Estudos sobre curriculos na educação matematica

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ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS

NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA



MARCELO NAVARRO DA SILVA SIMONE BUENO (Organizadores)

ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS

NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

2021


Copyright © 2021 Editora Livraria da Física 1ª Edição Direção editorial: José Roberto Marinho Capa: Fabrício Ribeiro Projeto gráfico e diagramação: Fabrício Ribeiro

Edição revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Estudos sobre currículos na educação matemática / Marcelo Navarro da Silva, Simone Bueno (organizadores). – São Paulo: Editora Livraria da Física, 2021. Vários autores. ISBN 978-65-5563-043-5 1. Currículos - Avaliação 2. Educação matemática 3. Matemática - Estudo e ensino 4. Professores - Formação I. Silva, Marcelo Navarro da. II. Bueno, Simone.

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CDD-510.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Educação matemática 510.7 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................7 TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PRESENTES NOS CURRÍCULOS OFICIAIS DE BRASIL E CHILE: EVIDENCIANDO DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS NESSES CURRÍCULOS...........11 A INFLUÊNCIA DOS LIVROS DIDÁTICOS NOS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA: UMA ANÁLISE DAS VOZES DE BRASILEIROS E MEXICANOS............................................................33 CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA, PRODUÇÃO E POSICIONAMENTOS PÚBLICOS DAS SOCIEDADES DE EDUCADORES MATEMÁTICOS NAS REFORMAS CURRICULARES RECENTES NO BRASIL E EM PORTUGAL....53 O PENSAMENTO FUNCIONAL NAS DISPOSIÇÕES CURRICULARES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO..............91 AS REFERÊNCIAS DE LOCALIZAÇÃO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL E NO CHILE.....................................................................................................115 O MODO COMO PROFESSORES DE MATEMÁTICA USAM OS MATERIAIS CURRICULARES...........................................................123 A RELAÇÃO PROFESSOR-MATERIAIS CURRICULARES E SUA INTERFACE COM O CONHECIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE EM MATEMÁTICA.........................................................147 MATEMÁTICA INCLUSIVA: POSSIBILIDADES PARA USO DO DESENHO UNIVERSAL NA SALA DE AULA................................169



INTRODUÇÃO

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into-me honrado pelo convite feito por Simone e Marcelo, organizadores desta obra, para escrever a introdução da coletânea de pesquisas que apresentarei a seguir. No Brasil de hoje, vivemos um momento político importante: ataques à universidade pública e à pesquisa; tentativas de acabar com conquistas populares, adquiridas por movimentos sociais, na história recente do nosso país; cerceamento da liberdade de expressão e das práticas educativas dos professores que atuam na educação púbica, entre outros. O professor Silvio Gallo, em um artigo publicado há quase vinte anos1, inspira-se em Antonio Negri para afirmar que, já naquele tempo, deveríamos estar nos movimentando como professores-militantes, os quais, a partir de uma crítica do presente, produzem, coletivamente, a possibilidade de um mundo novo. Na esteira de Gallo, eu diria que é necessário, sobretudo nesses tempos bicudos, movimentarmos pesquisadores-militantes, fomentando o debate científico e promovendo a possibilidade do novo, a partir de pesquisas coletivas. No campo de pesquisa da educação matemática, quando penso em pesquisador-militante, vem à mente a imagem da saudosa professora Célia Carolino Pires. Célia tinha posições políticas claras, lutava para uma educação matemática que pudesse ser divulgada minimamente entre os professores que ensinam matemática nas escolas públicas de todo o Brasil. Viajou por vários estados e cidades do país, promovendo cursos de formação e assessorando municípios e estados na elaboração de documentos curriculares. Também militava nos seus projetos de pesquisa, sempre produzindo um diagnóstico curricular e tentando promover a aproximação entre elaboração e implementação curricular. Dessa militância, surgiram projetos que analisavam, entre outras coisas, os currículos de países da América Latina; a elaboração e implementação de 1

GALLO, S. Em Torno de uma Educação Menor. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 169–178, 2002.


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trajetórias de aprendizagem construídas coletivamente entre pesquisadores e professores; os modos como os docentes se apropriavam de materiais didáticos para o ensino de matemática. Dessa militância também vieram frutos: suas orientandas e orientandos, alguns dos quais produziram capítulos que constituíram este livro. Assim sendo, posso afirmar que Simone e Marcelo organizaram um livro-militante. Convidaram, para isso, pesquisadores-militantes que, ou foram orientados por Célia, ou não foram, mas admiram seu trabalho de pesquisa e docência. A partir daqui, trago uma apresentação sintetizada dos capítulos que compõem este livro-militante: Dermeval Santos Cerqueira é autor do capítulo Tendências da Educação Matemática Presentes nos Currículos Of iciais de Brasil e Chile: evidenciando diferenças e semelhanças nesses currículos, no qual o autor apresenta uma investigação dos currículos desses dois países, no que concerte às orientações relativas à matemática, destacando principalmente a influência que as pesquisas em educação matemática exerceram sobre esses documentos orientadores de práticas. Dermeval fez uma análise documental dos currículos prescritos referentes à educação básica brasileira, bem como de pesquisas da área da educação matemática, concluindo que esse campo influenciou de maneira substancial os currículos elaborados pelos dois países investigados. A influência dos livros didáticos nos Currículos de Matemática: uma análise das vozes de brasileiros e mexicanos é o nome do capítulo escrito por Marcelo Navarro da Silva. O pesquisador entrevistou professores que ensinam matemática e formadores de professores que ensinam matemática nos dois países para analisar de que modo os livros didáticos e outros materiais curriculares influenciam o ensino, o planejamento e desenvolvimento das aulas. Marcelo concluiu que os professores e formadores reconhecem a importância de respeitar a diversidade cultural, mostrando que o currículo prescrito e o currículo apresentado aos professores, na forma de livro didático, são recursos que devem ser adaptados às especificidades de cada estudante e de cada comunidade, enfatizando que é preciso levar em conta a influência sociopolítica na construção de currículos. No capítulo intitulado Contextos de influência, produção e posicionamentos públicos das sociedades de educadores matemáticos nas reformas curriculares


INTRODUÇÃO

recentes no Brasil e em Portugal, Marcelo de Oliveira Dias, Leonor Santos e Jonei Cerqueira Barbosa problematizam as recentes reformas curriculares em matemática ocorridas em Brasil e Portugal. Por intermédio do uso do ciclo de políticas, de Stephen Ball, e da metodologia da educação comparada, segundo Pilz, os pesquisadores analisaram diversos documentos, inclusive cartas de sociedades científicas dos dois países, concluindo que é muito importante que essas sociedades científicas ligadas à educação matemática e professores que ensinam matemática sejam consultados durante os processos de elaboração e implementação de reformas curriculares. Os pesquisadores André Luis Trevisan, Miriam Criez Nobrega Ferreira e Marcia Aguiar escreveram o capítulo intitulado O pensamento funcional nas disposições curriculares e possibilidades para o ensino. Analisando a BNCC (Base Nacional Comum), eles descrevem como o pensamento funcional e o pensamento algébrico são tratados nesses documentos curriculares brasileiros e propõem possibilidades para o ensino nos diferentes níveis de escolaridade, contribuindo para que os professores tenham mais estratégias de ensino e para que os estudantes desenvolvam o pensamento funcional de maneira satisfatória, a partir dos resultados produzidos pelas pesquisas de educação algébrica. Edvonete Souza de Alencar, Patrícia dos Santos de Jesus e Danilo DíazLevicoy escreveram o capítulo As Referências de Localização nos Documentos Curriculares da Educação Infantil no Brasil e no Chile. Eles analisaram como o tema “localização” é apresentado nos documentos curriculares da educação infantil nos dois países analisados. Após as análises documentais, os pesquisadores concluíram que os objetivos de aprendizagem dos dois países valorizam pouco essa temática, sobretudo nas prescrições curriculares brasileiras. Ainda, recomendam que seja dada mais atenção a esse tema que faz parte do bloco de geometria, o qual é historicamente desvalorizado. O Modo Como Professores de Matemática usam os Materiais Curriculares é o título do capítulo escrito por Simone Bueno. A pesquisadora apresenta uma pesquisa que teve por objetivo analisar o modo como os professores de matemática utilizam materiais curriculares. A partir de entrevistas e observações de aula de quatro professores, a autora concluiu sobre a importância do conhecimento pedagógico do conteúdo que o professor possui para que o uso do livro didático seja potencializado. Além disso, Simone apresenta uma agenda de possibilidades de pesquisas futuras que investiguem uma temática

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relevante na educação matemática: o uso que os professores fazem dos materiais curriculares. Os pesquisadores Katia Lima e Gilberto Januario são autores do capítulo A relação professor-materiais curriculares e sua interface com o conhecimento prof issional docente em Matemática, no qual apresentam análises da relação materiais curriculares de matemática – professores de matemática. Katia e Gilberto trazem contribuições teóricas, movimentando os conceitos de agência e affordance, por intermédio de exemplos extraídos das pesquisas que realizaram. Esses conceitos, juntamente com outras considerações de importantes pesquisadores, sobretudo que desenvolvem investigações fora do Brasil, podem ser articulados com outras pesquisas, como as que investigam os conhecimentos e crenças dos professores que ensinam matemática, potencializando temáticas ainda pouco explorada no campo da educação matemática. Finalizando esta coletânea, Priscila Benitez, Elisabete Marcon Mello e Carlos Eduardo Rocha dos Santos trazem o tema da inclusão, o qual é extremamente pertinente e uma linha de pesquisa que tem ganhado força no campo da educação matemática, no capítulo Matemática inclusiva: possibilidades para uso do desenho universal na sala de aula. Os autores apresentam o conceito de Desenho Universal (DU) com importantes e consistentes reflexões sobre sua aplicação à educação e à educação matemática, explorando diversos conteúdos conceituais e fornecendo um importante material para formação do professor que ensina matemática e também para que esse tema ganhe força nas discussões curriculares contemporâneas. Após essa pequena síntese descritiva dos capítulos que compõem este livro que representa uma importante contribuição para as discussões sobre currículo e educação matemática. Encerro esta introdução novamente fazendo referência à querida professora Célia. A meu ver, esta obra é um dos frutos da militância de Célia. Um de vários que ainda virão. Parabéns Simone e Marcelo pelo trabalho e pela militância! Obrigado, Célia, por tudo! Marcio Silva Campo Grande - MS, outubro de 2020


TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PRESENTES NOS CURRÍCULOS OFICIAIS DE BRASIL E CHILE: EVIDENCIANDO DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS NESSES CURRÍCULOS.

Dermeval Santos Cerqueira2

Resumo Esse artigo insere-se no contexto dos estudos comparativos sobre organização e desenvolvimento curricular, na área de Educação Matemática, no Brasil e no Chile. A intenção desse estudo era evidenciar os impactos dos resultados de pesquisa em Educação Matemática nos documentos oficiais desses países, elaborados a partir dos anos 90 do século XX e apresentar semelhanças e diferenças dos currículos de Matemática desses países considerando a faixa etária dos 6 aos 17 anos dos estudantes. Palavras-chave: Educação Matemática, Currículos de Matemática, Organização Curricular, Comparação de Currículo.

