no primeiro dia de aula. Posteriormente, foi digitada e inserida pelos alunos como atividade no AVA. IAE1 (imagens escolares positivas); IAE2 (imagem de brincadeiras de infância); IAE3 (imagens escolares negativas); IAE4 (imagem de outras aprendizagens); IAE5 (imagem de trabalho) e IAE6 (imagem de aprendizagens afetivas). Comentários Docentes (CD) – Grupo relacionado aos comentários da docente da disciplina (CDM) e desta pesquisadora (CDB), sobre as histórias de vida dos alunos, no AVA. CDB1/CDM1 (características individuais); CDB2/CDM2 257


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(escolha profissional institucional); CDB3/CDM3 (história de vida); CDB4/CDM4 (aspectos da escolha da profissão); CDB5/CDM5 (fatos escolares positivos); CAB6 (fatos escolares negativos); CDB7/CDM7 (aspectos da profissão); CDB8/CDM8 (identificação com brincadeiras); CDB9/ CDM9 (curso/aprendizagens); CDB10/CDM10 (referências familiares); CDB12/CDM11 (outras profissões) e CDB12/ CDM12 (palavras de encorajamento).

Análise implicativa Para a análise implicativa, foram consideradas as ocorrências com índice acima de 90, significativo do ponto de vista estatístico, conforme Gräs e Almoloud (2005). O CHIC forneceu o gráfico implicativo representado na Figura 1. As categorias CDM1, CDM3 e CDM6, não receberam implicações. Em ordem decrescente, a maior implicação está na cor vermelha (93), seguida do azul (92), depois verde (91) e, finalizando, cinza (90). As categorias que receberam mais de uma implicação estão em laranja. Em lilás, estão as categorias implicadas em mais de três categorias, a saber: CA8, CA6 e ACH4.

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Figura 1 – Gráfico implicativo gerado pelo CHIC Fonte: Vazquez (2009, p. 87)

Comentários dos Alunos sobre Palavras de Encorajamento (CA12) – Constam as categorias CA7, CA13, CDB1, HV8 e CA12 e estão explícitas demonstrações de amizade, solidariedade e afeto, de identificação com as memórias infantis dos alunos e de situações de aprendizagem significativas, que acabam delineando, para a pesquisadora, percepções individuais de cada aluno, a partir da interação pelo AVA TelEduc. Memórias Familiares dos Alunos no Relato da História de Vida (HV10) – Nas categorias CDM10, HV14, HV5, HV12 e CA6, observam-se que as memórias familiares estão contidas nas experiências relacionadas às famílias primária e atual, o que confirma essa ocorrência. Pode-se inferir que a escolha de seguir o magistério tem influência familiar; em muitos casos, são famílias de professores, o que valida a escolha, assim como os fatos positivos escolares da trajetória de vida, revelados nos comentários relacionados à escolha do curso. Memórias da Escolha Profissional dos Alunos no Relato da História de Vida (HV2) – As categorias implicadas são CDM4 e CA8 e nota-se que as brincadeiras de infância, 259


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especialmente as de escolinha, vão ao encontro dos comentários da docente da disciplina sobre a escolha profissional. Comentários de Alunos sobre Características Individuais (CA1) – Das categorias CA6, FHV1 FHV10, deduz-se que as características individuais possuem o olhar de quem vê de fora, ou seja, o colega de curso, que faz uma inter-relação com comentários de fatos escolares negativos, e imagens da vida atual do aluno, levando-nos a pensar que os comentários sobre aspectos escolares negativos encontram no leitor uma identificação com situações semelhantes vivenciadas, carregadas de suas representações. Assim, o leitor encaminha comentário de apoio, de solidarizar-se, com palavras de encorajamento, ressaltando características individuais dos alunos sobre esses fatos. Comentários dos Alunos sobre Trabalho Docente (CA3) – Nas duas categorias, a CA2 e CA9, os comentários sobre o trabalho docente estão relacionados à prática docente. Um fator relevante que essa categoria evidencia é o fato de que há alunos que já atuam na área: 32% concluíram o curso de magistério, mas percebe-se que os saberes que constituem possível prática docente também compreendem experiências escolares e brincadeiras de infância. Juntam-se, ainda, as informações do questionário sobre avaliação: quando perguntados se haviam feito estágio ou trabalho voluntário que lhes fornecesse experiência como professor, 79% dos alunos responderam que sim. Comentários dos Alunos sobre Referências Familiares (CA10) – Nas categorias CA5, CA9 e HV13, constata-se que a aprendizagem ocorre quando há condições culturais que se aglutinam, como fatos escolares positivos e outras aprendizagens significativas que o aluno vivenciou na educação formal e na informal, fatos contidos no principal grupo social de origem, a família, sugerindo que esta é a grande provedora e que faz a articulação das outras referências do aluno. Fotos da História de Vida do aluno Vida Adulta (FHV10) 260


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– As categorias FHV4, FHV8 e ACH4 indicam que, na foto do aluno que o representa adulto, está implícita, de certa forma, sua trajetória de vida; a imagem parece carregar o significado das pessoas com as quais se relaciona na vida adulta, inclusive os amigos atuais. Isso leva a pensar que ela representa o tempo presente e o tempo passado, por meio das memórias infantis, encontrando-se, nesse tempo, outras pessoas que fizeram parte de sua rede de relacionamentos, e são constituintes de uma identidade. Reflexões sobre a Educação no Grupo Aula de Contar Histórias (ACH2) – Envolve as categorias ACH4 e CDM12. Essas reflexões sobre educação dizem respeito à importância de contar história na educação formal e na informal, evocando a memória infantil. Essas memórias acabam sendo reforçadas positivamente por identificação ou comentários da docente da disciplina. Comentários de Alunos sobre Identificação Emocional (CA13) – Nas categorias CA8, CA10, CA14, HV6 e HV12, a identificação emocional foi elaborada a partir de comentários de alunos que se ligavam afetivamente a fatos ocorridos na trajetória de vida de seus colegas. Assim, observa-se que as brincadeiras de infância, mais os fatos escolares negativos, juntamente com as referências familiares e os aspectos do curso, parecem compor uma rede de relacionamentos afetivos de suma importância, o que faz pensar que, para a aprendizagem, os laços afetivos estabelecidos são relevantes. História de Vida dos Alunos sobre Memória de Brincadeiras de Infância (HV8) – Implicam as categorias CA8, CA3 e FHV6. Nesse caso, a pesquisadora constatou algo que intuía. A prática docente, aqui representada pelas fotos do trabalho docente, está permeada das memórias das brincadeiras de infância, ou seja, das representações que são formadas a respeito de escola, professor, processos de ensino-aprendizagem.

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Análise das árvores coesiva e de similaridade A análise conjunta das árvores coesiva e de similaridade demonstra como as relações de coesão e de similaridade se confirmam e se completam. A primeira referência é a análise implicativa, que apresentou as relações entre as categorias mais significativas, fazendo um grande resumo das árvores de coesão e de similaridade. Em seguida, é feita a análise de coesão para similaridade por ajuntamento de grupos de categorias que mais se evidenciaram. Importante ressaltar que, para ambas as árvores, coesiva e de similaridade, foram considerados somente os níveis de um a 0,9, o que produziu 20 níveis na árvore coesiva e 49 na árvore de similaridade. A análise ficou concentrada em três grandes grupos, evidenciados em ambas as árvores, que são: (ACH) Grupo de Contar Histórias, (CD) Grupo de Comentários Docentes e (HV) Grupo de Histórias de Vida dos Alunos. Assim, seguem as árvores e suas respectivas classificações, bem como as análises. (Figuras 2 e 3).

Figura 2 – Árvore de coesão gerada pelo CHIC Fonte: Vazquez (2009, p. 92) 262


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Figura 3 – Árvore de similaridade gerada pelo CHIC Fonte: Vazquez (2009, p. 94)

A análise é iniciada com o grupo Aula de Contar Histórias (ACH), pois, em ambas as árvores, ele apareceu no mesmo nível, sugerindo altas coesão e similaridade, e gerando os resultados apresentados no Quadro 1.

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Quadro 1 – Coesão e similaridade – aula de contar histórias Em Coesão, encontram-se os níveis Nível: 18 (ACH3 ACH1) Nível: 3 (ACH5 [ACH3 ACH1]) Nível: 12 (ACH4 [ACH5 (ACH3 ACH1)]) Nível: 18 (ACH2 [ACH4 (ACH5 [ACH3 ACH1])]) Em Similaridade, encontram-se os níveis Nível: 18 (ACH1 ACH3) Nível: 21 (ACH2 ACH4) Nível: 31 ([ACH1 ACH3] ACH5) Nível: 39 ([ACH2 ACH4] FHV8) Nível: 48 ([(ACH1 ACH3) ACH5] ([ACH2 ACH4] FHV8))

Fonte: Vazquez (2009, p. 97)

No grupo Aula de Contar Histórias, todas as categorias estão contidas tanto no nível 18, de coesão, quanto no nível 48, de similaridade, confirmando que possuem alto grau de coesão e similaridade. As duas categorias com maior coesão e similaridade são ACH3 e ACH1. Ambas repetem-se nos grupos com a categoria ACH5, nos níveis 3 e 31, o mesmo ocorrendo com as categorias ACH2 e ACH4, nas análises de coesão e similaridade. Estas relações sugerem que o aluno considerou importante a atividade de contar história, pois estimulou reflexões sobre educação mediante aprendizado de técnicas específicas de recursos pedagógicos. Ao mesmo tempo, a aula provocou sensações inúmeras, acionando as memórias infantis de relevância para o aluno. Essa atividade cumpriu com a finalidade pedagógica a que foi destinada, auxiliando na evocação das memórias da infância e contribuindo no processo de formação docente. O grupo ACH não está implicado em outros níveis de classificação na análise de coesão, aparecendo, somente, na análise de similaridade, a categoria FHV8. O grupo CA relaciona-se com outros três: HV, IA e CD. Não se deve esquecer que, ao analisar os comentários 264


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deixados por outros alunos, é preciso estar atento ao “olhar” do outro, para aquilo que salta aos olhos do outro, pois isso se torna representativo e significativo para si. Assim, foram encontrados os resultados contidos no Quadro 2. Quadro 2 – Coesão e similaridade - comentários dos alunos Em Coesão encontram-se os níveis nível: 2 (CA12 CA1) nível: 5 (CA10 CA13) nível: 6 (CA8 CA2) nível: 8 (CA3 [CA12 CA1]) nível: 14 (CA6 HV6) nível: 16 (CA7 [CA3 (CA12 CA1)]) Em Similaridade encontram-se os níveis nível: 3 (CA11 CDB5) nível: 5 (CA2 CA8) nível: 10 (CA6 CDB9) nível: 12 ([CA6 CDB9] CDB6) nível: 19 (CA9 CA10) nível: 22 (CA1 CA12) nível: 26 ([CA9 CA10] HV13) nível: 30 (CA5 [(CA9 CA10) HV13]) nível: 32 (CA7 IAE6) nível: 35 (CA14 IAE3) nível: 38 ([CA2 CA8] CA3) nível: 47 ([CA5 ([CA9 CA10] HV13)] CA13)

Fonte: Vazquez (2009, p. 98)

Há categorias que estão juntas, embora em níveis diferentes, em ambas as análises. As categorias se repetem-se para os níveis 2 e 22 de coesão e similaridade, respectivamente, indicando que CA1 e CA12 podem ser fatores que auxiliam na construção da identidade e reforçam ou encorajam a superação de algumas características individuais, a partir das considerações do outro. Nos níveis 6 e 5, respectivamente, de coesão e similaridade, CA2 e CA8 estão implicadas, reforçando a hipótese de que muitas de nossas brincadeiras de infância podem sina265


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lizar nossas escolhas profissionais, no caso, o ser professor. Essa hipótese é novamente evidenciada no nível 38, em que também aparece a categoria CA3. Nos níveis 19, 26, 30 e 47, repetem-se as categorias CA9 e CA10, o que evidencia o grau de importância familiar sobre o aspecto de aprendizagens significativas, pois demonstra exatamente as aprendizagens que marcaram o aluno e foram importantes ponto de serem comentadas por seus colegas. Esses níveis vêm acompanhados, mais de uma vez, pelas categorias HV13 e CA5, o que aponta, e confirma novamente a análise implicativa, que a composição de família, escola, aprendizagens em contextos culturais nãoformais, com a reflexão do aluno sobre seu percurso, pode ser importante fator para uma ação mais reflexiva sobre seus saberes docentes. Confirmaram-se, também, as expectativas nos níveis 14, 3 e 32. No nível 14, de coesão, esperava-se que fosse reafirmada a relação entre os comentários dos alunos sobre fatos escolares negativos e narrações das histórias de vida sobre as memórias escolares negativas. No nível 3 de similaridade, comentários dos alunos sobre fatos positivos escolares relacionaram-se aos comentários desta pesquisadora sobre fatores escolares positivos. O nível 32 diz respeito às amizades, aos laços afetivos estabelecidos durante a graduação, vinculados a imagens que evocam sentimentos relacionados a uma situação de aprendizagem e/ou de ensino, o que leva a inferir que a afetividade pode estar diretamente relacionada à aprendizagem, confirmando as possibilidades na análise implicativa. O nível 35 surpreendeu, pois mostra similaridade entre comentários do curso, sobre a faculdade e atividades propostas com lembranças conectadas a imagens escolares negativas, o que faz pensar que podem estar sendo reforçados, nas aulas, nos processos de ensino-aprendizagem, ou 266


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nos aspectos institucionais relacionados à escolaridade, o aspecto negativo da escolarização formal. O grupo Comentários Docentes (CD) está subdividido em CDB e CDM, diferenciando os comentários docentes. A seguir, são analisados aqueles relacionados às histórias de vida dos alunos (Quadro 3). Quadro 3 – Coesão e similaridade - comentários docentes Em Coesão, encontram-se os níveis nível: 7 (CDB1 CDB12) nível: 15 (CDM4 HV2) nível: 17 (CDB3 [CDB1 CDB12]) Em Similaridade encontram-se os níveis nível: 1 (CDB2 CDM2) nível: 2 (CDM5 CDM8) nível: 4 (IAE5 [CDM5 CDM8]) nível: 6 (CDB1 CDB12) nível: 7 ([IAE5 (CDM5 CDM8)] CDM10) nível: 8 ([CDB1 CDB12] CDB3) nível: 14 ([(CA6 CDB9) CDB6] [CA11 CDB5]) nível: 23 (CDM9 CDM12) nível: 24 (CDM4 CDM11) nível: 34 (CDB11 [CDM9 CDM12]) nível: 40 (HV3 CDB7) nível: 44 (IAE2 [CDM4 CDM11] HV7) nível: 45 ([CA4 CDM7] (CDB11 [CDM9 CDM12]))

Fonte: Vazquez (2009, p.100)

As categorias que se repetem em ambas as análises de coesão e de similaridade, mas em níveis diferentes, são as 7 e 6, respectivamente, que compreendem as categorias CDB1 e CDB12, incentivos na intenção de reforçar, apoiar e, ao mesmo tempo, levantar a autoestima dos alunos com vistas a superarem suas dificuldades, proporcionando um “estar junto virtual” segundo Valente (2003). Constata-se, assim, que, como nos comentários dos alunos, essas mesmas categorias aparecem aqui. Talvez pelo fato de esta pesquisadora ter servido de modelo de inte267


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ração dentro do AVA, fazendo as primeiras interações, ou também porque os alunos do Normal Superior haviam utilizado o AVA no semestre anterior. Situação semelhante e com as mesmas categorias ocorre nos níveis 17 e 8 de coesão e similaridade, respectivamente, acrescidas somente de CDB3, o que remete às identificações e aos comentários desta pesquisadora sobre a história de vida do aluno nos diversos grupos sociais, como trabalho, estudo e família, parecendo haver uma tentativa de estabelecer um estreitamento nos laços afetivos, confirmando inferências relatadas na análise. Nos níveis 2 e 4 das análises de similaridade, encontramse duas categorias, a CDM 5 e CDM 8, que se repetem, no sentido novamente de reforçar as expectativas sobre a relação das brincadeiras de infância, especialmente de “escolinha”, aliadas a acontecimentos de experiências escolares positivas na tendência da escolha da profissão, sendo que, no nível quatro, há o acréscimo da categoria IA5, reforçando a inferência da análise implicativa sobre a categoria CA3. Quanto aos níveis 1, 23, 34 e 45, percebe-se que se completam. As categorias que aparecem com mais frequência, especialmente da docente da disciplina, sendo CDM9 e CDM12, nos níveis 23, 34 e 45, confirmam as expectativas de interação da docente no auxílio dos processos de ensino-aprendizagem. Confirma-se a cumplicidade no preparo das aulas e nas reflexões sobre os resultados, no nível 1 de similaridade, no Quadro 6, pois há similaridade entre as mesmas categorias, ou seja, CDB2 e CDM2, que se referem a outras instituições de ensino dos cursos de formação. Esse nível talvez se explique pelo entrosamento, afetividade e interação com os alunos e também pelo bom relacionamento expresso na preocupação de apurar e de respeito na docência compartilhada entre docente da disciplina e pesquisadora. Nos níveis 34 e 45, aparecem CDB11, CDM7 e CA4, o 268


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que manifesta que havia, nas interações, uma reflexão sobre os percursos da escolha da profissão e, nessa reflexão, o envolvimento de ambas as docentes nas interações, confirmado no nível 24, em que aparecem CDM4 e CDM11. No nível 15 de coesão, CDM4 e HV confirmam as expectativas de interação equivalentes. No nível sete de similaridade, há IAE com CDM5, CDM8 e CDM10, o que aponta a influência desse tripé na escolha e nas práticas profissionais, como mencionado anteriormente. No nível 44 de similaridade, aparece a mesma constatação, quando verificadas IAE2, HV7 e CDM4, acrescidas de CDM11, o que faz pensar na espiral de aprendizagem construída, proposta por Valente (1999) 5, que esses alunos fizeram ao rememorar os caminhos trilhados na busca de suas escolhas profissionais. Ainda quanto a esta espiral de aprendizagem dos alunos, que ocorreu conjuntamente com as interações desta pesquisadora no nível 14 de similaridade, encontram-se CA6 e CA11, com CDB9, que, nessa categoria, apresentam inseridas as categorias CDB6 e CDB5. Saliente-se que não são somente comentários desta pesquisadora sobre a trajetória escolar do aluno, mas, nessas últimas categorias, são também identificações da pesquisadora com situações sobre fatos escolares positivos e negativos e suas representações. Pode-se entender que, no nível 14 de similaridade, provavelmente, ocorreu a espiral de aprendizagem dos alunos, de forma concomitante com as interações desta pesquisadora, pois se encontram nesse nível as categorias CA6 e CA11, com CDB9, o que torna válido pensar que essas interações ocorridas no AVA entre alunos e pesquisadora percorreram experiências em ambos, os quais levaram a aprendizagens da escolha profissional. Sobre os comentários desta pesquisadora a respeito da trajetória escolar do aluno referentes a fatos escolares positivos - CDB5 - e negativos - CDB6 -, pode-se afirmar que essas categorias são também identifica269


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ções e representações desta pesquisadora com situações relacionadas a fatos escolares positivos e negativos, portanto, também com sua espiral de aprendizagem. Neste último grupo de análise, no Quadro 4, estão focalizados o grupo HV e outros que se correlacionam, especialmente IAE e FHV. Importante notar que são analisadas as memórias colocadas pelos alunos em seus relatos no AVA TelEduc sobre sua trajetória de vida, especialmente a escolar, em um voltar-se para si, com suas representações, significados e sentimentos. Quadro 4 – Coesão e similaridade - História de vida dos alunos Em Coesão encontram-se os níveis nível: 9 (HV9 [HV5 HV10]) nível: 10 (FHV4 FHV7) nível: 11 (FHV6 HV8) nível: 19 (FHV8 FHV10) nível: 20 (HV13 [CA10 CA13]) Em Similaridade encontram-se os níveis nível: 11 (HV1 HV4) nível: 16 (FHV6 CDB8) nível: 17 ([(HV1 HV4) CDB10] HV14) nível: 20 (HV5 HV9) nível: 27 ([([HV1 HV4] CDB10) HV14] [CDB2 CDM2]) nível: 28 (HV8 [FHV6 CDB8]) nível: 42 (IAE1 [FHV4 FHV7]) nível: 46 ([HV5 HV9]HV10) nível: 49 ((HV15 FHV5) FHV2)

Fonte: Vazquez (2009, p. 104)

Nos níveis 9 de coesão, 20 e 46 de similaridade, encontram-se as mesmas três categorias, ou seja, HV5, HV9 e HV10. Não por acaso, aparecem juntas, visto que, nos comentários docentes e de alunos, já aparecem imbricadas entre si e, aqui, se confirma a inferência de que a família pode ser a principal provedora, articuladora e norteadora das aprendizagens significativas dos alunos. 270


Beatriz Sanz Vazquez

Nos níveis 10 de coesão, e 42 de similaridade, estão FHV4 e FHV7, o que constata a suposição de que infância e vida escolar compõem a identidade do aluno de forma conjunta e relevante, e estão sempre em suas lembranças, durante sua existência. A mesma situação repete-se no nível 19 de coesão, FHV8 e FHV10, confirmando a proposição de que são as marcas que ficam em nossa memória de forma consciente ou inconsciente, formando o seu jeito próprio e peculiar. Nos níveis 11, 17 e 27 de similaridade, encontram-se HV1, ao lado de HV4; nos níveis 17 e 27, são as duas mesmas categorias, com HV14 e CDB10, mais uma vez, confirmando análises anteriores sobre a possível influência da família com relação ao curso de magistério, aliada a traços de personalidade, que levam à escolha profissional, com os desejos e ansiedades pertinentes a essa projeção de futuro de vida profissional. Nos níveis 11 de coesão e 16 e 20 de similaridade, encontra-se a categoria HV8, com as fotos da história de vida do trabalho docente, ao lado de CDB8, confirmando as inferências mencionadas: de alguma forma, essas memórias das brincadeiras de infância, dos modelos de professores e das experiências vividas enquanto alunos podem ser repetidas e/ou refletidas nas práticas docentes desses alunos. No nível 20, em coesão, encontram-se as categorias HV13, CA10 e CA13. As ponderações dos alunos sobre educação escolar e familiar podem estar ligadas aos aspectos da educação recebida da família primária e/ou da educação que proporciona aos seus filhos na família atual. Essas memórias a respeito de educação carregam um componente emocional, revelado pela presença da categoria CA13. No nível 49 de similaridade, encontra-se a categoria HV15, que aparece com as representações FHV5 e FHV2, fazendo-nos inferir que foi a alternativa de alguns alunos para cumprir as tarefas solicitadas pela disciplina, especialmente 271


Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva...

nas dificuldades encontradas quando do aprendizado do aplicativo PowerPoint.

Reflexões A imagem da Figura 4 representa o caminho percorrido no decurso desta pesquisa, na busca do conhecimento científico e das possibilidades de interação e inter-relações desse conhecimento.

Figura 4 - Interações (multi) interdisciplinares Fonte: Vazquez (2009, p. 151)

Diante do exposto, reforçamos que a formação dos docentes deve levar em conta os múltiplos processos envolvidos e os dispositivos didático-tecnológicos necessários para que essa educação plurimodal, como apontada por Tonus (2007), se concretize em um processo constante de reflexão sobre a ação, de uma práxis que se constrói com a dos alunos, por meio das espirais de 272


Beatriz Sanz Vazquez

aprendizagem que docentes e alunos realizaram dentro desta pesquisa-ação. O estar junto virtual, assim como o presencial, ambas relações dialógicas, têm fundamental importância para que a espiral de aprendizagem dos alunos se realizesse, levando-os a um movimento de reflexão, autoconhecimento e conscientização dos processos de aprendizagem próprios. As TDIC e o AVA, nessa espiral, funcionam como processos midiáticos facilitadores dessa aprendizagem, cumprindo seu papel de instrumento de interação das memórias individuais em uma dimensão tempo-espaço própria. Foi o “local” de construção da memória virtual coletiva, proporcionando a inclusão digital dos alunos. Notam-se, nas análises das árvores de similaridade e coesão, as categorias sobre características individuais e palavras de encorajamento, que aparecem de forma persistente em nível de análise de coesão 1, o que explicita essa necessidade de coerência, unidade, constatação de quem somos e isso é feito pela interação com o outro e do registro do aluno sobre si. Pedagogicamente, é importante lembrar o que afirma Vygotsky (2002) sobre a interação social, que, no processo de desenvolvimento, desempenha papel formador e construtor. Significa também que algumas categorias de funções mentais superiores (atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal e conceitual, emoções complexas, entre outras) não poderiam aparecer e constituir-se no processo do desenvolvimento sem a ajuda construtora das interações sociais. Pensando que, naquele momento, se configura uma identidade de grupo, que é dos alunos em formação dos cursos Normal Superior e Pedagogia, e, completando esse raciocínio, recorremos a Alberti (2005, p. 167): “A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua identidade. Ela é o resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de experiência, isto é, de identidade”. 273


Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva...

A análise qualitativa (nos gráficos e nas árvores de similaridade e coesiva) aponta a importância da memória nos processos de construção de identidade, em relação às influências dos grupos sociais em que estamos inseridos culturalmente e aos processos de comunicação e interação de uma memória coletiva à qual pertencemos. Um sentimento de pertencimento ao grupo, portanto, uma identidade de grupo, foi estabelecida por meio das disciplinas, pois, ao relembrar, fazemos uma nova organização e seleção para esse sentimento. Discutindo ainda a importância da identidade humana, verificamos que, na análise implicativa, foram contempladas as dez principais, com suas categorias. Das dez, cinco relacionamse a comentários de alunos sobre: características individuais, trabalho docente; referências familiares, identificação emocional e palavras de encorajamento, assim, foi de extrema relevância a interação que mostra essa análise de similaridade, tanto que um dos grupos de análise é dedicado somente a comentários de alunos (CA). Ressaltamos que, com a leitura prévia feita pelos alunos e, depois, com esses comentários, foi possível suscitar identificações, significados, rememorações, criação de novas memórias, que, em nossa leitura, refazem uma espiral de construção de identidade por meio das memórias virtuais, apresentando as inter-relações dessas memórias e sua importância na construção de uma história de vida passada, presente e futura. Lembro, aqui, de Nóvoa, quando em entrevista concedida ao portal da TVE Brasil (Nóvoa, 2001), em 13 de setembro de 2001, destaca, “formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa experiência”. No tocante ao software, como na pesquisa-ação de caráter formativo, os dados são em grande quantidade e muito abertos, exigindo tratamento minucioso, o CHIC permitiu validar as informações, dentro da pesquisa qualitativa, de maneira multidimensional proporcionando análise diferenciada, pois nos viabiliza apuração voltada para a percepção do subjetivo, do implícito na pesquisa. 274


Beatriz Sanz Vazquez

Referências ALBERTI, V. Histórias dentro da história. In: PINSKY, C. (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 155-202. CHIZZOTTI, A. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios. Universidade do Minho. Revista Portuguesa de Educação, v. 16, n. 002, 2003, Braga, Portugal. p. 221-236. Disponível em: <http://www.unisc.br/portal/upload/ com_arquivo/1350495029.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2014. FURLANETTO, E. C.; BATISTA, S. H. A formação do professor: o encontro simbólico com matrizes pedagógicas como possibilidade de transformação. Trabalhos técnicos, 2001. NÓVOA, A. Entrevista em 13/9/2001. Disponível em: <http:// www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_ Entrevista=59>. Acesso em: 17 nov. 2014. PERRENOUD, P. A prática Reflexiva no oficio de professor: profissionalização e razão pedagógica. Tradução: Claúdia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2002. TAVARES, J. As sociedades digitais são também sociedades analógicas: o novo paradigma. In: TRINDADE, V.; FAZENDA, I.; LINHARES, C. Os lugares dos sujeitos na pesquisa educacional. 2. ed. Campo Grande. MS: UFMS, 2001. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2002. Coleção Temas Básicos de Pesquisa-Ação. TONUS, M. Interações digitais: uma proposta de ensino de radiojornalismo por meio das TIC. 2007, Tese (Doutorado em Multimeios e Ciências), Universidade Estadual de Campinas, 2007. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/11357243/ Tese-Interacoes-Digitais-Mirna-Tonus-Setembro-2008-a>. Acesso em: 21 jul. 2013 VALENTE, J. A. Formação de professores: diferentes abordagens pedagógicas. In: VALENTE, J. A (Org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Gráfica da Unicamp, 1999. Disponível em: <http://www.nied.unicamp.br/oea/pub/livro1/>. Acesso em: 29 dez. 2014. VALENTE, J. A. Educação a distância no ensino superior: soluções e flexibilizações. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 7, n. 12, Feb. 2003. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S141432832003000100010>. Acessado em: 19 nov. 2014. 275


Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva...

VAZQUEZ, B. S. Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva: Uma Construção a partir da História de Vida Utilizando AVA. Dissertação (Mestrado em Multimeios), Universidade Estadual de Campinas, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico. gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action =&co_ obra=190551>. Acesso em: 19 nov. 2014. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Notas 1 Mestre em Multimeios pela Unicamp, Psicopedagoga pelo Instituto Sedes Sapientiae e Pedagoga. Consultora Educacional em EAD, TIC e Psicopedagogia Institucional. Atendimento clínico psicopedagógico. E-mail: biasanz@gmail.com

Para a análise apresentada nesta dissertação, foi utilizado o CHIC 4.1 Brésil (com opção dos idiomas inglês, italiano, francês e português), lançada por Saddo Ag Almouloud em DOS, adaptado para Windows por Raphaël Couturier, a partir do método implicativo elaborado por Régis Gräs. 2

3 Para conhecer mais a respeito de Contação de Histórias acesse os links dos textos autor Celso Sisto http://www.celsosisto.com/ensaios/Contar%20Hist%C3%B3rias.pdf. Outro trabalho do autor pode ser visto em: http://www.artistasgauchos.com.br/celso/ensaios/O%20misterioso%20momento.pdf. 4 Para conhecer mais sobre Histórias de Vida ver os artigos dos autores Elizeu Clementino de Souza e Fernando Hernández trazem referências utilizadas pela autora na pesquisa de mestrado e que podem ser encontrados em: http://www.revistaeduquestao.educ.ufrn.br/pdfs/v25n11.pdf.

