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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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para a Amazônia

para a Amazônia

Paulo da Silva Nunes é a personagem sobre a qual orbita a estrutura deste livro, afinal, buscamos compreender a influência do discurso antijesuítico nuneano na produção das leis e discursos antijesuíticos pombalinos. Porém, no percurso de construção deste texto, além das análises, nos deparamos com elementos que nos surpreenderam, pois demonstraram haver mais no discurso nuneano do que simples enunciados antijesuíticos futuramente repetidos ou utilizados por Pombal. Observamos que os documentos produzidos por Paulo da Silva Nunes seguiam um determinado padrão. Em sua maioria, iniciavam com uma observação referente ao tempo em que o autor esteve na Corte em busca de resposta para as queixas dos moradores do Maranhão e Grão-Pará. Em seguida, reafirmavam sua posição de procurador dos povos do Maranhão e Grão-Pará, lembrando os anos em que viveu efetivamente na colônia, constituindo-se em testemunha direta das “mazelas” supostamente causadas pela atuação dos jesuítas. Depois, descreviam as riquezas daquelas terras, no intuito de apresentar a colônia como “Uma terra rica em promessas”, que, a seu ver, não eram devidamente realizadas. Dessa forma, o procurador fazia questão de apontar os problemas, mas também de identificar suas causas e propor soluções. Nessa estrutura argumentativa, reconhecemos a organização de um projeto de governo para o Maranhão e Grão-Pará concebido por Silvana Nunes e seus aliados. Esse projeto era, em alguns pontos, e na conjuntura do momento, conflitante com o projeto do Reino para a região. Desse modo, entendemos que Silva Nunes propunha uma espécie de desobediência civil contra os funcionários e leis régias, alheios às necessidades dos povos do Maranhão e GrãoPará. Por isso, em sua produção documental, sempre fez questão de destacar que morou na colônia, conhecendo, portanto, as necessidades locais melhor que os agentes administrativos do Reino. O procurador demonstrou, por diversas vezes, ser contrário à introdução de escravizados de origem africana na região, preferindo claramente a utilização do índio como mão de obra. Para

isso, utilizava argumentos diversos, desde a imperícia daqueles no trabalho da região até a impossibilidade financeira dos colonos de arcarem com sua aquisição.

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Como analisamos, o procurador buscou incansavelmente ser ouvido para remediar a situação do Maranhão e Grão-Pará e eliminar as principais causas da “ruína” daquela região. Segundo ele, os maiores empecilhos para a implantação de seu projeto foram a Companhia de Jesus e as leis reais favoráveis à Ordem, dentre as quais, sobretudo o Regimento das Missões. O antijesuitismo amazônico, produzido na primeira metade do século XVIII, fazia, portanto, parte de um amplo projeto de governo, com o objetivo de sanar os problemas da região.

Diante dessa constatação, apontamos que o antijesuitismo nuneano se assemelhava ao pombalino em outros pontos, além do discursivo. Pois o antijesuitismo pombalino também fazia parte de um projeto político, mas de caráter maior, ao conceber a reformulação de toda a política portuguesa em vista da criação de um Império marítimo moderno. Nesse sentido, Pombal repensou as políticas empreendidas em todas as possessões portuguesas, também, e especialmente, na colônia amazônica.

O Reino, desde o governo de D. Pedro II, ao longo do último quartel do século XVII, buscava implementar políticas que tornassem o Estado português mais eficaz, porém, não se desligava da influência das ordens religiosas, sobretudo, da Companhia de Jesus. Portanto, estava, de certa forma, atento às necessidades daquela instituição eclesiástica não ordinária. Quem tentou efetivamente subordinar essa instituição em Portugal foi o marquês de Pombal, com o plano de criar uma Igreja nacional, aos moldes da Anglicana na Inglaterra – sem, no entanto, romper com a Santa Sé –, visando suprimir a autonomia das ordens regulares. Paulo da Silva Nunes também buscou, muitas vezes, subordinar o poder da Companhia de Jesus por diversos meios: minando seu domínio temporal sobre os índios, propondo a secularização dos aldeamentos e a sujeição dos jesuítas à autoridade episcopal, enquanto instância local da hierarquia ordinária, solicitando a proibição do uso da Língua Geral e, de forma mais extrema, propondo a expulsão da Companhia de Jesus do Maranhão e Grão-Pará. Essa busca não estava baseada apenas em uma antipatia pessoal contra os jesuítas, ou mesmo em questões ligadas apenas à dada realidade local, como as expulsões do século XVII, mas fazia parte de um

projeto, visando dar à região o tão almejado desenvolvimento de suas supostas potencialidades e seu pretenso lugar de destaque no Império português.

O projeto de Silva Nunes ecoou, ao que tudo indica, por décadas, pois as suas principais justificativas são encontradas nas Terribilidades Jesuíticas. Esse corpus documental não serviu apenas para demonstrar e sustentar o antijesuitismo amazônico, mas apresentou e reforçou as causas da “ruína” do Maranhão, destacando que as políticas e leis reais empregadas até aquele momento não surtiram os efeitos esperados. Por isso, necessitavam ser repensadas e modificadas. Tais mudanças ocorreram, mas apenas na segunda metade do século XVIII, por meio das políticas pombalinas para Amazônia.

