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5.1 As Terribilidades Jesuíticas: uma análise de discurso
tudo indica, esse corpus serviu para a construção de uma parte da propaganda antijesuítica pombalina, assim como suporte para as principais leis pombalinas pensadas para a região amazônica. Em seguida, traçaremos um paralelo entre a produção discursiva nuneana e a pombalina, visando perceber a influência do primeiro sobre o segundo.
5.1 As Terribilidades Jesuíticas: uma análise de discurso
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Na produção do discurso antijesuítico pombalino, não podemos subestimar a influência de Paulo da Silva Nunes. Se não podemos afirmar sua influência direta na produção discursiva e nas leis pombalinas, podemos, ao menos, sustentar que ele foi o maior articulador do antijesuitismo amazônico no setecentos. Compreendemos o discurso antijesuítico pombalino como uma reconfiguração dos discursos anteriores, que assumiram diversas formas, tanto na Corte como na colônia.
Na região amazônica, elencamos: o antijesuitismo contra o monopólio dos jesuítas sobre os índios, que levou às revoltas e expulsões em 1661 e 1684; o antijesuitismo de negociação, em que a Coroa fazia a mediação dos conflitos entre moradores, camarários e jesuítas, já que necessitava das missões para garantir o território no século XVII; o antijesuitismo encabeçado por Paulo da Silva Nunes, parte de um projeto de governo com feições protonacionalistas; e, enfim, o antijesuitismo pombalino, possuidor de contornos mais demarcados e com uma abrangência internacional. Este último culminou com a expulsão da Ordem de Portugal e de todas as suas terras, seguida pela França e Espanha, e, por último, a sua extinção confirmada pelo Breve do papa Clemente XIV no ano de 1773.
Da produção discursiva do antijesuitismo pombalino, destacaremos a Coleção das Representações, Propostas, e Providencias, Sobre As ruinas, que aos Povos do Estado do Gram Pará, e Maranhão fizeram aos denominados Jesuítas, até o fim do Reinado do Senhor Rei dom João Quinto (1686-1755), que faz parte das Terribilidades Jesuíticas no Governo de D’El Rei dom João Quinto. Essa volumosa documentação seria a compilação de vários documentos arrolados por Paulo da Silva Nunes durante sua campanha. Porém, consideramos essa informação
imprecisa, pois Silva Nunes teria falecido de um mal súbito, no ano de 1746, durante seu cárcere no Limoeiro, onde ficara preso por 8 anos601 .
Logo, é provável que, após as Terribilidades terem sido trazidas à luz, outros papéis tenham sido anexados, para compor melhor essas acusações, uma vez que existem na coleção documentos que se remetem a acontecimentos da segunda metade do século XVIII, ou seja, após a morte de Silva Nunes. Mas vale a informação dada por João Lúcio de Azevedo: essa coleção documental teria sido reunida por um escriba de Pombal, após ter ficado esquecida por cerca de 17 anos. Além disso, segundo Azevedo, o próprio Pombal teria lhe dado o título sugestivo de Terribilidades Jesuíticas. Azevedo acrescenta ainda que é possível que Paulo de Carvalho (inimigo da Companhia de Jesus, que concorreu para que os povos odiassem os jesuítas602; e amigo de Berredo, e, que sem dúvida, conheceu Paulo da Silva Nunes) tenha se lembrado da existência do libelo, e mandado proceder a busca no sobrecarregado Arquivo Ultramarino603 .
Esse corpus é uma coleção de documentos de variados anos. Mas, desde já, advertimos que os documentos reunidos nele, mesmo tendo um índice cronológico, não são ordenados conforme suas datas de redação, mas por tópicas. As Terribilidades são compostas por três maços documentais numerados como 3, 4 e 5604, e, como acabamos de constatar, formado por tópicas diferentes. Cada título é formado por cartas, ofícios, representações, entre outros, tratando sempre do mesmo assunto de um primeiro documento, que parece nortear os demais. Por isso, o chamamos de documento principal.
O maço nº 3 é uma coleção nomeada Consultas e papeis originais pertencentes às liberdades, repartições barbaras dos índios, que Deus nosso Senhor criou livres. Esse maço tem no seu índice cronológico vinte e cinco títulos. Seus motes basilares são: as repartições dos índios; a forma como se deveria proceder com a guerra justa; as discussões sobre a liberdade dos índios, na qual se coloca em questão a idoneidade e competência dos deputados da Junta das Missões; as finanças do Maranhão e Grão-Pará e a miséria do povo; a necessidade de
601 AZEVEDO. Os Jesuítas no Grão-Pará, p. 187. 602 MORAES. Chorografia histórica, tom. 3, p. 308. 603 AZEVEDO. Os Jesuítas no Grão-Pará, p. 187. 604 Na documentação não encontramos maços anteriores (1 e 2), nem posteriores (6 em diante).
autorizar as tropas de resgates e a introdução de escravizados da África, fracassada na região.
Do primeiro título até o sétimo desse maço, o objeto principal é a repartição dos índios, assunto que perpassa pelo descimento e a liberdade dos mesmos. Desse modo, devemos problematizar, porque os produtores desses discursos acreditavam ter o direito de questionar retórica, teológica e politicamente esses temas, colocando em questão as leis proibitivas da escravização, tópica repetida em praticamente todos os documentos formadores das Terribilidades.
O maço nº 4, Consultas e papeis originais do Conselho Ultramarino concernentes à fundação dos conventos e conservatórios que os denominados jesuítas tomaram por pretextos para absorverem os fundos da terra do Estado do Grão-Pará e Maranhão, e de todo o Estado do Brasil, possui menos títulos: apenas oito. Mas, da mesma maneira, cada título é composto por documentos diversos, e, como a própria designação do maço deixa clara, o mote principal é o patrimônio da Companhia de Jesus, seus recursos financeiros e a atuação do padre Gabriel Malagrida – do qual trataremos de maneira mais detida nas páginas seguintes – para fundar conventos, casas de acolhimento para moças pobres e seminários.
O maço nº 5, Consultas da Mesa da Consciência e Ordens muito interessantes sobre a liberdade de índios do Maranhão e sobre o comércio que ali fazem os regulares denominados da Companhia de Jesus e sobre a sujeição que estes devem ter aos bispos na Igrejas das suas missões, é composto por quatro títulos que tratam de um tema muito controverso na história das missões na Amazônia: a sujeição dos missionários ao poder episcopal. Questão sempre muito delicada e aguerrida, demonstrando uma perigosa fissura no corpo da própria Igreja Católica. Porém, não aborda a questão do comércio realizado pelos padres. Da mesma forma que os demais maços, cada título é composto por diversos documentos.
Pelos maços inseridos na coleção, acreditamos haver o objetivo de ressaltar a situação econômica complicada da região, a riqueza da Companhia de Jesus, por meio de seus bens, terras, índios e receitas em geral, e o suposto excesso de liberdade, detido pelos padres jesuítas na Amazônia portuguesa, pois não se submetiam às autoridades civis ou às religiosas. Para um melhor entendimento do discurso construído nessa coleção, estudaremos os maços dos documentos de maneira separada, para depois analisarmos sua influência na produção discursiva e na legislação antijesuítica pombalina.