Espiral de aprendizagem: “A abstração mais simples é a empírica, que permite ao aprendiz extrair informações do objeto ou das ações sobre o objeto, tais como a cor e a forma do mesmo. A abstração pseudo-empírica permite ao aprendiz deduzir algum conhecimento da sua ação ou do objeto. Por exemplo, entender que a figura obtida é um quadrado e não um retângulo, pelo fato de ter quatro lados iguais. Já abstração reflexionante, possibilita a projeção daquilo que é extraído de um nível mais baixo, por exemplo, o fato de a figura obtida ser um quadrado) para um nível cognitivo mais elevado ou a reorganização desse conhecimento em termos de conhecimento prévio (por exemplo, pensar sobre as razões que levaram à descrição fornecida produzir um quadrado). No caso da abstração reflexionante, o aprendiz está pensando sobre suas próprias ideias” (Valente, 1999, p. 93, grifo nosso).

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Capítulo 11

A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo Ana Maria Torres Alvarez1

Introdução A ideia de estudar a infografia como estratégia educativa para promover o pensar crítico e criativo dos alunos nasceu da união das pesquisas e atividades realizadas desde o início da carreira acadêmica da autora. Por muitos anos, lecionou a disciplina Análise e Projeto de Sistemas com o objetivo de apresentar métodos e técnicas de engenharia de software e de gerência de projetos para planejar e implantar sistemas de informação. Nessas atividades, o analista utiliza diversos tipos de organizadores gráficos que, além de servir para registrar o armazenamento, a sistematização e a codificação de dados, facilitam o processo de associações, inferências e interpretações de suas variáveis. Os bons resultados obtidos pelos alunos, com o uso dessas representações, não só nas atividades da disciplina, mas também em outras tarefas que exigem planejamento ou interpretação de conceitos complexos, levaram a apresentar algumas dessas técnicas aos outros alunos do Ensino Médio e do curso de Pedagogia, bem como aos seus 277


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

colegas professores, em cursos de formação continuada na universidade, dentro do contexto das disciplinas e dos cursos ministrados para essas turmas. Para iniciá-los nessa prática, o conteúdo das aulas passou a ser apresentado de forma diversificada. Assim, além dos textos, recorria-se aos mapas conceituais, quadros de comparação e contraste, às linhas do tempo, aos quadros-resumo, esquemas problema/decisão, diagramas e outros tipos de representação visual, com o objetivo de despertar o interesse dos alunos e intensificar o intercâmbio de ideias relacionadasaos temas propostos. Depois, solicitava-se que fizessem o mesmo, ou seja, sugeriam-se atividades relacionadas aos tópicos de estudo elaboradas mediante tais representações. Com algumas orientações, os alunos rapidamente se familiarizaram com elas, demonstraram avanços na organização e exposição de suas ideias. Dessa experiência, veio também o desejo de aprofundar essa questão. Aos conhecimentos de Arquitetura da Informação e de Educação já adquiridos, somou-se o aprendizado da área da Comunicação Social, ao participar de disciplinas e cursos que proporcionaram uma visão mais abrangente de ergonomia de software, design digital e de estudo da audiência, bem como o contato com a infografia. Desde então, tem sido esse seus objeto de pesquisa. Nos últimos 12 anos, seja como professora que estuda o que experimenta, ou como pesquisadora que experimenta o que estuda, busca criar situações de aprendizagem desafiadoras envolvendo a linguagem infográfica. Ainda que saiba ser necessário respeitar as diferenças e preferências de como os sujeitos apreendem novas informações, a cada dia surgem mais indícios de que as novas gerações consideram a infografia um meio atraente e rápido de perceber e analisar informações. Por isso, a investigação, que começou em benefício 278


Ana Maria Torres Alvarez

próprio, ganhou novos rumos. Transformou-se em um projeto de pesquisa de doutorado no Programa de Pósgraduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na linha de pesquisa sobre Novas Tecnologias em Educação com a finalidade de analisar o valor da infografia como instrumento de ensino e de aprendizagem, considerando a hipótese de que a leitura e produção de infográficos pelos próprios aprendizes podem propiciar o aprimoramento do pensar crítico e criativo.

Questões metodológicas Para produzir o referencial teórico da tese, transitouse pelas áreas da Educação, Semiótica, Comunicação Social e das Ciências Cognitivas. Foram selecionados relatos de impressões, insights e inspirações, assim como orientações para o exercício do pensar crítico e criativo por meio de representações visuais de alguns personagens da História, cientistas e empreendedores que disponibilizaram suas anotações pessoais. O estudo da infografia nos aspectos conceitual e técnico foi o próximo passo. Além dos livros e periódicos científicos focados no tema, buscaram-se referências nos sites de jornais que a utilizam como instrumento de trabalho. Também foram encontradas valiosas contribuições em depoimentos e artigos disponibilizados em blogs de especialistas da área do jornalismo digital, de maneira a aprofundar o estudo sobre as tipologias de infográficos e suas aplicações. Essa etapa da investigação foi completada com entrevista realizada com o premiado infógrafo brasileiro, Luiz Iria. Com a entrevista, foram identificadas não somente suas habilidades e competências, como a trajetória de sua formação. Também foram obtidas orientações sobre questões técnicas da produção de infográficos, incluindo a necessária constituição de uma equipe multidisciplinar, por 279


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

ser este um trabalho essencialmente colaborativo. A entrevista, assim, contribuiu para a análise do perfil desses novos profissionais, que espelham, além do indiscutível valor da colaboração, as características pessoais destacadas na pesquisa: a criticidade e a criatividade. Enfim, nesse exercício de investigação, foi possível comprovar a colocação de Wright Mills (1975, p. 227) ao dizer que, quando estamos dedicados a um estudo, “tornamo-nos sensíveis aos seus temas, vemos e ouvimos referências a eles em toda a nossa experiência”. No entanto, um trabalho de síntese precisava ser feito e, assim, foram organizados, de forma sistemática, os materiais coletados nos ambientes sociais e intelectuais em que circulam ideias e práticas sobre as questões estudadas e, como pesquisadora bricoleur, passou-se para a delicada etapa de seleção dos conceitos que, como peças de um complexo quebra-cabeças, ao serem unidos, deram a forma necessária aos fundamentos que sustentaram a pesquisa. No segundo momento, colocou-se em exercício o método de pesquisa-ação. Escolha feita por se tratar de um meio de pôr à prova as hipóteses dentro de um contexto em que sujeitos interessados e diretamente relacionados ao tema pudessem se integrar à investigação como colaboradores, ou, melhor, como copesquisadores. Como, nesse método, é necessária a investigação no espaço natural do sujeito pesquisado, tomou-se o cuidado de atuar em um ambiente com o qual boa parte dos professores já estivesse familiarizada e buscasse, livremente e com certa frequência, encontrar-se com seus pares para participar de formações continuadas nas áreas de Educação e Tecnologia. Decidiu-se oferecer a formação-investigação denominada A Infografia na Prática Pedagógica, do Instituto Ayrton Senna (IAS), contida em seu programa Escola Conectada, em dois momentos de 2011, um no primeiro e outro no segundo semestre. Esse programa objetiva capacitar professores para 280


Ana Maria Torres Alvarez

que utilizem tecnologias digitais em sala de aula, por meio de cursos a distância, visando à educação de qualidade com foco no desenvolvimento de competências e habilidades. A metodologia adotada pelo IAS em suas formações é denominada Experiência de Aprendizagem Colaborativa. Ambientadas na plataforma Moodle, as formações são abertas, gratuitas e de curta duração. Nelas, os participantes são encorajados a exercer a criatividade, a experimentação e a receptividade de novas práticas educacionais com a convergência da Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). A estratégia corroborou com a pesquisa, considerando que havia o interesse de ouvir a fala dos sujeitos sobre a proposta da formação sobre infografia, gênero que, apesar de ganhar cada vez mais espaço nas mídias impressa e digital, ainda dá os primeiros passos no ambiente escolar. Para introduzi-los na linguagem infográfica, trabalhouse com um tema familiar para os professores, pois possivelmente todos eles, em algum momento, devem ter se detido para observar um ou outro trabalho de infografia em jornal, revista, ou na TV, ainda que a maioria, provavelmente, estivesse no papel de consumidor da informação. A condição dos professores também foi bastante interessante para a confirmação do que seguir com a pesquisa-ação, pois intencionava-se transformar o conhecimento do senso comum dos sujeitos da pesquisa em conhecimentos científicos, embasados em estudos e experimentações dentro da realidade em que atuam. Thiollent (1999) alerta, porém, que a pesquisa-ação exige dos pesquisadores dedicação e domínio das questões teóricas e práticas da investigação e que também se aplica a grupos de pequena, ou média, dimensão. Com essas indicações, foi possível idealizar e mediar as duas edições da formação, com o duplo papel de investigadora e agente de mudança empenhada em apresentar, como 281


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

propõe Thiollent (1999, p. 103), “novas formas de conhecimento social e novos relacionamentos entre pesquisadores e pesquisados, e novos relacionamentos de ambos com o saber”. Estava ciente de que a autoria só teria sentido com a cumplicidade do grupo de pesquisados, os professores. Para conseguir esse intento, inicialmente, a estratégia partiu de colocar, ao alcance do grupo, elementos sobre a linguagem infográfica para, a partir daí, despertar o interesse deles em buscar mais referências e, ao mesmo tempo, mobilizá-los a realizar experiências pedagógicas com a infografia. Desse modo, no decorrer das formações, esperava-se que as reflexões dos professores emergissem sobre suas próprias ações, a partir da introdução teórico-prática da infografia em atividades individuais e colaborativas. Essas últimas, pautadas por um livre diálogo sobre as leituras, experiências e descobertas, tinham como objetivo propiciar espaço para que eles trouxessem questionamentos e novos elementos para a otimização da proposta. Na etapa de coleta de dados, houve um trabalho sistemático de documentação e análise das expectativas e experiências dos sujeitos envolvidos na pesquisa, que partiu de um questionário de sondagem inicial para identificar o perfil de formação, a atuação profissional e o uso das tecnologias em suas práticas pedagógicas. Com base na estatística descritiva, as respostas dos participantes da formação-investigação foram organizadas em classes de ocorrências para facilitar a sumarização dos dados e a criação de histogramas. Na categorização dos resultados coletados no decorrer e na avaliação da formação, utilizou-se como estratégia o método estatístico multidimensional. Compreensões, dúvidas, atividades e depoimentos registrados no ambiente virtual das duas edições da formação-investigação foram de particular importância para trazer novas percepções sobre a infografia na prática peda282


Ana Maria Torres Alvarez

gógica. Afinal, com suas vivências e saberes técnicos e pedagógicos, são eles os sujeitos mais indicados para criticar, sugerir melhorias e validar a metodologia proposta, de modo a permitir avanços em sua interpretação, adoção e disseminação. Convém elucidar que a estatística multidimensional tem por finalidade ampliar olhares sobre os dados coletados. Quando se trata de analisar situações que envolvam pessoas e toda a sua complexidade, por exemplo, trabalhar somente com dados quantitativos isolados pode não trazer à luz as perspectivas almejadas da compreensão global do problema da pesquisa. Segundo Edgar Morin (2000, p. 36): Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais: dessa forma, o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir estes dados: não apenas não poderia isolar uma parte do todo, mas as partes umas das outras; a dimensão econômica, por exemplo, está em inter-retroação permanente com todas as outras dimensões humanas; além disso, a economia carrega em si, de modo “hologrâmico”, necessidades, desejos e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos.

Considerando a importância do princípio hologrâmico proposto por Morin (2000), em que a parte está no todo, assim como o todo está nas partes, para realizar a análise estatística multidimensional dos dados coletados na pesquisa, utilizou-se o software Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (CHIC), de autoria dos professores Régis Gras e Saddo Ag Almouloud. 283


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

A análise implicativa é desenvolvida a partir do cruzamento de um conjunto de sujeitos e um conjunto de variáveis estabelecidas pelo pesquisador para detectar as possíveis respostas dos sujeitos, como, por exemplo, os tipos de comportamento diante de determinada situação-problema. Ambos os conjuntos são tabulados e codificados e servem de base para a geração de quadros de similaridade e implicação, bem como de árvores relacionais que não só identificam e registram a frequência de determinado comportamento do sujeito, como também exprimem os níveis de relacionamento entre as classes de variáveis estabelecidas na pesquisa. Para completar a apreciação, empregou-se o Wordle, gerador de mapas de nuvens de palavras-chave (tagclouds). O software identifica a frequência de palavras e deixa em evidência as que se repetem em um discurso excluindo, nesse processo, termos comuns da Língua, como artigos e preposições. Quanto mais citadas forem as palavras, maior é o tamanho delas no mapa. Ainda que os mapas de nuvens de palavras-chave sejam mais utilizados em websites e blogs, com o objetivo de representar os assuntos principais ou os mais visitados, a fim de facilitar a navegação, o motivo de utilizá-los na tese está relacionado com a capacidade de os mapas recuperarem os termos recorrentes nos discursos dos sujeitos envolvidos na pesquisa, termos que aparecem em decorrência dos conhecimentos e inquietudes que vivenciam em contato com os conceitos relativos à pesquisa, levando em consideração, também, o que eles representam quando associados aos seus acervos pessoais. Assim, com o apoio do potencial de análises visual e crítica que o CHIC e os mapas de nuvens de palavras-chave proporcionaram, obteve-se as conclusões apresentadas a seguir. Fundamentadas no método de pesquisa-ação e na experiência de aprendizagem colaborativa, as duas edições da 284


Ana Maria Torres Alvarez

formação-investigação envolveram pesquisador e pesquisados em atividades que, pautadas por um livre diálogo, fizeram emergir questionamentos, compreensões e descobertas que legitimaram e aperfeiçoaram a proposta de trabalhar com infográficos na prática pedagógica. Todavia, mesmo que tais questionamentos, compreensões e descobertas dos participantes estivessem gravados nos fóruns gerais e das equipes, no ambiente virtual Moodle, não era possível utilizá-los na pesquisa sem a devida aprovação deles. Assim, na primeira edição da formação, dos 30 cursistas ativos, apenas seis forneceram a autorização para o estudo e a divulgação de seus registros textuais. Para manter em sigilo os nomes e os dados pessoais desse grupo, seus nomes próprios foram substituídos por nomes de pedras preciosas. Quanto à segunda edição da formação, dos 54 cursistas ativos, dez autorizaram. Da mesma forma que na análise do primeiro grupo, no segundo também foi utilizado o recurso de substituir seus nomes por denominações de pedras. Além das contribuições dos participantes que deram a autorização, foram utilizados alguns depoimentos anônimos, considerados relevantes e provindos do questionário de avaliação final da formação, desenvolvido e disponibilizado pelo IAS. Como o eixo da formação-investigação consistiu na articulação entre a teoria e a prática do uso da infografia na Educação, à medida que as ações desses participantes eram analisadas, conseguiu-se observar como os conjuntos de habilidades eram exercitados e aprimorados neles. Abalizados por essas habilidades, os depoimentos dos participantes foram organizados nas quatro fases da formação, quais sejam, Sondagem, Ilustração, Produção e Partilha. Para a análise, utilizou-se o método estatístico multidimensional CHIC, e o recurso de visualização e apresen285


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

tação de conteúdos, os mapas de nuvens de palavras-chave, para identificar, no conjunto dos pensamentos, sentimentos e valorações dos cursistas sobre o tema abordado; aspectos que sinalizam os pontos cruciais para que a própria formação seja uma abertura para a descoberta das potencialidades e a superação das dificuldades dos participantes, conforme se apropriam dessa linguagem contemporânea que, suportada pelas TIC, exige a amplitude dos sentidos e postura pró-ativa na busca de informações, assimilação e socialização do conhecimento A Figura 1 representa o caminhar dos participantes da formação-investigação na sua intenção de se apropriar dessa nova linguagem.

Figura 1 – Estrutura da análise de resultados Fonte: (Alvarez, 2012)

Observa-se, na Figura 1, que o fluxo do trabalho de análise contém uma sequência de ações formada por três passos. 286


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Passo 1 – Seleção dos registros textuais dos participantes O processo de análise dos resultados é iniciado, com a seleção de registros textuais dos participantes que expressavam o exercício das habilidades esperadas em propostas de atividades relacionadas ao trabalho com a infografia, bem como as dificuldades comuns que os professores costumam enfrentar ao tomar contato com uma nova tecnologia. Assim, para a análise pormenorizada dos resultados da pesquisa, foi elaborada uma lista com as habilidades e dificuldades idealizadas no decorrer da pesquisa, seguida por siglas para fácil identificação, como se observa abaixo: 1. Elucidação de dados e fatos (ELDF); 2. Concepção de princípios e conceitos (COPC); 3. Planejamento de procedimentos (PLPR); 4. Execução de procedimentos (EXPR); 5. Sistematização de fatos, conceitos e procedimentos (SFCP); 6. Tomada de decisão (TODE); 7. Compartilhamento de estudos (COES); 8. Trabalho com conflitos (TRCO); 9. Proposição de novas ideias (PRNI); 10. Dificuldade de trabalhar colaborativamente (DTRC); 11. Dificuldade de planejar procedimentos (DPLP). Uma matriz de dupla entrada foi inserida em planilha do Microsoft Excel. Na primeira, as habilidades e as principais dificuldades dos cursistas foram enumeradas. Na segunda entrada, identificou-se os participantes da formação-investigação que forneceram a autorização. Foram elaboradas quatro planilhas correspondentes às fases da formação: Sondagem, Ilustração, Produção e Partilha.

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A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

Passo 2 – Adequação das planilhas para o software CHIC O segundo passo foi adequar as planilhas para o formato do software CHIC, que se apresentam como no exemplo da Figura 2. FORMAÇÃO-INVESTIGAÇÃO - 1ª EDIÇÃO – ETAPA DA ILUSTRAÇÃO Sujeitos

Habilidades/Dificuldades

MDDF FEPC PLPR EXPR SFCP TODE COID TRCO PNID DTRC DPLP Ágata 0 1 0 0 1 0 1 0 0 0 0 Ametista 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 Esmeralda 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Jade 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Rubi 1 1 0 1 1 0 0 0 1 0 0 Safira 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Figura 2 – Modelo de planilha adaptada para o CHIC Fonte: (Alvarez, 2012)

No modelo de planilha adaptada para o CHIC (Figura 2), os rótulos das habilidades/dificuldades e dos sujeitos são trocados por códigos e os registros textuais substituídos por valores 1 ou 0, que correspondem à presença ou ausência de determinada habilidade ou dificuldade na referida etapa em estudo. As planilhas remodeladas, ao serem submetidas ao CHIC, deram origem às árvores de similaridade, cujo valor foi apresentar as aproximações, semelhanças, contradições ou repetições dos comportamentos dos participantes, assim como permitir o desvelamento de relações entre as variáveis (categorias de habilidades e dificuldades), em dadas situações da formação, que dificilmente seriam detectadas sem o apoio dessa método estatístico que envolve complexos cruzamentos de dados binários, ordinais e numéricos.

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Passo 3 – Análise das árvores de similaridade O terceiro passo consistiu em compreender a rede de relações intra e interclasses que as árvores de similaridade geradas pelo CHIC revelaram. A identificação da hierarquia e as conexões entre as classes e subclasses proporcionarama elaboração de um estudo mais aprofundado do processo de construção do conhecimento dos cursistas sobre a infografia, além de deixar transparecer seus conflitos e temores. Para complementar a análise dessas relações, foram produzidos os mapas de nuvens de palavras-chave utilizando o software Wordle, recurso que favorece novas leituras do objeto em estudo, em razão da fácil visualização das incidências de termos utilizados pelos participantes em seus registros textuais, uma vez que, quando são cruzados, os termos mais frequentes apresentam-se destacados em fontes maiores. Os mapas foram executados mediante a submissão de textos selecionados. Para prepará-los, foram reunidas as falas dos participantes relacionadas às habilidades e dificuldades identificadas pelo CHIC em cada fase da formação. Como o software permite algumas configurações de linguagem, fonte e layout, programou-se não considerar os termos neutros da língua portuguesa, como artigos e preposições, e deixar em evidência a média de 30 palavras mais citadas. A título de ilustração, segue parte das análises em que foram utilizados o CHIC e os mapas de nuvens de palavraschave para apontar os resultados obtidos na fase inicial da 1a e 2a edições da formação-investigação.

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A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

Resultados Serão apresentados nesse tópico os resultados alcançados na fase inicial da 1ª edição da formação e na fase inicial da 2ª edição da formação.

Resultados alcançados na fase inicial da 1a edição da formação Na fase de sondagem, antes mesmo de receberem qualquer referência sobre o tema, foi solicitado que os participantes contassem um pouco sobre si mesmos e sobre seus interesses, por meio de um infográfico, com a única indicação de que utilizassem representações visuais e textos curtos. Muitos cursistas tomaram contato pela primeira vez com o termo infografia e essa etapa serviu para identificar como lidavam com essa descoberta. A árvore de similaridade (Figura 3) aponta as habilidades que mais se destacaram e como elas estão relacionadas.

Figura 3 – Árvore de similaridade – Sondagem /1a edição Fonte: (Alvarez, 2012)

As falas dos participantes na fase de Sondagem do curso, ao serem tratadas pelo software CHIC, deram forma a uma árvore com duas classes (Figura 3). A primeira é constituída por um forte nó, composto pelas habilidades 290


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EXPR e SFCP, que se referem aos procedimentos, à sistematização de fatos, e aos conceitos de procedimentos. Em uma relação de menor intensidade, também está vinculada a essa classe a habilidade COES, que faz alusão ao compartilhamento de estudos. De fato, os participantes preocuparam-se em explanar, no fórum geral desta fase, como sistematizaram seus dados pessoais e produziram seu primeiro infográfico. Os mapas de nuvens de palavras-chave dessas habilidades na fase de Sondagem confirmam essa convergência (Figura 4).

Figura 4 – Mapas EXPR, SFCP e COES - Sondagem /1a edição Fonte: (Alvarez, 2012)

Os mapas que fazem menção às habilidades EXPR e SFCP (Figura 4) apontam que os cursistas já tinham certo entendimento sobre infografia. Outros mostraram conhecer softwares de edição de imagens e de apresentações 291


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

e postaram dicas no fórum de como trabalhar com autoformas, imagens, setas, entre outros elementos gráficos. Esse conhecimento fica visível pelo emprego das palavras utilizo, tento, fuço, pego, inserir, por exemplo, indicado no mapa SFCP. Além do mais, observou-se que os participantes revelam prazer em desenvolver esses trabalhos para e com seus alunos em sala da aula, haja vista a evidência das palavras adoro e apaixonada no mapa EXPR. Seguindo com a análise da árvore da fase da Sondagem (Figura 3), no segundo nível de aproximação, está a habilidade COES. Essa habilidade vinculada à primeira classe justifica-se, pois alguns cursistas, mesmo estando no início da formação, logo se prontificaram a dar assistência aos colegas que não se sentiam muito seguros em realizar a atividade. Forneceram referências de softwares e algumas dicas de como operá-los. Indícios desse empenho estão contidos nos termos utilizados pelos participantes, identificados no mapa COES (Figura 4): disposição, colegas, exemplo, fiz, entre outros. A segunda classe da árvore da fase de Sondagem (Figura 3) tem associações significativas com a primeira classe, uma vez que também oferece sinais de que os cursistas demonstravam interesse de iniciar o trabalho com a infografia e, desde o início da formação, já esboçavam algumas concepções sobre o conceito. Essa constatação decorre da formação do nó de nível intermediário composto pelas habilidades COPC e TODE. É compreensível que esse nó não seja muito forte, pois, afinal, os participantes se encontravam no início da formação. Logo, a habilidade de conceber princípios e conceitos, COPC, dependia de aproximação dos cursistas aos conceitos sobre infografia, enquanto a habilidade de tomar de decisões, TODE, tendia a ser mais exigida à medida que eram oferecidas as atividades individuais e colaborativas planejadas para o curso, que previam o exercício dessa habilidade. Resultados alcançados na fase inicial da 2a edição da formação 292


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Na árvore de similaridade da fase da Sondagem (Figura 5), formou-se apenas uma classe, que se encontra dividida em duas subclasses. A subclasse que apresenta o ramo mais forte une as habilidades de compartilhar estudos (COES) e propor novas ideias (PRNI). A habilidade COES até apresentava certa relevância, na primeira edição, mas a habilidade PRNI sequer foi identificada na árvore da Figura 3. Atribui-se essa mudança ao fato de o IAS aceitar a estratégia de nova formação das equipes. Assim, na segunda edição, os participantes tiveram a autonomia de se organizar para o trabalho colaborativo de desenvolvimento de um infográfico. Outro fator também colaborou para esse precoce envolvimento: muitos participantes já se conheciam de outras formações do IAS e, inclusive, três já haviam participado da primeira edição do curso.

Figura 5 - Árvore de similaridade – Sondagem/2a edição Fonte: (Alvarez, 2012)

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A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

O mapa de nuvens de palavras-chave dessas duas habilidades ratifica a intensidade de implicação identificada pela árvore de similaridade (Figura 6).

Figura 6 – Mapas COES e PRNI – Sondagem/2a edição Fonte: (Alvarez, 2012)

Os termos que sobressaem nos mapas COES e PRNI (Figura 6) mostram que a vinculação inicial gerou certo desembaraço dos participantes em perguntar uns aos outros quais recursos e procedimentos eles utilizaram para produzir a apresentação pessoal de forma gráfica. As palavras utilizadas demonstram o pensamento que pairava no ambiente: curiosa, acham, deixo, usei, segue, etc. Assim, 294


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uma lista composta de sugestões de softwares para a criação do infográfico ganhou volume. PowerPoint, MovieMaker e iSpringfree, foram os primeiros. A árvore da fase de Sondagem (Figura 6) também alude que, na segunda subclasse, há um nó significativo entre as habilidades TODE e TRCO e estas se unem à dificuldade DPLP. De fato, a mudança na formação das equipes gerou também o movimento de tomada de decisão, TODE, e o trabalho com conflitos, TRCO, mesmo que os conflitos não se relacionassem a embates entre os participantes, mas ao imperativo de sair da condição passiva de acatar as decisões do tutor para assumir a posição ativa de eles próprios buscarem seus pares para a formação das equipes. Por outro lado, a dificuldade de planejar procedimentos, DPLP, que não constava na árvore de similaridade da fase da Sondagem da primeira edição (Figura 3), surge na segunda em um nível baixo de aproximação das habilidades TODE-TRCO (Figura 5), porque revela a dificuldade de apenas um cursista em realizar a atividade proposta na fase de Sondagem; dificuldade que só foi manifestada declaradamente pelos participantes da edição anterior na fase da Produção, mas que não significa que os primeiros não a tivessem vivido nas etapas anteriores.

Considerações finais Adaptável a todas as áreas de conhecimento e aos vários níveis de domínio cognitivo, hoje é possível encontrar, nas mídias impressa e digital, variados infográficos que abrangem diversos conteúdos e envolvem desde conceitos primários até temas mais complexos e específicos contidos em pesquisas científicas e manuais técnicos. Para compreender de que forma esses materiais repercutem no sujeito e como podem auxiliar no processo de 295


A Infografia na Educação: contribuições para o pensar crítico e criativo

ativação do pensar crítico e criativo do homem, esta pesquisa foca a introdução da infografia na Educação, partindo, justamente, da identificação dos benefícios que a leitura e produção de infográficos pelos próprios alunos podem propiciar à formação das novas gerações. A formação-investigação complementa esse estudo, mas, sem dúvida, a decisão de compor métodos e técnicas tanto para a fundamentação teórica como para análise de resultados é que transformou a pesquisa em um trabalho estimulante e compensador. A abordagem é qualitativa e a pesquisa bibliográfica, aliada à bricolagem, permitiram transitar e garimpar elementos para o objeto do presente estudo sem perder o foco e o rigor científico. A atividade exigiu muitos meses de dedicação quase integral, contudo, o retorno foi interessante. Desafiador também foi adotar o método estatístico multidimensional para apreciar os resultados das duas edições da formação-investigação. Os dados quantitativos coletados e organizados em categorias de análise, ao serem tratados pelo software CHIC, deram origem às árvores de similaridade que, além de registrar a incidência de certos comportamentos dos sujeitos da pesquisa, também revelaram níveis de relacionamento entre as categorias que dificilmente seriam enxergados se utilizados os métodos estatísticos descritivos. Ademais, ao combinar os recursos visuais e críticos do CHIC com os mapas de nuvens de palavras-chave, foi possível interpretar com mais facilidade os termos recorrentes nos discursos dos sujeitos e, por consequência, identificar as inter-relações das habilidades ativadas e dificuldades que persistiram em cada uma das fases da formação, desde o período de sondagem até a socialização dos infográficos produzidos colaborativamente.

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Ana Maria Torres Alvarez

Referências ALVAREZ, A. M. T. A infografia na educação: contribuições para o pensar crítico e criativo. 2012. Tese (Doutorado em Educação: Currículo) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp. br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=14407>. Aceso em: 28 dez. 2014. MILLS, C. W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação no futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2000. THIOLLENT, M. Notas para o debate sobre a pesquisa-ação. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.

Nota 1 Doutora em Educação: Currículo (PUC-SP). Mestre em Educação (Univ. Católica de Santos). Licenciada em Pedagogia (Univ. Católica de Santos). Bacharel em Matemática (Univ. Santa Cecília). Como consultora nas áreas de Tecnologia Educacional, Educação a Distância e Currículo realiza pesquisas para a UNESCO e elabora conteúdos para cursos na modalidade a distância para o Centro Universitário de Maringá. E-mail: anamaria.torresalvarez@gmail.com

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Capítulo 12

Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia Renata Aquino Ribeiro1 Mônica Mandaji dos Santos2 Nuria Pons Vilardell Camas3 Paula Carolei4 Neli Maria Mengalli5

Introdução Os seminários sobre Web Currículo, realizados na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foram acompanhados de muitas discussões sobre as práticas pedagógicas que utilizam tecnologias integradas ao currículo. Os educadores que vivenciam as questões relacionadas à tecnologia reconhecem a necessidade da disponibilidade de mais informações. Textos e entrevistas, como as podcasts (conversas em áudio), realizadas para o blog Web Currículo, e os Anais com os trabalhos científicos que acompanharam o evento, trazem um pouco desse universo (Almeida; Ribeiro, 2008). A metodologia de seleção das informações e análise de resultados envolveu entrevistas e estudo de conteúdo, além dos dados documentais (blog e artigos divulgados nos I e II Web Currículo). Há ainda um apanhado da incorporação da tecnologia na prática pedagógica, 298


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com olhar direcionado para a Web 2.0. Para traçar o percurso da pesquisa, foram identificadas as práticas documentadas em artigos contidos em bases de dados nacionais, a partir de outros eventos sobre o tema de uso da tecnologia na educação, o que resultou no desenvolvimento de uma matriz de categorias, que passou a servir de suporte para identificar o uso de tecnologia na educação, numa perspectiva de inovação no currículo integrando a Web 2.0, o conhecimento científico sistematizado e as experiências trazidas pelos alunos da sua vida e contexto. Como resultado das entrevistas prévias feitas com especialistas e estudos da literatura pertinente (Saviani, 1992; Freire, 1996; Litwin, 1997; Almeida, 2000; Prado, 2003; Almeida; Valente, 2007; Almeida; Silva, 2011), chegou-se a alguns conceitos de Tendências Inovadoras, Inovação, Práticas Inovadoras em Educação. Para realizar a análise e interpretação dos dados, utilizou-se o software Classificação Hierárquica Implicativa Coesitiva (em francês: (Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive - CHIC) 6 , com a finalidade de construir categorias que evidenciassem a existência de práticas inovadoras nos Anais do I e II Seminários Web Currículo e também no blog Web Currículo.