O antijesuitismo pombalino, com suas leis e discursos, alcançou diversos pontos da Europa e de outras regiões, adquirindo, assim, um caráter internacional736. Mas defendemos que vários argumentos basilares dessa campanha ganharam vultuosidade na primeira metade do século XVIII, por meio da batalha travada por Silva Nunes no Maranhão e Grão-Pará e em Portugal. Naquela época, sua empreitada não obteve sucesso. Porém, basta estudarmos a legislação da segunda metade do XVIII formulada para a Amazônia e os libelos antijesuíticos, que circularam na mesma época, para notarmos a utilização das principais ideias, argumentos e planos de Paulo da Silva Nunes e seus principais aliados.

A historiografia que trabalha o antijesuitismo geralmente estuda os ecos deixados pela produção para a posteridade, especialmente durante o século XIX. A grande obra que, de certo modo, foi uma virada nessa produção historiográfica é a tese, posteriormente publicada como livro em dois volumes de fôlego, de José Eduardo Franco737, utilizados exaustivamente neste trabalho. Mas, mesmo diante dessa obra, acreditamos ser importante pensar mais o antijesuitismo amazônico da primeira metade do século XVIII, pois o mesmo nos revelou uma face política indo além das questões tradicionais, como o poder temporal da Companhia de Jesus sobre os aldeamentos e sua suposta acumulação de riquezas.

Desse modo, podemos deixar novos rastros que possam ser seguidos por outros pesquisadores, ou por nós futuramente, para problematizar o

736 FRANCO. O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), vol. I e II. 737 FRANCO. O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), vol. I e II.

antijesuitismo como projeto político em si e, de forma mais concreta, como aquele produzido por Paulo da Silva Nunes, na primeira metade do século XVIII, e revisitado por Pombal, na seguinte. Obviamente, não deixamos de lado as particularidades da Amazônia durante o período colonial, pois sabemos ter ocorrido nessa região um longo processo para consolidar o domínio político português através de uma colonização mais racional ou “moderna”, e a implantação da hierarquia eclesiástica ordinária, ou seja, diocesana. Esse longo processo foi, até meados do setecentos, muito marcado pela atuação da Companhia de Jesus.

Porém, com a organização do governo na região, ou sua tentativa, novas demandas surgiram e outras se modificaram, como a necessidade de organizar a produção agrícola e a extração das drogas do sertão, de modo a se tornarem lucrativas para o Grão-Pará e Maranhão e para Portugal; o imperativo de fortificar e proteger as fronteiras por meio de cabos e uma população branca mais numerosa; a instituição e regulamentação do uso de mão de obra pelos colonos, entre outras medidas. Lembremos que, desde o início da colonização, essas importantes tarefas foram deixadas a cargo da Companhia de Jesus, responsável pela organização de expedições dos descimentos, de assegurar as fronteiras – externas e internas – por meio de suas missões, e de regulamentar o uso do índio como trabalhador pelos colonos738 .

As demandas e tentativas de modificação dessa situação – como a necessidade de laicizar a administração, retirando efetivamente a Companhia de Jesus da organização do mundo do trabalho –, construídas a partir da realidade local, não ocorreram apenas na segunda metade do século XVIII, mas foram forjadas desde o início daquele século. Mauro Coelho afirma que o Diretório dos Índios foi uma resposta às demandas da colônia, percebidas a partir das experiências de Mendonça Furtado739. Concordamos com o historiador, mas acrescentamos que o conhecimento sobre as demandas locais não veio apenas de sua experiência como governador, mas também da ciência que tinha das

738 É importante salientarmos que as fronteiras “externas” são aquelas com as potências europeias (Espanha, França, Holanda) e as “internas” com as nações indígenas ou “índios bravos”, como aparecem nas fontes. Recomendamos, novamente, ver HEMMING, John. Os índios e a fronteira no Brasil Colônia..., 2008, p. 423-470; LANGFUR. The Forbidden Lands, 2006. 739 COELHO. Do Sertão para o Mar, 2005.

demandas levantadas por Paulo da Silva Nunes em sua campanha, três décadas antes.

Notamos que, nos dois períodos, o antijesuitismo foi concebido como uma política de governo, de cunho protonacional, que se sentiu profundamente incomodada com o fato de a Companhia de Jesus ser gerenciada a partir do exterior do Estado português. Ou seja, a Ordem agia por conta própria com interesses e estratégias nem sempre condizentes com os poderes públicos, e buscando, antes de tudo, seu próprio bem. A ideia passada pelos discursos é que a Companhia de Jesus era uma máquina de guerra irredutível ao aparelho de Estado, exterior à soberania deste, anterior a seu direito, e provinda de outra parte740. Paulo da Silva Nunes e Pombal parecem ter se esquecido de que a Companhia de Jesus foi, durante muito tempo, o principal instrumento da Coroa no processo de expansão e consolidação territorial e, também, social português. Se não esqueceram, deixaram claro que, para eles, a Ordem já havia cumprido seu papel. Portanto, deveria agora abrir caminho para a ação do Estado de cunho (proto)nacional, separado da ação missionária.

740 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 5, São

Paulo: Ed. 34, 1997.

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