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libelos antijesuíticos pombalinos

desses motes fossem notórios desde o final do século XVII, acreditamos que a influência principal sobre essa legislação adveio da produção discursiva nuneana. Suas cartas, solicitações e, principalmente, as Terribilidades, possuíam o intuito retórico de persuadir sua audiência da atuação supostamente tirânica e malfazeja dos jesuítas, que prejudicava a formação de um Estado rico e forte dentro do Império português, e destacavam a impossibilidade da aplicação da legislação indigenista, vital para o funcionamento da sociedade colonial.

5.3 Os argumentos de Paulo da Silva Nunes e a produção pombalina: os libelos antijesuíticos pombalinos

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Depois de analisarmos a influência das petições do procurador na legislação da segunda metade do século XVIII, chegou a vez de buscarmos os ecos do discurso antijesuítico de Paulo da Silva Nunes na produção dos chamados “catecismos antijesuíticos” pombalinos. Segundo José Eduardo Franco, essa produção foi baseada nos documentos combativos produzidos contra a Companhia de Jesus, e pode ser entendida como vetor ideológico sistematizador da doutrina antijesuítica pombalina. Essa produção pode ser considerada internacional, uma vez que circulou e influenciou a tomada de decisão em relação à Companhia de Jesus em diferentes reinos da Europa, especialmente Espanha e França. Para o historiador, mesmo Pombal não tendo sido o autor direto de algumas das obras que compõem esses catecismos, certamente foi seu maior influenciador723 .

Nossa intenção aqui não é estudar a circulação editorial dessas obras, trabalho já realizado por José Eduardo Franco. Assim como fizemos com a legislação pombalina para a Amazônia, buscaremos encontrar os elementos que possam indicar a influência da produção discursiva nuneana, mesmo de forma tangencial, nesses catecismos. De toda produção pombalina, escolhemos trabalhar com duas obras: a Relação abreviada da República que os Religiosos Jesuítas das Províncias de Portugal, e Espanha, estabeleceram nos Domínios Ultramarinos das duas Monarquias, e da guerra, que neles tem movido, e sustentado contra os Exercitos Hespanhoes, e Portugueses; formada pelos registos das Secretarias dos dous respectivos Principaes Comissarios, e Plenipotenciarios; e por outros documentos

723 FRANCO. O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), vol. I, p. 475-476.

autênticos, e os Erros ímpios, e sediciosos que os Religiosos da Companhia de Jesus ensinarão aos Reos, que forão justiçados, e pretenderão Espalhar nos Póvos destes Reynos724 .

Franco defende que a obra inaugural dessa produção antijesuítica internacional foi a Relação abreviada725 , distribuída de forma anônima pela primeira vez em 3 de dezembro de 1757, ou seja, no auge da crise entre a Companhia de Jesus e a política pombalina. A obra, estruturada em torno do Tratado dos Limites, foi escrita de modo a possuir as feições de um relatório sobre a atuação contrária da Companhia de Jesus, em relação ao trabalho dos comissários na demarcação das fronteiras ibéricas na América do Sul. A Relação abreviada é composta por longas citações de cartas escritas por Gomes Freire de Andrade, nos anos 1680, e Francisco Xavier de Mendonça Furtado, comissários responsáveis pelas demarcações dos anos 1750, e por anexos de documentos para comprovarem a narrativa principal726 .

Em 1759, foi publicada a segunda obra fundadora, o libelo Erros ímpios, que atribuía à Companhia de Jesus quatro “terríveis” erros, que serviram para fazer um paralelo entre suas ações e as teorias de Nicolau Maquiavel. No livrete, os missionários foram acusados de possuírem uma moral relaxada, portanto, de serem capazes de utilizar das mais vis armas para manter-se, como

724 Doravante, Relação abreviada e Erros ímpios. 725 [MELO, Sebastião José de Carvalho]. Relação abreviada da República que os Religiosos Jesuítas das