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Mestre e Doutor em Educação Matemática pela PUC-SP. Experiência na rede de ensino em escola pública e particular de São Paulo. Prof. da FMU e Coordenador Adjunto do Curso de Ciências Atuariais. Formador de professores de Matemática. Diversos artigos publicados sobre novas tendências de ensino da Matemática. Autor e co-autor dos livros: I) ALENCAR, Edvonete Souza de, CERQUEIRA, Dermeval Santos. Educação Matemática: Reflexões para aprendizagem. São Paulo. Dialógica Ed., 2016. II) CERQUEIRA, Dermeval. Educação Matemática: avaliar para satisfazer, São Paulo: Dialógica Ed., 2016


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1. Introdução

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sse artigo é um excerto da tese de doutorado, cuja pesquisa fazia parte do Projeto “Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular, na área de Educação Matemática em países da América Latina” que era coordenado pela Professora Doutora Célia Maria Carolino Pires na PUC-SP. Os objetivos do Projeto de Pesquisa eram: a) Identificar aspectos comuns e especificidades dos currículos prescritos de Matemática implementados em cada um desses países, assim como as formas de organização; b) Identificar semelhanças e diferenças entre materiais didáticos utilizados nesses países, pensados como currículos apresentados; c) Buscar dados referentes aos currículos moldados pelos professores, que se aproximam do que é realizado nas salas de aula; d) Identificar fontes, que evidenciem a adesão ou a rejeição dos professores de Matemática às orientações curriculares prescritas nos documentos oficiais. Constatamos que, o intercâmbio entre pesquisadores em Educação Matemática de países ibero-americanos, existe, sendo uma de suas marcas a criação da Federação Iberoamericana de Sociedades de Educação Matemática - FISEM, criada em 2003, e que congrega diversas sociedades como por exemplo: Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), Sociedad Chilena de Educación Matemática (SOCHIEM), etc. A FISEM mantém uma revista de divulgação científica, a Unión, que é responsável pela organização do Congresso Iberoamericano de Educação Matemática (CIBEM). Outros eventos também mobilizam a comunidade, assim como a Conferência Interamericana de Educação Matemática (CIAEM), da Reunião de Didática da Matemática do Cone Sul e Reunião Latino Americana de Matemática Educativa (RELME). Tais intercâmbios permitem formularmos conceitos e teorizações de estudos sobre Educação Matemática, fazendo com que produzam impactos nas políticas públicas, especialmente nas políticas curriculares desses países, contudo, esse objeto de investigação, não coube a essa pesquisa. Para realizar um estudo comparado, fundamentamos em Ferrer (2002), citando sua afirmação de que a Educação Comparada permite destacar quatro finalidades: I) Ilustrar as diferenças ou semelhanças entre os sistemas dos vários países de educação; II) Mostrar a importância que têm os fatores contextuais dos sistemas educativos como elementos explicativos de si mesmo; III) Estabelecer as possiveis


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influências que tem os sistemas educativos sobre determinados fatores contextuais; IV) Contribuir para compreender melhor o nosso sistema educativo mediante o conhecimento do sistema educativos de outros países (FERRER, 2002, p.23). O autor defende ainda, que a Educação Comparada tem uma ampla tradição desde o inicio do século XIX, e que para abordar esse tema é necessário estruturar a pesquisa em seis fases básicas, são elas: 1) A fase pré – descritiva; 2) A fase descritiva; 3) A fase interpretativa; 4) A fase de justaposição; 5) A fase comparativa; 6) A fase prospectiva. Assim, Ferrer (2002), considera que essas fases são características dos estudos de Educação Comparada, realizada ao longo da História e que se desenvolvem com exatidão. Também afirma ser uma classificação rigorosa do ponto de vista cientifico e metodologicamente esclarecedora. Dado a essas premissas, ao iniciar a pesquisa, de início foi efetuado um levantamento sobre o tema em um Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)3, contudo, não foram encontradas em dissertações de Mestrado ou em teses de Doutorados, quaisquer assuntos pertinentes ou relacionados a estudos comparativos de currículos de Matemática entre o Brasil e outro países da América Latina. Realizamos buscas no Ministério de Educacion de Chile e Biblioteca Nacional de Chile, mas não foi encontrada nenhuma tese sobre o tema referido. Para além da falta de investigações sobre o tema, a escolha tem como justificativa, a importância de retomar e analisar movimentos de reestruturação curricular, que por sua vez, vêm ocorrendo desde os anos 80 do século passado em muitos países como França, Estados Unidos, Itália, Inglaterra, Japão, Portugal, Espanha e Holanda, entre outros. Pires (2000), afirma que muitos países têm se dedicado a rever seus currículos educacionais, em especial o de Matemática, principalmente impulsionados pelo fracasso reconhecido mundialmente do Movimento da Matemática Moderna (MMM)4. No período que sucedeu a Matemática Moderna, em vários países, novas propostas começaram a ser elaboradas. Nesse cenário, 3 4

Disponível em<http://servicos.capes.gov.br/capesdw>.

O Movimento da Matemática Moderna (MMM) foi uma tendência pedagógica implementada nas décadas de 60 e 70 do século XX e foi marcado por uma nova abordagem que tinha como foco as estruturas algébricas e a teoria dos números.

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entende-se como relevante, a discussão sobre currículos de Matemática oficiais prescritos no Brasil e Chile, dado pelos motivos que se passam na sequência. Ao conceber um plano para a Educação, para alunos que tem idade compreendida entre seis e dezessete anos, é necessário que os elaboradores que estão à frente dessa iniciativa, explicitem quais são as finalidades da Educação, suas concepções e os princípios que nortearão toda a trajetória para a concretização dos objetivos traçados. Outro aspecto que deve ser considerado é a pluralidade cultural existente em diferentes regiões de um mesmo país. Essas diferentes culturas devem ser valorizadas e privilegiadas, tampouco deve ser proposto um núcleo comum de conhecimentos das diferentes disciplinas para serem ensinadas no âmbito nacional, permitindo a inserção dos conhecimentos que cada secretaria das diversas regiões entenda como importante para suas comunidades. A esse conjunto de concepções, objetivos e finalidades do ensino proposto, orientações didático-metodológicas, princípios, lista de conteúdos a serem trabalhados em sala de aula e exemplos de atividades com encaminhamentos, entre outros, são entendidos como parte de um currículo. Outra justificativa plausível para a nossa pesquisa é identificar se, nos currículos de matemática oficiais e prescritos para o ensino de Matemática do Brasil e Chile, há um enfoque nas orientações veiculadas pela Educação Matemática pois, Paes (1999), pondera que tanto no Brasil como em outros países, houve um grande impulso nas reflexões relativas à área da Educação Matemática abrangendo uma diversidade de temas, aspectos e questões inerentes ao processo de ensino e aprendizagem do conhecimento matemático na busca de um enfoque mais libertadora de idealizar a prática escolar. Uns dos fatores que chamou nossa atenção foi os dados divulgados em 2009 pelo PISA5, momento em que colocaram o Brasil em 53º lugar em Matemática. De acordo com esse órgão, dentre os países da América Latina avaliados, o Brasil ficou ranqueado abaixo do Uruguai (43º), Chile (45º) e México (50º). Apenas posicionou-se acima da Colômbia (54º) e do Peru (59º). 5

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, é uma rede mundial de avaliação de desempenho escolar, realizado pela primeira vez em 2000 e repetido a cada três anos. É coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. O exame feito pela OCDE avaliou em 2009, o conhecimento de cerca de 470 mil estudantes em Leitura, Ciências e Matemática de 65 países.


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Embora as avaliações institucionais comparativas devam ser analisadas com cautela, o fato é que o desempenho em Matemática dos estudantes da Educação Básica nos países latino-americanos parece ainda enfrentar grandes desafios uma vez que ocupam posições muito distantes dos primeiros colocados. Em meio a avanços e desafios dos sistemas educativos na América Latina, temos interesse em saber que contribuições à área de Educação Matemática vêm dando e ainda tem para oferecer a esses países, pressupondo que a produção na área vem crescendo significativamente, tanto nacional, como internacionalmente. Uma hipótese de nossa investigação consiste em reconhecer que nos últimos 20 anos as mudanças curriculares, influenciadas pelas pesquisas na área da Educação e da Educação específica de Matemática, tornaram-se relevantes em diversos países, particularmente no Brasil e Chile. No âmbito dessas discussões, essa pesquisa comparativa, sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, entre Brasil e Chile, consideramos de fundamental importância analisar: i) A estrutura da Educação Básica formal nesses países observando tempo de escolaridade, abrangência do ensino obrigatório, os movimentos de reorganização curricular no que se refere ao ensino da Matemática etc.; ii) A Matemática proposta a ser ensinada a crianças e jovens desses países neste início de milênio; iii) Os pressupostos que norteiam os documentos curriculares nesses países e as influências da Educação Matemática presentes nos documentos curriculares e nos materiais didáticos; iv) A existência de experiências nesses dois países que podem ser compartilhadas no que se refere à busca de alternativas para melhorar o ensino de Matemática. As análises propostas à realização por meio de leituras, observações, entrevistas e reflexões, devem conduzir à meta, que se restringe à busca e revelação de informações que permitam responder “quais são as influências da Educação Matemática nos currículos de Matemática do Brasil e Chile?”

2. Metodologia da pesquisa Com o intuito de responder a essa questão, foram realizadas diversas leituras de artigos científicos, que discorressem sobre currículos de Matemática no Brasil e Chile, e que ainda pudessem caracterizar o sistema educacional dos

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dois países pesquisados. Como fonte, também foram consultados documentos oficiais de ambos os países. A pesquisa documental, tem como objetivo identificar nas redes de ensino público, as ações empreendidas pelos respectivos Ministérios de Educação, no sentido de organizar currículos prescritos. Para compreender o funcionamento dos sistemas educacionais nos países pesquisados houve recorrência às pesquisas pela internet, ao acessar os sites oficiais dos Ministérios de Educação do Brasil (MEC)6 e Ministerio de Educación del Chile (MINEDUC)7. O Brasil oferece um ambiente vasto para pesquisas relacionadas à Educação. Ao navegar pelo site oficial do MEC foram encontrados links que direcionam para uma busca mais refinada, tal como, a exemplo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep8. Por meio do Inep foram obtidas as informações necessárias para que compreendêssemos o sistema ed\ucacional do Brasil. Como país de origem da pesquisa, o Brasil tornou obviamente possível, apresentar-se com mais familiaridade no que concernem certos aspectos da Educação, permitindo-nos ainda, um aprofundamento nas observações e análises. Outros sites oficiais do governo brasileiro, também serviram de consulta para nossa pesquisa, tal como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)9, assim, por meio desse, foi acessado o site da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o IBGE Instituto10. De igual forma, o Sistema de Medición de la Calidad de la Educación del Chile (SIMCE)11, também foi cientificamente vasculhado, dado a característica, que apresenta resultados de avaliações sobre conhecimentos e habilidades dos alunos da Educação Básica. Sua finalidade é de buscar elementos para nortear as ações, visando à melhoria do desempenho daquelas escolas que não tiveram um bom aproveitamento. Foi Constatado, que o Chile também mantém um acervo rico de pesquisas na área de Educação, Centro de Aperfeiçoamento, Experimentação e 6 www.mec.gov.br/ 7

Disponível> http://www.mineduc.cl

8 www.inep.gov.br/ 9 www.ibge.gov.br/

10 www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/.../pnad2009/2010/ 11 Disponível: www.simce.cl


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Investigações Pedagógicas (CEPEIP12), cujos arquivos são documentos sobre as reformas curriculares, resultados de avaliações e desempenho de alunos e das escolas por região e formação de professores. Visitamos o site e estivemos pessoalmente nessa biblioteca colhendo informações que aclaravam as dúvidas sobre os encaminhamentos propostos nos currículos e sobre as práticas dos professores frente aos documentos oficiais. O PNUD13 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), também foi consultado. Ainda foram buscadas informações no site do Mercosul14 e da OECD15 – Econômico, assim como na Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM16 e na Sociedad Chilena de Educación Matemática o SOCHIEM17. Não se pode esquecer dos artigos publicados na Revista Chilena de Educación Matemática – rechiem. Exploramos o site do Fisem (Federación Iberoamericana de Sociedades de Educación)18, que apresenta diversos artigos na revista Union (Revista Iberoamericana de Educación Matemática). As informações coletadas nos sites possibilitaram não só conhecer os sistemas educacionais dos dois países, mas também caracterizar o Brasil e Chile frente aos indicadores nacionais e internacionais relacionados ao crescimento populacional, taxas de alfabetização, crescimento econômico e social, a diversidade cultural dos dois países, etc. Além de documentos oficiais pesquisados por meio de pesquisas on-line, foram encontrados diversos artigos publicados em congressos na área de Educação Matemática, ora realizados nesses países e/ou lançados em revistas especializadas na área de objeto de estudo, que por sua vez foram de grande valia para a realização das investigações. Para o desenvolvimento da pesquisa, houve a necessidade de organização em momentos específicos, devidamente caracterizados como: 12 http://www.cpeip.cl/index2.php?id_portal=41&id_seccion=3116&id_contenido=12364 13 www.pnud.org.br/

14 www.mercosul.gov.br/ 15 www.oecd.org

16 www.sbem.com.br/ 17 www.sochiem.cl/ 18 www.fisem.org/

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I) Aproximações com a temática. Nessa etapa o trabalho concentrou-se na busca de aportes teóricos, para que fossem realizados levantamentos de teses no portal da Capes, assim foi efetuada uma imersão, por meio de pesquisa bibliográfica nos trabalhos que pudessem trazer contribuições ao problema de pesquisa que foi efetivamente proposto a investigar. II) Pesquisa de documentos oficiais. Uma etapa, onde foi procurado localizar documentos legais que possibilitassem a análise de currículos prescritos nos dois países pesquisados para o nível de Educação Básica, conforme ditam Ludke e André (1986): “Embora pouco explorada não só na área de educação como em outras áreas de ação social, a análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema. São considerados documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano” (Phillips, 1974, p.187). Estes incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e arquivos escolares (Ludke e André 1986, p.38)”. III) Levantamento de informações sobre dados de ambos os países: nessa etapa buscou-se levantar e organizar, informações sobre dados socioeconômicos dos dois países, mas principalmente as que se referem aos sistemas educativos de cada um. Dado a essas premissas foram analisadas leis magnas e principais diretrizes para a educação. IV) Preparação para a pesquisa de campo: nessa etapa a dedicação foi voltada para entrar em contato com pessoas que pudessem contribuir para o trabalho, por meio de entrevistas, tanto no Brasil como no Chile. A meta foi de entrevistar o mesmo número de pessoas em ambos os países, desde que houvesse experiências similares nas suas relações com os currículos de Matemática, ou seja, elaboradores, gestores e professores. Foi necessária a elaboração de roteiros de entrevistas semiestruturados, com a providência de documentos como termos de consentimento para divulgação do conteúdo das referidas entrevistas. V) Realização da pesquisa de campo: no período de 25 a 29 de julho de 2011 foram visitadas no Chile, as cidades de Santiago, Val Paraíso e Viña Del Mar, onde foram realizadas as entrevistas com profissionais chilenos. No decorrer de 2011 e inicio de 2012, o mesmo trabalho fora feito com


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profissionais brasileiros. As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. VI) Desenvolvimento da análise comparativa entre os documentos e entre as entrevistas: nessa etapa, as informações foram organizadas e coletadas.