Software de Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (CHIC) O software CHIC foi desenvolvido por Régis Gras, professor da Escola Politécnica da Universidade de Nantes, e trazido para o Brasil pelo professor Saddo Almouloud, do Departamento de Matemática do Centro de Ciências Matemáticas, Físicas e Tecnológicas da PUC-SP. Esse software, de acordo com Moraes e Valente (2008), extrai, de um conjunto de dados, regras de associação entre as variáveis, cruzando-as, e também entre os sujeitos; fornece um índice de qualidade de associação; representando uma 299


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

estruturação das variáveis obtidas por meio dessas regras, a ofertar como resultado a árvore de similaridade, a árvore coesiva e o grafo de implicação Para realizar a análise e interpretar os dados deste trabalho utilizou-se o software CHIC, com a finalidade de construir categorias que evidenciassem a existência de práticas inovadoras nos Anais do I e II Seminários Web Currículo e também no blog Web Currículo. É importante ressaltar que não existe software que solucione todas as necessidades de análise de dados, no entanto, o CHIC apresenta-se como alternativa viável. Com o objetivo de obter resultados consistentes do objeto estudado, dividiu-se a pesquisa em quatro etapas. A primeira ocorreu entre maio e setembro de 2008, momento em que ocorreu o I Seminário Web Currículo. A segunda etapa teve início em julho de 2008, com conclusão em maio de 2010. A estratégia utilizada nessa etapa foi a análise de conteúdo, necessária para aprofundar as observações no blog Web Currículo. A terceira etapa teve início em julho de 2010 e término logo após o II Seminário Web Currículo. Durante a quarta e última etapa, foi feita a análise do conteúdo do blog, após realizado o segundo seminário, visto que o blog Web Currículo continua ativo. O escopo deste trabalho, portanto, está delimitado a quatro objetos: os Anais das duas versões dos seminários sobre Web Currículo e a dois períodos de postagem, no blog, após a realização do I Web Currículo e II Web Currículo. Os dados obtidos na etapa preliminar serviram para fundamentar os conceitos de Inovação, Práticas Inovadoras etc. O procedimento de análise do CHIC desenvolveu-se por meio de alguns processos principais. O primeiro foi o mapeamento dos itens objeto desta pesquisa. Foram colocados na planilha os textos a serem analisados (artigos dos dois seminários) e as palavras-chave apresentadas por seus autores (tais palavras se referiam às ferramentas da Web 2.0, 300


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aos softwares, aplicativos e também conceitos). Após o mapeamento em planilha, o arquivo foi transportado para o programa CHIC e geradas as árvores de similaridade, que mostram as convergências e divergências entre os textos e as práticas analisadas. A cada grupo maior da árvore de similaridades, deu-se o nome de classe e, aos grupos menores, subclasses de análise. A análise das classes, a partir da árvore de similaridades gerada pelo CHIC, resultou na indicação de convergência entre as práticas de integração da tecnologia ao currículo, dentro do tema do conceito do Web Currículo. A análise evidencia, ainda, as tendências para práticas inovadoras que puderam ser encontradas em todo o material apresentado nos seminários Web e também no blog do evento. As categorias são de grande valia para a análise de dados, uma vez que a base de informações utilizada é variada, o que dificulta e até impossibilita a obtenção dos resultados. Vale ressaltar, ainda, que as categorias são objetivas e estão relacionadas umas com as outras. Conforme Prado (2004), a categoria sumariza um conjunto de ideias expressas nos textos analisados e que foram identificadas a partir da análise interpretativa desses registros

Procedimentos de análise com o CHIC Na análise de dados, primeiramente, foram atribuídos códigos a todos os elementos de conteúdo identificados como significativos, segundo as teorias de base e os objetivos desta pesquisa7. A cada elemento de conteúdo, foi atribuído um código identificador e a lista de elementos formou a primeira coluna da planilha, que gerou a árvore de similaridades do CHIC. Procedeu-se da mesma forma em relação às comunicações orais, aos pôsteres e relatos de experiência contidos nos Anais dos I e II Seminários Web Currículo. Aos artigos 301


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

apresentados como comunicação oral, foi dado um código com o prefixo “comum” e, aos classificados como pôster, um código com o prefixo “pôster”. O final do código é uma numeração simples dos artigos escolhidos; assim, o nome de um artigo foi substituído, por exemplo, por “comum_011” na planilha de análise. O cabeçalho da planilha que gerou a árvore de similaridade do CHIC foi preenchido com as palavras-chave encontradas no conteúdo. A planilha foi dividida em seções de conteúdo dos Anais de 2008, conforme linha do tempo apresentada nas Figuras 1 e 2.

Figura 1 – Conteúdo apresentado no seminário de 2008 com lista de artigos codificados para análise

Na Figura 2, mais uma das seções da planilha com a análise dos artigos codificados de acordo com palavras-chave.

Figura 2 – Detalhe da planilha de análise dos Anais de 2008 com as palavras-chave dos artigos codificados

As palavras-chave escolhidas basearam-se em ferramentas utilizadas para uso da Web na sala de aula, pois a investigação de práticas norteou a discussão dos conceitos para obter as tendências de uma educação inovadora. Foi realizado, ainda, um processo de sinonimização das palavras-chave. Termos como “videoconferência” e flashmeeting – este último 302


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uma ferramenta de videoconferência –, foram agrupados em uma só coluna, denominada videoconferência (abreviada videoconf.), de modo a reduzir o número de palavras-chave e tornar mais visíveis as similaridades de determinadas práticas. Um processo de filtragem das palavras-chave foi ainda realizado para retirar as que não estivessem diretamente ligadas a práticas de uso da Web na educação. Na sequência, fez-se a divisão temporal, com o objetivo de criar uma linha do tempo que permitisse identificar as práticas de uso da Web na educação através dos tempos, considerando os dois períodos do seminário. A árvore de similaridades produzida pelo CHIC é resultado das convergências e divergências das palavras codificadas inicialmente para a formação da planilha, delineada pelo software, por meio do processamento de dados e acompanhadas pelas análises do pesquisador. O coeficiente de similaridade pode ser obtido em uma tela específica do software CHIC e é a representação numérica da relação atribuída entre duas ou mais variáveis, que, neste caso, são as palavras-chave. As relações mais fortes podem ser visualizadas no gráfico da árvore de similaridades, também através de um grifo vermelho. A visão geral dessas análises indica o panorama das práticas de integração das tecnologias ao currículo e as tendências inovadoras encontradas.

Análise dos Anais do I Seminário WEB Currículo Na criação, pelo CHIC, da árvore de similaridades dos Anais de 2008, do I Seminário Web Currículo, notam-se vários nós ou bifurcações, como pode ser observado na Figura 3. Quanto mais próximo um nó fica de um conjunto de termos, maior é a similaridade. Contudo, nas análises, podem-se considerar também, os nós não grifados, como relevantes, se considerado o significado da relação para o contexto em estudo, de acordo com a interpretação do pesquisador. 303


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

Uma das relações mais fortes na árvore de similaridades está entre os artigos identificados com as palavras-chave “áudio-podcast” e “mapas conceituais”.

Figura 3 – Árvore de similaridades – Análise dos Anais do I Seminário Web Currículo

Outra relação importante, que aparece na árvore de similaridades dos Anais de 2008, é a que há entre ambientes de aprendizagem virtuais, como o Moodle, com ferramentas da Tenologia Digital de Informação e Comunicação (TDIC) da Web, como videoconferência. Essa classe foi denominada como “novas características dos ambientes virtuais”. As palavras-chave “vc-fm” e Moodle relacionam-se com “chat” e “fórum”, mostrando práticas em ambientes de aprendizagem. É interessante notar que a convivência de ferramentas em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), como o Moodle, e outra mais tecnicamente complexa, como a videoconferência, mostra um caminho importante de ampliação das possibilidades do AVA. Uma terceira relação bastante forte, na árvore de similaridades, traz outras quatro tecnologias que foram indicadas nos trabalhos no I Seminário Web Currículo, “blog”, “wiki”, “vídeo” e “fotos”. Essa classe pode ser denominada como Publicação Multimídia On-line. 304


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A relação é notadamente mais forte entre as duplas de elementos ou subclasses blog, wiki, vídeo e fotos, indicando que o conteúdo multimídia (vídeo e fotos) é inserido em determinadas instâncias de publicação on-line (blog e wiki), nas práticas pedagógicas com tecnologia. Outra importante relação destaca-se como significativa para a investigação em foco. A classe relaciona “busca” e “Internet” com maior similaridade, com o grifo em vermelho, e relaciona o par com laptops. Essa classe foi denominada de Pesquisa com Laptops Educacionais. A classe une artigos de pesquisadores que trouxeram experiências do uso da Web na sala de aula com laptops educacionais. No trabalho pedagógico com computadores portáteis, foram usadas estratégias como a pesquisa na Internet e criados blogs visando à produção de conhecimento e incentivo à colaboração. A análise geral dos trabalhos do I Seminário Web Currículo mostra algumas características interessantes, com relação às práticas dos pesquisadores para a integração das tecnologias ao currículo, no ano de 2008, como: Documentação das práticas em áudio; Novas características dos ambientes virtuais; Publicação multimídia on-line; e Pesquisa com laptops educacionais. Essas características de uso das tecnologias na educação, levantadas a partir dos trabalhos de 2008, são o início de um quadro sobre as tendências da inovação na integração das tecnologias ao currículo. Veremos, nas análises seguintes, partes do quadro que complementarão o panorama de tendências da inovação.

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Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

Análise dos Anais do II Seminário WEB CurrÍculo A árvore de similaridades dos Anais do II Seminário Web Currículo traz alguns temas semelhantes aos apresentados no I Seminário Web Currículo, como indicado na Figura 4. Também podem ser percebidos destaques em termos de similaridade como em Youtube e redes sociais.

Figura 4 – Árvore de similaridades – Análise dos Anais do II Seminário Web Currículo

A aproximação entre YouTube e redes sociais traz um enfoque bastante significativo, no aspecto do uso das dessas ferramentas para a educação. As práticas pedagógicas com redes sociais intensificam-se e os docentes pesquisadores as relacionam com a publicação de conteúdo on-line, no caso específico, em vídeo. A classe Interligação entre Redes Sociais e Conteúdo On-line traz, em artigos, a relação estabelecida entre o uso de redes sociais e a publicação de conteúdo multimídia, especialmente vídeo, no YouTube. A investigação de redes sociais baseia-se em conteúdo produzido e selecionado por alunos e professores, como vídeos on-line, e o trabalho pedagógico é construído a partir desse conteúdo. Outra classe destacada na análise pelo CHIC, dos Anais do II Seminário, é a que relaciona GoogleDocs e Moodle. A 306


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classe indicada é denominada de Ambiente Virtual de Aprendizagem e Ferramentas Web 2.0. O Moodle, um ambiente virtual de aprendizagem bastante utilizado, é cada vez mais complementado por ferramentas externas características da Web 2.0, como o GoogleDocs. Os ambientes virtuais de aprendizagem estão sendo considerados com novas possibilidades, pelos pesquisadores, no que se refere à associação com interfaces da Web 2.0 e os artigos que contêm essas palavras-chaves confirmam a concretização de uma tendência apontada no I e no II Seminário, pois já indicam a ocorrência dessas mudanças. O tipo de ambiente virtual de aprendizagem mais citado nos artigos é a plataforma Moodle. A árvore de similaridades resultante da análise das produções científicas contidas nos Anais do II Seminário Web Currículo indica uma classe que relaciona conceitos que indicam uma das preocupações contemporâneas de pesquisadores. Os termos “mobilidade” e “hipermídia-hipertexto” trazem artigos que mostram as possibilidades, para a educação, dos dispositivos de computação móvel, como laptops educacionais e tablets, tendo em mente ainda o uso da Web através de links ou hipermídia. A análise adicional de mais uma classe bastante abrangente converge com os achados anteriores. A classe adicional inclui as subclasses “YouTube” e “redes-sociais” complementada na árvore de similaridades por Twitter, blog e fotos. A classe retoma aspectos interessantes da análise, como “Interligação entre redes sociais e conteúdo on-line” e “Ambiente virtual de aprendizagem e ferramentas Web 2.0”. Esses aspectos surgem nos estudos que apontam a necessidade da sala de aula expandida, aquela em que a aprendizagem acontece além do espaço físico, e mesmo do ambiente virtual designado pela instituição, integrando as redes sociais e outras ferramentas da Web. 307


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

Os Anais do II Seminário Web Currículo mostram ainda mais caminhos para a integração da tecnologia ao currículo, que complementam aqueles mostrados na edição do seminário de dois anos antes. As classes encontradas na análise refletem algumas categorias de uso da Web na educação como: Interligação entre redes sociais e conteúdo on-line; Ambiente virtual de aprendizagem e ferramentas Web 2.0; Mobilidade e uso da Web; e Uso da Web para produção de mídia.

Análise do blog Web Currículo com o uso do CHIC O primeiro período temporal do blog engloba textos publicados desde seu surgimento, em maio de 2008, passando pela época do primeiro seminário, ocorrido em junho de 2008, até antes do segundo seminário, em junho de 2010. A árvore de similaridades do blog pode ser observada na Figura 5, até o período anterior ao II Seminário Web Currículo, mostra a maioria dos termos que também constam na árvore que traz a análise dos Anais do I Seminário Web Currículo. Porém, nessa árvore de similaridades, há um aninhamento diferente de ligações entre os ramos e destacam-se também algumas classes que trazem termos com relação mais estreita.

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Figura 5 – Análise do primeiro período do blog do Seminário Web Currículo Os termos da árvore de similaridades do blog diferenciam-se por referenciar textos que também trazem temas dos eventos on-line, ou palestras organizadas pelo grupo de pesquisa, que aconteceram entre os dois seminários. Na primeira classe analisada, já aparecem termos relacionados a esses eventos on-line, como “site-portal”, “chat” e Twitter. Essa classe foi denominada de Publicação on-line em Twitter e sites. A relação Publicação on-line em Twitter e sites traz similaridades entre termos que indicam a mudança progressiva, na publicação on-line, de discussões sobre a integração das tecnologias ao currículo, tendo como cenário os próprios eventos on-line que envolveram o grupo de pesquisa responsável pelo Web Currículo. A classe Publicação on-line em sites e Twitter mostra, portanto, que os encontros entre os pesquisadores podem ser complementados e dinamizados com materiais e trocas de comentários on-line em espaços como os sites educativos com links no blog Web Currículo e o Twitter que o acompanha. Esse tipo de publicação intensificou-se, de 2008 a 2010, a ponto de significar outra gama de programação de discussões, como aconteceu nos eventos on-line.

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Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

Outra classe também relacionou eventos on-line que investigaram temas dos Seminários Web Currículo, como “redes-sociais” e “realidade-aumentada”. Essa classe foi denominada de Investigação de temas como redes sociais e realidade aumentada. A classe une os termos realidade-aumentada e redes-sociais, pois são parte de eventos on-line com pesquisadores que participaram do Seminário Web Currículo. Mais uma classe destacada na árvore de similaridades que analisou os posts do primeiro período do blog Web Currículo destacou eventos on-line. A classe que relacionou os termos “second-life” e “streaming” foi denominada de Participação ao vivo a distância em debates sobre educação e tecnologia. Essa classe surgiu a partir da similaridade de textos do blog Web Currículo que recordam debates ocorridos on-line com participação de internautas de várias partes do Brasil e mundo. Assistir e participar de debates em vídeo ou simulações virtuais não são atividades restritas aos eventos on-line com pesquisadores, mas já se encontram no cotidiano de práticas de docentes que fazem pesquisa. Isso pode ser inferido a partir da próxima classe que sobressai na árvore de similaridades do CHIC, que relaciona os termos “mídias” e “laptops”. Essa classe foi denominada de Atividades com mídias em laptops educacionais. A relação entre mídias e laptops traz textos sobre eventos do Seminário Web Currículo e também sobre a produção de pesquisadores do grupo da PUC-SP. Os estudos dos pesquisadores são documentados no blog Web Currículo, para a identificação de novos temas de investigação e tendências de pesquisa. A análise do primeiro período de textos no blog Web Currículo mostra uma face da investigação sobre a integração da tecnologia ao currículo que ainda é incipiente, nos escritos científicos dos pesquisadores, uma que une a experimen310


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tação e a observação científica. As práticas cotidianas, em eventos científicos e na sala de aula, privilegiam a experimentação e ampliam as fronteiras do uso de tecnologia atuais. As classes analisadas mostram aspectos como: Publicação on-line em sites e Twitter; Investigação de temas como redes-sociais e realidade-aumentada; participação ao vivo a distância em debates on-line sobre educação e tecnologia; atividades com integração de mídias em laptops educacionais. No geral, a análise do primeiro período do blog Web Currículo trouxe aspectos importantes da integração da tecnologia ao currículo, pois mostrou a contribuição que a Web pode trazer para o debate. Por meio da transmissão em vídeo, por redes sociais ou publicação via blogs, a Web pode acrescentar e ampliar as discussões dos pesquisadores e promover a construção de conhecimento. No segundo período de análise do blog Web Currículo (árvore da Figura 6), que se inicia com o II Seminário, nota-se ainda bastante variada a quantidade de termos que trazem práticas pedagógicas com o uso de tecnologias, incluindo características da Web 2.0.

Figura 6 – Análise do segundo período do blog do Seminário Web Currículo 311


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

A primeira classe analisada relaciona o termo blog com a dupla vídeo e mobilidade e, ainda, o termo Twitter. Nessa classe, pode ser encontrada a relação entre diversos textos do blog que trazem os vídeos do evento. É interessante notar que o site de hospedagem e produção de vídeos adquire novo contexto, quando relacionado a práticas, como a computação móvel, e o uso de redes sociais, como o Twitter. Assim, a classe é chamada de Produção multimídia e mobilidade. A relação entre a produção multimídia e o blog vai além da mera hospedagem de conteúdo. No convite para ver o vídeo, através de redes sociais, fica implícito o de seguir ou receber mais notícias do blog Web Currículo por e-mail, com acesso a mais produções do perfil Web Currículo on-line. Uma classe que relaciona os termos podcast e redes sociais ao termo “EAD” sobressai-se no blog. São textos que mencionam produções em áudio nas áreas de Educação e Tecnologia, que constam em ambientes virtuais de educação a distância e também são disseminadas por redes sociais. Os textos relacionados nessa análise trazem podcast, proposta de aprendizagem em ambiente virtual e artigos de pesquisadores em revista sobre o tema educação a distância e formação de professores. Assim, a produção de áudio on-line é ligada a práticas de ensino e aprendizagem e contextualizada na investigação das tecnologias integradas ao currículo. A análise de uma classe adicional ajuda a mapear e rever as categorias encontradas. A classe que une site, GoogleDocs e laptops traz a pontuação extra sobre os textos do segundo período de análise do blog. As classes indicadas nessa análise trazem elementos relacionados à publicação on-line, à autoria de conteúdos multimídia e à prática da educação on-line. São elas: Produção multimídia e mobilidade; e Podcasts e aprendizagem. A análise do segundo período do blog Web Currículo traz indicações importantes sobre a integração das tecnolo312


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gias ao currículo com o uso da Web. Os registros multimídia e os ambientes de aprendizagem são alguns focos das ações de docentes pesquisadores ligados ao tema de investigação. Como tendência para educação e tecnologia, essas ações de uso da Web devem intensificar-se e colaborar para a aprendizagem em diversos espaços.

Considerações finais A análise dos trabalhos e dos textos on-line que registram o I e II Seminários Web Currículo da PUC-SP, realizados nos anos de 2008 e 2011, objetivou identificar as características das práticas inovadoras no que se refere à integração de tecnologias ao currículo. No processo de análise das publicações dos Seminários Web Currículo foram elaboradas categorias para auxiliar na identificação de tendências para práticas inovadoras. O levantamento no blog Web Currículo trouxe publicações relacionadas aos temas referenciados nos trabalhos dos integrantes do grupo de pesquisa em tecnologias na educação, possibilitando identificar elementos de uso inovador das tecnologias na educação. A metodologia qualitativa de seleção de dados e análise de resultados realizada com o software CHIC foram complementadas pela análise dos dados, e levaram a examinar diversas evidências, além dos caminhos encontrados nas categorias indicadas. Os resultados dessa investigação abrangeram a identificação de características das práticas inovadoras no que se refere à integração de tecnologias ao currículo, um apanhado das publicações dos I e II Seminários Web Currículo e a indicação de categorias para auxiliar no mapeamento de tendências para práticas inovadoras. Entre os passos futuros de pesquisa que este trabalho traz, está a conclusão de que o inacabado é a característica da busca da melhor prática. Nunca termina a busca por fazer mais, querer mais, no cotidiano do educador que procurar 313


Uso do CHIC na Análise de Práticas em Educação e Tecnologia

integrar tecnologias ao currículo. É o movimento da busca, desacomodador e inquietante, que faz com que a análise das estratégias para o uso da tecnologia se aperfeiçoe sempre.

Referências ALMEIDA, M. E. B. O computador na escola: contextualizando a formação de professores: praticar a teoria, refletir a prática. 2000, Tese (Doutorado em Educação: Currículo) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2000. Resumo disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/processaPesquisa. php ?lista Deta lhes% 5B% 5D = 2697& processar = Processar>. Acesso em: 12 ago. 2013. ALMEIDA, M. E. B.; RIBEIRO, R. A Web 2.0 na educação em blogs, wikis e autoria colaborativa: análise da produção científica no Brasil. CONGRESSO CHALLENGES 2008. Anais... Universidade do Minho, Portugal. ALMEIDA, M. E. B.; SILVA, M. G. M. Currículo, tecnologia e cultura digital: espaços e tempos de web currículo. Revista e-Curriculum, São Paulo, PUC-SP, n. 7, 2011. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/ viewFile/5676/4002>. Acesso em: 10 ago. 2013. ALMEIDA, M. E. B.; VALENTE, J. A. Formação de educadores a distância e integração de mídias. São Paulo: Avercamp, 2007. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. LITWIN, E. Tecnologia educacional. São Paulo: Artmed, 1997. MORAES, M. C.; VALENTE, J. A. Como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade? São Paulo: Paulus, 2008. PRADO, M. E. B. B. Educação a distância e formação do professor: redimensionando concepções de aprendizagem. 2003. Tese (Doutorado em Educação: Currículo) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2003. Disponível em : <http:// www.matematicaepraticadocente.net.br/pdf/teses_dissertacoes/ tese_Bette_Prado.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2014. PRADO, M. E. B. B. O uso do CHIC na análise de registros textuais em ambiente virtual de formação de professores. Educação

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Renata Aquino Ribeiro | Mônica Mandaji dos Santos Nuria Pons Vilardell Camas | Paula Carolei | Neli Maria Mengalli

Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 4, p. 103-123, 2004. Disponível em: <http://math.unipa.it/~grim/asi/asi_03_prado.pdf>. Acesso em 29 dez. 2014 SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 1992. Disponível em: <http://bit.ly/16We9lz>. Acesso em: 10 ago. 2013.

Notas 1 Doutora em Educação: Currículo PUC-SP e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: raquino@gmail.com 2 Doutora em Educação: Currículo PUC-SP e professora da Universidade Paulista (Unip). E-mail: mmandaji@yahoo.com 3 Doutora em Educação: Currículo PUC-SP e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: nuriapons@gmail.com

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) E-mail: pcarolei@gmail.com 4

5 Doutoranda em Educação: Currículo PUC-SP, professora da Faculdade São Bernardo (FASB). E-mail: mengalli@gmail.com 6 CHIC é um método estatístico multidimensional utilizado em estudos qualitativos de regras de associação, como discutido no artigo. Disponível em: http://math.unipa.it/~grim/asi/asi_03_prado.pdf. 7 É importante notar que outro pesquisador pode encontrar variadas unidades de significado, conforme os objetivos e as teorias requeridas da investigação.

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Capítulo 13

Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados na Escolha de Materiais Didáticos Digitais Katia Alexandra de Godoi e Silva1

Introdução

E

ste estudo insere-se no contexto de formação continuada de professores do projeto Um Computador por Aluno (UCA)2. Um dos focos dessa formação é a construção de saberes avaliativos contextuais de professores mobilizados para a escolha de materiais didáticos digitais. Os saberes dos professores têm sido objeto de discussão por parte de diversos autores (Pimenta, 1999; Tardif, 2011; Ens; Vosgerau; Behrens, 2012), que entendem, de modo geral, serem profissionais que detêm diferentes saberes. Para Tardif (2011), os saberes são elementos estratégicos e constitutivos da prática do professor. E estão relacionados com a própria pessoa e sua identidade, experiência de vida, história profissional e as relações estabelecidas no contexto de trabalho diário. Por isso, o saber dos professores tem caráter social, adquirido, aprendido, construído ao longo de sua carreira, incorporado à sua prática profissional, voltado para possível transformação e reconstrução. O autor explica, ainda, que os saberes implicam um processo de aprendizagem e de formação. Por tudo isso, nessa formação continuada, trabalha-se com professores 316


Katia Alexandra de Godoi e Silva

para a construção de saberes direcionados para a escolha crítica, reflexiva e autônoma de materiais didáticos digitais. Costa (2005) reitera que é necessário envolverem profundidade os professores, oferecendo-lhes a oportunidade de, eles próprios, descobrirem e reconhecerem o valor pedagógico dos materiais no formado digital, ajudando-os a conhecer detalhadamente esses materiais, a decidir sobre a escolha, o posterior uso com seus alunos e a encontrar um espaço de reflexão sobre a avaliação desses materiais. Para este estudo, como conceito de material didático digital, adotam-se os softwares mais abertos, ou seja, “aqueles que permitem inserir novas informações, expressar o pensamento, estabelecer relações, desenvolver a interação social, compartilhar produções, trabalhar em colaboração [...]” (Almeida; Valente, 2011, p. 9). Dentre as alternativas, destacam-se: os editores de texto, desenho, apresentação e planilha eletrônica; programas de simulação e modelagem; serviços e interfaces da WEB 2.0 (p. ex., objetos de aprendizagem). A partir do contexto em que ocorre este estudo e do conceito de material didático digital adotado, surgem algumas perguntas: Qual instrumento de avaliação para a escolha de material didático digital pode ser adotado nas intervenções da formação continuada? As intervenções pedagógicas com instrumentos de avaliação poderão potencializar a reflexão e (re)construção de saberes dos professores sobre os procedimentos e critérios pedagógicos para a escolha de material didático digital? Essas indagações auxiliam adefinir o objetivo deste estudo, que é identificar os procedimentos e critérios pedagógicos utilizados pelos professores na escolha de material didático digital para as intervenções pedagógicas. Justamente trabalhando em profundidade com os professores, a partir das indagações e do objetivo deste estudo, é que realizamos intervenções em contexto pedagógico na formação continuada, reconstruindo e ressigni317


Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

ficando um instrumento de avaliação, proposto por Reeves e Harmon (1996), que tem como foco apoiar a escolha e avaliação do material didático digital antes de ser utilizado em sala de aula. Esse instrumento incorpora 14 critérios pedagógicos de observação, relacionados, principalmente, às abordagens educacionais (instrucionistas e construcionistas) implícitas nos materiais didáticos digitais. Vale destacar que esse tipo de instrumento pode enriquecer a análise das características do material didático digital, numa perspectiva que envolve os professores no processo de familiarização com os materiais e na reflexão sobre a exploração das potencialidades pedagógicas, adequação ao currículo e promoção de aprendizagem. Desta forma, no próximo tópico, explicamos os procedimentos metodológicos que possibilitaram o envolvimento dos professores nesse processo de familiarização e reflexão sobre a escolha de materiais didáticos digitais.

Metodologia da pesquisa O estudo foi realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Governador André Franco Montoro, localizada no Município de Campo Limpo Paulista. A escola tem a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) como responsável pela formação de seus educadores (professores e gestores) e foi a primeira a participar do projeto UCA, no Brasil, a concluir os cinco módulos previstos para a Formação Inicial e iniciar a Formação Continuada. A Formação Continuada não está estruturada previamente na proposta nacional do projeto UCA, pois fica a cargo de cada equipe formadora da universidade o design da formação adequado ao contexto de cada unidade escolar.

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População envolvida Essa unidade escolar contava com 28 professores, no ano de 2011, todos com formação superior, adequada aos níveis de ensino em que trabalham (Fundamental I e II). Dos 28 professores, 17 participaram da Formação Continuada e 14 foram parceiros desta pesquisa. Convém destacar que o critério para o convite da participação na Formação Continuada de 2011 foi a participação na Formação Inicial do projeto UCA, em 2010. Dos 14 sujeitos componentes da pesquisa, 12 são professores. Esses professores têm formação em diversas áreas do conhecimento: Arte, Ciências, Educação Física, Geografia, História, Inglês, Matemática, Pedagogia e Português. Os professores que são formados em Pedagogia atuam como polivalentes no Ensino Fundamental I. Além dos professores, também foram convidadas duas gestoras (diretora e formadora UCA na escola), as quais possuem formação em Pedagogia. Para compreender a contribuição dos sujeitos da pesquisa, a seguir explicamos quais foram os procedimentos metodológicos e os materiais de análise utilizados na coleta de dados.