Províncias de Portugal, e Espanha, estabeleceram nos Domínios Ultramarinos das duas Monarquias, e da guerra, que neles tem movido, e sustentado contra os Exercitos Hespanhoes, e Portugueses; formada pelos registos das Secretarias dos dous respectivos Principaes Comissarios, e Plenipotenciarios; e por outros documentos autênticos. [Lisboa, 1757]. Ex Libris José Mindlin. 726 Ver [MELO, Sebastião José de Carvalho] Relação abreviada: “Quatro artigos do tratado intertribal feito pelo padre David Fay com os índios Amanajós”, p. 49-50; “Cópia das instruções que os Padres, que governam os índios lhes deram quando marcharam para o exército, escritas na língua guarani, e dela traduzidas fielmente na mesma forma em que foram achadas aos referidos índios”, p. 59-66; “Cópia da carta que o povo, ou antes o cura da aldeia de São Francisco Xavier escreveu em 5 de Fevereiro de 1756 ao chamado corregedor, que capitaneava a gente da mesma aldeia no exército da rebelião escrita na língua guarani, e dela traduzida fielmente na língua portuguesa”, p. 67-71; “CÓPIA da carta sediciosa e fraudulenta que se fingiu ser escrita pelos caciques das aldeias rebeldes ao Governador de Buenos Aires: sendo que é inverossímil que se mandasse ao dito Governador, e que o mais natural é que se compôs debaixo daquele pretexto, para se espalhar entre os índios, ao fim de lhes fazer críveis os enganos; que nela se contém; escrita na Língua Guarani; e dela traduzida fielmente na língua portuguesa”, p. 72-79; “Cópia da convenção celebrada entre Gomes Freire de Andrada e os caciques para suspensão das armas”, p. 80-85.

a calunia, a mentira e, até mesmo, o assassinato. Ou seja, segundo Eduardo Franco destacava-se

a plena e extrema realização do aforismo maquiavélico de não olhar a quaisquer meios para atingir os fins. Fins que se resumem, em última análise, na afirmação solipsista e no domínio total do poder da Societas Iesu sobre o mundo, em nome de um egoísmo institucional sem limites.727

Outro ponto destacado na obra foi a suposta dimensão secreta da Ordem, considerada ilegal pelo produtor do libelo. Segundo José Eduardo Franco, esse catecismo se inspirou em um dos mais célebres textos antijesuíticos, os Monita Secreta728 . Além disso, para fundamentar todas as suas acusações, o texto utilizou vários autores antijesuítas, como o “Venerável servo de Deus D. João de Palafox e Mendonça, Bispo de Puebla de los Angeles729”, e alguns autores e teólogos, que o texto afirma serem jesuítas, mas não o são, para demonstrar os erros de suas doutrinas. Franco afirma que:

Este libelo contra a moral e o carácter organizativo e governativo dos Jesuítas assenta em generalizações e ilações acomodatícias que carecem de fundamentos válidos. Tanto mais que uma parte dos autores e teólogos, em número de 6, que são alegados como doutrinadores jesuítas não fizeram parte desta Ordem como o documento pretende atestar, a saber, Torrecillas, Caramuel, Trullenk, António do Espírito Santo, Diana e Maleto730 .

De modo geral, constatamos que muitos argumentos empregados nos catecismos pombalinos foram usados anteriormente por Silva Nunes. Porém, como afirmamos na introdução deste capítulo, não podemos garantir a

727 FRANCO, José Eduardo; VOGEL, Cristine. As Monita Secreta: história de um best-seller antijesuítico. Percurso, Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 93133, 2003, p. 120. 728 Segundo João Lúcio de Azevedo, em um memorial dividido em quatro partes e escrito por Paulo da Silva Nunes, há a transcrição dos Monita Secreta. AZEVEDO. Os jesuítas no Grão-Pará, p. 184. (Infelizmente não conseguimos ter acesso a esse documento). 729 FRANCO. O Mito do Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (séculos XVI a XX), vol. I, p. 481-484. 730 FRANCO. O Mito do Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (séculos XVI a XX), vol. I, p. 481-484.

existência de uma influência direta de Nunes nos referidos catecismos, mas observamos, sim, ecos daquela argumentação neles.