Realizamos diversas leituras sobre currículos, que permearam elencar as categorias de análises, imprescindíveis para nossa compreensão dos dados levantados, em seus diferentes níveis de concretização, à saber: 1) O papel da Matemática na formação dos alunos brasileiros e chilenos; 2) Com relação à forma de estruturar o currículo prescrito; 3) Ênfase nas aplicações práticas ou nas especulações teóricas; 4) Com relação à seleção de conteúdos; 5) Com relação às orientações metodológicas e didáticas; 6) Com relação a indicações sobre o processo de avaliação da aprendizagem.

3. Concepção sobre currículo Diversos autores dedicam-se na reflexão e apresentação de uma definição para currículo. Dentre as várias proposições, elegemos a de Sacristán (2000), por considerarmos uma reflexão contemporânea e bastante pertinente. Quando definimos o currículo estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-la num momento histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama institucional, etc. O currículo do ensino obrigatório não tem a mesma função que o de uma especialidade universitária, ou o de uma modalidade de ensino profissional, e isso se traduz em conteúdos, formas e esquemas de racionalização interna diferentes, por que é diferente a função social de cada nível e peculiar a realidade social e pedagógica que se criou historicamente em torno dos mesmos. Como acertadamente assinala Heubner (citado por McNeil, 1983), o currículo é a forma de ter acesso ao conhecimento, não podendo esgotar seu significado em algo estático, mas através das condições em que se realiza e se converte numa forma particular de entrar em contato com a cultura. O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre

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as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino (SACRISTÁN, 2000 p. 15-16).

É notória a necessidade de destaque de algumas das preocupações que concernem a ideia de elaboração do currículo. Nesse caso, a definição de Sacristán (2000), não só apresenta, como igualmente reforça o pensamento a respeito da questão, uma vez que a intenção principal de um currículo é de oportunizar aos estudantes acesso ao conhecimento, contudo é importante partir da ideia sobre para quem está sendo proposto e o que se deseja alcançar. Pires (2011) afirma que ao assumir a ideia apresentada por Sacristán, marca-se a diferença entre essa concepção e aquela de que currículo é simplesmente o processo centrado na definição de objetivos e conteúdos a serem trabalhados em cada etapa da escolaridade, que ainda é muito presente na tradição educacional. Sacristán (2000) entende que o currículo para a Educação tem que ser proposto ao ser considerando o processo de aprendizagem desde os primeiros anos até o último ano de escolaridade, ou seja, é um processo que leva anos enfatizando que “(...) Desde um enfoque processual ou prático, o currículo é um objeto que se constrói no processo de configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado das diversas intervenções que nele se operam. Seu valor real para os alunos, que aprendem seus conteúdos, depende desses processos de transformação aos quais se vê submetido (SACRISTÁN, 2000, p. 101)”. Se o currículo é algo a ser construindo antes e durante o processo escolar, temos que considerar que este sofrerá influência das pessoas que estão à frente das tomadas de decisões referentes ao currículo, cada uma com uma visão de ensino atrelada às suas experiências e crenças. Assim, Sacristán (2000) propõe um modelo de interpretação do currículo como algo construído no cruzamento de influências e campos de atividades diferenciados e inter-relacionados. Nessa perspectiva o autor apresenta o diagrama a seguir, relacionando a estruturação em níveis ou fases. No entanto, ratifica que esses níveis não são hierarquizados nem constituem – se de forma linear.


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Sacristán (2000) caracteriza esses diferentes níveis, no qual, os currículos prescritos indicam a posição da instituição governamental em termos de como ela vislumbra a educação, a escola, os processos de ensino e de aprendizagem de uma dada área de conhecimento, em face dos objetivos a serem alcançados. Configuram-se então, como um documento de referência para a elaboração de currículos apresentados e para a elaboração dos currículos moldados pelos professores no âmbito da escola. Além de fundamentos teóricos os currículos prescritos indicam as expectativas de aprendizagem para cada ano da escolaridade e que serão objeto do nível “currículo avaliado”. Os currículos apresentados aos professores são em geral resultantes da formulação de autores de livros didáticos e outros materiais, que objetivam mostrar de forma traduzida as orientações curriculares expressas nos currículos prescritos. Os currículos moldados pelos professores, em seu planejamento no início do ano letivo e no decorrer dele, são elaborados a partir dos currículos prescritos e apresentados e levam em conta os diagnósticos preliminares que cada professor faz sobre o que foi ensinado a esses alunos nos anos anteriores, tanto

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quanto o que foi aprendido. Esse plano necessariamente se desdobra em outros mais específicos, elaborados periodicamente e que inclui todas as especificidades das atividades de aprendizagem que o professor pretende realizar com seus alunos. Os currículos em ação e os currículos efetivamente realizados, são aqueles que se concretizam em sala de aula, em que as atividades vão sendo ajustadas em função da interação entre professores, alunos e o conhecimento. Muitas vezes o que foi planejado inicialmente precisa adequar-se melhor ao grupo de alunos, seja porque são observadas dificuldades para a compreensão do que está sendo trabalhado, seja porque se observa que os alunos são capazes de realizarem atividades mais avançadas. Para Sacristán (2000), os currículos realizados como consequência da prática, produzem efeitos complexos dos mais diversos tipos: cognitivo, afetivo, social, moral, entre outros. São efeitos aos quais, algumas vezes se presta atenção porque são considerados “rendimentos” valiosos e proeminentes do sistema ou dos métodos pedagógicos. Mas, a seu lado, se dão muitos outros efeitos, que por falta de sensibilidade para com os mesmos e por dificuldade para apreciá-los (pois muito deles, além de complexos e indefinidos, são efeitos a médio e longo prazo), ficarão como efeitos ocultos do ensino. As consequências do currículo não só se refletem em aprendizagens dos alunos, mas também afetam os professores, seja na forma de socialização profissional, ou inclusive na projeção no ambiente social, familiar, etc. Nessa visão emerge o papel do professor reflexivo, na qual Alarcão (1996) defende a ideia de que é importante que o professor reflita sobre sua prática, com olhar aos conteúdos, como as sequências de atividades e a forma como elas se processam no contexto de ensino. Os currículos avaliados caracterizam-se como o momento do confronto entre as expectativas de aprendizagens que o professor se propõe a trabalhar e os resultados de aprendizagem dos alunos. O professor procura captar os avanços e dificuldades que vão se manifestando ao longo do processo, informando o que está acontecendo. Para tanto, é fundamental que ele tenha clareza quanto às expectativas de aprendizagem que devem ser buscadas, fazendo por fim um bom levantamento de conhecimentos prévios dos alunos além de realizar uma avaliação criteriosa das atividades de aprendizagem que outrora planejou e também da sua realização em sala de aula.


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O nível dos currículos avaliados também pode se beneficiar das avaliações institucionais que visam a obter indicadores educacionais que possam subsidiar a elaboração de propostas de intervenção técnico-pedagógica no sistema de ensino, visando a melhorar a sua qualidade e a corrigir eventuais distorções detectadas.

4. Evidenciando similaridades e diferenças Na realização dessa pesquisa procuramos nos ater as fases que Ferrer (2002) sugere como primordiais para um estudo comparativo. Na Fase PréDescritiva fizemos nossas escolhas quanto a seleção, Identificação e Justificativa da problemática em questão. Em seguida apresentamos a hipótese de reconhecimento, de que nos últimos 20 anos as mudanças curriculares influenciadas pelas pesquisas na área da Educação e da Educação Matemática, tornaram-se relevantes em diversos países, em especial, no Brasil e no Chile. Ao delimitarmos nossa investigação, nos deparamos com termos que cada país utiliza a fim de indicar a etapa educacional. No Chile, evidenciamos a Educação Básica e Média, compostas por seis anos de escolaridade cada. No Brasil, para efeitos comparativos, temos o Ensino Fundamental e Médio. Por isso, ao identificarmos os segmentos educacionais para comparação, indicávamos também, a faixa etária dos alunos inseridos nessas etapas escolares. Não obstante, estabelecemos nossa questão de investigação que é de explicitação direcionada à questão de “quais são as influências da Educação Matemática nos currículos de Matemática do Brasil e Chile”. Para a busca de uma resposta plausível, nosso questionamento de pesquisa procurou estabelecer categorias de análises para comparar os currículos de Matemática prescritos em ambos os países, assim como as categorias de análises das entrevistas. Destacamos que nosso estudo seria realizado em três etapas, ao considerar, a primeira etapa compreende pesquisa bibliográfica, a segunda, pesquisa de campo, e a terceira, análises documentais e das entrevistas concedidas. A intenção inicial resumiu-se em parear as entrevistas, ou seja, entrevistar um diretor no Brasil e um diretor no Chile, um professor de uma etapa educacional no Brasil e outro no Chile, além de um professor na etapa equivalente ao do Brasil. Contudo, isso não foi possível, pois em visita ao Chile, em julho

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de 2011, havia greve geral da Educação, encerrou-se no final do ano referido. Mesmo assim, conseguimos entrevistar um diretor, 1 professor e dois educadores que participaram ativamente de elaboração e implementações curriculares no Chile. No Brasil, colhemos alguns depoimentos de professores, diretores e formadores de professores e autores de livros que se disponibilizaram em atender-nos. Na fase descritiva e interpretativa da pesquisa, houve interação com a fase da justaposição, pois, foi nesse momento, que descrevemos, interpretamos e confrontamos os dados levantados. Dessa forma passaremos a fase comparativa, ou seja, apresentarmos quais são os impactos da Educação Matemática nos currículos de Matemática de Brasil e Chile. Ainda, as semelhanças e ou diferenças evidenciadas nesses currículos, tratando o cerne da questão de nosso objeto de pesquisa. A primeira e significativa diferença identificada é quanto ao currículo oficial prescrito. No Chile, todos os envolvidos na Educação sabem qual documento curricular que deverá usar para lecionar Matemática na Educação Básica e Média. No Brasil, não há definição por parte do Ministério de Educação, de qual é o documento oficial, prescrito e aplicável, que o professor deverá apoiar-se. Para os que atuam no Ensino Fundamental, a escolha são os Parâmetros Curriculares Nacionais, que possivelmente poderá ajudá-lo a pensar em suas aulas. Para o Ensino Médio têm-se os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCNEM, o PCNEM + e diversas Diretrizes, as quais vem sendo anunciadas ao longo 1998 a 2010, para elucidar dúvidas e propor encaminhamentos para a concretização do ensino da Matemática nessa etapa de escolaridade. No ensino Médio, os livros didáticos brasileiros que, muitos dos entrevistados, afirmaram ser o currículo oficial de Matemática apresentado nas escolas, apresentam os conteúdos que estão propostos nos PCNEM+ e outros, que não estão contemplados, como é o caso dos Números Complexos. Também poderíamos indicar funções modulares e funções inversas, que não estão explicitados no documento curricular.