Procedimentos metodológicos Antes de iniciar a explicação sobre os procedimentos metodológicos da pesquisa, vale destacar que este estudo é um recorte da primeira fase de nossa pesquisa da tese de doutorado intitulada Avaliação de Material Didático Digital na Formação Continuada de Professores do Ensino Fundamental: Uma Pesquisa Baseada em Design (Godoi, 2013). Assim, a metodologia da pesquisa está fundamentada em Reeves (2000), o qualidentifica quatro etapas: (1) análise do problema educativo; (2) desenvolvimento e/ou escolha do artefato pedagógico; (3) intervenção em contextos reais de aprendizagem; (4) análise retrospectiva para construir princípios de design. 319


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Para o presente estudo, trazemos a análise relacional dos dados da primeira fase das intervenções em contexto pedagógico. Esta fase trata da apresentação, utilização e reflexão sobre os procedimentos, critérios pedagógicos e mergentes e reconstruídos do instrumento de avaliação de Reeves e Harmon (1996). O princípio que norteou a escolha desse instrumento foi adiscussão das abordagens educacionais (instrucionistas e construcionistas) implícitas nos materiais didáticos digitais. Esse instrumento, por sua vez, incorpora 14 critérios pedagógicos: papel do professor; autonomia do aluno; motivação; aprendizagem cooperativa; orientação da atividade; diferença individual; abordagem pedagógica; estrutura; articulação de conhecimento; sequência de ensino; valorização dos erros; atividade do aluno; psicologia subjacente; objetivos de aprendizagem. Esses critérios pedagógicos fornecem informações qualitativas e de caráter geral das potencialidades pedagógicas de determinado material didático digital. E foram utilizados, neste estudo, como eixo desencadeador das reflexões, da postura e intencionalidade pedagógica que o professor adota para a escolha e avaliação desses materiais. Assim, esses critérios foram reconstruídos, ressignificados, distribuídos, utilizados e discutidos no decorrer de quatro intervenções pedagógicas na formação continuada. Essas intervenções ocorreram em encontros presenciais e reflexões a distância no Ambiente Colaborativo de Aprendizagem e-Proinfo3. Para compreender osprocedimentos e critérios pedagógicos utilizados pelos professores na escolha de material didático digital nas intervenções em contexto pedagógico, coletamos os seguintes materiais: anotações das reflexões dos professores nas rodas de conversa no diário de campo da pesquisadora; reflexões dos professores em dois fóruns de discussão4. 320


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A partir desses materiais de análise, iniciamos os procedimentos de organização dos registros textuais, ou seja, a compilação, codificação e categorização, utilizando o software webQDA5. De modo geral e de acordo com Souza, Costa e Moreira (2011), esse software está organizado em três partes: (1) Fonte (espaço no qual o pesquisador coloca os dados de que dispõe, no caso desta tese, os registros textuais extraídos das anotações no diário de campo da pesquisadora e dos fóruns de discussão foram codificados e organizados); (2) Codificação (espaço em que o investigador pode criar as categorias e interligá-las com as fontes, no caso deste trabalho, os temas e suas respectivas categorias relacionadas a esta fase da pesquisa foram codificados, organizados e interligados com os registros textuais); (3) Questionamento (espaço que auxilia o pesquisador a questionar e interligar os dados, para o recorte deste estudo, os temas e as categorias da primeira fase foram relacionados, gerando uma planilha que pode ser exportada para o formador .CSV e aberta no software Excel). Nesta planilha, o software webQDA lança os valores zero ou um, indicando a presença, ou não (verdadeiro ou falso; sim ou não), das categorias a priori e emergentes, correspondentes ao registro textual (extratos do diário de bordo; extratos do fórum de discussão) dos sujeitos da pesquisa. Após exportar a planilha, foi possível abri-la no Excel, carregá-la e processar por meio do software CHIC, a partir da opção árvore de similaridades. Em seguida, foi trazida a árvore de similaridade, intitulada Procedimentos e Critérios Pedagógicos que o Professor Utiliza na Escolha do Material Didático Digital, relacionada aos dois temas desta fase e à análise relacional.

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Análise relacional das intervenções em contexto pedagógico A análise relacional das intervenções em contexto pedagógico, denominada Procedimentos e Critérios Pedagógicos para a Escolha de Material Didático Digital, mostra a importância em conceber de forma articulada os dois temas relacionados a esta fase: Procedimentos do Professor para a Escolha do Material Didático Digital e Critérios Pedagógicos que o Professor Utiliza na Escolha do Material Didático Digital, representado na árvore de similaridade (Figura 1).

Figura 1 – Árvore de similaridade - Procedimentos e critérios pedagógicos para a escolha de material didático digital Legenda: [] Procedimentos do professor para a escolha do material didático digital (categorias emergentes) [] Critérios pedagógicos do professor na escolha do material didático digital (categorias a priori) 322


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[] Critérios pedagógicos do professor na escolha do material didático digital (categorias emergentes)

O gráfico contido na Figura 1 constitui-se de 15 categorias , as quais se referem aos temas desta fase. Essa árvore configura-se em duas Classes (1 e 2), que não apresentam articulação entre si. É possível observar, na Figura 1, que a sequência das categorias de [01EMDD] Recursos de Apoio Utilizados na Prática Pedagógica a [08EMDD] Verificação da Proposta Curricular forma a Classe 1, denominada de Procedimentos Realizados pelos Professores na Escolha do Material Didático Digital; e a Classe 2, denominada de Critérios Pedagógicos Utilizados pelos Professores na Escolha do Material Didático Digital, é constituída pela sequência das categorias de [02EMDD] Material Didático Digital Utilizado na Prática Pedagógicaaté [17UCPce] Exploração da Criatividade do Aluno. Observa-se que a Classe 1 e a Classe 2 apresentam-se de forma separada, ou seja, não existe nenhuma linha que faça a ligação entre essas classes. Essa falta de ligação entre elas pode ser entendida pela própria reflexão dos professores no início das intervenções pedagógicas, ou seja, as especificidades entre procedimentos de escolha de material didático digital e adoção de critérios pedagógicos para essa escolha, tal como mostra a análise de cada uma das Classes e suas respectivas Subclasses, apresentada a seguir. 6

Classe 1 - Procedimentos realizados pelos professores na escolha do material didático digital Nessa classe, predominam as categorias relacionadas ao tema Procedimentos do Professor para a Escolha do Material Didático Digital, como mostra a Figura 2.

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Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

Figura 2 – Gráfico da Classe 1 - Procedimentos realizados pelos professores na escolha de material didático digital

A visualização dessa classe dá um indicativo de análise que retrata o momento inicial da Formação Continuada, mais especificamente as discussões sobre quais eram os procedimentos que os professores adotavam ao escolher um material didático digital (Fórum: Reflexão Sobre a Escolha do Material Didático Digital). As discussões desse fórum no ambiente e-Proinfo favoreceram os professores (e gestores) a centrar o foco de suas reflexões sobre os recursos de apoio e materiais didáticos digitais utilizados na prática pedagógica, além do momento de escolha desses materiais e critérios estabelecidos, evidenciadas nas análises seguintes relativas às duas subclasses (1a e 1b). A Subclasse 1a, denominada Avaliação do Material Didático Digital em Contexto de Uso, é composta pelo encadeamento de relações envolvendo reflexões que abordam os procedimentos e um critério pedagógico, como eixo norteador, utilizado pelos professores na escolha do material didático digital. É interessante observar que as categorias R ecursos de apoio utilizados na prática pedagó gica [01EMDD] e Momento da escolha do material didático digital [04EMDD], são desencadeadoras dos níveis de similaridade (0.993963) mais fortes desse conjunto (níveis 3 e 324


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4), formado pelas categorias Avaliação do material didático digital em contexto de uso [06EMDD] e Diferenças individuais [15UCPcp]. Como mostra a Figura 3.

Figura 3 – Gráfico da Subclasse 1a - Avaliação do material didático digital em contexto de uso

O primeiro nível da Subclasse 1a, composta pelas categorias R ecursos de apoio utilizados na prática pedagógica [01EMDD] e Momento da escolha do mdd [04EMDD] (com os seguintes números de ocorrências: 12.00 e 7.00, respectivamente), mostra a importância da relação. Isto porque, sem essa relação, a própria avaliação do material didático digital em contexto de uso [06EMDD] pode ser ignorada pelo professor. Quando aparece a utilização do critério pedagógico diferenças individuais [15UCPcp], fica evidente que o professor, na avaliação em contexto de uso do material didático digital, considera as diferenças individuais dos alunos, como, por exemplo, sua faixa etária e seus interesses diversos. Vale lembrar que, nessa fase, o professor se reporta ao contexto a partir de suas experiências prévias, e do conhecimento pedagógico que tem sobre a pertinência de selecionar determinado material didático digital conforme as características individuais de seus alunos. O extrato textual a seguir explica como o professor estabelece relações entre esses temas: Escolho o material didático digital que alcance o objetivo da proposta curricular. Que seja interessante e atrativo. Que es325


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teja dentro dos recursos disponíveis com a realidade da escola. Eu também preciso conhecer o limite do meu aluno para usar e explorar o material. Quando possível e necessário, utilizo a internet para vários aproveitamentos dentro do conteúdo trabalhado. O material é selecionado durante o Planejamento e Replanejamento iniciados a cada semestre do ano letivo. O uso dos classmates pelos alunos, com acesso ao Portal Aprende Brasil, possibilita algumas atividades, como os jogos interativos. Outro programa bastante utilizado com alunos é o TuxPaint, que desperta a curiosidade e criatividade, capacitando os alunos a desenvolver imagens, desenhos baseados nos vocabulários aprendidos durante a aula. [01PEFI]7.

Nesse exemplo, à medida que o professor realiza seu planejamento, defineos recursos de apoio e inicia a escolha do material didático digital que será utilizado na sua prática pedagógica. Em seguida, durante e/ou após o uso do material na prática pedagógica, o professor faz uma avaliação em contexto, nesta fase inicial, a partir de suas experiências prévias, no intuito de verificar se o material está de acordo com a faixa etária e/ou interesses diversos dos alunos, pois não é possível elaborar uma proposta, com o uso de determinado material, se o aluno ainda não está preparado para utilizá-lo. A Subclasse 1b, denominada Estabelecimento de critérios para a escolha de material didático digital , é composta pelas categorias Critérios pedagógicos para a escolha de material didático digital [03EMDD] e Verificação da proposta curricular [08EMDD], como mostra a Figura 4.

Figura 4 – Gráfico da Subclasse 1b - Estabelecimento de critérios para a escolha de material didático digital 326


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O nível de similaridade entre as duas categorias não aponta um nó forte (nível 2 - similaridade 0.995088), no entanto, tem importância para o significado do presente estudo, pois essa relação anuncia uma visão integradora do professor por dois motivos. O primeiro indica que alguns professores, ao estabelecerem os critérios de escolha do material didático digital, verificam a proposta curricular. O segundo aponta a relação que se estabelece no nível cinco, um nó forte, que encadeia as semelhanças formadas pela Subclasse 1a. O extrato do registro textual abaixo exemplifica esse processo: Quanto ao uso e escolha dos materiais didáticos, procuro escolher de forma que possa atrelá-los com os conteúdos do planejamento, usando como mais uma ferramenta para que o aluno faça aquisição do conteúdo que está sendo trabalhado. Vejo esse material como mais uma forma de desenvolver o interesse do aluno para o conhecimento, sendo assim uma forma de avaliação também. [06PEFII].

Essa relação indica a necessidade de integração do material à proposta curricular, pois o professor tem um currículo que orienta sua prática pedagógica. Desta forma, o professor busca compreender as necessidades dos alunos, as potencialidades do material e o domínio do conteúdo abordado, para que possam construir conhecimento. Assim, essa classe indica os procedimentos realizados pelo professor, mas, ao mesmo tempo, aponta para a necessidade de utilização de critérios de escolha do material didático digital. Como revela a análise da Classe 2, a seguir.

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Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

Classe 2 - Critérios pedagógicos utilizados pelos professores na escolha do material didático digital Essa classe é formada predominantemente pelo tema Critérios pedagógicos que o professor utiliza na escolha do material didático digital , como mostra a Figura 5.

Figura 5 – Gráfico da Classe 2 - Critérios pedagógicos utilizados para a escolha do material didático digital

Essa classe revela que o foco das reflexões dos professores (e gestores) está centrado nas questões relacionadas à utilização de critérios pedagógicos para a escolha do material didático digital, indicando com isso que existe influência das especificidades da teoria, apresentada aos professores sobre critérios pedagógicos, proposta por Reeves e Harmon (1996), como eixos norteadores das reflexões sobre a escolha e avaliação desses materiais, assim como a discussão estabelecida em um fórum de discussão (Fórum: Reflexão e aplicação dos critérios pedagógicos), tal como indicam, a seguir, as análises das três Subclasses (2a, 2b e 2c). A Subclasse 2a, denominada A bordagem pedagógica e A prendizagem colaborativa, é construída pelo conjunto das categorias A prendizagem cooperativa e colaborativa [12UCPcp] e A bordagem pedagógica do material didático 328


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digital [12UCPcp], expressa o nó mais forte da árvore de similaridade. Esse nó desencadeia o tema Exploração da criatividade do aluno [17UCPce], como mostra a Figura 6.

Figura 6 – Gráfico da Subclasse 2a - Abordagem pedagógica e aprendizagem colaborativa

O encadeamento de relações formado pelas categorias A prendizagem cooperativa e colaborativa no material didático digital [12UCPcp] e A bordagem pedagógica do material didático digital [12UCPcp], mostra que alguns professores adotam postura, ao escolherem o material didático digital para utilizarem sua prática pedagógica, principalmente com abordagem construcionista. Essa abordagem pode viabilizar a aprendizagem cooperativa e colaborativa. O extrato do registro textual abaixo exemplifica esse processo: Pensando na ferramenta TuxPaint, percebo que ela segue a linha construcionista, o professor é o mediador do trabalho, mas a criatividade e a inspiração para execução de um bom trabalho é do aluno. É uma ferramenta motivacional, já que cada aluno quer apresentar o melhor resultado e é também muito colaborativa, percebo que aqueles alunos que se sobressaem, gostam de ensinar os outros... é um tal de ir de máquina em máquina mostrando passos... [07PEFII].

Nessa reflexão, o professor distingue a abordagem pedagógica, do material didático digital, e enfatiza que a abordagem construcionista é: “Voltada para o processo de aprendizagem do aluno que interage com o computador na 329


Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

busca de informações significativas para a compreensão, representação e resolução de uma situação-problema [...]” (Almeida, 2000, p. 63). Além dessa abordagem, é importante destacar, também, que o extrato indicaque o professor reconheceseu papel de mediar, no processo de aprendizagem do aluno, assim como a importância do papel do aluno, como autor, usando sua inspiração e criatividade no desenvolvimento da atividade com uso do laptop. A Subclasse2b - Papel do professor e Autonomia do aluno - é construída pelas categorias Professor como mediador [09UCPcp], Autonomia do aluno (protagonismo do aluno) [10UCPcp] e Orientação da atividade contextualizada para a realidade [14UCPcp], como mostra a Figura 7.

Figura 7 – Gráfico da Subclasse 2b - Papel do professor e autonomia do aluno

Essa árvore mostra a importância do papel do professor na mediação, favorecendo o desenvolvimento da autonomia pelos alunos, na utilização do material didático digital na atividade pedagógica, buscando sempre contextualizar essa atividade, como aponta o extrato a seguir: O Scrapbook é interessante para lincar com o jornal da escola. Para fazer as memórias do jornal. O processo, as etapas, as construções de algo para o jornal. Porque seria uma motivação, não só para quem está trabalhando com o Scrapbook, quanto para quem está trabalhando com o projeto do jornal na escola.

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Katia Alexandra de Godoi e Silva

O professor pode mediar à proposta com o uso do Scrapbook. E o aluno tem possibilidade de experimentar; se não gostou, faz outra vez. Por exemplo, a professora estava fazendo um cenário com neve e colocou roupa de calor no avatar. O recurso deixou refazer. Tem essa possibilidade e flexibilidade... Até de organizar o pensamento. Às vezes, no papel, o aluno, vai colocando qualquer coisa. No Scrapbook, ele tem que parar e pensar o que vai escrever naquele espaço. Por exemplo, têm lugares que o aluno não pode digitar muita coisa, o espaço é restrito. Aí tem que avaliar o que é importante para escrever. O aluno tem que pensar o que vai escrever. Em determinado programa, não dá para digitar muitas coisas. O aluno tem que organizar o próprio pensamento. [13FUCA].

O participante que fez essa reflexão sobre o uso do Scrapbook foi a formadora UCA na escola. A formadora acredita que o uso do Srapbook auxilia a estruturar/organizar o pensamento do aluno, que precisará refletir sobre o processo de desenvolvimento da atividade proposta. Nesse caso, poderá ser direcionado para uma atividade contextualizada, como, por exemplo, o Jornal Montoro On-line8, possibilitando que tanto os alunos quanto os professores fiquem motivados com a atividade proposta. A Subclasse 2c - Motivação e A prendizagem significativa é construída pelas categorias M aterial didático digital utilizado na prática pedagógica [02EMDD], Motivação [11UCPcp] e Construção de aprendizagem significativa do aluno [16UCPce], como mostra a Figura 8.

Figura 8 – Gráfico da Subclasse 2c - Motivação e aprendizagem significativa 331


Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

O nível de similaridade entre as duas categorias não é forte (nível 10 - similaridade 0.680282), na análise dessa primeira fase, mas essa relação é significativa para o presente estudo, porque indica a existência de materiais didáticos digitais utilizados na prática pedagógica do professor que podem ser motivadores e possibilitar a construção do conhecimento, a aprendizagem significativa e o compartilhamento das descobertas entre os alunos, como aponta o extrato a seguir. Como o software que mais utilizei no ano de 2011 foi o TuxPaint, penso que ele oferece muitas opções de trabalho para nós, possibilitando que os alunos construam seu conhecimento e desenvolvam a criatividade, ou seja, o TuxPaint é uma ferramenta muito ampla, não se limita a acertar ou errar; de acordo com o seu conhecimento, o aluno vai desenvolver algo utilizando as ferramentas do aplicativo, para isso é necessário que ele esteja motivado e o professor também terá que estar sempre presente, mediando situações, auxiliando os alunos e até mesmo motivando-os. Além disso, esse aplicativo permite a colaboração entre os alunos, pois, através das experiências que vivenciei em minha sala de aula, pude notar que à medida que uma criança descobre algo novo, ela compartilha a descoberta com os colegas e assim todos acabam participando e se desenvolvendo de forma significativa. [02PEFI].

A partir das explicações desse exemplo (sobre a Subclasse c) e corroborando com Mendez e Almeida (2011), o extrato também indica, em uma perspectiva construcionista, a existência de materiais didáticos digitais que possibilitam a motivação dos alunos para explorar e construir caminhos próprios mais elaborados; a interlocução; a busca de alternativas de solução para diferentes problemas; o desenvolvimento da criatividade; a análise; a produção de hipóteses; e a participação ativa dos alunos em atividades 332


Katia Alexandra de Godoi e Silva

pedagógicas propostas por professores que sejam mediadores de seus processos de aprendizagem. A análise geral da Classe 2 indica que os professores têm clareza sobre sua intencionalidade pedagógica, no momento em que adotam uma postura para a escolha crítica dos materiais didáticos digitais que utilizarão emsua prática pedagógica. O interessante, nessa classe, é que a reflexão sobre os critérios pedagógicos, como um eixo norteador, ocorre no momento em que os professores estão aprendendo a analisar os materiais. Esse encadeamento de relações voltadas à escolha e avaliação do material didático digital faz a ligação entre as Subclasses 2a, 2b e 2c, que indicam a existência de critérios com mais similaridade do que os professores utilizam. Esses critérios pedagógicos indicam que os materiais didáticos digitais, a partir de uma abordagem construcionista, podem ser motivadores, viabilizar a construção de conhecimento, a aprendizagem significativa e, consequentemente, o protagonismo do aluno, em atividades pedagógicas contextualizadas propostas por professores que sejam mediadores de seus processos de aprendizagem criativos, cooperativos e colaborativos. Por fim, a Classe 2 completa-se se fechando a si mesma, como mostra a Árvore de Similaridade Critérios pedagó gicos utilizados pelos professores na escolha do material didático digital.

Considerações finais A partir da análise relacional, descrita no tópico anterior, consideramos dois aspectos relevantes, que foi possível desvelar a partir dautilização do software CHIC. O primeiro aspecto refere-se à configuração das duas Classes 1 e 2 da árvore de similaridade, que não apresentam articulação entre si. No entanto, pode ser entendida, pela 333


Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

própria reflexão dos professores, no início das intervenções pedagógicas, ou seja, como as especificidades entre procedimentos de escolha e adoção de critérios pedagógicos de materiais didáticos digitais, nesta fase inicial, a partir de suas experiências prévias. O segundo aspecto está relacionado à articulação entre os critérios emergentes, e a priori, para a escolha de material didático digital. Fica evidente que o foco das reflexões dos professores está centrada nas questões relacionadas à utilização de critérios pedagógicos para a escolha de materiais didáticos digitais, alinhado às especificidades da teoria (re) contextualizada. No entanto, também é possível observar que os professores adotam postura autônoma, crítica e reflexiva para estabelecer outros procedimentos e critérios a partir da compreensão das potencialidades do próprio material, do domínio do conteúdo abordado, das necessidades dos alunos, da possibilidade de exploração de sua autoria e criatividade, assim como da autonomia para a aprendizagem colaborativa e significativa. Por fim, o que mais se destaca na análise relacional são as reflexões, construções e reconstruções dos saberes avaliativos dos professores sobre os procedimentos e critérios pedagógicos utilizados na escolha de material didático digital para utilização emsua prática pedagógica.

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Katia Alexandra de Godoi e Silva

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Saberes Avaliativos Contextuais de Professores Mobilizados...

Notas 1 Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Pós-Doutoranda do PPG Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande Mato Grosso do Sul. Bolsista PNPD/Capes. E-mail: katigodoi@gmail.com 2 No ano de 2007, o projeto Um Computador por Aluno (UCA) tem início como uma política pública brasileira e, no mesmo ano, aplica-se o pré-piloto em cinco escolas públicas brasileiras, localizadas em São Paulo/SP, Porto Alegre/RS, Palmas/TO, Piraí/RJ e Brasília/DF. Em 2010, o projeto UCA entra na fase piloto, abrangendo aproximadamente 300 escolas públicas brasileiras, baseado no pressuposto da formação de recursos humanos.

O Ambiente Colaborativo de Aprendizagem (e-Proinfo) permite a concepção, administração, desenvolvimento e apoio de cursos a distância. 3

Os fóruns de discussão utilizados neste estudo foram: Fórum 1 – Reflexão sobre a escolha de material didático digital. (Disponível de 3 de julho a 30 de dezembro de 2011); Fórum 2 – Reflexão sobre utilização de critérios de escolha de material didático digital. (Disponível de 25 de agosto a 30 de dezembro de 2011). 4

O webQDA (web Qualitative Data Analysis) é um software de análise de dados qualitativos num ambiente on-line colaborativo (WebQDA, 2014).

5

6 Embora a análise interpretativa tenha identificado 19 categorias, quatro delas (05EMDD – Plano de ação com o uso do MDD; 07EMDD – Verificação dos conhecimentos prévios dos alunos; 18UCPce – Facilidade de uso; 19UCPce - Interação) não foram visualizadas no gráfico da árvore de similaridade (Figura 1) pelo fato de sua ocorrência ter sido igual ou menor que dois, valor considerado irrelevante para os cálculos efetuados pelo software CHIC, neste estudo.

Essa codificação foi construída por um número (correspondente aos 12 professores e às duas gestoras participantes da pesquisa), em sequência, e por letras, que se referem ao mnemônico do nível de ensino que o professor atua e/ou cargo que ocupa, como: PEFI = Professor do Ensino Fundamental I, PEFII = Professor do Ensino Fundamental II, FUCA = Formadora UCA e GT = Gestora (Diretora). 7

O Jornal Montoro On-line foi concebido no Projeto de Gestão de Integração das Tecnologias na Escola (Progitec). Esse projeto foi pensado e elaborado pelos professores e gestores no final da Formação Inicial do Projeto UCA, no ano de 2010. 8

336


Capítulo 14

Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores no Brasil e em Portugal Flaviana dos Santos Silva1

Introdução

O

conceito de comunidade de prática está embasado na concepção adotada por Wenger (1996), que, em seu estudo, o preconizou como “caracterizar grupos de pessoas que aprendem juntas” e também na trazida por Reinhard e Humes (2004, p.27), que o define como um grupo de “profissionais, informalmente relacionados uns com os outros através da exposição a uma classe comum de problemas, a uma busca comum de soluções, e deste modo incorporando o conhecimento”. As comunidades de prática têm sido objeto de estudos e pesquisas. Grande parte dos resultados publicados recentemente está direcionado para a área de gestão do conhecimento organizacional em empresas, especificamente de engenharia e administração. Nessa direção, é pertinente desenvolver pesquisas na área educacional sobre como identificar grupos de professores que participam de comunidades de prática, e como esses grupos podem ser assim caracterizados; quais são as atividades desses grupos; o que motivou a participação dos professores; e quais são as contribuições na prática pedagógica. 337


Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

A comunidade de prática pode ser uma alternativa para promover mais do que “o conhecimento técnico ou habilidade associada aos empreendimentos das atividades, requerendo que os membros estejam envolvidos e responsabilizados em relacionamento com o tempo” (Wenger, 1998, p. 5). Para tanto, na pesquisa de doutorado realizada sobre o tema (Silva, 2013), no Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) foram levantados os indicadores de potencial, concebidos na investigação como um instrumento que permite identificar as peculiaridades das atividades desenvolvidas na Comunidade de Prática (COP) on-line com o intuito de contribuir com a formação de professores. A partir desse conceito, na pesquisa, foram analisados quais indicadores de potencial das COP on-line no Brasil e em Portugal favorecem a formação dos professores no desenvolvimento de competências pedagógicas com o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). No próximo item, é apresentada a metodologia para o desenvolvimento da pesquisa.

Metodologia A investigação foi realizada no período de março de 2010 a agosto de 2013, no Brasil e em Portugal. Em ambos os países, foram eleitas sete COP on-line, todas de cunho educacional. No Brasil, foram selecionadas cinco COP on-line: Grupo de Estudos Educar na Cultura Digital (Educared, 2010), Comunidade Práxis (Comunidade Práxis, 2010), Grupo de Sábado (GDS) (Grupo de Sábado, 2011, Portal do Professor (MEC, 2011) e Nética (Nética, 2010). Em Portugal, foram selecionadas duas COP on-line: @rcacomum (Arca Comum, 2011; Miranda, 2009), e também Pigafetta (Pigafetta, 2011; Osório, 2011). No Quadro 1, é apresentada a quantidade de participantes na pesquisa. 338


Flaviana dos Santos Silva

Quadro 1 – Quantidade de participantes das COP on-line COP on-line investigadas no Brasil

Participantes das COP on-line no Brasil e em Portugal

GDS

Práxis

Educar na Cultura Digital

Nética

Portal do Professor

6

7

5

3

8

COP on-line investigadas em Portugal Arca Comum Pigafetta 6

3

A abordagem metodológica adotada foi a pesquisa-ação (Barbier, 2007; Thiollent, 2011; Chizzotti, 2008), por se tratar de um processo investigativo em que há a participação da pesquisadora desde a concepção. Para a investigação, foram adotadas as seguintes técnicas de coleta de dados: revisão bibliográfica; coleta de documentos; entrevistas; aplicação de questionários com os sujeitos; e também registros dos fóruns de discussão nos ambientes on-line pesquisados nas sete COP on-line investigadas no Brasil e em Portugal. Com o propósito de conhecer o contexto das COP on-line, parte da coleta de dados foi realizada durante o estágio doutoral, no Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM), em Braga, Portugal, no período de 1o de setembro a 15 de dezembro de 2011, com orientação do professor Dr. Antônio José Meneses Osório. No percurso metodológico, a análise e a interpretação dos dados, nesta pesquisa, foram construídas a partir da definição de sete indicadores de potencial e de 60 indicadores que emergiram da teoria estudada e dos dados coletados nas COP on-line. Para tal, foi adotadoo método estatístico de dados multidimensionais, denominado classificação hierárquica de simi339


Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

laridade. Este é realizado, especificamente, com o “cruzamento de sujeitos (ou objetos) e variáveis (propriedades ou atributos) binárias, ordinais ou numéricas” (Almouloud, 1997, p. 306). Dessa forma, os indicadores foram analisados pelo critério de ocorrência ou não, ou seja, pela presença ou ausência do indicador emergente. Assim, no processo de análise dos dados, foi utilizada a versão 3.5 do software Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive (CHIC) para gerar as árvores de similaridade. A justificativa para o uso desse software foi o fato de deparar-se com significados, semelhanças, ou contradições, no decorrer da análise dos dados. Na preparação dos dados para serem inseridos no CHIC, foram codificados os indicadores de potencial e os emergentes em variáveis. Para cada indicador de potencial, foi atribuída uma sigla correspondente ao código. No Quadro 2, é mostrada a codificação de cada indicador de potencial e sua definição.