Um desse elementos diz respeito à denúncia do jesuíta como “o estrangeiro” no qual não se pode confiar, apresentado na Relação Abreviada. Nas cartas que o procurador trocou com o governador Alexandre de Sousa Freire, também é patente a preocupação com a fidelidade dos jesuítas à Coroa portuguesa, tanto que ambos denunciam em uma missiva a intenção do padre Cristóvão de Acunha em persuadir, em 1639, o monarca espanhol a invadir o Maranhão com uma armada. Para Nunes, os jesuítas sempre representaram um risco para as fronteiras da região731. Além disso, na Relação Abreviada, encontramos os argumentos repetidos diversas vezes nas petições de Silva Nunes, assim como nas Terribilidades: os jesuítas usurpavam a liberdade dos índios, infligindo um cativeiro perpétuo nos aldeamentos, transformando-se em senhores das atividades e lucros agrícolas e comerciais,

absorvendo em si todo o referido comércio; apropriando-se com uma absoluta violência não só de todos os gêneros de negócio, mas até o dos mantimentos da primeira necessidade da vida humana, com muitos monopólios, também reprovados por Direito natural, e Divino732 .

O catecismo acusa os jesuítas de serem os responsáveis pela ruína dos povos do Maranhão e Grão-Pará, privando-os de obreiros para a agricultura733. Nesse libelo, encontramos a repetição do topos discursivo, segundo o qual “Os padres se tinham feito absolutos senhores da liberdade, do trabalho e da comunicação dos índios, sem os quais nada se podia fazer, sendo portanto donos da agricultura e do comércio734”. Esse trecho, claramente, faz referência ao poder temporal dos padres sobre os índios, ao confinamento dos mesmos

731 “REQUERIMENTOS do procurador do Estado do Maranhão, Paulo da Silva Nunes, para o rei D. João IV, sobre a descrição do dito Estado e de suas necessidades, nomeadamente em termos de defesa e de provimento, com referência à concessão dos privilégios dos cidadãos do

Porto e do Maranhão. [post. 1655, Junho, 20], Lisboa. Anexo: cópias da carta dos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto e de Lisboa e da provisão sobre os privilégios concedidos aos cidadãos do Maranhão”. AHU, ACL_CU_009, cx. 3, doc. 367. 732 [MELO]. Relação abreviada, p. 33. 733 [MELO]. Relação abreviada, p. 35. 734 [MELO]. Relação abreviada, p. 37.

nos aldeamentos, ao uso da Língua Geral e ao patrimônio da Companhia de Jesus; quer dizer, fórmulas que já conhecemos da campanha de Silva Nunes.

Além desses elementos, há ainda a constante denúncia contra o comportamento moral dos jesuítas. O procurador denunciava os padres de gananciosos, preguiçosos, desobedientes, violentos e mentirosos. Assim como nos Erros ímpios, Silva Nunes e Alexandre Freire acusavam os jesuítas de levantarem falso testemunho, especialmente contra o governador, para protegerem a si mesmos e a seus interesses. Aqui nos remetemos ao primeiro erro apontado na relação contra os jesuítas: de que eram capazes de difamar e caluniar aos reis e seus ministros para alcançar seus objetivos735. Alexandre de Souza Freire e Paulo da Silva Nunes construíram nas cartas, que trocaram entre si, a representação de que os jesuítas eram dissimulados, capazes de construir ardis e enredar as pessoas em mentiras convenientes à Companhia de Jesus. Além disso, afirmavam que os missionários eram violentos no trato com os índios aldeados e com os funcionários do governo, como discutimos no quarto capítulo. Essa representação recaía, especialmente, sobre o padre Jacinto de Carvalho, principal opositor do governador e do procurador. A atuação dos jesuítas desenhada por Nunes e Freire é encontrada, de forma quase literal, nas denúncias apresentadas no libelo Erros ímpios.

Além da existência de regularidades nos discursos das produções discursivas de Nunes e Pombal, encontramos, de certo modo, um projeto político convergente em seus pontos principais. Podemos, seguramente, afirmar que Pombal conhecia, e bem, a produção nuneana. Desse modo, por encontrarmos elementos tão aproximados entre os escritos dos dois, podemos ainda alegar que os argumentos pombalinos não foram inéditos, e muito menos efêmeros. Assim, somos capazes de afirmar que houve, ao menos, uma dada influência de Paulo da Silva Nunes e de sua produção nas políticas e discursos pombalinos. Conforme esse olhar, constatamos muito mais uma continuidade do que uma ruptura em relação à ascensão de Pombal ao poder e à implantação subsequente de sua política modernizadora.

735 [MELO]. Erros ímpios, p. 55-58.

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