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Isso remete os professores a quererem cumprir todos os conteúdos do livro didático, principalmente, se levarem em conta o processo seletivo para inserção no curso superior de diversas instituições públicas, que tradicionalmente elaboram provas sem contexto, valorando as técnicas matemáticas presentes em cada questão da prova. Esse fato é muito comum nas instituições particulares do que nas públicas. Mas, incomoda-nos pensar que realmente temos duas realidades distintas na Educação, uma vinculada aos Parâmetros Curriculares Nacionais para ensino Fundamental e Médio, que é o da formação cidadã, e a outra que além da preparação para a cidadania, prepara os alunos para o ensino propedêutico de instituições públicas, que apresentam avaliações para inserção de dados, que privilegiam técnicas em detrimento das competências e habilidades dos candidatos ao ingresso nessas instituições. Em nossas investigações, essa dicotomia não se revelou no Chile. Embora, o SIMCE ratifica que analisa e respeita as limitações concernentes ao processo de aprendizagem em Matemática das comunidades, na qual, o aluno está inserido, promove a ideia de que há diferenças socioeconômicas entre diversas regiões chilenas, além de que, dependendo da atividade econômica dessas regiões, os resultados de desempenho nas avaliações da aprendizagem demonstram significativas diferenças, assim isto pode influenciar na decisão dos alunos em prosseguir seus estudos em nível superior. No Ensino Fundamental e Médio do Brasil e Educação Básica e Média do Chile, observamos que a estrutura curricular difere em números de blocos de conteúdo, no entanto, essa diferença é apenas escolha de cada país na forma de organização e distribuição dos conteúdos a serem desenvolvidos no decorrer dessas etapas educacionais. Verificamos conteúdos elencados em um país, que pareiam com a do outro, isto é, não identificamos diferenças nas listas de conteúdos matemáticos. A tendência do processo de ensino e aprendizagem da Matemática, indicada nos documentos de Brasil e Chile, é permeada pelo eixo metodológico, Resolução de Problemas. Essa metodologia é fomentada por diversos organismos, fundamentados nas diversas pesquisas em Educação Matemática. Nos dois países é reforçada a necessidade de uma formação conceitual, procedimental e atitudinal, mas para isso, dialogam com os conhecimentos, perpassando, no caso do ensino Fundamental, pelos temas transversais e no ensino Médio por meio de projetos escolares.

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Na Educação Básica chilena, há uma ênfase maior em Álgebra. A ênfase dada no ensino Fundamental está relacionada à prática em detrimento às especulações teóricas. Já na etapa educacional para alunos com idades compreendidas de 15 a 17 anos, que no Brasil equivale ao Ensino Médio e no Chile Educação Média, existe quase um equilíbrio, tendendo um pouco mais para as especulações teóricas. Acreditamos que, como essa etapa é a da finalização dos estudos antes ligados ao nível superior, existam uma ponderação entre os conhecimentos para o aluno exercer sua cidadania, assim como apresentá-lo a uma estrutura matemática organizada, estruturada e axiomática. Estamos nos referindo ao rigor da Matemática, para que o aluno compreenda sua cultura. Revelamos preocupações e orientações com o papel do erro no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Em ambos os países, as relações devem ser desenvolvidas no ambiente escolar, entre professores e alunos, alunos e alunos, etc. Identificamos alguns princípios do construtivismo nos currículos de Matemática dos dois países, tais como, o aluno como ser ativo no processo de construção de seu conhecimento; conhecimentos prévios são essenciais ao novo conhecimento ou conteúdo conceitual, etc. Uma característica importante e que difere com o Brasil, é a participação do Centro de Professores e Apoderados (CPA), que é uma organização reconhecida pelo Ministério de Educação chilena e que tem uma presença importante nas escolas, auxiliando os estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem e, ainda, na busca daqueles que fazem parte da evasão escolar. No Brasil, essa ação por parte dos pais e responsáveis pelos alunos não existe, pelo menos oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro. Nos documentos curriculares que elegemos para nossas análises, foram contempladas diversas orientações para o uso dos recursos tecnológicos, principalmente calculadoras e computadores. No discurso textual desses documentos é preconizado que as tecnologias estão a serviço da sociedade e por isso, é elementar que os alunos tenham acesso a elas e aprendam a utilizá-las adequadamente, atendendo as necessidades peculiares de cada disciplina Outro aspecto marcante e presente nos dois países é o da avaliação de aprendizagem dos alunos. Existem diversos instrumentos para esse fim nos


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dois países. No Brasil e Chile, os resultados das avaliações podem oferecer indicativos de possíveis problemas que obstruam os avanços no processo de ensino e aprendizagem da Matemática e, após as análises e reflexão, por parte dos governos de cada país, a partir desses resultados, estabelecer quais rumos tomarem. Tomada de decisão, que tem a finalidade de reorientar a jornada pedagógica com perspectivas a concretizar as finalidades para o ensino da Matemática. Retomamos a fala de Sacristám (2002) anunciando que o “currículo desde um enfoque processual ou prático e é um objeto que se constrói durante sua configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado de diversas intervenções que nele se operam”. (SACRISTÁM, 2002, p.101) Outra diferença que observamos é relacionada com a carga horária anual letiva de cada país. No Chile é de 1680 horas/aula, enquanto que no Brasil pode chegar a 1000 horas. No Chile e no Brasil está sendo implantada, muito lentamente, a jornada integral para a Educação Básica nesses países. Outra diferença entre Brasil e Chile nesse aspecto, é que no Chile existe a possibilidade de gratificação por desempenho escolar durante dois anos. Essa prática, a nosso ver, promove uma disputa acirrada entre as escolas, fomentando, provavelmente, a consecução do currículo prescrito naquele país e melhores aproveitamentos dos estudantes, uma vez que eles são os atores que realizam as avaliações que garantirão ou não a gratificação dos professores. No Brasil, alguns estados oferecem um bônus, atrelado a metas, que determinadas secretarias de educação estipulam. Em São Paulo, isso vem acontecendo há alguns anos e é denominado de 14º (décimo quarto pagamento). Esse bônus é pago apenas uma vez no início do ano. Após evidenciarmos algumas semelhanças e diferenças presente nos currículos de Matemática dos dois países retomamos nossa pergunta de pesquisa: “Quais são as influências da Educação Matemática nos currículos de Matemática do Brasil e Chile? ” Elencamos diversas tendências, que vêm sendo verbalizadas e dialogadas em seminários e congressos em Educação Matemática, tais como, o uso da contextualização para o ensino da Matemática, resolução de problemas como ponto de partida para o ensino da Matemática, o desenvolvimento das

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capacidades e habilidades dos alunos, o recurso ao uso das tecnologias e da História nas aulas de Matemática, valorizar o erro e ideias relacionadas ao contrato didático. Uma vez que o foco é o currículo de Matemática, deve-se considerar que ao elaborar um currículo de Matemática, é necessário que se reflita sobre quais orientações deverão ser oferecidas para se colocá-lo em prática, assim como cabe questionar que modelo deve-se apresentar às escolas e aos professores. Dessa forma, verificamos que os currículos de Matemática do Brasil e Chile estão estruturados com uma visão modernista, considerando três das quatro dimensões que Rico (1997) evidencia presente nas análises que realizamos, que são as: i) A dimensão social está contemplada nas orientações e sugestões de atividades e de encaminhamentos destacando a importância das ferramentas matemáticas para resolução de problemas; ii) a dimensão educativa, presentes nos documentos dos dois países, pressupondo que o ensino de Matemática na dimensão educativa tem importância no desenvolvimento do raciocínio dos alunos, levando-os a compreenderem padrões e regularidades; e iii) a dimensão política que se refere ao papel que a Matemática pode desempenhar na vida do cidadão em uma sociedade cada vez mais dependente pela tecnologia. Os três componentes que constituem um currículo pós modernista, que Bishop (1991) considera relevante, assim como os componentes simbólicos que são definidos pelas seis atividades de contar, localizar, medir, desenhar, jogar e explicar configura-se presentes nos currículos analisados. Isso, partindo da premissa de que essas atividades constituem a base para a formação cidadã dos alunos. O componente social é ressaltado pelas propostas de se trabalhar nas escolas, por meio de projetos educativos. E o componente cultural é que se caracteriza mais no Ensino Médio do Brasil e Educação Média do Chile, uma vez que a estrutura e os encaminhamentos pedagógicos sugerem um tratamento pelo rigor da Matemática, atendendo os cinco princípios enunciados que são: os da representatividade, o do formalismo, da acessibilidade, do poder explicativo e da concepção ampla e elementar. Nas comparações de currículos entre os dois países, desvelou-se que Matemática ensinar para os alunos, e que Fey (1994) anunciava, ou seja, uma Matemática Pura ou o da elementarização. A estrutura curricular, da forma como está organizada, nos permite afirmar que a Matemática presente para os alunos nas etapas educacionais, por nós investigadas é o da elementarização.


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Somente na etapa final dos estudos pelos alunos é que se notam preocupações com os aspectos do rigor. Riqueza, relações, recursão e rigor, que são os 4 critérios que Doll (1997), destaca como essenciais na construção do currículo pós modernistas, foram por nós identificados nas comparações entre nosso Ensino Fundamental e Médio com os da Educação Básica e Média do Chile, ou seja, nos currículos dos dois países. Os elementos necessários que Skovsmose (2001), defende para a elaboração e consecução do currículo como a competência crítica, a distância crítica e o engajamento crítico, manifestaram-se na organização desses currículos com vistas a formação cidadã dos alunos. E finalmente, os níveis ou fases na objetivação do significado e concretização dos currículos que Sacristán (2000) argumenta, foram identificados nas entrevistas concedidas. Nossa experiência em Educação no Brasil, aportados pelos depoimentos dos entrevistados por nós, é revelado por uma tendência no ensino de Matemática no Brasil e pelas diversas secretarias de Educação, que é a de produzir materiais didáticos com ênfase em sequências didáticas, que por sua vez é permeada pela resolução de problemas, além de ligada ao cotidiano dos alunos. No Chile, os entrevistados asseguram possuir autonomia para fazer inserções de conceitos matemáticos, além daqueles que são obrigatórios para cada ano letivo. Como no Chile existe um currículo oficial todas as instâncias ligadas ao ensino obrigatório e de nível superior, há clareza de onde buscar orientações para avaliar o conhecimento dos alunos, para quaisquer que sejam as finalidades; como a de verificar o nível de desenvolvimento do aluno bem como a de acesso aos cursos promovidos pelos Liceus e instituições em nível superior. Não identificamos a dualidade que mencionamos existir no Brasil, principalmente nas instituições particulares, no que se refere à formação cidadã, e ou a preparação para o vestibular, que não ocorre no Chile por conta da existência da obrigatoriedade da Educação Básica e Média e do currículo oficial prescrito nesse país. No Chile, a mudança quanto ao número de anos em cada etapa de escolaridade – seis anos para a Educação Básica e seis para a Educação Média – está

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ligada às necessidades de mercado de trabalho. Antes a Educação Básica era de oito anos e, agora sendo de seis, possibilita aos jovens (principalmente de classes sociais mais desfavorecidas), serem aproveitados no mercado de trabalho, pois a cada ano concluído na Educação Média, ele recebe uma certificação dessa conclusão assegurando o prosseguimento de seus estudos.19 Diante do que expusemos sobre o levante das análises e reflexões, acreditamos na possibilidade de afirmar, que existem vários elementos indicadores de que as contribuições da Educação Matemática têm de fato, não só influenciado, mas também, foram de suma importância para a elaboração dos currículos prescritos do Brasil e Chile.

Referências Bibliográficas ALARCÃO, I. Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de formação de professores. in: Revista da Faculdade de Educação, n.º 22, Jul/Dez, São Paulo.1996 FERRER, F. J. La Educación comparada actual. Barcelona, Ed. Ariel, 2002. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. BRASIL. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. 1º e 2º ciclos. 1997. ___________, Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, 1998. ___________, Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática Ensino Médio, bases legais, Brasília, 1999. ___________, Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática Ensino Médio – PCN+. Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, 2002. MINISTERIO DE EDUCACIÓN DE CHILE. LEY N° 20.370 – Ley de Educación Nacional. Chlile, 12 - SEP-2009.

19 Tais afirmativas são baseadas em pressupostos. Nesse sentido, não há especificações técnicas ou documentais que possas fundamentar essa afirmativa.


TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PRESENTES NOS CURRÍCULOS OFICIAIS DE BRASIL E CHILE

__________, Guia Ayuda Mineduc/Educación Básica – 2010 – MINEDUC. __________, Objetivos Fundamentales y Contenidos Mínimos Obligatorios de La Educación Media – MINEDUC PAES, L. C. et al. Educação Matemátca : uma Introdução. São Paulo, Educ – Editora da PUC-SP, 1999. PIRES, C. M. C. Currículos de Matemática: da organização linear à idéia de rede. São Paulo, FTD, 2000. SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 2000. SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica: A questão da democracia. Tradução de Abgail Lins e Jussara de Loiola Araújo. 4 ed. Campinas, SP: Papirus. 2001 (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).

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A INFLUÊNCIA DOS LIVROS DIDÁTICOS NOS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA: UMA ANÁLISE DAS VOZES DE BRASILEIROS E MEXICANOS

Marcelo Navarro da Silva20

Resumo O trabalho apresentando é parte de um projeto maior que tem intenção de fazer uma análise comparativa de Currículos de Matemática de países latino-americanos. Trata-se neste texto de verificar nas vozes de brasileiros e mexicanos as influências dos livros didáticos nas aulas de Matemática. Para tal propósito, busca-se, por meio de entrevistas, com pesquisadores da Educação Matemática, professores formadores de professores de Matemática e de professores que ensinam Matemática tais influências que orientam as aulas de matemática nos países analisados. Conclui-se que os livros didáticos constituem como um material curricular de apoio e de planejamento das aulas dos professores de matemática. Palavras-chave: Brasil e México, Currículos de Matemática, Educação Matemática, Livros didáticos.

20 Doutor em Educação Matemática. Técnico em formação curricular e práticas educacionais da Escola de Formação dos Profissionais da Educação Paulo Renato Costa Souza. Professor das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU/SP. marcelnava@yahoo.com.br


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Introdução

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ste trabalho é um fragmento de uma tese de doutorado em Educação Matemática que teve como objetivo, numa perspectiva da Educação Comparada (FERRER, 2002, LOURENÇO FILHO, 2004), verificar possíveis influências da Educação Matemática nos Currículos prescritos de Matemática de Brasil e México e as visões de Currículos de Matemática de brasileiros e mexicanos. A atitude de fazer o estudo comparado de Brasil e México é que de fato os dois países são membros da FISEM (Federación Iberoamericana de Sociedades de Educación Matemática), federação que agrega os países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Colômbia, Equador, Espanha, México, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. No diálogo dos estudos comparativos de Currículos de Matemática, deve-se levar em consideração que as mudanças curriculares nos últimos anos vêm acontecendo em vários países, inclusive na América Latina. Pires (2000), traz no bojo de seus estudos, relatos de mudanças curriculares em alguns países do continente europeu e americano, devidas à decadência de um movimento criado após a segunda Guerra Mundial conhecido como Movimento da Matemática Moderna. Nos últimos anos o sistema de ensino latino-americano vem sendo influenciado por mudanças políticas no campo educacional, mudanças que são engajadas por processos governamentais de caráter democrático, pluralista e participativo, para a reconstrução da identidade coletiva e solidária (LAMARRA, MOLLIS e RUBIO, 2005). Então, esse fragmento tem o propósito de mostras as influências dos livros didáticos nas aulas de matemática de brasileiros e mexicanos nas vozes de pesquisadores em Educação Matemática, de formadores de Professores de Matemática e de Professores que ensinam Matemática. Portanto, traremos no corpo desse texto as referências Curriculares de Sacristán (2000) e Pacheco (2005), o percurso da coleta e análise dos dados, e os apontamentos finais das influências desse material curricular nas aulas dos países comparados.

Referências sobre Currículos Para Sacristán (2000) o currículo modela-se dentro de um sistema de ensino e é dirigido a professores e alunos, servindo de meios que acabam


A INFLUÊNCIA DOS LIVROS DIDÁTICOS NOS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA

dando significado real. Entende-se significado real como práticas escolares nas quais o currículo as permeia como desenvolvimento das estruturas, organizações, materiais, cursos de capacitação e guias de orientações. A conceitualização do currículo é muito complexa, mas sua caracterização pode ser desde as determinações políticas às práticas escolares, lista de conteúdos, materiais didáticos e programas de formação de professores. No entanto, o currículo tem sua direção orientada ao sistema de ensino, sendo que, tem uma ligação com diversas práticas pedagógicas. As práticas pedagógicas segundo Sacristán (2000) têm aspectos de uma multicontextualização, ou seja, o currículo está enraizado em crenças, valores e tradições culturais. Ele também destaca que: Por isso argumentamos que o currículo faz parte, na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual, de avaliação, etc., e que, enquanto são subsistemas em parte autônomos e em parte interdependentes, geram forças diversas que incidem na ação pedagógica. Âmbitos que evoluem historicamente, de um sistema político e social a outro, de um sistema educativo a outro diferente. Todos esses usos geram mecanismos de decisão, tradição, crenças, conceitualizações, etc. que, de uma forma mais ou menos coerente, vão penetrando nos usos pedagógicos e podem ser apreciados com maior clareza em momentos de mudança (SACRISTÁN, 2000, p. 22).

Nas ideias supracitadas do autor, o currículo tem subsistemas de desenvolvimento, estes vão desde administração do currículo até prática em sala de aula. Os subsistemas realçados por Sacristán (2000) são:

1. O âmbito da atividade político-administrativa. É a administração educativa que regula o currículo. É também neste âmbito que fica bem claro os determinantes exteriores do currículo tendo autonomia plena em sua regulamentação. 2. O subsistema de participação e de controle. A configuração dos currículos, sua concretização, sua modificação, sua vigilância, análises de resultados, também podem ser veiculados a órgãos governamentais, às instituições de

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ensino, associações e aos sindicatos de professores, pais e alunos, órgãos intermediários especializados, associações e agentes científicos e culturais. 3. A ordenação do sistema educativo. Níveis educativos e modalidades de educação cumprem papéis sociais, seletivos, profissionais e culturais variados; isso acaba refletindo na seleção curricular que têm o conteúdo expresso nas práticas que criam em determinados casos. Na medida em que existe uma descentralização das decisões, ou quando tem a possibilidade de opção curricular no nível escolar, a ordenação pode ficar em níveis de decisão mais próximos dos usuários. 4. O sistema de produção de meios. Os currículos são baseados em diversos materiais didáticos e que são os agentes exclusivos de elaboração e concretização do currículo. Como prática observável, esses materiais são interpretados como o currículo que professores e alunos utilizam. Práticas econômicas de produção e distribuição de meios possibilitam a criação com uma forte incidência na prática pedagógica, assim, passam a ser agentes formadores de professores, sendo um campo de força importante. Os meios não constituem como meros agentes instrumentais neutros, pois eles caracterizam uma função bastante ativa, como o controle sobre a prática, as estreitas margens de decisão de que dispõe os professores, a baixa formação dos mesmos e as desfavoráveis condições de trabalho. 5. Os âmbitos de criação culturais, científicos etc. É de importância esse subsistema e sua comunicação curricular reflete o fato de ter um duplo sentido: porque instituições onde estão presentes a criação científica e cultural acabam recebendo alunos formados pelo sistema educativo, o que gera uma sensibilidade e pressão para melhora dos currículos escolares, e por outro lado, a influência ativa que exercem sobre os mesmos. Há ainda uma seleção conteúdos, que pondera e impõe formas de organização, paradigmas metodológicos, produz escritos, textos etc. Alguns aspectos da dinâmica curricular, dos conteúdos e das suas formas, se explicam pela influência desse subsistema da criação de conhecimento e da cultura. A dinâmica de estudos curriculares e de sua inovação passa pela pressão sobre os sistemas educativos de instâncias de pesquisas que são influenciadas por interesses econômicos e tecnológicos. 6. Subsistema técnico-pedagógico. São os formadores, especialistas e pesquisadores em educação. O mecanismo de formação de professores, os grupos de formadores de professores, os pesquisadores e vários peritos


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especialistas e que abordam temas educacionais, criam linguagens, tradições, desenvolvem conceitualizações, estruturam informações e conhecimento sobre a realidade educativa. Esse subsistema ainda propõe modelos de entendimento, sugerindo esquemas de organizar a prática relacionando com o currículo. Assim, dizemos que cria uma linguagem e conhecimentos especializados que atuam como código modelador, ou uma racionalização e legitimação de experiência cultural a ser transmitida pelo currículo. 7. O subsistema de inovação. Um sistema de educação complexo, em sociedades desenvolvidas, a sensibilidade da qualidade dos mesmos aumenta, a renovação qualitativa desperta certo interesse, e a acomodação constante dos currículos às necessidades sociais tornam-se manifestas. Está claro que uma renovação qualitativa da prática exige desenvolvimento de materiais didáticos e sistemas de apoio direto aos professores. Noutros sistemas educativos as estratégias de inovação e de projetos relacionados à inovação dos currículos e de aperfeiçoamento de professores têm sido uma forma constante para assegurar eficiência nas mudanças curriculares. 8. O subsistema prático-pedagógico. Entende-se como a prática, as dinâmicas onde se configuram os professores e alunos, circunscrita às entidades escolares. Assim, chamamos basicamente de ensino o sistema que comunica e se faz realidade aos seguimentos curriculares, guiado pelo campo institucional organizativo por influência dos subsistemas anteriores. Pois, o currículo estimula uma interação entre professores e alunos, através de práticas de ensino-aprendizagem mediante várias metodologias, assim, determinando o papel do professor e o de aprendiz.

Seguindo as considerações de Sacristán (2000), em que o currículo de certa forma conceitual é a construção social que caracteriza os conteúdos escolares e as orientações, buscamos analisar algumas determinantes que poderão esclarecer como é caracterizado um currículo e como se dá a sua construção desde a administração até a sua implementação em práticas escolares. Porém, é uma tentativa muito árdua de conceitualizar o currículo, pois, o seu desenvolvimento abrange sistemas que possibilitam práticas pedagógicas. Dentro deste mesmo pensamento (GRUNDY apud SACRISTÁN, 2000) corroboram a ideia de entendimento da configuração do currículo, na qual vários tipos de ações interferem no processo da construção das práticas

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pedagógicas, como as interferências culturais, sociais, políticas, econômicas, culturais, cognitivas, metodológicas, programas de formação etc. Esses pressupostos que caracterizam a formação de um currículo são fatores decisivos na elaboração e implementação do mesmo. O currículo é fruto da realidade, de várias ações de práticas que não devem estar relacionadas somente à prática pedagógica, mas às diversas ações na esfera política, administrativa, de supervisão, de produção de materiais, de produção intelectual, de avaliação etc. (SACRISTÁN, 2000) O entendimento das práticas relacionadas ao currículo no qual se constrói o sistema curricular está relacionado ao sistema político-administrativo, na participação e de controle, na ordenação do sistema educativo, na produção de meios, na criação cultural, científica, nos formadores, especialistas e pesquisadores em educação, nos sistemas prático-pedagógicos (SACRISTÁN, 2000). Esses elementos destacados compõem os fenômenos que criam um sistema curricular que converge para uma prática pedagógica de ensino. Dentro do contexto curricular, Pacheco (2005) traz algumas considerações sobre a concepção do currículo e como se dá o seu desenvolvimento. Uma consideração sobre currículos, segundo Pacheco, é que “o lexema currículo, proveniente do étimo latino, currere (significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir) ...” (pág. 35). Ele argumenta que a tentativa da definição de currículo é uma tentativa árdua, problemática e de conflitos. Outro argumento apontado por Pacheco (2005) direciona que o desenvolvimento curricular depende do modo como acontece seu entendimento e o seu trajeto de formação, e que seu processo de construção envolve pessoas e procedimentos acerca de certas questões: Quem toma decisões das questões curriculares? Quais escolhas são feitas? Quais as decisões a serem tomadas? Como as decisões são traduzidas na elaboração, realização e na avaliação dos projetos de formação? Para o autor, o desenvolvimento curricular é um processo complexo e dinâmico, e é uma (re)construção de decisões no qual estabelece princípios concretos, envolvendo projetos socioeducativos (político pedagógico) e projetos didáticos.