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Flaviana dos Santos Silva

Quadro 2 – Codificação e definição dos indicadores de potencial Código IPI

IPII

IPIII

IPIV

IPV

IPVI

IPVII

Definição do Indicador de Potencial O professor participa das Interesse em compartilhar atividades na comunidadee experiências pedagógicas explicita as próprias experiências O professor apresenta empenho, Construção de relações mútuas expõe suas ideias e faz comentários sobre as ideias dos ao participar da comunidade membros O professor soluciona os problemas do cotidiano com informações advindas da Formação pedagógica e comunidade, reflete sobre as profissional em uma comunidade atividades realizadas no contexto de prática de atuação, adquire habilidades pedagógicas e profissionais ao participar da comunidade O professor, ao ser membro de Benefícios da participação em uma comunidade, ressignifica as próprias práticas e tem uma comunidade de prática desenvolvimento profissional Recontextualização dos O professor planeja suas aulas, conhecimentos construídos na a partir das experiências comunidade em sua realidade compartilhadas Sentido de participar de uma O professor expõe os benefícios comunidade para a sua formação de participação na comunidade à pedagógica e profissional sua prática Atendimento às expectativas O professor mantém sua do professor pelos membros da participação na comunidade comunidade Indicador de Potencial

Os indicadores emergentes também foram codificados como variáveis e seguiram a organização de (X)IP(Y). A variação de X é crescente e iniciada em um algarismo arábico; a variação em Y é crescente e corresponde a algarismo romano, referente ao indicador de potencial. Assim, o código 01IPI é o primeiro indicador emergente do indicador do potencial I. Essa regra é válida para os demais indicadores emergentes. Após a codificação dos indicadores de potencial e dos indicadores emergentes, na análise, foram elaboradas sete planilhas no software Excel, com extensão do arquivo. CSV 341


Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

de dupla entrada. Na primeira linha da planilha, foi inserido o conjunto de indicadores emergentes relacionado a cada indicador de potencial e, em seguida, na primeira coluna, os extratos textuais codificados. O código dos extratos seguiu a mesma lógica da codificação dos indicadores, ou seja, o código (X)EIP(Y) para os extratos das COP on-line investigadas. As planilhas foram compiladas no software CHIC, com o fim de demonstrar as sete árvores de similaridades. Nas árvores de similaridades, foram identificados Grupos compostos de Subgrupos, ou seja, Classes e Subclasses de indicadores de potencial e de indicadores emergentes, correspondentes a variáveis. Nos Grupos e Subgrupos foram identificados os nós significativos. Vale salientar que, em uma árvore de similaridade, o nó é considerado significativo, ou mais forte, quando o software CHIC o destaca na cor vermelha. Esse nó poderá se localizar em qualquer um dos níveis de similaridade. A interpretação dos nós significativos nos Grupos e nos Subgrupos se construiu de acordo com os níveis de similaridade, do mais forte para o mais fraco. Os níveis de similaridade na investigação foram constituídos em uma sequência, conforme os números 1o, 2o, 3o, 4o e assim por diante. Na árvore de similaridade, o nó em 1o nível localiza-se mais próximo à base da árvore. Quanto mais o nó se distanciar da base da árvore, o seu nível de similaridade será enfraquecido, passando para os níveis seguintes, 2o, 3o, etc. Considera-se que a base da árvore de similaridade é a linha composta pelos indicadores emergentes, de onde partem as relações. O detalhamento da interpretação, a análise dos dados e os principais resultados constamdo item a seguir.

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Flaviana dos Santos Silva

Principais resultados Neste item é apresentada a relação mais forte destacada pelo nó significativo nas sete árvores de similaridade. A primeira árvore de similaridade que representa o indicador IPI é mostrada na Figura 1, o que permite verificar os níveis de convergências entre os indicadores emergentes.

Figura 1 – Árvore de similaridade do 1o indicador de potencial

Na árvore, observa-se apenas o chamado de Grupo 1, que conecta todos os indicadores emergentes. O Grupo 1 é formado pelos Subgrupos 1a e 1b. Assim, foi possível definir o Grupo1 = (Subgrupo 1a+Subgrupo 2b); Subgrupo 1a = (01IPI+03IPI+02IPI); e Subgrupo1b = (04IPI+05IPI). O nó constituído pela relação no Subgrupo1b = (04IPI+ 05IPI) é o mais significativo e está no nível 1o. Esse nó revela que os participantes das COP on-line investigadas têm interesse em debater o tema das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na educação, com outros profissionais, em busca de construir conhecimentos a respeito de novos projetos em sua área de atuação. Os extratos que mostram tal situação são apresentados na sequência.

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Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

Discutir sobre o uso das TICs na sala de aula com outros profissionais. (130EIPI). Tomar conhecimento de projetos, partilhar experiências, aprender com os meus pares, ampliar a minha rede de relações profissionais. (128EIPI).

Os aspectos contidos nos extratos evidenciam que o contato com outros profissionais permite o “diálogo reflexivo com a prática – com a situação problemática se estabelece um dinamismo de novas ideias e novas pistas, que demandam do professor uma nova forma de pensar e agir mais flexíveis” (Prado; Valente, 2003, p. 38). A árvore de similarida demostrada na Figura 2 refere-se ao indicador IPII.

Figura 2 – Árvore de similaridade do 2o indicador de potencial

Na árvore, é explicitado o Grupo 2, formado por todos os indicadores emergentes. Esse grupo deu origem a três Subgrupos, constituídos por: Grupo2= (Subgrupo2a+Subgrupo2b+Subgrupo2c) e compostos por: Subgrupo2a= (08IPII+09IPII+10IPII+14IPII); e Subgrupo2b= (11IPII+12IPII);Subgrupo2c= (06IPII+07IPII+13IPII); oito níveis de similaridades, que são demarcados em 344


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linhas horizontais (1o, 2o, 3o, 4o, 5o, 6 o, 7o e 8o) e dois nós significativos. O nó mais significativo se encontra no nível 1o, delimitado pelo Subgrupo 2a. Esse nó relaciona-se com os indicadores emergentes 09IPII e 10IPII. Ficou explícito que, quando ocorre a colaboração e o acolhimento de profissionais de diferentes áreas, em uma COP on-line, os participantes sentem-se motivados a construir relações de forma mútua para participar das atividades propostas. O extra toque confirma tal cenário é exposto em seguida: Depois que tomei conhecimento da Comunidade e a partilhar as nossas práticas, a colocar questões, a pedir opiniões e sugestões, tínhamos sempre uma resposta, quer de educadores mais experientes, quer da própria mentora do projeto. (06EIPII).

Assim, é possível inferir que ocorreu o engajamento mútuo dos participantes, segundo Wenger (1998), envolvendo as habilidades e competências de cada um. Para o autor, cada um deles possui identidade única, tem espaço próprio e também participa do coletivo, e identifica que essas características favoreceram a construção de relações mútuas (Homans, 2009). No 7o nível da árvore de similaridade, emerge outro nó significativo, formado pela relação entre os Subgrupos 2a e 2b. Essa relação evidencia que fatores como a colaboração, interação e identificação de problemas do contexto são indicativos de emergência para compreender as demandas das COP on-line. O extrato a seguir anuncia esse fator: (...) necessidade de interagir com colegas diferentes para identificar problemas do meu dia a dia. (8EIPII).

A terceira árvore de similaridade mostra as relações do IPII, que são apresentadas na Figura 3. 345


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Figura 3 – Árvore de similaridade do 3o indicador de potencial

A árvore de similaridade é formada pelos Grupos 3 e 4, que estão isolados, mas apresentam relações próprias entre si. O Grupo 3 é composto pelos Subgrupos 3a e 3b, ou seja, Grupo3 = (Subgrupo3a + Subgrupo3b). Os Subgrupos 3a e 3b são constituídos por: Subgrupo3a = (15IPIII+18IPIII+19I PIII+25IPIII); Subgrupo3b = (22IPIII+23IPIII). O Grupo 4, é formado pelos grupos 4a e 4b: Grupo4 = (Subgrupo4a+ Subgrupo4b); o Subgrupo4a = (16IPIII+24IPIII+26IPIII) e o Subgrupo4b = (17IPIII+20IPIII+21IPIII) e possui dez níveis de similaridade, demarcados com linhas horizontais. Observam-se dois nós significativos no Grupo 3. O Subgrupo 3a apresenta nó significativo em 1o nível (o mais forte), formado pela relação entre os indicadores emergentes 19IPIII e 25IPIII. Sinaliza que a identificação de estratégias pedagógicas apresentadas na comunidade contribuiu de forma significativa com o planejamento de novas práticas, a partir das atividades propostas. O próximo extrato apresenta tal fato. Considero como atividade mais importante a elaboração e proposta de sugestões de aula, pois o contato com tais sugestões favorece para que o professor avalie suas práticas, até mesmo por um processo de comparação daquilo que é proposto com aquilo que realiza. (105EIPIII). 346


Flaviana dos Santos Silva

No extrato, há evidências de que, ao se deparar com outras práticas, o professor tem oportunidade de refletir sobre o seu contexto de atuação, promovendo, assim, a formação pedagógica e seu desenvolvimento profissional. Conforme explicita Fernández Pérez (1988, p. 40), “o eixo ou espinha dorsal do aperfeiçoamento dos professores tem de ser a sua prática diária nas escolas”. No Subgrupo 3a, observa-se o nó significativo no o 8 nível, apontando a relação entre os indicadores emergentes 15IPIII e 18IPIII. Trata da participação em fóruns de discussão para propiciar o desenvolvimento de habilidades pedagógicas. O extrato a seguir traz essa constatação. Refletir sobre como pode ser feito e propor parâmetros para o uso das tecnologias nas aulas de Língua Inglesa da Educação Básica, de modo que a sala de aula se torne um ambiente de aprendizagem, a partir da prática de elaboração de sugestões de aula, pesquisa teórica e debate (apesar de mínimo) com professores na área “Fórum” do Portal do Professor. (94EIPI).

A quarta árvore de similaridade representa as relações pertinentes ao IPIV. Sua construção é visualizada na Figura 4.

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Figura 4 – Árvore de similaridade do 4o indicador de potencial

A árvore de similaridade é formada pelos Grupos 5 e 6, que estão isolados, mas demonstram relações próprias entre si. O Grupo 5 é formado pelo Subgrupo 5a e o indicador emergente 30IPIV, ou seja, Grupo5 = (Subgrupo5a+30IPIV). O Subgrupo 5a é constituído pelos indicadores emergentes 27IPIV e 29IPIV: Subgrupo 5a = (27IPIV+29IPIV). O Grupo 6 é formado pelos Subgrupos 6a e 6b e o indicador de potencial 28IPIV, ou seja, Grupo6=(Subgrupo6a+Subgrupo6b+28IPIV); Subgrupo6a=(31IPIV+37IPIV +32IPIV+36IPIV+33IPIV); Subgrupo6b = (34IPIV+35IPIV). No Subgrupo 6a, observam-se três nós significativos, nos níveis 1o, 5o e 7o. No 1o nível do Subgrupo 6a, o nó significativo é formado pelos indicadores emergentes 32IPIV e 36IPIV. Mostra que proporcionou a tomada de decisão ao resolver problemas de seu contexto de atuação. Na sequência, é apresentado o extrato que evidenciaa relação. O maior benefício diz respeito a ampliar a compreensão e auxiliar na tomada de decisão em meu trabalho: uso de tecnologias em educação. (142EIPIV).

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Flaviana dos Santos Silva

Nesse mesmo subgrupo, é possível observar forte relação desse nó com outro nó formado em 5o nível. Esse nó é composto por outra relação, em 2o nível, entre os indicadores emergentes 31IPIV e 37IPIV, que revelou troca de experiência entre diferentes profissionais, e permitiu a reflexão sobre os problemas encontrados no contexto. O extrato apresentado na sequência ajuda a elucidar essa evidência Considero a formação profissional algo que se dá constantemente e a participação neste grupo possibilita reflexões sobre as práticas cotidianas que me ajudam a aprofundar o nível de compreensão dos problemas e situações que enfrento na minha prática profissional. Além disso, a troca com diversos profissionais que atuam em diferentes espaços escolares me ajuda a ampliar a compreensão dos temas que estudamos. (76EIPIV).

É possível notar que o participante percebeu como benefício que, ao pertencer à COP on-line, a formação profissional é constante. Os participantes buscam compreender os problemas cotidianos com o diálogo, as trocas com outros colegas e com os pesquisadores da COP on-line. Decorrente dessas relações, surge o nó formado em 3o nível, com o indicador emergente 33IPIV, que enfatiza a necessidade de serem propostas, na COP on-line, atividades que provoquem reflexões sobre a prática cotidiana e gerem mudanças pedagógicas. Tal fato pode ser observado no seguinte extrato Um dos muitos benefícios é poder inovar nas aulas, mesmo em conteúdos que se repetem. (108EIPIV).

A quinta árvore de similaridade é composta pelas relações dos indicadores emergentes do IPV. A Figura 5 apresenta a árvore compilada no software CHIC. 349


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Figura 5 – Árvore de similaridade do 5o indicador de potencial

A quinta árvore de similaridade é composta pelo Grupo 7, formado pelos Subgrupos 7a e 7b, que possuem relações entre si: Grupo7 = (Subgrupo7a+Subgrupo7b). O Subgrupo 7a é constituído pelos indicadores emergentes 38IPV, 39IPV e 40IPV, ou seja, Subgrupo7a=(38IPV+39IPV+40IPV). O Subgrupo7b é constituído pelos indicadores emergentes 41IPV, 42IPV: Subgrupo7b = (41IPV+42IPV). O Subgrupo 7a apresenta dois nós significativos, no 1o e no 3o nível. O primeiro nó, formado pelos indicadores emergentes 39IPV e 40IPV, indica que os participantes aplicam os conhecimentos construídos na COP on-line ao expandir suas práticas, por meio da oferta de cursos de formação para os demais colegas em seu ambiente de atuação. A partir das discussões com o grupo e da vivência, como coordenadora pedagógica numa escola particular, propus aos professores que pudéssemos estudar e reorganizar o currículo da nossa escola na área de matemática para as turmas da Educação Infantil. As discussões com o Grupo de Sábado colaboraram para que eu pudesse aprofundar nossas reflexões na escola. Conseguimos ampliar nosso trabalho e hoje estamos desenvolvendo um projeto de resolução de problemas que atinge as crianças da Educação Infantil aos estudantes do Ensino Fundamental. Todos estão aprendendo. (81EIPV). 350


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Do extrato apresentado, é possível inferir que os participantes buscam compartilhar com os colegas de trabalho os conhecimentos construídos na COP on-line, e podem criar condições para modificar a realidade ou promover mudanças pedagógicas na escola. Com a participação na COP on-line, tiveram a oportunidade de reorganizar o currículo na escola em que atuam; passaram a elaborar projetos que emergiam do contexto; e buscaram a resolução dos problemas de forma conjunta. A partir dessas relações, observa-se que há outro nó significativo, formado pelo indicador emergente 38IPV, que se refere à aplicação de estratégias aprendidas na COP on-line em situações de sala de aula. Já tenho aplicado os vários conhecimentos aprendidos no Portal do Professor em meu contexto de atuação. Posso citar rapidamente, como um exemplo de experiência de sucesso, a proposta de que os alunos elaborem diálogos em Inglês, gravando-os posteriormente no formato de áudio ou vídeo. A análise e discussão do resultado de tais trabalhos influenciam fortemente na conscientização a respeito de aspectos relacionados ao uso do idioma proposto para a comunicação, tais como ritmo da fala, entonação e construção das frases. É o aluno que pode, devido ao registro da atividade, refletir sobre e concluir sobre seus resultados, buscando melhorar, a partir da mediação do professor. (114EIPV).

A partir do extrato, fica evidente que a COP on-line favorece a construção de novas práticas pedagógicas e sua recontextualização no contexto de atuação dos participantes. A sexta árvore é apresentada na Figura 6 erepresenta as relações dos indicadores emergentes no IPVI.

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Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

Figura 6 - Árvore de similaridade do 6o indicador de potencial

A árvore de similaridade é formada pelo Grupo 8, que é composto pelos Subgrupos 8a, 8b, 8c e 8d, Grupo 8 = (Subgrupo8a+Subgrupo 8b+Subgrupo8c+Subgrupo8d). Cada Subgrupo é constituído de indicadores emergentes, ou seja, Subgrupo8a=(49IPVI+50IPVI+51IPVI); Subgrupo8b=(43IPVI+44IPVI+46IPVI); Subgrupo8c=(47IPVI+52IPVI); Subgrupo8d=(45IPVI+48IPVI). No Subgrupo 8a, é possível observar dois nós significativos, no 1o nível e no 6o nível. Nos outros grupos, observam-se outras relações não tão fortes, porém significativas para esta pesquisa. No 1o nível do Subgrupo 8a, a relação que dá origem ao primeiro nó é composta pelos indicadores emergentes 50IPVI e 51IPVI, que revelaram a ampliação da rede de comunicação, e permitiram se deparar com situações que favorecem sua reflexão. O extrato na sequência evidencia esse fator. O contato regular com profissionais de outras instituições e organizações de que tem um interesse comum sempre é benéfico, já que amplia nosso horizonte e nos faz ver situações diferentes, que trazem elementos para reflexão sobre nossa prática e/ou desenvolvimento profissional. Isso permite o aperfeiçoamento e também oferece um apoio em face das mu-

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danças/resolução de desafios encontrados. (152EIPVI).

A relação desse nó com o indicador emergente 49IPVI fez surgir um novo nó, em 6o nível, indicando momentos em que os participantes percebem mudanças pedagógicas ao participar de uma COP on-line, fator relevante para sua formação profissional. Esse posicionamento fica evidente no extrato a seguir A participação no Portal do Professor favoreceu para que, em minha prática pedagógica, eu tenha mais assertividade e clareza ao adotar determinadas estratégias, práticas e ferramentas (tecnológicas), considerando o contexto com a necessidade do aluno, com o conteúdo que busco desenvolver. (147EIPVI).

A sétima árvore de similaridade é apresentada na Figura 7.

Figura 7 – Árvore de similaridade do 7o indicador de potencial

A sétima árvore de similaridade é formada pelo Grupo 9, composto pelos Subgrupos 9a, 9b e 9c: Grupo9 = (Subgrupo9a+Subgrupo9b+Subgrupo9c). Todos os Subgrupos apresentados possuem relações entre si, revelando o entroncamento dos nós significativos. O Subgrupo 9a é formado 353


Comunidades de Prática On-line na Formação de Professores...

pelos indicadores emergentes 53IPVII, 54IPVII, 56IPVII e 60IPVII: Subgrupo9a = (53IPVII+54IPVII+56IPVII+60I PVII). O Subgrupo9b é composto pelos indicadores emergentes 55IPVII e 58IPVII: Subgrupo9b = (55IPVII+58IPVII) e o Subgrupo9c é constituído pelos indicadores emergentes 57IPVII e 59IPVII: Subgrupo9c=(57IPVII+59IPVII). No Subgrupo9a, verifica-se forte relação entre os indicadores emergentes 53IPVII e 54IPVII. Desta relação, surge o nó significativo em 1o nível. Indica que as expectativas do participante são atendidas, quando este estabelece relações mútuas, harmônicas, ou conflituosas, com o propósito de dar continuidade ao compartilhamento de práticas pedagógicas. Essa relação é fortalecida com a conexão desse nó com o indicador emergente 56IPVII, que revela a importância de delinear ações pedagógicas, ou seja, planejar novas práticas, a partir das experiências compartilhadas. Essa confirmação pode ser vista no próximo extrato. Foi muito positiva a minha adesão ao GDS e todas as minhas expectativas foram de fato atendidas, as principais foram: - Vivenciar a colaboração; - Partilhar as experiências e, por conseguinte, delinear ações educativas eficientes; - Adotar uma prática docente “muito mais” reflexiva; - Investigar, escrever e partilhar as experiências construídas no meu cotidiano do trabalho docente. (89EIPVII).

A ligação das relações apresentadas anteriormente com o indicador emergente 60IPVII originou outro nó significativo, no 4o nível. Este revela que, ao manter o contato com profissionais, permanecendo os debates, a troca de práticas contextualizadas e a proposição de ações pedagógicas, é favorecido o aperfeiçoamento da própria prática pedagógica.

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Minhas expectativas vão sendo atendidas a cada novo encontro e a cada novo estudo. Algumas delas: - ter parceiros interessados em discutir as experiências escolares com maior profundidade; - ter acesso a informações, conceitos, estudos para além da minha formação profissional, pois participo de um grupo de estudos sobre matemática e não sou professora de matemática, sou pedagoga; - a possibilidade de socializar minhas experiências e discuti-las com parceiros que me ajudam a ampliar a compreensão sobre aquilo que faço no contexto profissional; - a singular experiência dos registros das narrativas sobre o próprio trabalho e o exercício de compartilhar estas produções escritas. (90EIPVII).

Com o extrato apresentado, fica evidente que as atividades propiciaram experiências de construir parcerias com interesses comuns. Os participantes reconhecem a importância de ter acesso a informações que favorecem o desenvolvimento pedagógico e a formação profissional. A conexão do Subgrupo 9b com o Subgrupo 9a é gerada por outro nó significativo, em 6 o nível. Indica que, na COP on-line, os participantes sentiram-se acolhidos e incentivados a compartilhar práticas e buscar soluções para os problemas vivenciados no contexto. Nota-se que foi importante produzir um clima de cordialidade entre os participantes.

Considerações finais A investigação teve o propósito de analisar quais indicadores de potencial das COP on-line no Brasil e em Portugal favorecem a formação dos professores no desenvolvimento de competências pedagógicas com o uso das TDIC. A identificação dos sete indicadores de potenciais e 60 indicadores emergentes, a partir dos extratos coletados nas 7 (cinco) COP on-line, permitiu analisar, com o método 355


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estatístico multidimensional da classificação hierárquica de similaridade (Almouloud, 2007), os dados coletados com o auxílio do software CHIC. Com isso, foi possível evidenciar os nós significativos com diferentes níveis de similaridades, os quais indicaram atenção em aspectos ou características particulares das COP on-line para contribuirno desenvolvimento de competências pedagógicas para o uso das TDIC. Neste sentido, é importante ressaltar alguns desses aspectos das COP on-line: • O compartilhamento de experiência em uma COP on-line ocorre quando são propostas atividades que permitem construir conhecimento sobre projetos favorecendo a participação em debates sobre as TDIC; • A construção de conhecimentos na COP on-line, no contexto de atuação do professor, propicia a expansão de suas práticas por meio da oferta de cursos de formação para outros colegas, em busca de modificar a realidade ou promover mudanças pedagógicas na escola; • A importância atribuída, pelo professor, em participar de uma COP on-line é que ele passa a compreender melhor o seu papel enquanto agente de mudanças que planifica e reflete sobre suas ações pedagógicas em sala de aula. O uso do software CHIC nesta pesquisa permitiu levantar inúmeras características específicas das COP on-line investigadas. Analisar as semelhanças e similaridades entre os dados sem o auxílio desse software não seria possível. Destaca-se que o uso do software CHIC permitiu a construção de conhecimentos estatísticos e técnicos sobre o problema estudado, necessários à organização e interpretação dos dados. Com a pesquisa, foi possível adentrar no universo das COP on-line e aprender como identificar, caracterizar e criar 356


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uma COP on-line com vistas à formação compartilhada de professores. Além disso, foi possível vivenciar, durante o estágio científico doutoral, na Universidade do Minho, um acervo cultural e acadêmico de uma comunidade europeia que contribuiu com elementos culturais, metodológicos e teóricos ao desenvolvimento desta pesquisa.

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Flaviana dos Santos Silva

Nota 1 Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus/BA. E-mail: flavianadss@gmail.com

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Capítulo 15

Curso de Pedagogia a Distância: contribuições do CHIC na organização e interpretação dos achados de pesquisa Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida1 Leila Rentroia Iannone2 Maria da Graça Moreira da Silva3

Apresentação

E

ste artigo é produto da pesquisa “Educação a distância: oferta, características e tendências dos cursos de Licenciatura em Pedagogia”4, cujo principal objetivo foi investigar a formação de professores dos cursos de Licenciatura em Pedagogia a Distância, com a finalidade de mapear, descrever e analisar como são projetados pelas instituições, as condições de oferta, além de suas características e tendências no cenário brasileiro. Os dados consolidados e respectivas análises oferecem subsídios ao desenvolvimento de cursos de pedagogia a distância e podem tornar-se uma referência para as licenciaturas em diferentes áreas de conhecimento como, também, para outros cursos de graduação a distância. Foram consideradas no estudo as mudanças cumulativas na legislação e suas

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contribuições para o aperfeiçoamento da formação oferecida em Cursos de Licenciatura em Pedagogia a Distância. A investigação, relevando a conjuntura da educação no Brasil, teve dois focos principais: Formação Docente em nível superior para atuar na Educação Básica, exigência preconizada pela Lei nº 9.394/96, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Brasil, 1996); oferta de cursos de licenciatura a distância para viabilizar a expansão e interiorização da formação de professores, necessidade urgente para a melhoria da educação nacional. A oferta de cursos de licenciatura a distância, especialmente de pedagogia, cresceu vertiginosamente na última década, a partir da exigência de formação em nível superior para o exercício da docência na Educação Básica (artigo 62 da LDB) e, hoje, congrega enorme contingente de estudantes. Dessa realidade emergiu o interesse em analisar a concepção dos cursos de pedagogia a distância, em que condições ocorrem as ofertas, suas características e tendências.

Formação de professores no Brasil: breve exposição do panorama histórico A pedagogia é tratada no léxico como a ciência da educação das crianças, jovens e adultos, estudando os problemas relacionados ao seu desenvolvimento; a educação é o ato de aplicar métodos para promover a formação e o desenvolvimento humano, englobando qualquer estágio desse processo (Houaiss; Villar, 2001). A pedagogia destina-se à formação do ser humano, para além da formação escolar e respectivos métodos de ensino, envolvendo o educando, o educador, a escola, o conhecimento, os equipamentos culturais e as relações que se estabelecem entre todos esses elementos. O fenômeno educativo ocorre em distintos tempos, espaços, modalidades 361


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e contextos e a pedagogia como prática social, promotora do desenvolvimento e da aprendizagem, envolve objetivos, metodologias e formas de organização dos processos formativos, o que “implica objetivos éticos e projetos políticos de gestão social” (Libâneo, 2001, p. 9). Conhecer a trajetória da institucionalização das escolas e o início do processo de formação dos professores é fundamental para a compreensão de como se configura a pedagogia na atualidade. Segundo o pensador italiano Antonio Santoni Rugiu (1998), os professores aprendiam o exercício da profissão na relação mestre-aprendiz, por meio do “aprender fazendo”, até o século XVII. Esse saber artesanal da pedagogia inspirou muitos dos pensadores modernos como Locke, Rousseau e Dewey. Esse cenário, entretanto, altera-se com a necessidade da universalização da educação elementar, decorrência do processo de industrialização, iniciado no Reino Unido em meados do século XVIII. Surgem os sistemas nacionais de ensino, constituídos por conjuntos de escolas, que seguiam um padrão de organização e necessitavam de professores para funcionar. Essa contingência definiu a demanda de formação de professores em grande escala e a criação das chamadas escolas normais, destinadas a esse fim (Saviani, 2006). No Brasil, os impactos decorrentes do processo de industrialização no estabelecimento da educação formal e na formação de professores evidenciaram-se pelas sucessivas peças legislativas exaradas no período compreendido entre 1832 a 1892: • Constituinte de 1823, dando origem à primeira Constituição do Império, outorgada em 22 de abril de 1824, garantindo a instrução pública, sem criar, no entanto, um sistema nacional de educação. • Lei das Escolas de Primeiras Letras (Brasil, 1827) que indicou a formação de professores nas escolas normais 362


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públicas, sob a égide do modelo educacional europeu, especialmente o da França. A Lei Imperial de 1827 definiu, em seu Artigo 1º, a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais habitados do Império. Esta Lei preconizava que o currículo das escolas normais de formação de professores tivesse como ênfase a formação mínima e necessária dirigida ao ensino dos alunos das Escolas de Primeiras Letras. Assim, ao professor cabia o domínio de um repertório condicionado aos anos iniciais da escolarização. O cenário da educação e da formação profissional dos professores recebeu, ainda, como objeto de políticas públicas, outras disposições legislativas: • Ato Adicional, (1834) que indicou a relativa descentralização educacional como um “dever das províncias” (Sucupira, 1996, p. 59), responsabilizadas pelo ensino primário. • Criação da primeira Escola Normal no Brasil pelo Decreto n° 10/35, de 1º de abril de 1835, Escola Normal de Niterói, com o objetivo de formar professores para o Ensino Primário. Segundo a legislação da Escola Normal, para matricular-se bastava ao interessado saber ler, escrever e ser cidadão “instruído com certidão de idade e atestação de boa conduta” (Rio de Janeiro, 1835). A Constituição Republicana de 1891, em seu Artigo 34, atribui “privativamente” ao Congresso Nacional, a organização do Ensino Superior, pela seguinte redação: artigo 30º - “legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o Ensino Superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União;” e, no artigo 35º incumbe “não privativamente” ao Congresso Nacional “3º) criar instituições de Ensino Superior e secundário nos Estados” (Brasil, 1891). 363


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Desde sua institucionalização até meados do século XX, a Escola Normal constituiu-se como o ethos principal de formação docente. Foi a responsável pela consolidação de uma “cultura pedagógica” (Martins, 2009) 5 na formação de professores, inicialmente, do então denominado Ensino Primário e, posteriormente, das séries iniciais do 1º grau e, mais tarde, do Ensino Fundamental. Diante da necessidade em resolver como e onde formar os professores para as Escolas Normais – EN e da demora de respostas efetivas do governo, que mantinha um modelo de formação criado no século XIX, os intelectuais brasileiros apontaram a urgência na reformulação dos currículos, atualizando os conteúdos básicos de formação, ainda com enfoque europeu, aproximando-os dos problemas sociais do Brasil. Dessa contingência, surgiu, então, um movimento que teve início no Distrito Federal e se disseminou por alguns estados, originando uma reforma6 educacional articulada por Anísio Teixeira (1932) que influenciaria a organização e as propostas progressistas sobre educação e formação pedagógica no futuro. O diploma de licenciado em pedagogia tornou-se exigência obrigatória para o “exercício do magistério em cursos de formação de professores de 1º grau, e o diploma de bacharel em Pedagogia para o exercício dos cargos técnicos em educação” (Quaresma, 1997, p. 551)7, a partir de 1943. A Constituição da República do Brasil de 1988 estabeleceu novos parâmetros e orientações para o Ensino Superior e influenciou positivamente o ensino brasileiro. Nessa ocasião, foram produzidos pareceres e sugestões, para adequar o sistema educacional às disposições legais, que vieram a culminar com a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei n° 9.394/968. Entre avanços e retrocessos, o curso de Pedagogia foi orientado por meio de decretos, pareceres, resoluções que oscilavam entre concepções distintas, deixando em 364


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evidência as incertezas do poder público sobre como tratar e delimitar a formação e a atuação de professores9.

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia O Parecer CNE/CES 67/2003 (Brasil, 2003) estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN para os Cursos de Graduação, atribuindo às instituições de ensino superior a responsabilidade pela elaboração de suas propostas curriculares. A partir desse parecer, os projetos pedagógicos dos cursos de graduação, deixaram de ser conduzidos pelos currículos mínimos dos cursos ofertados em todo o território nacional. Adquiriram novas interpretações permitidas pela flexibilidade instalada e passaram a ser contextualizados na realidade em que a instituição se insere, atendendo demandas e relevando necessidades sociais locais ou regionais. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, consubstanciadas no Parecer CNE/CP n. 05/2005 (Brasil, 2005) e na Resolução CNE/ CP nº 1, de 15 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Educação – CNE, alteram a definição da formação do pedagogo e modificam sua estrutura. Isso traz “à tona, mais uma vez, o debate a respeito da identidade do curso e da sua finalidade profissionalizante, agora instituída como licenciatura” (Scheibe, 2007, p. 44)10. De acordo com os Artigos 4° e 5° da Resolução CNE/ CP n. 01/2006, as DCN do Curso de Pedagogia englobam o exercício da docência: • Na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. • Nos cursos de Ensino Médio na modalidade normal. • Na educação profissional voltada aos serviços e apoio escolar.