A INFLUÊNCIA DOS LIVROS DIDÁTICOS NOS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA

Figura 1 - Desenvolvimento curricular na visão de Pacheco

Fonte: Pacheco (2005)

Diante do esboço apresentado acima, Pacheco relata que o desenvolvimento curricular é um ato que conjuga uma intencionalidade dependente da estratégia de planificação, e que o currículo se define numa perspectiva mais orientadora e não em uma perspectiva da prática. Para o autor, em qualquer nível de planificação e numa perspectiva linear, as colocações curriculares têm incidido sobre objetivos, conteúdos, atividades e avaliações. No âmbito das considerações desse sistema curricular, na visão Sacristán, temos o currículo prescrito, no qual o entendimento de currículo prescrito é o ponto de partida para elaboração de materiais, avaliação de sistemas de ensino, formação de professores, enfim, é o currículo que prescreve toda abordagem de um sistema de ensino, ou seja, um currículo oficial. A caracterização desse currículo também tem o seu desdobramento que Sacristán classifica como fases do desenvolvimento curricular, ou melhor dizendo, segundo o autor, fases na objetivação do processo de desenvolvimento do currículo. As fases, que são seis, são conhecidas como currículo prescrito, currículo apresentado, currículo moldado, currículo em ação, currículo realizado e o currículo avaliado. O currículo prescrito é um dos objetivos dos estudos deste trabalho. Esse currículo é conhecido como o currículo oficial que determinada os conteúdos

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e as suas respectivas orientações de um sistema educativo obrigatório. Então, Sacristán (2000) discorre que: Em todo sistema educativo, como consequência das relações inexoráveis às quais está submetido, levando em conta sua significação social, existe algum tipo de prescrição ou orientação do que deve ser seu conteúdo principalmente em relação à escolaridade obrigatória. São aspectos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular, servem de ponto de partida para elaboração de materiais, controle de sistemas, etc. A história de cada sistema e a política em cada momento dão lugar a esquemas variáveis de intervenção, que mudam de um país para outro (Ibidem, 2000, p. 104).

O currículo prescrito. Essa fase é vista como sob controle do sistema educativo de país, o que tangencia essa pesquisa, no caso do Brasil temos como os currículos prescritos os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais. No caso do México temos os Planos de Estudos da Educação Básica e da Educação Média Superior, nos quais eles integram os Programas de Estudos. Na questão do currículo apresentado, cabe a definição de um currículo que é apresentado aos professores por meio de materiais curriculares, como por exemplo, os livros didáticos. Então, esse currículo para Sacristán entende-se da seguinte maneira: Existe uma série de meios, elaborados por diferentes instâncias, que costumam traduzir para os professores o significado e os conteúdos prescritos, realizando uma interpretação deste. As prescrições costumam ser muito genéricas e, nessa mesma medida, não são suficientes para orientar a atividade educativa nas aulas. O próprio nível de formação do professor e as condições de seu trabalho tornam muito difícil a tarefa de configurar a prática a partir do currículo prescrito. O papel mais decisivo neste sentido é desempenhado, por exemplo, pelos livros-texto (Ibidem, 2000, p.105).

Na fase do currículo moldado pelos professores, trata-se de um período em que os professores, diante das influências de sua formação e no âmbito do contexto escolar, interpretam a proposta de currículo. Sacristán (2000) afirma que:


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O professor é um agente ativo muito decisivo na concretização dos conteúdos e significados dos currículos, moldando a partir de sua cultura profissional qualquer proposta que lhe é feita, seja através da prescrição administrativa, seja do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros-texto etc. Independentemente do papel que consideremos que ele há de ter neste processo de planejar a prática, de fato é um “tradutor” que intervém na configuração dos significados das propostas curriculares. O plano que os professores fazem do ensino, ou o que entendemos por programação, é um momento de especial significado nessa tradução (Ibidem, 2000, p.105).

Essa fase da “tradução” do currículo pelo professor requer certa habilidade, e os vários fatores são postos em jogo, como conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico, as características da localidade no qual a ação curricular será desenvolvida, as intenções da comunidade escolares, e entre outras variantes. O currículo em ação constitui o momento de sua efetivação em sala de aula ou, melhor dizendo, da sua praticidade. Assim, Sacristán destaca que: É na prática real, guiada pelos esquemas teóricos e prático do professor, que se concretiza nas tarefas acadêmicas, as quais, como elementos básicos, sustentam o que é a ação pedagógica, que podemos notar o significado real do que são as propostas curriculares (Ibidem, 2000, p.105).

Esta fase especificamente buscamos encontrar e definir nesse trabalho, por meio das entrevistas que constam no capítulo 6, as práticas curriculares de professores de matemática brasileiros e mexicanos. No que se refere ao currículo realizado, trata-se de uma consequência da prática realizada e que produz os mais diversos efeitos, como: cognitivo, afetivo, social, moral, e entre outros. Na visão de Sacristán esses efeitos: São efeitos aos quais, algumas vezes, se presta atenção porque são considerados “rendimentos valiosos e proeminentes do sistema ou dos métodos pedagógicos. Mas, a seu lado, se dão muitos outros efeitos que, por falta de sensibilidade para com os mesmos e por dificuldades para apreciá-los (pois muitos deles, além de complexos e indefinidos, são efeitos a médio e

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longo prazo), ficarão como efeitos ocultos do ensino. As consequências do currículo se refletem em aprendizagem dos alunos, mas também afetam os professores, na forma de socialização profissional, e inclusive se projetam no ambiente social, familiar etc. (Ibidem, 2000, p.105-106)

E para consolidar essas fases, o currículo avaliado é o modo de controlar por meio de avaliações organizadas por administradores de um sistema educativo para aferir se as prescrições curriculares foram atendidas. Então, destacamos que: Através do currículo avaliado se reforça um significado definido na prática do que é realmente. As aprendizagens escolares adquirem, para o aluno, desde os primeiros momentos de sua escolaridade, a peculiaridade de serem atividades e resultados valorizados. O controle do saber é inerente à função social estratificadora da educação e acaba por configurar toda uma mentalidade que se projeta inclusive nos níveis de escolaridade obrigatória e em práticas educativas que não têm uma função seletiva nem hierarquizada (SACRISTÁN, 2000, p.106).

A figura abaixo sintetiza as fases do currículo de Sacristán (2000) e, segundo sua visão, essas fases criam atuações, problemas para pesquisas etc. Figura 2 – Fases de objetivação do desenvolvimento do currículo

Fonte: Sacristán (2000, p. 105)


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Como o objetivo principal desse trabalho é analisar os currículos prescritos de Matemática da Educação Básica por meio de estudos comparativos numa perspectiva da educação comparada, é importante ressaltar que tais currículos transitam nas esferas políticas e administrativas educacionais, e que a prática funciona como reguladora de uma série de ações. Essas duas esferas atuam também em conjunto para desenvolvimento de um currículo. As assertivas de Sacristán condizem com essa ideia: Em termos gerais, poderíamos dizer que a política curricular é toda aquela decisão ou condicionamento dos conteúdos e da prática do desenvolvimento do currículo a partir das instâncias de decisão política e administrativa, estabelecendo as regras do jogo do sistema curricular. Planeja um campo de atuação com um grau de flexibilidade para os diferentes agentes moldadores do currículo. A política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula, o indiretamente através de sua ação em outros agentes moldadores (Ibidem, 2000, p. 109).

Essa questão de política curricular, na ideia de Sacristán, prescreve um currículo mínimo para atender um sistema educativo. Essa prescrição de um currículo mínimo tem como objetivo a atender os anseios culturais e sociais, assim, a política curricular tem o seguinte condicionamento: “nesse aspecto a política curricular se converte num elemento da política educativa e cultural como expressão também da política social para toda uma comunidade”. (SACRISTÁN, 2000, p.112) O desenvolvimento e formato do Currículo são pontos importantes na prescrição. O desenvolvimento parte de uma política curricular, para regularizar conteúdos e métodos para o ensino. Esse desenvolvimento, conforme Sacristán, é uma incidência real nos meios e mecanismos que estabelecem uma prática escolar. Esse desenvolvimento cria o formato curricular, no qual tem a intencionalidade da expressão de uma política curricular.

3. Coleta dos dados Como técnica de coleta de dados, foram aplicadas entrevistas para professores pesquisadores em Educação Matemática que trabalharam na elaboração e organização de Currículos de Matemática e/ou autor de livros didáticos,

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professores formadores de professores de Matemática e professores que ensinam Matemática. Na elaboração das entrevistas foram criadas sete categorias, embasadas no tratado de Sacristán (2000), e sendo elas, Visões sobre Currículos de Matemática, Elaboração dos Currículos de Matemática, Indícios de pesquisas do campo da Educação Matemática, Escolhas dos Conteúdos, Orientações didáticas e Metodológicas, Influências das Avaliações no processo de elaboração dos Currículos de Matemática e Influências de livros em sala de aula. Nesse texto, destacaremos somente a análise da categoria Influências de livros em sala de aula, que teve como pergunta aos professores e pesquisadores da Educação Matemática: Em sua opinião, os professores de Matemática da Educação Básica seguem as orientações curriculares ou são resistentes ao trabalhar o Currículo atual? Para os professores formadores de professores de Matemática as análises estão focadas na questão: De que modo os livros didáticos e outros materiais curriculares influenciam o ensino? Para os professores que ensinam Matemática o direcionamento das análises está na pergunta: De que modo os livros didáticos e outros materiais curriculares influenciam no seu planejamento e no desenvolvimento de suas aulas? Os entrevistados foram identificados conforme o Quadro 1 Quadro 1 – Identificação dos entrevistados Brasil

México

Professor e Pesquisador da Educação Matemática (PPEM-BR)

Pesquisador da Educação Matemática– 1 (PEM1-MX)

Formadora de Professores de Matemática (FPM-BR)

Professora e Pesquisadora da Educação Matemática – 1(PPEM1-MX)

Professora que ensina Matemática – 2(PM2-BR)

Formador de Professores de Matemática (FPM-MX)

Professor Pesquisador da Educação Matemática e autor de livro (PPEMAL-BR)

Professor que ensina Matemática – 1(PM1-BR)

Professora que ensina Matemática – 3(PM3-BR)

Pesquisadora da Educação Matemática – 2 (PEM2-MX)

Professora e Pesquisadora da Educação Matemática – 2 (PPEM2-MX)

Professor que ensina Matemática – 1 (PM1-MX) Professor que ensina Matemática – 2 (PM2-MX)

Fonte: Produção nossa


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Foram entrevistados treze pessoas, sendo seis brasileiros e sete mexicanos. Dos seis entrevistados brasileiros, três são homens e três são mulheres, e sendo as entrevistas realizadas na cidade de São Paulo e Guarulhos no período de 2014 a 2015. Dos sete entrevistados mexicanos, quatro são homens e três são mulheres. As entrevistas com os pesquisadores e professores mexicanos foram realizadas na capital do México – Cidade do México – no período de outubro de 2014. Seis entrevistas foram realizadas no Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politécnico Nacional – Cinvestav – na capital mexicana, e uma entrevista foi realizada em uma biblioteca localizada também na capital. As entrevistas foram gravadas em áudio e filmadas com o consentimento dos entrevistados, mas para tal, os mesmos assinaram um termo de consentimento livre esclarecido, termo que teve o parecer do comitê de ética do Programa de Estudos Pós-graduados da Universidade, do qual o projeto maior, relatado no resumo, estava sendo desenvolvido.

4. Análise das falas dos entrevistados Fala dos Pesquisadores

Nas considerações do professor e pesquisador (PPEM-BR) os livros didáticos são referência de materiais curriculares que acabam servindo de apoio aos professores em suas aulas: Então, pelo que eu tenho visto e ouvido e inclusive trabalhando, ainda na formação de professores, ouvi muito eles dizerem, olha as atividades, ou seja, as propostas são muito boas, mas não funcionam em sala de aula. Então, muitos acabam deixando um pouco de lado, ou fazendo alguma outra atividade. Eles acabam indo para o livro didático, eles não utilizam como deveria utilizar a proposta. No começo houve uma pressão por parte dos diretores, supervisores e coordenadores para utilizar a proposta, e então, vem se perdendo um pouco isso. (PPEM-BR)

No relato do (PPEM-BR) vimos que os professores acabam sendo influenciados pelos livros didáticos e conforme sua fala, a proposta que foi desenvolvida pela SEE/SP no qual os professores devem trabalhar os cadernos de atividades com os alunos, acaba não sendo totalmente contemplada em sala de aula. Então, a resposta do pesquisador coaduna com o argumento que

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alguns materiais curriculares, nesse caso os livros didáticos, são meios planejados fora da realidade dos alunos, mas, são autênticas programações para os professores trabalharem em sala de aula (SACRISTÁN, 2000). Para o professor, pesquisador e autor de livros (PPEMAL-BR) o livro didático, em nossa visão, é um elemento fundamental para o desenvolvimento do caminho do processo ensino e aprendizagem: Então, eu sempre escrevi livro tentando satisfazer como militante da Educação Matemática. O livro forma o professor enquanto usa, ou o professor aprende muito. O livro te antecipa tendências. Quando eu digo antecipar tendências não é ser visionário, mas é ter coragem de colocar aquilo que já está consolidado no livro didático. (PPEMAL-BR)

Em seu argumento, o (PPEMAL-BR) deixa a impressão que o livro didático além de traçar o caminho do processo de ensino e aprendizagem, também é um elemento formador do professor que cria possibilidades para que esse professor construção novas práticas, sendo que tais práticas não foram desenvolvidas ou discutidas em sua formação inicial. Identificamos na fala do pesquisador, que o livro didático é um elemento para o exercício da própria profissão (SACRISTÁN, 2000). O pesquisador mexicano (PEM1-MX) discorre que há uma política de centralização de livros: No México os livros estão centralizados pela SEP, pois tem um conjunto de livros. Na Educação Básica, Educação Primária, não tem opção, é um livro único. Na Educação Secundária, há quinze livros de Matemática, e na Educação Média Superior é livre a opção de livros. (PEM1-MX)

Os livros didáticos têm sua distribuição gratuita nas escolas de Educação Básica mexicana, caso semelhante na Educação Básica no Brasil. O pesquisador destaca a centralização dos livros pela SEP, caso semelhante no Brasil como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC. Diante desse argumento do pesquisador da centralização dos livros, sinalizamos que esse fato está relacionado com o controle do currículo e da atividade escolar e esta é uma prática econômica (SACRISTÁN, 2000)


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A pesquisadora (PEM2-MX) relata que para a SEP o Centro de Investigación del Estudios Avanzados (CINVESTAV) é uma referência, pois as práticas de investigação em Educação Matemática e projetos de elaboração de materiais curriculares são desenvolvidas no CINVESTAV: O departamento de Matemática Educativa para a Secretária de Educação Pública é uma referência, pois para se desenvolver materiais curriculares passa pela área da Matemática Educativa. (PEM2-BR)

Nesse diálogo, de acordo com as assertivas da pesquisadora, temos a sensação de que as elaborações dos materiais revelam pesquisas da Educação Matemática, algo que no Brasil que é bastante similar, e que a sua fala vai ao encontro de que equipes interdisciplinares, de professores, especialistas etc. são atores que conduzem estratégias para a melhoria do currículo através de materiais mediadores (SACRISTÁN, 2000). Nas falas das (PPM1-MX) e (PPM2-MX) encontramos os mesmos indícios da questão da investigação do campo da Educação Matemática para elaboração de materiais curriculares. Portanto, não fizemos a transição da fala das pesquisadoras por achar que resultaria redundante. Então, esses materiais curriculares sobre os quais as (PEM2-MX) e (PPEM1-MX) relataram em suas falas, são materiais de formação de professores como atividades experimentais, materiais físicos e livros didáticos. Nos relatos dos investigadores mexicanos, sobre a influência dos livros didáticos na sala de aula, não ficaram explícitas, mas cremos que os livros didáticos nas aulas dos professores são impactantes, assim, discorremos sobre a dependência dos professores aos meios que representam o currículo oficial acaba sendo um fenômeno que se desenvolve nos sistemas educativos (SACRISTÁN, 2000). Fala dos Formadores de Professores de Matemática

Na fala da formadora (FPM-BR) o livro é um material de apoio, um complemento nas aulas: Na verdade, o livro didático complementa o material do estado, que é o caderno do aluno e o caderno do professor. O caderno do professor e do

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aluno não contempla todos os conteúdos, que são pedidos no currículo, mas que contempla situações de aprendizagem. Já o livro didático não, ele contempla todo ou quase todo o conteúdo que a gente precisa trabalhar que é colocado no currículo. (FPM-BR)

Mas, em um momento da fala, a formadora comenta que os livros que são recentemente publicados e com algumas inovações de situações de aprendizagem são mais completos que os cadernos de Matemática da SEE/SP: Hoje os livros são elaborados de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, um livro de mil novecentos e noventa e quatro ou de noventa seis e pegamos um livro de hoje, vemos que a estrutura é bem diferente, então eu acho que o livro didático contempla mais que o material de São Paulo, não é que o material não seja bom, mas eu vejo que não dá para trabalhar sozinho com o material, com o livro didático dá para trabalhar sozinho. (FPM-BR)

Ainda, a formadora, quando atua em sala de aula, reforça a questão da complementação de diversificação de atividades que são propostas no livro didático ou no caderno de Matemática da SEE/SP: Dá para trabalhar com o livro didático sem o caderno do aluno, não vejo a possibilidade de trabalhar o caderno do aluno sem o livro didático. Eu, pelo menos, como professora, sempre quando estou na sala de aula, eu uso como apoio o livro didático, e acho que o professor tem que usar e tem que usar os dois materiais. E também o caderno do aluno traz algumas atividades diferenciadas em que você não encontra nos livros didáticos. (FPM-BR)

Então, de acordo com a fala da formadora (FPM-BR), o caderno utilizado pelo professor ou pelo aluno nos dá indício de constituir em um material limitado, ou seja, não contempla algumas necessidades em relação ao contexto da aprendizagem do aluno, conforme Sacristán (2000) argumenta em uma análise para a reflexão da limitação do uso de materiais curriculares. No comentário do mexicano formador (FPM-MX) percebemos que seu discurso é um pouco diferente da formadora (FPM-BR). Ele destaca nos


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temas citados na entrevista os aspectos da Educação Matemática para elaboração de materiais curriculares. Bem, para elaboração de um projeto, talvez, temos que utilizar uma engenharia didática. Então, fazemos uma análise de livros, do Currículo, podemos utilizar outras variáveis, como a Teoria Socioepistemológica, e com essas informações podemos desenvolver materiais e livros e podemos dizer como um plano para formação de professores. (PMF-MX)

Na fala do formador (FPM-MX) fica evidente que teorias da Educação Matemática são teorias nucleares para elaboração de materiais curriculares. Sua fala coincide com a fala da pesquisadora (PEM2-MX) de vários atores serem necessários na elaboração de materiais curriculares (SACRISTÁN, 2000). Fala dos Professores que ensinam Matemática

O professor de matemática (PM1-BR) tem o seu posicionamento: Bem, eu uso o livro. Uso do Iezzi21. Vejo que o livro agora está um pouco complexo. Mas, eu uso sim com apoio. Agora no Estado, quando eu estava trabalhando em sala eu usava o caderno junto com o livro. Mas, eu trabalhava mais o caderno, e não tivemos capacitação para trabalhar com o caderno. (PM1-BR)

Nas considerações do professor também está explicitado o uso do livro em sala, mas com mais frequência a utilização do caderno de matemática da SEE/ SP. Em seus argumentos, o professor relata que não houve uma capacitação adequada para trabalhar os cadernos com os alunos. Essa ideia da capacitação está sempre ligada à implantação de um novo currículo, assim, integrando um processo de aperfeiçoamento para o professor que às vezes pode ser ineficaz (SACRISTÁN, 2000). Na fala da professora de Matemática (PM2-BR) o livro didático é um apoio: Eu digo que o livro ele me serve. É como uma ferramenta para que eu possa estar utilizando. Como eu disse a gente procura seguir o Currículo 21 Gelson Iezzi. Autor de diversos livros didáticos de Matemática no Brasil

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Oficial. Né..., e de repente o livro didático não está da forma como a gente quer. Então, eu seleciono alguns pontos desse livro didático que me satisfaz enquanto aquele conceito para trabalhar. Então, para mim ele é uma ferramenta, mas não me influência. (PM2-BR).

Para a professora (PM2-BR) o livro é considerado como uma ferramenta para que ela possa selecionar tópicos pertinentes para desenvolver em sala de aula. Mas, o Currículo da SEE/SP é um guia de conteúdos a serem trabalhados nas aulas. Portanto, essa seleção de pontos importantes selecionados pela entrevistada, expõe algumas das reflexões de Sacristán (2000), na quais nenhum material curricular irá garantir todas as decisões pedagógicas. A professora (PM3-BR) discorre a seguinte situação: Bem, utilizo o livro como uma ferramenta de apoio. Mas, eu sigo a proposta que são os cadernos da Secretaria de Educação. (PM3-BR)

A declaração da professora (PM3-BR) também é concatenada com as dos demais professores brasileiros, a utilização do livro didático como apoio, para o incremento das aulas que devem seguir a proposta da SEE/SP. Para o professor mexicano (PM1-MX) o livro é considerado como uma parte fundamental nas aulas: Sim, o livro-texto constitui uma parte fundamental no trabalho do professor. Não me refiro aos livros-texto gratuitos que vem com as estruturas temáticas do Currículo que se trabalha em todo país. Refiro-me aos materiais curriculares que os professores têm que fazer. Aqui não há uma linha marcada, pois, a formação não é a mesma. Pois tenho que dar elementos, ou um compêndio de temas, autores, livros, etc. que podem servir para momento que vai aprender em aula. O docente trabalho com três tipos de planos, plano anual, plano global e plano de classe, pois docente busca constante documentos para realizar esses planos. E esses planos são Currículos que se desenham e são muito particulares. É muito difícil trabalhar uma coisa muito geral, pois no meu Estado Michoacán há uma diversidade cultural. (PM1-MX)

Nos argumentos do professor (PM1-MX) temos a impressão que a valorização dos aspectos da cultural local deve ser tomada como referência à


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construção de um Currículo para atender as demandas locais. O livro didático, no caso da fala do professor, é uma parte que constitui o planejamento das aulas e não um simples apoio. Mas, outros materiais curriculares deverão ser realizados pelos professores para que os mesmos trabalhem em suas aulas. E sua fala corrobora que o uso de materiais curriculares pode ser utilizado como inovação de práticas e oportunidades que incidem na realidade do aluno (SACRISTÁN, 2000). Segundo o posicionamento do professor (PM2-MX) o livro didático é um apoio condicional nas aulas: De certo tempo para cá, os livros-textos tenho usado em sala de aula. (PM2-MX)

Como já relatamos na descrição do professor PM2-MX, de ser um professor que trabalha na telesecundária suas aulas, de acordo com os seus relatos, são baseadas nos livros. Mas, em suas falas encontramos argumentos, que afirmam serem suas aulas incrementadas por materiais que são produto de investigação: Portanto, normalmente tenho utilizado materiais para incorporar às aulas, pois são materiais que são produtos das investigações. Há mais de cem livros de textos de matemática da SEP autorizados para que os professores possam trabalhar. Quando o professor não conhece o livro ou quando encontra dificuldades de trabalhar, não trabalha com o livro. Porque quando conhecem, usam por dois anos três anos. (PM2-MX)

No entanto, vimos que o professor mexicano (PM2-MX) tem sido influenciado pelos materiais curriculares de pesquisas em Educação Matemática. Essa análise da fala do professor também vai de encontro com a análise da fala da pesquisadora (PEM2-MX) da atuação de vários atores na elaboração de materiais curriculares (SACRISTÁN, 2000), e também de ratificar que as pesquisas de investigação da Educação Matemática no México são fundamentais para o desenvolvimento desses materiais.

5. Considerações O Currículo tem uma complexidade, quando se tratando de um Currículo Oficial a ser trabalho em sala de aula, a identidade da escola ou da

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comunidade escolar deve ter um fator determinante para que o desenvolvimento do Currículo Oficial seja um fio condutor para que em sala de aula se torne mais favorável em atingir os objetivos de aprendizagem. Assim, como na fala da professora e pesquisadora mexicana (PPEM1-MX), o Currículo de Matemática deve reconhecer as diferenças, portanto, a importância da construção da identidade cultural e de sua socialização no desenvolvimento curricular. Percebe-se que nos relatos dos entrevistados os livros didáticos são ferramentas de formação do professor e de planejamento para suas aulas de matemática. Nas falas dos mexicanos, principalmente do PM1-MX, há uma necessidade de trabalhar com diversos materiais curriculares devido a diversidade cultural no seu Estado em que ele reside. Um aspecto relevante é a utilização de cadernos para realização de atividades, conforme menciona a professora PM1-BR. Os cadernos constituem como materiais curriculares que desenvolvem aprendizagens específicas, caso contrário dos livros didáticos, que têm um trato mais elaborado e com profundida nas aprendizagens específicas. Portanto, diante das análises das entrevistas sobre as influências dos livros didáticos nas salas de aulas, o Currículo é construído em uma conjuntura historicamente política, e no atual cenário dos Currículos brasileiros e mexicanos as influências são políticas e econômicas. Então, os professores de matemática dentro de suas práticas devem desenhar o Currículo procurando caminhos que levem o desenvolvimento, de acordo as exigências do Currículo do país.