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Outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

Constata-se, portanto, que a formação abrange tanto a docência como a participação na gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino, na elaboração, execução, acompanhamento de programas e nas atividades educativas (Brasil, 2006a). As DCN do Curso de Pedagogia estabelecem a identidade do pedagogo como um profissional da educação formal e não formal, cujo trabalho pedagógico se desenvolve em distintos espaços escolares e não escolares, por meio de práticas sociais contextualizadas. Elege-se a prática como a base da reflexão e da teorização, conforme preconiza o parágrafo 2º do artigo 2º da Resolução CNE/CP no 01/2006: § 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará: I – o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas; II – a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental, ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o político, o econômico, o cultural. (Brasil, 2006a)

Simultaneamente ao lançamento das DCN para os Cursos de Graduação (Brasil, 2003) e, especificamente, as DCN para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006b), também é criado o Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB, por meio do Decreto 5.800 de 08/06/2006, que oficializou a oferta de cursos a distância por Instituições Públicas de Ensino Superior. As DCN dos cursos de graduação, assim como as DCN do Curso de Pedagogia, no entanto, não tratam da formação de professores e do pedagogo na moda366


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lidade a distância e nem se referem à preparação de professores para atuar na Educação a Distância. O panorama da formação de professores nos Cursos de Pedagogia no Brasil, aprofundado na pesquisa de Almeida, Iannone e Silva (2012) desde sua origem até os dias atuais, e tangenciado neste artigo, revela que ao longo do percurso histórico as mudanças são afetadas pelo caráter de descontinuidade de políticas e de padrões inconsistentes, sem superar os desafios da educação brasileira (Saviani, 2011)11 e que as orientações curriculares não estão consubstanciadas nos cursos em desenvolvimento, tampouco na prática educacional (Gatti; Barreto, 2009). Embora as DCN do Curso de Pedagogia apontem avanços incontestáveis, as evidências identificadas por Gatti e Barreto (2009, p. 258) mostram que “os currículos não se voltam para as questões ligadas ao campo da prática profissional, seus fundamentos metodológicos e formas de trabalhar em sala de aula”. Assim, reafirma-se que “[...] há questões ainda não superadas que merecem um olhar detido e atento para que desafios sejam vencidos e novas práticas se estabeleçam, tendo por horizonte a qualidade educativa” (Iannone, 2010, p.27). Entre os inúmeros desafios atuais, soma-se a oferta do Curso de Pedagogia a distância, pois ao mesmo tempo em que expande a formação de professores e abre novas oportunidades de trabalho, torna o processo formativo mais complexo. Essa realidade plural e multifacetada exigiu a escolha de uma metodologia de pesquisa capaz de apreender os diversos ângulos da formação profissional do professor, bem como dos distintos fatores intervenientes nesses processos. Ao lado da complexidade do problema de pesquisa, foi necessário levar em conta a dificuldade de acesso aos sujeitos e instituições, bem como a questão da legislação e seus desdobramentos. 367


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Metodologia da pesquisa e escolha de procedimentos O problema da pesquisa foi assim sintetizado: Como são concebidos os cursos de Pedagogia a distância, quais as condições de oferta atual, suas características e tendências? A teoria requerida para abordar a problemática foi selecionada tendo em vista a complexidade do objeto, as concepções de educação subjacentes à legislação e a compreensão de que as pesquisas em educação e na educação dizem respeito a fenômenos humanos localizados e em permanente construção, perpassados por fatos, valores e diferentes elementos, ora consolidados e ora em transformação. Nesse movimento convivem aspectos qualitativos e quantitativos que presidem a interação dos sujeitos ativos, num trabalho socialmente organizado. A opção pela metodologia de caráter qualiquantitativo se justifica diante da problemática da investigação com foco na formação de professores dos cursos de Licenciatura em Pedagogia a distância, cujo objetivo central foi mapear, descrever e analisar os cenários em que ocorrem os cursos de Licenciatura em Pedagogia a distância no Brasil. A construção do roteiro de trabalho, a delimitação do estudo e suas relações com os aspectos pré-anunciados no título da investigação exigiram ações exploratórias, que provocaram: • Identificação de Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas de Ensino (Federais, Estaduais e Municipais) e Privadas estabelecidas fisicamente nos municípios selecionados ou em seu entorno (sedes ou polos), ofertantes do Curso de Licenciatura em Pedagogia a distância12; • Definição de atores, recursos disponíveis e informações correlatas; • Prospecção da matriz para recolha de dados e localização de novas fontes de informação; • Organização de conjunto consistente de informações para identificação de possíveis fatores intervenientes, 368


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facilitadores e/ou obstaculizadores na pesquisa; Estruturação de modelo de Banco de Dados, de acordo com as necessidades da pesquisa13.

Particularidades desafiadoras, diretamente ligadas à realidade dos cursos, impactaram o trabalho: baixa confiabilidade dos dados públicos sobre as instituições ofertantes; baixo índice de adesão das instituições à investigação proposta; dificuldade de acesso aos sujeitos de pesquisa. Essas, entre outras situações e condições iniciais, foram analisadas e contribuíram para a compreensão do contexto da pesquisa, bem como influenciaram na seleção de procedimentos para a investigação. Foram analisados os cursos de Licenciatura em Pedagogia oferecidos na modalidade a distância, oficialmente, autorizados pelo MEC e identificados no universo delimitado, capitais de cinco estados: São Paulo, Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Goiás. Os procedimentos empregados envolveram um conjunto de instrumentos de coleta de dados com vistas ao melhor entendimento do fenômeno em análise: levantamento bibliográfico sobre o tema, análise documental e pesquisa de campo, por meio da realização de grupos focais com alunos, entrevistas com coordenadores de curso, questionários aplicados aos alunos e entrevistas com gestores de alta performance14, além de consultas às informações disponíveis na Internet. O uso do software CHIC (Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva) se efetivou na análise das respostas dos alunos do Curso de Pedagogia a distância a um questionário on-line, que apresentam características de dados multidimensionais (Almouloud; Gras, 2002), buscando ir além das evidências (Gras; Larher, 1994).

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A visão dos alunos sobre o Curso de Pedagogia a Distância: análise multidimensional por meio do CHIC O questionário on-line foi estruturado com questões organizadas em onze (11) agrupamentos correspondendo às seguintes categorias de análise: identificação do aluno, organização do curso, polo de apoio presencial, currículo, material didático, sistema de avaliação dos alunos, estágio, formas de interação previstas entre tutor/aluno e entre aluno/aluno. O questionário aplicado aos alunos concluintes do curso de Pedagogia a distância foi disponibilizado com link individual para cada uma das 8 (oito) instituições de ensino superior públicas e federais (IFES) e privadas (IPRES) estudadas. Este texto apresenta um recorte da pesquisa com o tratamento das categorias: currículo, material didático e avaliação que se articulam mais proximamente ao currículo do curso de Pedagogia a distância. Foram consideradas nesta investigação as respostas emitidas por 75 alunos concluintes do curso, cujo tratamento foi realizado por meio de diversos procedimentos gerando uma planilha por categoria de análise. Cada célula da planilha representa a opção de resposta convertida em algarismo binário (0 ou 1), com o algarismo “0” indicando a ausência de resposta a determinada opção e o “1” a seleção da opção. A planilha, transformada em formato CSV (Comma Separated Values) foi processada pelo software CHIC15, gerando árvores hierárquicas de similaridade com a representação das inter-relações entre os dados (respostas) agrupados em classes, conforme sua semelhança. A análise relacional considerou as classes e subclasses que apresentaram índice de similaridade maior ou igual a 0,75. Não foram descartadas as relações que apresentaram um índice de menor similaridade caso evidenciassem aspectos relevantes que corroboram na interpretação qualitativa dos dados. Assim, as análises das categorias citadas são detalhadas nos tópicos a seguir com a represen370


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tação das classes e subclasses destacadas das árvores gerais de cada categoria.

Currículo As questões do questionário relacionadas a esta categoria buscaram colher informações sobre a participação dos respondentes em atividades de pesquisa ou programas de iniciação científica; as características e o formato dos trabalhos de conclusão de cursos (TCC), as condições de acesso e permanência para portadores de necessidades educacionais especiais; a presença de conteúdos como: educação ambiental, disciplinas das matrizes curriculares e questões que abordam a articulação entre teoria e prática. O ramo da árvore mostrado na Figura 1 ilustra as inter-relações estabelecidas pelo processamento efetuado com o uso do software CHIC na análise dos dados das questões referentes à categoria Currículo. Cada segmento da árvore representa uma variável referente a uma opção de resposta a determinada questão do questionário respondido pelos alunos. A Figura 1, referente às respostas dos alunos dos cursos de Pedagogia a distância das IES Públicas e Privadas investigadas, apresenta uma subclasse significativa constituída pelas variáveis ((5.2.3 5.3.4.2) 5.3.3.2) com índice de similaridade (0.99374):

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Figura 1 – Currículo nas IFES e IPRES

Cada variável a seguir representa uma opção de resposta a uma questão do questionário respondido pelos alunos, como indicado no Quadro 1: Quadro 1 – Respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria currículo: TCC, conteúdos para educação básica Qual o formato do trabalho de conclusão de cursos - TCC? Relatório. Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso propicia a aprendizagem sobre conteúdos de língua portuguesa, 5 3 4 2 matemática, ciências, história, geografia, arte, educação física a ser ensinados na educação básica? Não

5 2 3

5 3 3 2

Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: São desenvolvidos conteúdos sobre defesa do meio ambiente? Não

A análise das respostas que gerou a Figura 1 sugere que para um grupo de alunos o curso propõe o desenvolvimento do trabalho de conclusão de cursos - TCC no formato de relatório, não propicia a aprendizagem sobre conteúdos a serem ensinados na educação básica e não aborda conteúdos relacionados ao meio ambiente. A Figura 2 ilustra duas relações de variáveis que se interligam. Uma delas é formada pelas variáveis (5.1.2 5.3.9.2) com índice de similaridade (0.964649) e a outra pelas variáveis (5.1.4 5.3.1.2) com similaridade (0.949826).

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Figura 2 – Currículo nas IFES e IPRES

As questões relacionadas a estes dados são indicadas no Quadro 2: Quadro 2 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria currículo: iniciação científica, pesquisa e TCC Há incentivo para participação em atividades de pesquisa e programas de iniciação científica? Muitas vezes. Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso oferece condições para o domínio das tecnologias de informação 5 3 9 2 e comunicação e sua utilização nos processos de ensino e aprendizagem? Não

5 1 2

5 1 4

Há incentivo para participação em atividades de pesquisa e programas de iniciação científica? Nunca.

Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: A escolha do 5 3 1 2 tema do Trabalho de Conclusão de Curso - TCC é feita pelos alunos? Não

As inter-relações entre as respostas dos alunos mostradas na Figura 2 revelam que em alguns cursos o TCC se desenvolve no formato de relatório e, em outras no formato de Projeto. Nos cursos em que o formato do TCC é por Projeto, os alunos também são incentivados a desenvolver pesquisas e a participar de programas de Iniciação Científica. Por outro lado, foi identificada a existência de respostas, possivelmente de alunos de um curso em que não há incentivo à pesquisa e também não oferece aos alunos a oportunidade de escolher o tema a ser desenvolvido no TCC. Observa-se também na Figura 2, que no conjunto dos 373


Curso de Pedagogia a Distância...

cursos há instituições que incentivam muitas vezes a participação dos alunos em atividades de pesquisa e programas de iniciação científica, mas não oferecem condições para o domínio das TIC - tecnologias de informação e comunicação e sua utilização nos processos de ensino e aprendizagem. No entanto, há alguns cursos em que os alunos nunca são incentivados em relação à pesquisa e tampouco oferecem aos alunos a oportunidade de escolher o tema do TCC. Outro encadeamento significativo mostrado na árvore geral é formado pelas variáveis ((5.3.7.1 5.3.8.1) 5.3.9.1), como ilustra a Figura 3.

Figura 3 – Currículo nas IFES e IPRES

As questões relacionadas a esses dados são indicados no Quadro 3:

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Quadro 3 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria currículo: situações práticas em creches, gestão educacional e tecnologias da informação e comunicação. Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso proporciona, especificamente, situações práticas que permitem 5 3 7 1 compreender como atuar, profissionalmente, com crianças na creche? Sim Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso proporciona situações práticas que permitem compreender como 5 3 8 1 atuar, profissionalmente, na área da gestão educacional em espaços escolares e não escolares? Sim Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso oferece condições para o domínio das tecnologias de informação 5 3 9 1 e comunicação e sua utilização nos processos de ensino e aprendizagem? Sim

A relação entre as variáveis (5.3.7.1 5.3.8.1) com índice de similaridade (0.853309) mostra na Figura 3, que, dentre os cursos, possivelmente alguns propiciam situações práticas que permitem aos alunos compreender como atuar, profissionalmente, com crianças na creche, bem como na área da gestão educacional em espaços escolares e não escolares. Esta relação está ligada à variável (5.3.9.1) com índice de similaridade fraco (0.415939), mas é interessante porque ela aponta a possibilidade de alguns cursos oferecerem condições para que os alunos desenvolvam o domínio das TIC e sua utilização nos processos de ensino e aprendizagem. Esta relação entre as variáveis (5.3.7.1 5.3.8.1) fica evidenciada na Figura 4 com respostas dos alunos de cursos oferecidos pelas instituições públicas - IFES, confirmando a probabilidade de que, no desenvolvimento dos seus currículos, são oferecidas aos alunos experiências em situações práticas que lhes permitem compreender como atuar, profissionalmente, com crianças na creche e na área da gestão educacional em espaços escolares e não escolares. Na árvore correspondente exclusivamente às IFES, destacam-se as relações formadas pelas variáveis (5.1.2 375


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(5.2.4 5.3.9.2)) com índice de similaridade (0.904098), como ilustra a Figura 4.

Figura 4 – Currículo nas IFES

As questões relacionadas a esses dados são indicados no Quadro 4: Quadro 4 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria currículo: atividades de pesquisa e programas de iniciação científica, formato do TCC e tecnologias da informação e comunicação 5 1 2

Há incentivo para participação em atividades de pesquisa e programas de iniciação científica? Muitas vezes.

5 2 4

Qual o formato do trabalho de conclusão de cursos - TCC? Projeto.

Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso oferece condições para o domínio das tecnologias de informação 5 3 9 2 e comunicação e sua utilização nos processos de ensino e aprendizagem? Não

A relação mostrada na Figura 4 sugere que em alguns cursos ligados a instituições públicas, há uma forte possibilidade de que o trabalho de conclusão de curso seja desenvolvido no formato de projeto. Tal situação traduz um caráter mais inovador no currículo do curso, aliado ao fato de os alunos reconhecerem que há incentivo para a participação em atividades de pesquisa e programas de iniciação científica. Nos cursos das IPRES (instituições privadas) a mesma relação é evidenciada na Figura 5, sugerindo a existência de cursos de instituições públicas ou privadas em que esse 376


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caráter inovador se faz presente no currículo, envolvendo o trabalho com projetos e a pesquisa por meio da iniciação científica. A Figura 5 com as relações entre as respostas das instituições privadas - IPRES também apresenta uma relação formada pelas variáveis (5.3.5.1 5.3.7.1), com nível de similaridade mais discreto (0.744225).

Figura 5 – Currículo nas IPRES

As questões relacionadas a esses dados são indicadas no Quadro 5: Quadro 5 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria currículo: ensino fundamental e crianças na creche 5 3 5 1

Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso proporciona situações práticas que permitem compreender como ocorre o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do ensino fundamental? Sim

5 3 7 1

Em relação ao curso indique as situações que ocorrem: O curso proporciona, especificamente, situações práticas que permitem compreender como atuar, profissionalmente, com crianças na creche? Sim

A análise da Figura 5 evidencia que, em alguns cursos de instituições privadas – IPRES, o currículo enfatiza as situações práticas que permitem aos alunos compreender como ocorre o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do ensino fundamental e de como atuar com crianças na creche, indicando que os cursos têm uma 377


Curso de Pedagogia a Distância...

característica mais centrada no magistério, na educação infantil e séries iniciais. Em síntese, a análise relacional das respostas dos alunos sobre a categoria currículo mostra que, no conjunto dos cursos investigados em instituições públicas e privadas, o currículo apresenta características distintas. Em alguns cursos, o TCC se desenvolve no formato de relatório e, em outras no formato de projeto. Nos cursos em que o formato do TCC é por projeto, os alunos também são incentivados a desenvolver pesquisas e a participar de programas de Iniciação Científica. Contudo, foram identificadas relações entre respostas que sugerem a existência de cursos que não incentivam a pesquisa e também não permitem que seus alunos escolham o tema a ser desenvolvido no TCC, mostrando, com isso, características de uma abordagem educacional mais convencional e conservadora, ou seja, uma abordagem em que o aluno é mais passivo tanto em relação à tomada de decisões, quanto ao desenvolvimento de uma postura de um profissional da prática-pesquisador.

Material Didático A Categoria Material Didático foi incluída na análise devido à importância que os materiais, nas diferentes mídias, conferem aos estudos do cursista a distância, uma vez que representam parte significativa do currículo planejado. Desta forma, conhecer o desenho, os elementos simbólicos e a linguagem, pode revelar características relevantes para os processos de ensino e aprendizagem a distância. A árvore da Figura 6, constituída pelas variáveis (6.1.1.2 (6.2.4.3 6.2.5.3)) com índice de similaridade (0.987759), apresenta as respostas ao questionário relacionadas a opinião dos alunos das instituições públicas e privadas sobre os materiais utilizados ao longo do curso, em especial sobre o desenho 378


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instrucional dos materiais relacionado à presença de elementos organizadores nos textos e a linguagem desses materiais.

Figura 6 – Material Didático nas IFES e IPRES

As questões relacionadas a estas variáveis são indicadas no Quadro 6: Quadro 6 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria material didático: elementos organizadores de estudo, linguagem dos materiais, atividade dos materiais. 6

O material didático apresenta elementos organizadores de estudo que contribuem com a aprendizagem como esquemas, sínteses, 1 1 2 gráficos, diagramas, quadros comparativos ou outros recursos? Muitas vezes.

6

2 4 3

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? Possui frases longas. Não sei avaliar.

6

2 5 3

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? Possui frases complexas? Não sei avaliar.

A árvore da Figura 6 evidencia que, segundo os alunos das instituições públicas e privadas, os materiais didáticos empregados no curso contam com elementos organizadores de estudo que contribuem com a aprendizagem como esquemas, sínteses, gráficos, diagramas, quadros comparativos ou outros recursos. A mesma árvore apresenta a relação entre as variáveis 6.2.4.3 e 6.2.5.3 (índice de similaridade 0.999998), indicando que os alunos apreciam a estética apresentada no material didático, mas não conse379


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guem opinar se a linguagem utilizada nesses materiais tem frases longas e complexas. Nesse sentido, a relação entre as variáveis (6.1.1.2 6.2.4.3 6.2.5.3) mostrada na Figura 6 indica a possibilidade de os alunos enfrentarem dificuldades para entender o conteúdo do material didático, o que é reforçado na Figura 7 pela articulação entre as variáveis (6.2.1.2 6.2.3.1) com índice de similaridade 0.998382, mostrando que, provavelmente, os alunos identificam que o material didático não é de fácil compreensão porque o vocabulário é difícil. E, ainda nessa sequência, aparece a confirmação já evidenciada na relação anterior: o texto do material possui frases longas e complexas.

Figura 7 – Material Didático nas IFES e IPRES

As questões relacionadas a essas variáveis são indicadas no Quadro 7: Quadro 7 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria material didático: linguagem nas atividades dos materiais didáticos 6 2 1 2

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? De fácil compreensão. Não.

6 2 3 1

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? Possui vocabulário difícil. Sim.

6 2 4 1

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? Possui frases longas. Sim.

6 2 1 3

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? De fácil compreensão. Não sei avaliar.

6 2 5 1

Como é a linguagem utilizada nas atividades dos materiais didáticos? Possui frases complexas. Sim.

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Em síntese, a análise das variáveis da categoria Material Didático mostra que, nos cursos das instituições públicas e privadas investigadas, os alunos reconhecem que o material didático é bem organizado, contendo recursos que podem contribuir para a aprendizagem. Mas, em se tratando da linguagem utilizada, constata-se que ela não facilita a compreensão dos alunos, pelo fato de possuir um vocabulário difícil, com frases longas e complexas. Tais evidências permitem entender que, possivelmente, o material didático é reconhecido pela sua estética e organização de informações, mas seu conteúdo pode não ser compreendido pelos alunos. Sistema de Avaliação do Aluno A avaliação dos alunos é um dos componentes destacados no cenário da educação a distância, seja devido a obrigatoriedade legal da realização de momentos de avaliação presencial ou na avaliação continuada dos estudantes ao longo dos componentes curriculares. Esta categoria investigou questões como: a relação entre as avaliações e os conteúdos, atividades e materiais de estudo; se os trabalhos da disciplina são avaliados e comentados e se há formas de recuperação nas disciplinas. A Figura 8 ilustra as relações relevantes desta categoria.

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Figura 8 – Categoria Avaliação dos alunos nas IFES e IPRES

A análise das relações representadas na Figura 8 indica uma subclasse constituída por dois conjuntos de relações de variáveis interligadas, sendo um dos conjuntos formado pelas variáveis (7.1.2 (7.2.2 7.3.2)) com índice de similaridade (0.885086) e o outro pelas variáveis (7.2.3 7.3.3) com índice de similaridade (0.991189). As questões que representam essas variáveis são indicadas no Quadro 8: Quadro 8 – Variáveis das respostas dos alunos relacionadas às questões sobre a categoria Avaliação: 7

1 2

As avaliações (presencial e a distância) estão de acordo com as disciplinas no que se refere aos conteúdos trabalhados, atividades desenvolvidas e material de estudo fornecido? Muitas vezes.

7

2 2

Os trabalhos elaborados no andamento da disciplina são avaliados e comentados pelo professor ou pelo tutor? Muitas vezes.

7

3 2

Há formas de recuperação nas disciplinas em que os alunos não tiveram bom aproveitamento? Muitas vezes.

7

2 3

Os trabalhos elaborados no andamento da disciplina são avaliados e comentados pelo professor ou pelo tutor? Algumas vezes.

7

3 3

Há formas de recuperação nas disciplinas em que os alunos não tiveram bom aproveitamento? Algumas vezes.

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A Figura 8 mostra a existência de dois grupos de respostas dos alunos, provavelmente de cursos ligados a diferentes instituições. Um grupo de respostas dos alunos representado pela relação entre as variáveis (7.1.2 (7.2.2 7.3.2)) mostra que existem instituições em que a avaliação dos alunos muitas vezes se realiza no andamento das disciplinas, sendo seus trabalhos avaliados e comentados pelo professor/tutor, bem como as avaliações estão de acordo com os conteúdos e atividades desenvolvidos e com o material de estudo fornecido. Outro grupo de respostas englobadas na relação entre as variáveis 7.2.3 e 7.3.3 mostra um conjunto de alunos que informa ser menos frequente (algumas vezes) a prática de avaliar os trabalhos elaborados no andamento da disciplina com a emissão de comentários dos professores/tutores e que algumas vezes ocorre a recuperação de conteúdos e atividades abordados no curso sem, no entanto, evidenciar se a avaliação utiliza os conteúdos e atividades abordadas durante o curso. As árvores das respostas dos alunos sugerem a ocorrência de duas formas diferentes de encaminhar o sistema de avaliação. Um deles é apontado pela frequência maior (muitas vezes) e outro com frequência menor (algumas vezes) de a avaliação dos trabalhos ocorrerem durante a disciplina com comentários do professor/tutor e também com maior ou menor frequência da ocorrência de recuperação no âmbito da disciplina. Além disso, no conjunto das instituições as relações entre as respostas evidenciam que as avaliações estão, muitas vezes, de acordo com os conteúdos/ atividades desenvolvidos.

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Considerações finais O software CHIC foi empregado nesta pesquisa desde o momento de sua concepção, em articulação com os demais instrumentos de coleta de dados. Assim, por meio de regras de associação estabelecidas pelo cruzamento entre alunos e respectivas respostas ao questionário, o CHIC propiciou a síntese e a estruturação dos dados e forneceu as tipologias de respostas visualizadas conforme as semelhanças, segundo um intervalo de confiança. Isso trouxe resultados “aparentemente sem importância”, mas que são indícios de significativos e nevrálgicos achados, uma vez que a qualificação desses achados evidenciou novos resultados e indícios de relações, os quais propiciaram a complementação, o aprofundamento e a consolidação das evidências dos dados. Desse modo, as contribuições trazidas pelo uso do software CHIC à pesquisa Educação a distância: oferta, características e tendências dos cursos de Licenciatura em Pedagogia se relacionam, também, ao refinamento das interpretações e a identificação dos significados mais ocultos, obtendo-se conclusões confiáveis.

Referências ALMEIDA, M. E. B.; IANNONE, L. R.; SILVA, M. G. M. Educação a distância: oferta, características e tendências dos cursos de licenciatura em Pedagogia. Estudos e Pesquisas Educacionais, v. 3. São Paulo: Fundação Victor Civita, 2012. pp. 279-354. Disponível em: <http://fvc.org.br/estudos>. Acesso em: 22 set. 2013. ALMOULOUD, S. A.; GRAS, R. A implicação estatística usada como ferramenta em um exemplo de análise de dados multidimensionais. Revista de Educação Matemática, vol. 4, n. 2, pp. 75-88, 2002. BRASIL Império do Brasil. Lei Imperial, de 15 de outubro de 1827. BRASIL Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 24 de fevereiro de 1891.

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Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida | Leila Rentroia Iannone Maria da Graça Moreira da Silva

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Curso de Pedagogia a Distância...

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Notas 1 Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), docente do Programa de Pós Graduação em Educação: Currículo, da PUC-SP. E-mail: bethalmeida@pucsp.br 2

Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade

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Católica de São Paulo (PUC-SP), diretora da LRI Avaliação Educacional-consultoria educacional nas esferas pública e privada. E-mail: leila.r.iannone@terra.com.br Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), docente do Programa de Pós Graduação em Educação: Currículo da PUC-SP. E-mail: mgraca.moreira@gmail.com 3

Este estudo foi realizado pelas autoras mediante demanda da Fundação Victor Civita (FVC). No presente texto a ênfase incide sobre a metodologia da investigação, os resultados propiciados pelo uso do software CHIC e respectivas árvores de similaridades. 4

5 Martins (2009) investiga o processo de institucionalização das Escolas Normais no Brasil, ocorrido no século XIX. 6 Esta reforma deu origem à Escola de Professores, posterior Escola de Educação, incorporada pela Universidade de Brasília. 7 O crescimento quantitativo dos Cursos de Pedagogia no Brasil, no período de 1939 a 1975, é analisado por Maísa dos Reis Quarema. 8 Estabelecemos um recorte do panorama histórico em favor da síntese necessária e retomamos a exposição do processo de formação de professores, a partir da década de noventa do século passado, pontuando que a exposição minudente encontra-se na íntegra no relatório de pesquisa.

Acesse o link e veja outras informações sobre a Formação de professores no Brasil, veja estudos de Gatti, Nunes, Gimenes, Tartuce e Unberhaum e de Gatti, Tartuce, Nunes, Almeida (2010).

9

Scheibe analisa a trajetória das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia desde a mobilização, os embates e as resistências observados quando da definição dessas diretrizes, após a aprovação da LDB de 1996. 10

Saviani analisa os dilemas e as perspectivas da formação de professores no Brasil. 11

As fontes de informações consultadas para a seleção das IES foram as disponíveis na Internet e específicas para o assunto: Portal e-MEC e Portal da UAB.

12

A coleta foi realizada entre os meses de maio e julho de 2012, quando os dados foram extraídos para alimentar o banco de dados criado especificamente para a pesquisa.

13

Neste estudo gestores de alta performance são os profissionais que ocupam posições estratégicas com desempenho reconhecido em atividades acadêmicas, administração pública, implantação de projetos e outras realizações.

14

No tratamento das respostas ao questionário on-line foi utilizada a versão 3.5 do software CHIC.

15

387


Capítulo 16

Integração Currículo e TDIC: a prática pedagógica com o uso do laptop na escola Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida1 Nelson Morato Pinto de Almeida2

Introdução

E

ste trabalho apresenta parte de investigação que abrangeu a análise do uso do laptop educacional em sete escolas públicas brasileiras de ensino fundamental, localizadas nos estados de Goiás, São Paulo e Tocantins, mediante o olhar de professores dessas escolas registrado por meio de suas respostas a um questionário com questões objetivas. O foco incide sobre os tipos de atividades pedagógicas realizadas pelos professores com seus alunos ao fazer uso do laptop em sala de aula e a frequência com que ocorreram. A partir desses aspectos, identifica-se a concepção de currículo evidenciada e se há indícios de inovação propiciada pelas atividades. O presente estudo enquadra-se em investigação mais ampla, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade 388


Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida | Nelson Morato Pinto de Almeida

Católica de São Paulo (PUC-SP), e desenvolvida com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação (CNPq/Capes/MEC). A problemática situa-se no âmbito das políticas públicas voltadas à inserção de tecnologias na educação básica, por meio do projeto Um Computador por Aluno (UCA) 3, que disponibilizou laptops educacionais a pouco mais de 300 escolas, na proporção de um por aluno (1:1), ao professor e aos membros da equipe gestora, e implementou um processo de formação contextualizada dos educadores (professores e gestores) da escola. A relevância deste estudo relaciona-se com o potencial de uso pedagógico intensivo do laptop educacional, caso fique disponível para que professores e alunos possam utilizá-lo a qualquer momento e em diferentes espaços. Nesse sentido, o uso do laptop poderá contribuir de modo significativo para a atividade pedagógica, propiciar melhoria nas práticas dos professores, no envolvimento dos alunos, no desenvolvimento de habilidades de pesquisa, conforme indicam diversos autores, entre os quais Almeida e Prado (2011), Valente (2011), Bebell e Kay (2010), Ramos e outros (2009). Identificadas essas evidências, nas escolas que participam do programa UCA, as contribuições têm sido associadas, sobretudo, com mais envolvimento e crescente interesse dos estudantes, e aumento do uso de tecnologia pelo professor, mas com modesta melhoria no desempenho do aluno (Bebell; O’Dwyer, 2010). Resultados parciais de pesquisa realizada por Valente, Martins e Baranauskas (2012), sobre o uso do laptop educacional, com base em processos de investigação, fornecem indicativos de impacto na realidade escolar, quando o professor propõe questões desafiadoras aos alunos, ou cria 389


Integração Currículo e TDIC: a prática pedagógica com o uso do laptop na escola

espaço para que levantem seus questionamentos; façam observações sobre fenômenos em situações concretas; testem hipóteses; registrem dados com o uso de distintos recursos e formas de representação, como fotos, textos, gráficos, vídeos, desenhos; troquem ideias entre si e com o professor, que os orienta para chegar às conclusões sobre o significado do que foi realizado ou observado. Por sua vez, estudos de Warschauer (2008) mostram que estudantes de escolas que trabalharam com laptop aprenderam a acessar e gerenciar informações e incorporá-las em suas produções escrita e multimídia. O autor observou ampla variação nos resultados entre as escolas, e que algumas se limitaram a ensinar apenas as funcionalidades do computador. Warschauer concluiu que o uso do laptop contribui para promover a literacia informacional e as competências de investigação, mas o contexto socioeconômico, assim como as visões, os valores e as crenças, desempenham papel fundamental. Os estudos citados e outros disponíveis na literatura evidenciam a carência de orientação, ou sua inadequação, no momento em que os computadores chegam às escolas, especialmente quando a instituição recebe quantitativo de equipamentos suficiente para distribuir um para cada aluno, ao professor e gestor da escola, como é o caso do projeto UCA. Pesquisa de Quartiero e outros (2012) identifica usos preponderantes do laptop na produção de textos, criação de apresentações, execução de cálculos, para tirar fotografia, usar em jogos e realizar pesquisa na Internet. No que tange à formação de professores para o uso pedagógico das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) são evidentes as críticas sobre a falta de integração entre a formação e o currículo (Costa, 2004); a desconsideração da realidade da sala de aula (Gooler; Kautzer; Knuth, 2000) e da escola; o foco no domínio dos recursos desarticulado do uso pedagógico (Daly; Pachler; Pelletier, 2009). 390


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Para enfrentar as situações fortemente criticadas, na concepção do projeto UCA, foi desenhado um projeto de formação de professores e demais educadores da escola com base nos princípios da educação autônoma, contextualizada e não hierarquizada, na formação em rede de conhecimentos e práticas na perspectiva do “aprender fazendo” com a integração entre múltiplas mídias, tecnologias, ferramentas e interfaces, em tempos e espaços diversificados (Brasil, 2010). As características do projeto UCA, associadas com evidências dos estudos referenciados, indicam a relevância de ser adotada, como foco de pesquisa (Almeida; Barreto; Jesus, 2012), a integração das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) ao currículo, em escolas participantes do projeto UCA, com o propósito de analisar a formação desenvolvida na ação e as práticas de uso do laptop realizadas pelos professores com seus alunos. A pesquisa desenvolve-se em sete escolas públicas localizadas nos estados de São Paulo, Goiás e Tocantins, articulando a formação, a prática pedagógica e o currículo em um processo que integra a tríade investigação-ação-intervenção. Um elemento fundamental da investigação é o professor, responsável pela aplicação do currículo na prática social educativa escolar. Assim, o presente trabalho se reporta ao olhar do professor sobre o tipo de atividade desenvolvida com o uso pedagógico do laptop e a frequência de realização, em busca de identificar a concepção de currículo evidenciada e se há indícios de inovação propiciada pelas atividades concretizadas com o uso do laptop educacional.

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Currículo e integração das TDIC Currículo é um conceito que comporta múltiplas interpretações e concepções teóricas, por isso é relevante explicitar o conceito assumido no presente estudo tanto para currículo como para a integração entre currículo e TDIC. O sentido etimológico de currículo reporta ao termo latino, que significa pista, percurso, corrida, assim como programação de um curso ou disciplina. Com o passar do tempo, houve uma evolução no sentido, que acompanhou as mudanças na visão de mundo e sociedade. Na década de 1960, a concepção de currículo tinha caráter tecnicista, mas, no final do século 20 e início do século 21, diversos estudiosos passaram a considerar o currículo como uma práxis, em consonância com um modelo de educação, que não se restringe a um projeto de socialização da cultura (Gimeno Sacristán, 2000). A práxis realiza-se no mundo e o processo de construção do currículo ocorre nas condições concretas da realidade, na interação entre sujeitos e objetos de conhecimentos, caracterizando-se como “uma construção cultural, histórica e socialmente determinada” (Moreira, 1997, p.11), que se desenvolve por meio de práticas sociais intencionais (Pacheco, 1996), com a participação de educandos e educadores e respectivas características identitárias, em uma relação horizontal baseada no diálogo (Freire, 1976). No desenvolvimento do currículo, articulam-se os conhecimentos sistematizados, considerados “socialmente válidos” (Silva, 1995, p. 8), disponíveis em livros didáticos, planos de ação, sistemas de ensino, portais educativos e outros, com os conhecimentos tácitos e explícitos, que emergem na prática pedagógica, nas relações entre professores, alunos, experiências de vida, linguagens e recursos disponíveis. A prática é uma atividade social intencional com vistas a transformar determinada realidade (Gimeno Sacristán, 1998), e a pedagógica é uma “prática social orientada por 392


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objetivos, finalidades e conhecimentos” (Veiga, 1992, p. 16) educacionais, que ocorre em um contexto no qual estão imbricados aspectos culturais, conjunturais e estruturais. Assim, a prática pedagógica é elemento inerente ao desenvolvimento do currículo, que envolve um movimento entre o fazer e o pensar sobre o fazer. A prática pedagógica que utiliza a midiatização das TDIC potencializa a aprendizagem ativa, interativa, contextualizada e colaborativa, explicitando novas possibilidades de abertura e flexibilidade do currículo, que incorpora as características e funcionalidades das tecnologias, ao mesmo tempo em que se transforma e é transformado por elas (Almeida; Valente, 2011). Nessa ótica, a interação, participação, colaboração, as atividades coletivas e a autoria na representação de conhecimentos, propiciadas pela integração entre o currículo e as TDIC, possibilitam o desenvolvimento de um currículo real, que se concretiza na prática social (Goodson, 2001). A integração entre o currículo e as TDIC permite romper com as limitações espaço-temporais da sala de aula e da escola, interagir com os diferentes espaços de produção de conhecimento e com os acontecimentos do cotidiano, que penetram na escola e a revelam ao mundo. Assim, a abordagem dos conteúdos torna-se mais flexível; o contexto de aprendizagem se aproxima das situações autênticas; o currículo reconstruído na prática social pode ser analisado por meio dos registros digitais propiciados pela midiatização das TDIC. Essa concepção de currículo coaduna-se com a proposta de web Currículo4 (Almeida, 2014) e com as ideias sobre inovação, entendida como mudança significativa em educação, o que difere da educação centrada no professor (ou na tecnologia) que transmite informações ao aluno. São mudanças que extrapolam os métodos e os dispositivos tecnológicos e abrangem os fundamentos e as finalidades educativas desenvolvidas em contexto (Garcia, 1995). 393


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Consideradas a problemática, a revisão de literatura e as concepções especificadas, delineia-se a metodologia, de caráter qualiquantitivo.

Metodologia Neste estudo, são analisados os tipos de atividades pedagógicas realizadas pelos professores com seus alunos ao fazer uso do laptop em sala de aula e a frequência com que ocorrem esses usos, bem como identificar a concepção de currículo evidenciada nas atividades e se estas apresentam indícios de inovação. Para isso, foi desenvolvido um questionário on-line, posteriormente respondido pelos professores de escolas participantes do projeto UCA. O questionário foi implantado no Google Docs e submetido a testes com professores de escolas ligadas ao Projeto UCA, mas que não participam desta pesquisa, gerando a depuração das questões com a inserção de algumas opções de respostas sugeridas pelos respondentes, que consideraram o questionário de fácil compreensão. No segundo momento, o questionário foi disponibilizado aos professores das sete escolas participantes da pesquisa, em um site com endereço na Internet e respondido entre os meses de maio e junho de 2013. As respostas foram armazenadas em base de dados do Google Docs, criada exclusivamente para essa finalidade. Em seguida, a base de dados foi exportada para o aplicativo Microsoft Office Excel e passou por dois tratamentos para adequá-la à metodologia de análise. Um deles por meio da estatística descritiva clássica e o outro por tratamento estatístico multidimensional, para viabilizar o processamento pelo software de Classificação Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (CHIC), baseado na Análise Estatística Implicativa (Analyse Statistique Implicative - A.S.I.). Esta análise permite estruturar dados representados pelos dígitos binários 0 e 1 (ausência ou presença 394


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de um evento), resultantes do cruzamento entre sujeitos e variáveis, tendo como lógica o mapeamento de relações. As associações entre os dados são mais fortes conforme seja seu índice, que significa a quantificação da qualidade de associações não simétricas (Gras; Couturier, 2013). O objeto de análise deste estudo são as questões que tratam do perfil do professor e a questão que traz uma lista de 15 tipos de atividades pedagógicas realizadas pelos professores com seus alunos, em sala da aula, com o uso do laptop. De início, foi feito um tratamento segundo a estatística descritiva clássica para identificar as respostas dadas pelos professores em relação aos tipos de atividades listados no questionário com as respectivas opções de frequência, a saber: “todas as vezes”, “muitas vezes”, “algumas vezes” e “nunca”. Em seguida, as respostas aos itens do questionário foram transformadas em 0 ou 1, gerando uma nova planilha, em que foram excluídas as colunas que apresentavam todas as células iguais a 0 e as colunas com as células igual a 0 e apenas uma com o valor 1 (ou o inverso, isto é, todas as colunas com células iguais a 1 e todas as colunas com células iguais a 1 e apenas uma célula com o valor 0). A planilha foi gravada com a extensão csv, a fim de ser processada pelo software de análise de dados estatísticos multidimensionais CHIC, que trabalha com a ausência ou presença de um evento representado pelos dígitos binários 0 e 1. O processamento realizado pelo software CHIC (versão 3.5) permitiu associar as respostas (variáveis) visualizadas em árvores hierárquicas de similaridade, e agrupá-las em classes, que evidenciam os níveis mais significativos de sua similaridade, ou semelhança, com outros níveis e classes (Gras; Almouloud, 2002; Gras, 1996). Neste texto, foram analisadas duas árvores de similaridade, cada uma agrupando todas as respostas (tipo de atividade) relacionadas com determinada frequência, com um 395


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recorte nas opções de frequência “todas as vezes” e “muitas vezes”. Além disso, foram consideradas as inter-relações com índice de similaridade igual ou superior a 0,75. Os dois procedimentos distintos, para o tratamento dos dados, oferecem alto grau de rigor científico e fidedignidade na produção de conhecimento, ao proporcionar um olhar panorâmico sobre o quantitativo das respostas, por meio da estatística descritiva, bem como o detalhamento nas interpretações, a partir de mapas construídos pelo CHIC no formato de árvore estruturada, que permite visualizar as inter-relações nas classes de variáveis por semelhança entre as respostas dos professores.

Análise quantitativa das atividades pedagógicas realizadas com o uso do laptop em sala de aula Participaram, deste estudo, 26 professores, que atuam nas sete escolas públicas objetos da pesquisa e utilizam o laptop na prática pedagógica. São 13 professores do estado de São Paulo, dez de Tocantins e três de Goiás. Entre os professores, 24 são efetivos, ou concursados, na rede de ensino e apenas três do sexo masculino. A faixa etária informada (Figura 1) indica distribuição equitativa nas idades entre 25 e 34 anos, assim como entre 45 e 54 anos, com seis professores com idades entre 35 e 44 anos e apenas dois com idades acima de 54 anos.

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Figura 1 – Distribuição da faixa etária dos professores

Para facilitar a visualização, o quantitativo de respostas dos professores sobre as atividades pedagógicas realizadas com o uso do laptop em sala de aula com seus alunos, é distribuído em dois gráficos de barras. A Figura 2 é representativa das respostas com as frequências “todas às vezes” e “muitas vezes”; já a Figura 3 corresponde às frequências “algumas vezes” e “nunca”.

Figura 2 – Respostas dos professores sobre as atividades realizadas com as frequências “todas às vezes” e “muitas vezes” 397


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A Figura 2 mostra que, nas situações de uso do laptop, com seus alunos, cinco professores responderam que a atividade realizada “todas às vezes” é a pesquisa de informação na Internet, que também aparece com alta incidência na opção “muitas vezes”. Nessa opção, há um número significativo de professores (dez ou mais) cujas respostas foram: • Produção multimídia pelos alunos (imagem, texto, vídeo, som). • Pesquisa de informação na Internet: consulta de enciclopédias, dicionários, ferramentas de buscas (Google, Ask, Bing) etc. • Exploração de jogos educativos. • Produção de textos. • Investigação e desenvolvimento de projetos.

Figura 3 – Respostas dos professores sobre as atividades realizadas com as frequências “algumas vezes” e “nunca”

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As respostas sobre atividades realizadas “algumas vezes” (Figura 3) que correspondem ao uso mais esporádico - por 11 a 15 professores -, foram: • Outras atividades postas em prática pelos alunos. • Atividades de entretenimento (jogos, passatempos, consulta de páginas de jornal, música, cinema, moda, downloads, etc.). • Pesquisa orientada: webquests, caça ao tesouro on-line, viagens virtuais ou outras. • Efetivação de cálculos e construção de gráficos. • Exploração de software específico da disciplina. De 11 a 14 professores responderam que “nunca” utilizam o laptop com seus alunos, nos seguintes tipos de atividades (Figura 3): • Produção e publicação, na web, de conteúdos pelos alunos: construção de páginas, blogs, wikis, etc. • Atividades de entretenimento (jogos, passatempos, consulta de páginas de jornal, música, cinema, moda, downloads, etc.). • Pesquisa orientada: webquest, caça ao tesouro on-line, viagens virtuais ou outras. • Efetivação de cálculos e construção de gráficos. • Exploração de software específico da disciplina. O panorama geral dos tipos de atividades de preferência dos professores é mostrado na Figura 2 e aponta para a exploração de jogos educativos, com a possibilidade de práticas pedagógicas voltadas à produção de textos e multimídia, de autoria dos alunos, o que permite vislumbrar a abertura do currículo para a investigação e o desenvolvimento de projetos por meio da busca de informações na Internet. Esses aspectos podem ser melhor compreendidos quando se verifica a inter-relação entre as atividades, estabelecidas com o uso do software CHIC. 399


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Inter-relações evidenciadas nas árvores de similaridade das respostas dos professores Neste tópico, são analisadas duas árvores de similaridade que correspondem às classes que inter-relacionam as respostas dos professores sobre o tipo de atividade desenvolvida nas situações em que fez uso de laptops educacionais na sala de aula, assinalando a frequência “todas as vezes” ou “muitas vezes”.

Figura 4 – Árvore de similaridade da Classe C1 - Atividades que os professores realizam “todas as vezes” com o uso do laptop

Os códigos das variáveis (respostas dos professores) que aparecem na árvore da Figura 4 são descritos no Quadro 1. Quadro 1 – Atividades que os professores realizam “todas as vezes” com o uso do laptop Nas situações em que fez uso dos laptops educacionais na sala de aula, indique o tipo de atividades desenvolvidas e a frequência com que eram realizadas pelos alunos. B43.01 Apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos alunos B413.01 Exploração de jogos educativos B44.01 Atividades investigativas e desenvolvimento de projetos Pesquisa de informação na Internet: consulta de enciclopédias, B49.01 dicionários, ferramentas de buscas (Google, Ask, Bing), etc. B46.01 Exploração de software específico da disciplina Atividades de entretenimento (jogos, passatempos, consulta de B411.01 páginas de jornais, música, cinema, moda, downloads, etc.) B415.01 Outras atividades realizadas pelos alunos B412.01 Resolução de exercícios para fixação do conteúdo

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A árvore de similaridade da classe C1, contida na Figura 4, apresenta baixo índice de similaridade (0,5094), mas as duas subclasses que a compõem - SC11 e SC12 - têm índices significativos e são relevantes, por representarem as respostas “todas as vezes”. A subclasse SC11, com índice de similaridade 0,9542, inter-relaciona as variáveis B46.01, B411.01, B415.01 e B412.01, ou seja, as respostas dos professores mostram que eles desenvolvem “todas as vezes” atividades de exploração de software específico da disciplina, de entretenimento (jogos, passatempos, consulta a páginas de jornais, música, cinema, moda, downloads, etc.); outras atividades realizadas pelos alunos e resolução de exercícios para fixação do conteúdo. A articulação dessa relação com o nó formado por B44.01 e B49.01 apresenta índice de similaridade mais fraco (0,7805), porém significativo, integrando atividades investigativas, desenvolvimento de projetos e pesquisa de informação na Internet. Desse modo, SC11 mostra um vetor que aponta movimento oscilante entre duas direções. De um lado, observamse atividades que procuram manter a prática pedagógica inalterada incorporando o laptop em situações em que o currículo permanece estável em relação ao conteúdo prescrito; de outro lado, aponta no sentido da investigação e do desenvolvimento de projetos, que provocam a abertura do currículo para incorporar o que emerge na ação. A subclasse SC12 representa o nó significativo (similaridade 0,9695) formado por B43.01 e B413.01e mostra a existência de professores que desenvolvem “todas as vezes” atividades com a exploração de jogos educacionais e também criam situações para a apresentação de trabalhos pelos alunos, com tendência de direcionar o vetor para a estabilidade e a manutenção do currículo prescrito. A relação entre SC12 e SC11 é fraca (similaridade 0,5094), sugerindo a preponderância das evidências analisadas em SC11. 401


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Figura 5 – Árvore de similaridade da Classe C2 - Atividades que os professores realizam “muitas vezes” com o uso do laptop

Os códigos das variáveis (respostas dos professores) que aparecem na Figura 5 são descritos no Quadro 2.

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Quadro 2 – Atividades que os professores realizam “muitas vezes” com o uso do laptop Nas situações em que fez uso dos laptops educacionais na sala de aula, indique o tipo de atividades desenvolvidas e a frequência com que eram realizadas pelos alunos. B41.02 Atividades de produção de textos B42.02 Efetivação de cálculos e construção de gráficos B43.02 Apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos alunos B46.02 Exploração de software específico da disciplina Pesquisa de informação na Internet: consulta de enciclopédias, B49.02 dicionários, ferramentas de buscas (Google, Ask, Bing) etc. B412.02 Resolução de exercícios para fixação do conteúdo B44.02 Atividades investigativas e desenvolvimento de projetos Pesquisa orientada: webquests, caça ao tesouro on-line, viagens virtuais B48.02 ou outras B410.02 Resolução de problemas on-line e/ou simulações B413.02 Exploração de jogos educativos B45.02 Produção multimídia pelos alunos (imagem, texto, vídeo, som) Produção e publicação na web de conteúdos pelos alunos: construção B47.02 de páginas, blogs, wikis, etc. B414.02 Experiências de ciências ou física, matemática, química, etc. Atividades de entretenimento (jogos, passatempos, consulta de B411.02 páginas de jornal, música, cinema, moda, downloads, etc.) B415.02 Outras atividades realizadas pelos alunos

A classe C2, que representa a inter-relação entre as respostas de opção “muitas vezes”, é formada por quatro subclasses significativas - SC21, SC22, SC23 e SC24. A SC21 (similaridade 0,9072) indica a existência de professores que informam desenvolver “muitas vezes” atividades de produção e publicação, na web, pelos alunos, de conteúdos (construção de páginas, blogs, wikis, etc.); experiências de ciências, física, matemática, química etc.; atividades de entretenimento (jogos, passatempos, consulta de páginas de jornal, música, cinema, moda, downloads etc.); e outras atividades realizadas pelos alunos. Assim, SC21 indica a existência de professores com tendência à prática de atividades significativas para os alunos, que propiciam a aprendizagem por meio de experiências, das produções de autoria dos alunos, consulta livre a 403


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informações em diferentes fontes, com indícios do desenvolvimento de um currículo flexível. A SC22 (similaridade 0,7572) mostra a relação entre as respostas dos professores que informam realizar “muitas vezes” atividades de produção de textos, cálculos, construção de gráficos e apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos alunos, com indícios de atividades integradas às áreas de conhecimento do currículo escolar. A SC23 (similaridade 0,7456) situa-se próxima ao índice de corte considerado (0,75), porém é significativa para este estudo por inter-relacionar a resposta resolução de exercícios para fixação do conteúdo, com a pesquisa de informações na Internet e a exploração de software específico da disciplina, o que sugere a existência de um grupo de professores que desenvolve atividades com ênfase no currículo escolar sistematizado de acordo com o especificado nas propostas curriculares convencionais. A SC24 (similaridade 0,6439) encontra-se abaixo do valor de corte, porém indica relação que reforça a SC21, com a qual mantém fraca similaridade, ao articular “muitas vezes” atividades investigativas com a pesquisa orientada, a resolução de problemas on-line e/ou simulações e a exploração de jogos educativos, sugerindo o desenvolvimento de um currículo com base na investigação e na problematização. Assim, a Classe C2 das atividades realizadas “muitas vezes” mostra um vetor de análise que aponta a existência de dois tipos de atividades, um voltado para o uso dos laptops em atividades alinhadas ao currículo vigente (SC22 e SC23) e outro (SC21 e SC24) direcionado para o currículo investigativo e problematizador, com maior índice de similaridade observado em SC21, o que sugere ser esta a característica que sobressai.

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Discussão dos resultados evidenciados nas análises das árvores de similaridade Verificada a preponderância de algumas características e tendências nas classes C1 e C2 relacionadas com as respostas dos professores sobre as práticas pedagógicas que desenvolvem com o uso do laptop com alunos, a análise das opções “todas as vezes” e “muitas vezes” mostra um vetor que aponta movimento oscilante entre dois tipos de atividades: 1) práticas pedagógicas voltadas à manutenção e reprodução do conteúdo planejado com vistas ao cumprimento do currículo vigente; 2) práticas direcionadas para o currículo investigativo, problematizador e o desenvolvimento de projetos. É interessante observar que este estudo incorpora aspectos evidenciados em distintos estudos referenciados anteriormente, talvez devido ao fato de tratar-se de escolas e professores que atuam em distintas regiões do Brasil e em diferentes estruturas de ensino, ligadas a redes públicas de estados ou municípios, logo, com propostas curriculares especificas e, quiçá, com distintas concepções de currículo. Assim, os resultados se coadunam com estudos da literatura (Warschauer, 2008) e essa variação nos resultados é um indicativo das diferenças entre as escolas, aspecto em estudo na pesquisa mais ampla (Almeida; Barreto; Jesus, 2012) sobre os casos específicos de cada escola. Em que pesem essas diferenças, observa-se, na análise descritiva, a opção “muitas vezes” nas atividades realizadas com o uso do laptop com alunos para o desenvolvimento da investigação, a produção escrita e multimídia, o que se assemelha aos estudos de Valente, Martins e Baranauskas (2012). De modo semelhante às afirmações de Almeida e Prado (2011), neste estudo, observam-se, nas subclasses SC21 e SC24, práticas que propiciam a aprendizagem por meio de experiências, a produção de autoria dos alunos, consulta livre a informações em diferentes fontes, com indícios de 405


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um currículo aberto e flexível, reconstruído na prática social pedagógica. Já a subclasse SC22 aproxima-se do observado na pesquisa de Quartiero e outros (2012), que identificaram usos significativos do laptop em atividades de produção de textos, criação de apresentações, execução de cálculos, em jogos e pesquisa na Internet, mas pouco aparece sobre o trabalho com fotografias, talvez por falta de especificação no próprio questionário de coleta dos dados. Desse modo, é possível afirmar que há gradativa integração entre as características e funcionalidades das TDIC em uso com o currículo (Almeida; Valente, 2011), com abertura para o desenvolvimento de um currículo real, que se concretiza na prática social (Goodson, 2001). Pode-se, então, apontar indícios de inovação, não apenas tecnológica, que é exógena à escola, mas inovação entendida como mudança que acontece no contexto específico da prática.

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Integração Currículo e TDIC: a prática pedagógica com o uso do laptop na escola

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Notas 1 Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, e da Faculdade de Educação, da PUC-SP. E-mail: bethalmeida@pucsp.br 2 Doutor em Ciências de Integração da América Latina, pela Universidade de São Paulo. Docente do Centro Universitário Senac - Santo Amaro. E-mail: nealmeida@uol.com.br

Para outras informações sobre a pesquisa, consultar Almeida, Barreto e Jesus (2012). 3

Web currículo é um constructo criado por Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida e pode ser melhor compreendido a partir da leitura do livro organizado por Almeida, Alves e Lemos (2014). 4

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Capítulo 17

Formação Continuada do Professor de Matemática no Contexto do Programa Observatório da Educação Maria Elisabette Brisola Brito Prado1 Nielce Meneguelo Lobo da Costa2

Introdução

A

formação continuada, desenvolvida numa perspectiva reflexiva sobre a prática pedagógica e envolvendo grupos de estudos, segundo diversos autores, favorece o desenvolvimento profissional do professor (Zeichner, 1995; Imbernón, 2009). Sob esse enfoque foi concebido um projeto de formação e pesquisa intitulado “Educação Continuada de Professores de Matemática do Ensino Fundamental e Médio: Constituição de um Núcleo de Estudos e Investigações sobre Processos Formativos” (Projeto ECPMEFM) 3 no âmbito do Programa Observatório da Educação4. Esse Programa é uma iniciativa do Governo Federal Brasileiro que tem como meta a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem nas escolas públicas do país e se desenvolve em parceria com universidades. Um curso de formação continuada foi empreendido no projeto com a participação de um grupo de professores de Mate410


Maria Elisabette Brisola Brito Prado | Nielce Meneguelo Lobo da Costa

mática da Educação Básica. Esse curso inicialmente investigou junto aos professores quais eram os conteúdos que eles julgavam ser necessário rever com o propósito de aprofundar o conhecimento individual e coletivo sobre o fazer matemática na realidade escolar. Considerando que a formação continuada, muitas vezes, se constitui como uma necessidade para complementar a formação inicial dos professores, assim como, sanar suas fragilidades de conhecimentos, como apontam Lobo da Costa e Prado (2011), o referido curso, desenvolveu ações voltadas para impulsionar o conhecimento específico de matemática, além das questões ligadas ao ensino e à aprendizagem dos conteúdos nele enfocado. A pesquisa apresentada nesse artigo foi realizada no contexto do Projeto ECPMEFM, envolvendo a participação de vinte e nove professores de Matemática da Educação Básica, que se reuniam quinzenalmente, na universidade para realizarem ações formativas presenciais e a distância, via ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ao longo de um ano letivo. Tais ações eram desenvolvidas com vistas a propiciar a interação entre os participantes, o compartilhamento de suas experiências, saberes, questionamentos e reflexões, ajudando-os na construção de um espaço colaborativo de aprendizagem sobre o fazer pedagógico. A intenção foi de propiciar aos professores participantes a reconstrução de conhecimentos específicos da Matemática e das estratégias de ensino que possam favorecer o aprendizado dos alunos da Educação Básica. Assim, durante o curso foram abordadas três temáticas, conforme detalhadas no quadro 1, envolvendo teorias de aprendizagem, questões fundamentais da didática da Matemática e Tópicos de Geometria.

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Formação Continuada do Professor de Matemática...

Quadro 1 – Assuntos abordados no Curso de formação continuada

Teorias da Aprendizagem

Didática da Matemática

Tópicos de Geometria

Abordagem Comportamentalista, Cognitivista e Construtivista Epistemologia Genética de Piaget Teoria Sociocultural de Vygotsky Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud Cognição Situada Construcionismo de Papert Níveis de Parzysz (2003) Teorema de Pitágoras – Demonstrações e Aplicações Teoria dos registros de representação Semiótica de Duval (1993) Resolução e Discussão de Atividades de Geometria Plana Área de Figuras Planas - Demonstrações Resolução e Discussão de Atividades de Geometria Métrica Espacial

A dinâmica desse estudo ocorreu por meio de atividades práticas e teóricas, envolvendo diversas estratégias de resolução de problemas e de discussões entre os participantes nos encontros presenciais e nas interações a distância por meio do fórum do AVA. O grupo de professores participantes tinha como atividade prática recontextualizar as atividades vivenciadas durante a formação no contexto da escola junto aos seus alunos. Essa experiência, envolvendo as resoluções dos alunos, era discutida e analisada no coletivo do grupo (presencialmente e a distância) buscando compreender, por exemplo, os níveis e aprendizagem da Geometria propostos por Parzysz (2003). A metodologia da pesquisa de caráter qualitativo constitui-se da análise dos registros textuais dos professores disponibilizados nas ferramentas do ambiente virtual de aprendizagem utilizado no curso. Foram analisados cento e trinta os registros textuais. A organização desses dados foi feita considerando três momentos do curso e três formas diferentes de registro: Fórum de Discussão, Memorial reflexivo e Atividade postada no Portfólio. 412


Maria Elisabette Brisola Brito Prado | Nielce Meneguelo Lobo da Costa

Análise e resultados A partir da análise interpretativa dos registros foram identificadas as categorias emergentes correspondentes aos três momentos do curso: Momento 1: No inicio do curso, após os professores terem vivenciado em alguns encontros presenciais, atividades envolvendo conceitos de geometria, eles utilizaram o Fórum temático “Tópicos Fundamentais para o ensino da geometria na Educação Básica” para compartilhar com os colegas seus questionamentos e preocupações. A análise dos extratos desse primeiro tipo de registro (numerados 01 a 58) expressos no Fórum (F) identificou quatro categorias (FRF), (FRA), (FRE) e (FCP), conforme mostra o Quadro 2, a seguir: Quadro 2 – Descrição das categorias emergentes no Fórum (F). Categorias emergentes (FRF) Reflexão sobre a Formação (FRA) Reflexão sobre Aprendizagem

(FRE) Reflexão sobre o Ensino

(FCP) Colaboração entre Pares

Descrição Explicita a causa da insegurança pela formação inicial ter sido insuficiente. Explicita vontade, interesse e necessidade em aprender o conteúdo de matemática. Explicita a causa que impede de ensinar geometria para os alunos devido à falta do domínio desse conteúdo. Reconhece a importância da interação com os colegas pelo fato de compreender e dar apoio diante das dificuldades e inseguranças.

Momento 2: No meio do curso, antes do recesso escolar, os professores elaboraram um Memorial reflexivo. A intenção era de propiciar aos professores a reconstituição da trajetória de aprendizagem vivenciada na formação até aquele momento do curso. A análise dos extratos desse segundo tipo de registro (numerados de 59 a 83) expressos no Memorial (M) identificou cinco categorias (MRF), (MRA), (MRE), (MCP) e (MUE), conforme mostra o Quadro 3, a seguir: 413


Formação Continuada do Professor de Matemática...

Quadro 3 – Descrição das categorias emergentes no Memorial (M) Categorias emergentes

(MRF) Reflexão sobre a Formação

Descrição Explicita a distância que há entre aquilo que aprendeu na sua formação inicial com o que necessita saber para atuar na sala de aula.

(MRA) Reflexão sobre Aprendizagem

Reconhece a fragilidade da sua própria formação. Explicita o seu processo de aprender sobre o conteúdo, a prática e a metodologia.

(MRE) Reflexão sobre o Ensino

(MCP) Colaboração entre Pares

(MUE) Relação Universidade e Escola

Demonstra ter consciência das dificuldades e do seu próprio desenvolvimento. Explicita a necessidade de aprimorar os conceitos matemáticos e as metodologias para desenvolver melhor o ensino. Valoriza a troca de experiências, de reflexões e questionamentos entre os colegas. Valoriza o compartilhamento entre o conhecimento prático do contexto escolar e o teórico trazido pela universidade.

Momento 3: No final do curso, os professores postaram em seus Portfólios as respostas de uma Atividade especial, que constituía de questões norteadoras para os professores poderem revisitar e explicitar as situações de ensino que aplicaram em suas práticas pedagógicas e os aspectos que contribuíram para o seu desenvolvimento profissional. A análise dos extratos desse terceiro tipo de registro (numeradas de 84 a 130) expressos na Atividade (A) identificou quatro categorias (ARA), (ARE), (ACP) e (AUE), conforme mostra o Quadro 4, a seguir:

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Quadro 4 – Descrição das categorias emergentes na Atividade (A) Categorias emergentes

Descrição Relaciona a aprendizagem pessoal e profissional.

(ARA) Reflexão sobre Aprendizagem

(ARE) Reflexão sobre o Ensino

(ACP) Colaboração entre Pares

(AUE) Relação Universidade e Escola

Demonstra preocupação e atenção em entender como o aluno aprende. Explicita estratégias de ensino e a inclusão de recursos didáticos que podem favorecer a compreensão dos conceitos matemáticos pelos alunos. Reconhece a facilidade de ensinar e aprender pela visualização usando o software. Valoriza o papel do outro (colegas e formadores) no processo de aprender por meio das interações. Atribui sentido para aquilo que aprende na universidade (durante a formação continuada) e reconhece sua utilidade ao desenvolver a prática em sala de aula. Relaciona seu aprendizado e aprimoramento com o desenvolvimento profissional.

As categorias emergentes identificadas foram analisadas a partir da visualização das árvores geradas pelo software CHIC, que mostram as relações entre elas nos três momentos do curso e por meio de três formas diferentes de registros.

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Formação Continuada do Professor de Matemática...

Figura 1 – Árvore de similaridade referente aos três momentos do curso e três formas diferentes de registro

A árvore da Figura 1 apresenta-se composta por três classes representantes dos registros dos três momentos do curso, sendo que cada uma delas nos permite compreender as relações entre as categorias que expressam as reflexões ocorridas pelos professores participantes do curso. Assim, a Figura 2 que se refere ao Momento 1 do curso, mostra o encadeamento das categorias que emergiram no fórum.

Figura 2 – Classe referente ao Momento 1 - Fórum

A reflexão provocada durante o debate no fórum indica que os professores refletiram sobre a aprendizagem e o ensino de Geometria deixando em evidência suas dificuldades sobre este conteúdo. Essa constatação expressa e compartilhada na turma instiga aos professores a rever a 416


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própria formação inicial e a entender que a mesma não foi suficiente para prepará-los em relação ao conteúdo específico de Geometria para que pudessem colocar em prática no contexto escolar. Os extratos dos registros textuais (ERT) apresentados a seguir ilustram esse momento de reflexão dos professores sobre estes aspectos: A formação do professor é deficiente... Quando interagi com alguns professores deste curso, muitos me disseram que não tiveram geometria nem na formação básica, nem na formação superior... [ERT 01]. Eu também faço parte deste grupo que nada ou quase nada teve de Geometria... não tenho segurança neste conteúdo... [ERT 08].

O fato da categoria (FCP) estar relacionada ao encadeamento das variáveis (FRF, FRA e FRE), nos revela que foi no diálogo interativo com os colegas, que os professores perceberam que partilhavam das mesmas preocupações e, uma delas, a mais evidenciada no grupo, tratava-se da fragilidade do domínio de geometria, como mostra o extrato a seguir: Acredito que parte de nossa insegurança se deve ao fato de nossa formação [...] ficamos com receio de lecionar um conteúdo em que temos mais dúvidas que o aluno [...] Não devemos ter medo, mas procurar sempre nos atualizar e freqüentar grupos de estudo como este que estamos participando, pois somente trocando idéias e experiências, poderemos vencer o medo da geometria. [ERT 45].

Para o professor atuar no contexto de sala de aula, desenvolvendo estratégias de ensino focadas em propiciar ao aluno a construção do conhecimento matemático, ele 417


Formação Continuada do Professor de Matemática...

precisa ter o domínio de diferentes tipos de conhecimentos, essencialmente aqueles defendidos por Shulman (1986), que se referem aos conhecimentos do conteúdo específico, pedagógico geral, curricular e pedagógico do conteúdo. Portanto, a questão é saber como esses conhecimentos são abordados na formação do professor. Segundo, Pavanello (1993) e Lorenzato (1995), em particular o conhecimento de Geometria é muitas vezes insuficiente para preparar o professor para atuar na Educação Básica. Ao longo do curso de formação realizado no Observatório da Educação foi sendo trabalhado o conteúdo de Geometria. O grupo de professores realizava atividades, discutia as relações existentes, analisava os erros e as compreensões equivocadas, interagindo com seus pares e os formadores. E com isso as reflexões dos professores sobre aprendizagem e ensino de Geometria se fortaleceram como mostra a configuração das categorias (MRA e MRE) na Figura 3 a seguir:

Figura 3 – Classe referente ao Momento 2 - Memorial

As relações entre as categorias (MRA, MRE e MCP) se apresentam com forte e significativo nível de similaridade, que nos dá um indicativo interpretativo de que os professores mesmo se expondo para o grupo, explicitando suas fragilidades, também revela coragem e determinação para superá-las, como mostram os extratos a seguir:

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[...] eu me sinto completamente insegura com relação à Geometria, muitas vezes tenho vergonha de admitir que não domino esse assunto, algumas vezes, me senti perdida, mas eu ainda vou dominar geometria, vocês vão ver, eu vou conseguir! [ERT 62]. [...] tenho muita dificuldade em Geometria, esse é um assunto que não domino, portanto, não ensinei geometria para os meus alunos. Eu ainda vou aprender Geometria, e afastar esse fantasma que vive me assombrando! [ERT 59]. Às vezes paro para pensar o porquê que a maioria dos alunos não gosta de geometria. E percebo que a culpa não é deles e nem dos professores, mas sim a forma com que ela foi iniciada. Se fizermos uma pesquisa com alunos do ensino fundamental, iremos perceber que muitos não sabem nem mesmo as diferentes formas geométricas... [ERT 69].

No processo de refletir sobre a própria aprendizagem e a do aluno, os professores demonstram ter consciência de suas limitações. No entanto, ao vivenciar situações de aprendizagem envolvendo novas estratégias e possibilidades para lidar com o ensino de Geometria, os professores sentiram encorajados para superar suas dificuldades. E nesse processo foi fundamental o diálogo e a colaboração entre os colegas e o formador, como mostram os extratos a seguir: Esta convivência foi de grande ajuda, pois muitas dúvidas que tinha foram sanadas e os temas discutidos de grande importância. Por exemplo, os níveis de Parsysz muito interessante, pois aprendemos um pouco mais como funciona a mente das crianças. Foi grande a interação deste grupo de estudo. [ERT 70]. [...] percebi que algumas dificuldades que eu tinha também era de alguns colegas. Percebi também que a forma de nos 419


Formação Continuada do Professor de Matemática...

reunirmos em grupo ajudou a solucionarmos duvidas que eram de todos. [ERT 73].

É importante destacar que o caráter colaborativo que se estabelece nas interações entre os pares e o formador no processo de formação pode favorecer o aprendizado de todos os envolvidos. Mas, para isto, as relações entre os componentes do grupo precisam ser construídas “[...] numa base de igualdade de modo a haver ajuda mútua e a se atingirem objetivos que a todos beneficiem” (Boavida; Ponte, 2002, p. 45). No trabalho colaborativo as pessoas expõem suas limitações e potencialidades e, nessa situação, é preciso atentar para que seja construído um clima de companheirismo, parceria e respeito de modo que todos possam manter o diálogo constante com o outro e consigo mesmo (Prado, 2003). Por esta razão que a abordagem de formação desenvolvida no curso, segundo Lobo da Costa e Prado (2012), enfatizou dinâmicas envolvendo o grupo em situações problemas, que requer vivências significativas e reflexivas, voltadas ao contexto de atuação dos professores para que possam caminhar em direção da reconstrução da prática, bem como para o desenvolvimento profissional. [...] a convivência que tive com todo o grupo foi um aprendizado incrível, tanto pessoal como profissional. Creio que quando uma pessoa tem um crescimento profissional o pessoal evolui junto. O aprimoramento de nosso desenvolvimento pessoal e profissional está interligado à medida que aprendemos a lidar com nossas dificuldades. Dizer ou aceitar que não sabemos determinados conteúdos e difícil, mas a partir do momento que admitimos ter dúvidas, passamos a ser mais críticos e conseqüentemente melhores. [ERT 79].

Outro aspecto evidenciado no momento 2, como mostra a Figura 3, foi o surgimento de uma nova categoria (MUE). 420


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Embora essa categoria se apresente com o nível de similaridade discreto, sua presença revela que os professores começaram a relacionar aquilo que é abordado durante o curso com as questões do seu cotidiano escolar. Essa evidencia se confirma no período final do curso, ou seja, no momento 3, em que a categoria (AUE) aparece numa nova configuração, como mostra a Figura 4 a seguir:

Figura 4 – Classe referente ao Momento 3 - Atividade

A classe do Momento 3 é composta por dois nós (ARA, ARE) e (ACP, AUE) com nível de similaridade forte e interligados de forma significativa. O primeiro nó (ARA, ARE) mostra que no processo de reflexão sobre o ensino, o professor se atenta para a aprendizagem do aluno e demonstra abertura para a busca de novas estratégias didáticas, incluindo o uso de diversos recursos, tal como mostra o extrato do registro a seguir: [...] Para nosso aluno é importante que aprenda a lidar com os instrumentos básicos desde o princípio, como reta, ponto, ângulo, segmento, circulo, triangulo, retângulo, etc., desde o final do 1º ciclo [...] A utilização de figuras geométricas e trabalhar, por exemplo, com TANGRAN que é um ótimo instrumento na iniciação básica de figuras e conceitos geométricos. [ERT 87].

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Durante o curso os professores tiveram oportunidade conhecer e explorar vários materiais concretos e digitais, como por exemplo, o software o Cabri-3. Os softwares que foram utilizados durante o Curso serviram para que os professores participantes pudessem vislumbrar e explorar possibilidades de inserir a tecnologia no ensino de matemática. Os extratos dos registros a seguir mostram os argumentos dos professores sobre esta questão: Achei muito interessante a apresentação do software cabri 3D, porque é um software de construção criativa, conforme você vai pensando no desenho, ao mesmo tempo esta explorando seus conhecimentos e se aprimorando. [ERT 93] [...] a nova forma de ensinar a geometria facilitou o aprendizado, pois quando aprendi no ensino fundamental achava a disciplina complicada mesmo sendo dada como matéria a parte da matemática. Os recursos agora utilizados facilitaram e muito o aprendizado dos alunos e com isso maior interesse nos assuntos que são tratados. [ERT 94].

As novas dinâmicas para o ensino de matemática eram vivenciadas nos encontros presenciais, por meio da exploração de estratégias e das análises de suas implicações no processo de aprendizagem dos alunos. Posteriormente, os professores experenciavam tais estratégias em situações reais, ou seja, junto aos seus alunos nas escolas. Além disso, tais práticas eram retomadas quase que imediatamente, como objeto de reflexão do grupo por meio das ferramentas de comunicação do AVA e presencialmente durante os encontros realizados na Universidade. Essa forma de aprender-fazendo no curso é reconhecida pelos professores, conforme mostra o extrato a seguir:

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[...] o que aprendemos na prática nunca mais esquecemos. É muito mais fácil a assimilação quando colocamos a “MÃO NA MASSA”. Inclusive é muito melhor quando começamos a aula com a prática para depois chegarmos à conclusão teórica. [ERT 88].

Em relação ao aprender-fazendo, Prado e Valente (2003), salientam que a formação precisa, priorizar menos, o falar como os professores devem fazer e, priorizar mais, as situações em que eles possam vivenciar e compreender as novas experiências práticas. O interessante é que a articulação reflexiva entre o ensino e aprendizagem aparece interligada com o segundo nó (ACP, AUE) na árvore da figura 4. Essa configuração indica mais uma vez a importância da interação no grupo, provavelmente propiciada pelas dinâmicas do curso, como mostra o extrato a seguir: O que achei também interessante no curso foram os trabalhos em grupo. Normalmente em sala de aula aplicamos exercícios para que sejam resolvidos individualmente a partir daí passei a usar a prática de grupos e os alunos gostaram muito. [...] são tantas dúvidas ainda que percebi que tenho muito que aprender. [ERT 102].

De fato, as ações formativas se pautaram nos princípios da ação e reflexão, da articulação entre teoria e prática, das interações entre os participantes, de focar as análises e discussões trazendo elementos das práticas contextualizadas do professor, de modo a alicerçar o processo de reconstrução do conhecimento do conteúdo matemático, pedagógico e curricular. Cabe também ressaltar a relação que se estabeleceu entre os formadores e pesquisadores da Universidade e os professores das Escolas. Durante a formação trabalhando 423


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juntos e buscando novos caminhos para o ensino e aprendizagem de matemática, os participantes (da universidade e das escolas) tiveram oportunidade de reconstruírem conhecimentos práticos e teóricos. Essa aproximação entre a Universidade e a Escola, mostrou ser extremamente importante para que as teorias produzidas possam ganhar vida na prática e, a prática, propiciar novos estudos e construções teóricas.

Algumas considerações O estudo evidenciou a conexão entre a rede colaborativa como espaço de aprendizagem coletiva no contexto da formação continuada e a possibilidade de impulsionar o desenvolvimento profissional docente. A criação da rede se dá por meio de um processo no qual as ações formativas se desenvolvem com base em vivências que privilegiam características próprias de um trabalho colaborativo. A indicação é que essa rede inclua o uso das contribuições dos ambientes virtuais, uma vez que eles permitem romper as barreiras de tempo e de espaço entre os participantes do grupo, bem como viabilizam os diálogos/interações que se estabelecem por meio da escrita usando as diferentes formas de registros textuais. Essa forma de interação, que envolve o compartilhamento de experiências, saberes, reflexões e questionamentos, auxilia a constituir um espaço colaborativo de aprendizagem e de reflexão entre os professores. Esse modo de aprender, por sua vez, faz com que cada participante possa sentir-se simultaneamente aprendiz e ensinante do outro e caminhar no sentido da sustentabilidade de aprender ao longo da vida.

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Formação Continuada do Professor de Matemática...

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Notas Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN e Pesquisadora Colaboradora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação - NIED da UNICAMP. E-mail: bette.prado@gmail.com 1

Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN. E-mail: nielce.lobo@gmail.com

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3 Projeto desenvolvido Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN. 4 O Programa Observatório da Educação (CAPES/ INEP/SECAD) tem por objetivo fomentar a produção acadêmica e a formação de recursos humanos em educação incentivando a articulação entre pós-graduação, licenciaturas e escolas da rede pública de educação básica.

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m livro, quando escrito por muitas mãos, em diversos computadores, com diferentes sistemas operacionais e auxiliados por muitos aplicativos, traz em seu bojo o enriquecimento específico que a diversidade de estilos e recursividade digital tem a acrescentar. Versar sobre uma única temática que retrate a utilização de um software como o fio que costurou os pensares para que estes descrevessem caminhos percorridos nas pesquisas e aprendizagens, de modo a que, se transformem num único material para apresentar determinado tema e demonstrá-lo como realidade plausível de aplicabilidade, se perfaz como um excelente ganho pedagógico. Eis um dos principais perfis e a grandiosidade literária deste livro. O que acentua muito essa riqueza é o fato de que os autores dos capítulos não romperam ou se distanciaram da unidade e coesão, tanto do tema como do texto. Respectivamente, representam a potencialidade do livro de se tornar atraente, ter capacidade de prender a atenção e manter o estímulo a partilhar de sua aplicabilidade, enriquecendo-se da possibilidade de usufruir da unidade entre a teoria e a prática, enquanto práxis educacional. Assim, nas páginas do livro se traduzem e decodificam conteúdos, imprimindo e comunicando, no plano da percepção e inteligência, as referências teóricas e metodológicas que oferecem relevantes contribuições aos pesquisadores como acréscimo ao agir pedagógico, mostrando uma 427


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recursividade didática capaz de atrair a atenção e empolgar educadores e educandos, sobretudo pela dinamicidade e interatividade que o software possui. Se interpretarmos imageticamente a elaboração simbólica da inteligência humana, que o software de análise qualitativa de dados Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive (CHIC) representa, levada em seu aspecto de comunicabilidade com nossos tempos, é possível entendê-lo como recurso muito atual e abrangente, pois os resultados que ele apresenta e as análises decorrentes percorrem distintos campos de atividades e especificamente a educação (presencial ou a distância) como no caso dos estudos apresentados neste livro, que se somam como saberes que se complementam. A imagem de um mosaico traz um perfil iconográfico muito propício para simbolizar esta coletânea de artigos, ao formar uma aparência coesa proporcionada pela soma de muitas pedras, até que a imagem que se pretende compor apareça com clareza e nitidez, de modo que, num todo, a partir da junção, da soma das partes, o todo se torne símbolo comunicável. O que significa expressar que o CHIC foi muito bem apresentado e tornado instigador aos educadores e educandos, que se orientam por uma perspectiva educacional que dialoga com as tecnologias dentro da dinâmica do Web Currículo. Desta forma, o todo deste livro, intitulado Uso do CHIC na formação de educadores – à guisa de apresentação dos fundamentos das pesquisas em foco, composto por apresentação, prefácio, 17 capítulos e conclusão, apresenta-se como essa leitura metafórica de um mosaico textual, em que cada contribuição autoral coopera amplamente para o todo da imagem comunicada. Desde a junção das palavras de cada capítulo até a sua unificação enquanto corpo único, a coesão das ideias, dando à produção final profunda exercitação coletiva em 428


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torno de uma ideia comum sintetizada no seu título, o livro ganhou forma e está disponibilizado gratuitamente, para enriquecimento de quem assim o quiser, através da série @prendersempre.com, nos formatos físico (contemplando a cultura do livro em papel) e do e-book (o foco prioritário da cultura editorial, que a série compreende como diálogo da ação pedagógica com os tempos atuais). Quando, alegoricamente, é trazido o exemplo do mosaico, pensa-se numa aproximação funcional que o aplicativo CHIC é capaz de realizar, ou seja, por meio do cruzamento de informações, surge uma leitura e interpretação para ajudar no entendimento dos dados, na elaboração de ideias e teorias a serem propostas. O desenvolvimento da metodologia com o uso do software, pela professora pesquisadora Mirna Tonus, em sua pesquisa de doutorado, é assim apresentado e definido: [...] a fim de usufruir ao máximo do software para interpretar as respostas dos alunos aos questionários aplicados e detectar diferenças entre as similaridades e implicações entre as categorias selecionadas, buscando uma avaliação mais completa da aprendizagem dos alunos envolvidos na pesquisa (Tonus, 2015, p. 124).

Profunda e ricamente, este livro seguiu esse caminho pedagógico, com certeza pela contribuição de cada um, mas sem dúvida pela capacidade dos seus organizadores, José Armando Valente e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, que na realidade são os responsáveis e introdutores da contribuição pedagógica que o CHIC traz à educação brasileira. O aplicativo [...] trabalha com a ausência ou presença de um evento representado pelos dígitos binários 0 e 1 [...] permitiu associar as respostas (variáveis) visualizadas em árvores 429


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hierárquicas de similaridade, e agrupá-las em classes, que evidenciam os níveis mais significativos de sua similaridade, ou semelhança, com outros níveis e classes (Almeida; Almeida, 2012, p. 395).

Assim, Valente (2015, p. 84) explica que: No Brasil, a utilização do CHIC apresenta certas peculiaridades. Primeiro, ele tem sido usado em diferentes centros de pesquisa, porém a maior parte deles, relacionados com a área de Educação, mais especificamente com a formação de educadores ou profissionais que atuam em atividades de cunho educacional. Segundo, em geral nos estudos realizados, os dados a serem analisados são baseados em registros textuais que os participantes elaboram e que fazem parte de fóruns desenvolvidos em disciplinas ministradas on-line, memoriais reflexivos, questionários, entrevistas gravadas ou observações documentadas. Terceiro, [...] estudos que utilizaram variáveis binárias, criando a planilha binária [...]. Quarto, a representação mais recorrente nas pesquisas realizadas nos centros brasileiros é a árvore de similaridades. Finalmente, diversos estudos combinam o CHIC com outros recursos de análise [....] para auxiliar na identificação de indicadores, [....] ou recursos oferecidos pelo CHIC para levantar indicadores que sejam usados como variáveis em um outro estudo, que também usa o CHIC.

Este software educacional tem capacidade de reunir dados e informações, inter-relacionando-os tanto estatística como didaticamente, a fim de facilitar a intercomunicação e, pela contribuição deste aplicativo, adensar estruturas da inteligência, do campo visual e da memória, em prol da ampliação da formação de educadores e das suas aprendizagens. Desta forma, os dados podem ser qualitativamente 430


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cruzados e permitirem múltiplas leituras, de acordo com a proposição a ser atingida. A propósito, esse software já vem sendo estudado e aplicado há algum tempo, no Brasil. Inclusive, é muito enriquecedora, dentre os diversos escritos, as ideias de uma das autoras do livro, a pesquisadora Maria Elisabette Brisola Brito Prado, que, para apresentar sua argumentação acerca do alcance desse aplicativo, escreve em seu capítulo sobre Educação a distância e formação do professor: redimensionando concepções de aprendizagem, decorrente de sua tese doutoral defendida, em 2003, na PUC-SP, no Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo: Este software, que cria árvores relacionais de similaridade e implicação das categorias, as quais expressavam as reflexões dos professores-alunos durante o curso, me permitiu aprofundar a compreensão sobre o processo de aprendizado dos professores-alunos em função das ações de formação desenvolvidas neste curso virtual (Prado, 2003, p. 14).

Com o uso desse software, ocorre uma mediação pedagógica, recurso didático muito promissor e, no que diz respeito à sugerida imagem iconográfica representativa do mosaico, ganha expressividade e antropoformização de informações, dados, números, palavras e ideias. Assim, o CHIC pode se tornar contribuição educacional que amplia aprendizagens, ao ser cada vez mais utilizado na pesquisa, na formação de educadores, quiçá cada vez mais em nossas escolas. Ao interagir com o processo educacional, o aplicativo transforma-se em recurso tecnológico que caminha pelas vias do conceito de Web Currículo, em que mediações tecnológicas promovem a relação entre ação pedagógica e cultura digital de nosso tempo. Aliás, a profunda interatividade da ação humana com a coleção de informações 431


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evidencia aquelas que, sem tal recursividade, poderiam passar despercebidas. Trata-se do avanço das tecnologias sobre a técnica arte de educar, de transmitir conhecimentos e de ampliar aprendizagens, como fruto da interativa relação do homem com a máquina, em que sua inteligência natural se relaciona com a inteligência artificial do saber tecnológico, de modo que um e outro se interpenetram para gerar o novo, reafirmando a supremacia do humano no uso das tecnologias para serviço à comunidade educadora, como ação entre digitus (dedos) et digitales, homo et tecnè, schola et vitam. A educação, conforme revela sua história, sempre está em busca de elementos didáticos que instrumentalizem dados e informações, para demonstrar o que ideias e pensamentos têm enquanto poder de transmissão ou de articulação para a produção de algo novo, sobretudo quando auxiliados pela tecnologia. São os caminhos que o universo digital oferece como didática a ser utilizada, assim este e tantos outros softwares. Neste livro, uma de suas principais riquezas é a sua profundidade didática, pois, ao trazer uma coletânea de artigos diversos, apresentou desde elementos esclarecedores do que é o CHIC em si, como também sua aplicação prática na análise de dados sobre a ação pedagógica, fornecendo importantes informações para a reconstrução dessa ação. De tal modo, não só caracteriza um software, como demonstra sua plausibilidade para orientar as atividades de formação de educadores na modalidade presencial, a distância ou híbrida, na esteira do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Outro aspecto relevante é o fato de proporcionar diálogo interinstitucional entre diversos países, uma vez que o software CHIC tem sido aplicado em muitos lugares, daí, as instituições educacionais, ao utilizá-lo, podem reafirmá-lo como um viés de ligação educacional nas esferas 432


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física, institucional e cultural. Aliás, o aplicativo se adianta como um processo de ligação cultural entre a formação de educadores, as gerações dos professores e suas práticas com alunos. Também nos diversos níveis e segmentos da educação, pode ser utilizado, acompanhando a vida acadêmica, desde a educação infantil até a pós-graduação, dentro de uma abrangência de formação que transita, interdisciplinarmente, em muitas áreas do saber. Pode, ainda, ser amplamente explorado em outras instâncias administrativas das diversas instituições educacionais e em outros setores de atividades. O livro contribui muito na demonstração de que há riqueza de intercomunicação entre a tecnologia digital com a história da educação, o que, pelo fato de proporcionar a interconexão cultural, cumpre uma função muito oportuna, naquilo que tange a ajudar na superação do medo e da resistência ao uso das tecnologias digitais na educação, ressaltando assim os novos parâmetros para a educação do futuro, que já são realidade no presente. O livro em seus capítulos mostra intimidade com a gradatividade da assimilação da cultura digital, promevendo afinidade do educador com sua utilização. Isso ficou muito evidente nos capítulos, que ajudaram a diminuir os obstáculos e resistências ao uso das TIC na educação. O critério expositivo muito bem alinha os artigos, atribuindo-lhes força e expressão de riqueza textual, à medida que fornece ao leitor a possibilidade de entender teoricamente o que vem a ser o software tal como o contempla na pesquisa e nas referências para a formação e a prática. Nada mais peculiar ao CHIC do que ser essencialmente elemento de ligação. Certamente, aqui se encontra um dos méritos dos organizadores, que não apenas introduzem e efetivam a aplicabilidade na vida acadêmica no Brasil como selecionam os 433


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artigos com esse potencial didático. Isso torna o CHIC uma aprendizagem “chique”. Nesse sentido, o alcance teórico e metodológico ganha expressão prática como mediação pedagógica na educação brasileira, seja na forma física como também no formato de e-book, e parece ganhar ares de pioneirismo na literatura em língua portuguesa, nos dois formatos literários. Eis um espírito da série que o publica! Logo, o livro Uso do CHIC na formação de educadores – à guisa de apresentação dos fundamentos e das pesquisas em foco contempla os leitores tradicionais, ou clássicos, como também os dos tempos pós-modernos, em que o universo digital se apresenta como via cultural cada vez mais crescente na vida educacional. Permito-me, por fim, fazer uma apreciação muito pessoal, para ressaltar que a cultura digital de nossa educação anda de mãos dadas com as TIC. Mãos que apertadamente estão ligadas ao espírito do software de comunicar com força através da digitalidade. Por fim, devo ressaltar que o livro do software CHIC é um chique nas mãos dos educadores e educandos, e se faz um rico material de leitura que orienta e ensina, ampliando nossas aprendizagens, de modo que se adequa muito intimamente ao nome da série em que está sendo publicado: @prendersempre.com.

Referências ALMEIDA, M. E. B.; ALMEIDA, N. M. P. Integração Currículo e TDIC: a prática pedagógica com o uso do laptop na escola. In: Uso do CHIC na formação de educadores – à guisa de apresentação dos fundamentos das pesquisas em foco. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. PRADO, M. E. B. B. Educação a distância e formação do professor: 434


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redimensionando concepções de aprendizagem. 2003. p. 281 Tese (Doutorado em Educação: Currículo) - Programa de Pósgraduação em Educação: Currículo. PUC-SP, São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www.matematicaepraticadocente.net.br/ pdf/teses_dissertacoes/tese_Bette_Prado.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2015. TONUS, M. Interações digitais: uma proposta de ensino de radiojornalismo por meio das TDIC. In: O uso do CHIC na pesquisa. Uso do CHIC na formação de educadores – à guisa de apresentação dos fundamentos das pesquisas em foco. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. VALENTE, J. A. O uso do CHIC na pesquisa. In: Uso do CHIC na formação de educadores – à guisa de apresentação dos fundamentos das pesquisas em foco. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015.

Nota Possui graduação em Filosofia, pela Universidade São Francisco; graduação em Teologia, pela Pontificia Studiorum Universitas Salesiana, de Roma; graduação em Pedagogia, pelo Centro Universitário Nove de Julho; mestrado em Ciências da Religião, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Direito Canônico, pela Pontificia Universitas Gregoriana, de Roma; doutorado em Ciências Sociais (Antropologia) e pósdoutorado em Educação, pela PUC-SP. É diretor presidente e mantenedor do Instituto Educacional São João Gualberto e reitor do Colégio São João Gualberto; diretor presidente do Instituto Social São João Gualberto; professor da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro; e membro da Comissão de Bioética do Hospital Santa Catarina e dos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Catarina e PUC-SP. Tem experiência na área das Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia (sobretudo da Religião), atuando principalmente com os seguintes temas: relações humanas - sagrado, sincretismo e agir religioso; em Filosofia, Teologia, Ciências da Religião e Direito Canônico; tal como em Educação, nas áreas de Currículo, Gestão e TIC. E-mail: domrobson@gualberto.g12.br 1

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