6. Referências FERRER, F. J. La educación comparada actual. Barcelona, Editora. Ariel, 2002 LAMARRA, N.F.; MOLLIS, M.; RUBIO, S.D. La educación comparada en América Latina: situación y desafíos para su consolidación académica. Revista Espanhola de Educação Comparada, volume 11, p.161-187, 2005 PACHECO, J.A. Escritos Curriculares. São Paulo, Editora Cortez, 2005 SACRISTÁN, J.G.O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Editora Artmed, 3ª edição, 2000 SILVA, M.N. A Educação Matemática na América Latina: um estudo comparativo dos Currículos de Matemática do Brasil e México. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. 2017


CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA, PRODUÇÃO E POSICIONAMENTOS PÚBLICOS DAS SOCIEDADES DE EDUCADORES MATEMÁTICOS NAS REFORMAS CURRICULARES RECENTES NO BRASIL E EM PORTUGAL

Marcelo de Oliveira Dias22 Leonor Santos23 Jonei Cerqueira Barbosa24

Resumo A construção da Base Nacional Comum Curricular, iniciada em 2015 e concluída em 2017 no Brasil, e os Programas e Metas Curriculares de Matemática para o Ensino Básico, concluídos em 2013, e as Aprendizagens 22 Universidade Federal Fluminense (UFF). Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES). Docente do Programa de Pós Graduação em Ensino (GES), Líder do Grupo de Pesquisa “Currículo e Tecnologias Digitais em Educação Matemática” (CTDEM). Realizou Estágio Pós-doutoral no Programa Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) sob a supervisão do Dr. Jonei Barbosa e no Programa de Pós-Graduação em Educação, Especialidade em Didática da Matemática, do Instituto de Educação (IE) da Universidade de Lisboa (UL) sob a supervisão da Dr. Leonor Santos. E-mail: marcelo_dias@id.uff.br 23 Professora Associada com Agregação do Programa de Pós-Graduação em Educação, Especialidade em Didática da Matemática do Instituto de Educação (IE) da Universidade de Lisboa (UL). E-mail: mlsantos@ie.ulisboa.pt 24 Universidade Federal da Bahia (UFBA). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Filosofia e História das Ciências. Líder do Grupo de Pesquisa “Ensino de Ciências e Matemática” (ENCIMA). E-mail: joneicerqueira@gmail.com


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ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Essenciais, concluída em 2018 em Portugal, constituíram-se em documentos curriculares prescritos, cujas construções apresentaram fortes componentes políticos e que vêm sendo alvo de muitos conflitos e tensões nos contextos desses países. A abordagem do ciclo de políticas, formulada por Stephen J. Ball e colaboradores vêm sendo frequentemente empregada por pesquisadores de políticas curriculares, entre outros campos, configurando-se em um viés metodológico relevante para compreensão dos processos de homologação dos documentos a partir dos contextos de produção e influência, bem como os paradigmas que nortearam essa construção e os constrangimentos ideológicos que resultam do envolvimento de organismos multilaterais. Para atingir esse objetivo, o presente capítulo apresenta uma análise comparativa de posicionamentos dados por meio de cartas públicas da Sociedade Brasileira de Educação Matemática e da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática em momentos específicos durante os processos de recentes reformas dos documentos prescritos para a aprendizagem Matemática no Brasil e em Portugal, a partir de fases metodológicas da Educação Comparada sintetizadas por Pilz, que suscitaram reflexões sobre os modelos verticalizados, os conteúdos como instrumentos de gestão e performatividade, bem como o silenciamento das vozes de entidades educacionais s nos diferentes contextos de reformas. Palavras-chaves: Políticas curriculares. Investigação comparativa; Reforma curricular em Matemática no Brasil e em Portugal; Sociedades de Educação Matemática.

1. Introdução

N

este capítulo, tem-se como objetivo a problematização das recentes Reformas Curriculares em Matemática no Brasil e em Portugal, em particular, em torno das seguintes questões: Quais foram os contextos de produção e influências dos documentos prescritos recentemente para o ensino de Matemática na Educação Básica? Quais disputas das políticas educacionais estão em jogo nos projetos de nação? Quais as referências e ideologias estão sendo colocadas em jogo nos processos de produção dos programas de Matemática do Brasil e de Portugal para a Educação Básica? Quais os posicionamentos públicos das sociedades de educadores matemáticos sobre as reformas


CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA, PRODUÇÃO E POSICIONAMENTOS PÚBLICOS DAS SOCIEDADES...

das orientações curriculares vigentes nos dois países para a Matemática? Que similaridades e especificidades existem nos discursos impressos nas cartas públicas dessas entidades nos distintos contextos de reforma? Esse objetivo foi problematizado a partir do entendimento de que esses documentos curriculares prescritos enfatizam perspectivas que visam uma tentativa de atender demandas do mundo globalizado, onde professores e entidades não são acionados e ouvidos nos processos de construção e organismos políticos multilaterais, que impulsionam esses processos, visando, dentre outros, os rankings em avaliações. O currículo prescrito é aqui entendido da mesma forma que Macedo (2002, p. 171), ou seja, como “documento que legitima a própria existência escolar, mesmo sabendo-se que o currículo real transcende em muito o documento oficial [...]”. Esta escolha é justificada pela complexidade da diversidade de fatores envolvidos na elaboração e desenvolvimento dos currículos, nos quais os programas pretendem dar conta em seus percursos educacionais. Neste texto, assumiu-se essa definição para analisar contextos e desafios que são apresentados pelos cenários brasileiro e português ante as reformas nas prescrições de Matemática. Deste modo, prioriza-se, inicialmente, as finalidades relacionadas com o tipo de aluno que se pretende formar. Assim, por meio da abordagem de parte do Ciclo de Políticas elaborado por Ball (1994) e de cartas públicas da SBEM e da SPIEM – sociedades civis, sem fins lucrativos que tem como principal finalidade promover e ampliar as discussões a respeito da Educação Matemática em seus respectivos contextos – foi realizada uma análise comparativa dos contextos de influência, produção e posicionamentos a respeito dos recentes documentos vigentes de Matemática no Brasil e em Portugal.

2. Contextos Educacionais dos Países Investigados 2.2 Organização dos sistemas educativos

A atual estrutura da Educação brasileira decorre da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n.º 9.394/96, que, por sua vez, vincula-se às diretrizes gerais da Constituição Federal de 1988, bem como às respectivas Emendas Constitucionais em vigor. Já a atual estrutura da Educação em

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Portugal decorre da Lei n.º 46/86, Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), e de sua 4ª versão, a mais recente, da Lei n.º 85/2009. De acordo com o Art. 4º da LDB, a Educação Básica no Brasil é formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Segundo o Art. 32 da LDB, o Ensino Fundamental obrigatório tem uma duração de 9 anos e é facultado aos sistemas de ensino desdobrálo em ciclos de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema (quadro 1). O Sistema Educativo português, segundo a LBSE (Art. 6º), compreende a Educação Préescolar e os Ensinos Básico, Secundário e Superior. A escolaridade obrigatória é constituída pelo Ensino Básico e pelo Ensino Secundário. O Ensino Básico tem uma duração de 9 anos. Está estruturado, de acordo com o Art. 8º, em três ciclos sequenciais de 4, 2 e 3 anos (quadro 1).


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Quadro 1: Organização do sistema educativo no Brasil e em Portugal. PAÍS IDADE CORRESPONDENTE AOS ESTUDANTES PERIODIZADOS 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Ensino Médio .Propedêutico .Profissional Integrado* ter concluído Ensino Ensino Fundamental: o Ensino PréFundamental: Anos Creche Fundamental. Anos Finais escola Iniciais Concomitante*cursando o segundo ano do ensino médio propedêutico. INGRESSO DE ESTUDANTES NÃO PERIODIZADOS Ensino Fundamental Anos Iniciais e Finais Ensino Médio - Propedêutica- Educação Educação de Jovens e Adultos (EJA): Mínimo de 15 anos de Jovens e Adultos (EJA): Educação Especial Mínimo de 18 anos. Cursos de formação inicial e continuada (FIC) ou - Profissional subsequente* Qualificação Profissional* - cursos de curta duração ou (exigência de já ter concluído cursos em nível de Ensino Fundamental para jovens e o Ensino Médio propedêutico adultos que não tenham concluído o Ensino Fundamental (PROEJA) - mínimo de 18 na idade prevista. anos 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Educação de Infância Ensino Básico Ensino Secundário Creche Pré-Escola 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo Cursos Científico humanísticos Educação de Educação de Adultos: Cursos Adultos: . EFA Profissionais . Alfabetização . Ações de curta duração (Nível II) . Ações de Curta . Ensino Recorrente (3º Curso de duração ciclo) Ensino Artístico CEF – Cursos de Educação e Formação Especializado (Nível 2) * Cursos EFA (NS) PCA – Percursos Curriculares Alternativos Cursos PIEF – Plano Integrado de Educação e Tecnológicos Formação (Nível III) Legenda:

Não Obrigatório Obrigatório

*Nível de qualificação profissional. Fonte: Os Autores


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O Ensino Fundamental no Brasil, segundo o Art. 32º da LDB, tem por objetivo a formação básica do cidadão mediante, entre outros aspectos: (i) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo, como meios básicos, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (ii) a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; (iii) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores. Em Portugal, o Art. 7º da LBSE destaca os objetivos do Ensino Básico que, dentre outros, se propõe assegurar uma formação geral comum que garanta a descoberta e o desenvolvimento dos interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade e criar condições de sucesso escolar e educativo. Salienta-se que, no presente estudo, foi considerado o Ensino Básico Regular dos países, de natureza de qualificação não profissional.

3. Abordagem Metodológica: A Educação Comparada Ferrer (2002) destaca finalidades da Educação Comparada: (a) ilustrar as diferenças ou semelhanças entre os sistemas de educação dos países; (b) mostrar a importância dos fatores contextuais dos sistemas educativos como elementos explicativos de si mesmo; (c) estabelecer as possíveis influências que têm os sistemas educativos sobre determinados fatores contextuais; e (d) contribuir para melhor compreender o próprio sistema mediante os sistemas educativos de outros. Outros autores, como Gonçalves e Pires (2015, p. 412), reforçam que “a Educação Comparada não se reduz a recortes descontextualizados e suas simplificadas comparações, mas sim a pesquisas que analisam criticamente (e qualitativamente) noções diversas a partir de condicionantes sociais, econômicos, culturais, políticas e educacionais”. Nóvoa (2009) acrescenta que essa área necessita de novos direcionamentos; de uma base teórica mais sólida. Para tanto, é preciso pensá-la em termos de Novos Problemas, Modelos de Análise e Abordagens.


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No âmbito da Educação Matemática, estudos pioneiros de pesquisadores brasileiros adotaram os pressupostos da Educação Comparada, como o projeto “Pesquisas comparativas sobre organização e desenvolvimento curricular na área de Educação Matemática, em países da América Latina” (período: 20092016), coordenado pela Prof.ª Célia Carolino Pires (in memoriam), que buscou identificar aspectos comuns e especificidades dos currículos de Matemática em cada um desses países e as formas de organização (PIRES; GONÇALVES, 2015). Para Arnove (2012), a centralidade do tema da globalização reforçou a importância da análise de sistemas-mundo, tanto no campo de análise dos consensos como no campo das tensões, para o campo da Educação Comparada. Para ele, a difusão desse tema levou a: [...] investigações adicionais para refinar e elaborar as teorias e metodologias que possibilitarão a estudiosos, formuladores de políticas e profissionais com atuação prática entenderem melhor as tendências multidimensionais e transnacionais que conformam os funcionamentos e os resultados dos sistemas educacionais no mundo todo (ARNOVE, 2012, p. 149).

Refletindo sobre bases teóricas e metodológicas da Educação Comparada, Villalobos Torres e Trejo Sánchez (2015) salientam que a mesma se configura em uma perspectiva conceitual e epistemológica que visa analisar o fenômeno educativo desde uma perspectiva internacional, supranacional ou intranacional. Para se efetivarem tais estudos, o investigador deve estabelecer critérios significativos ou determinar as diferenças para que se possam comparar realidades distintas (PILZ, 2012). Pilz et al. (2016, p. 128) alertam que “a interpretação destes resultados comparativos exige cautela, pois a ligação entre resultados e explicação é principalmente hipotética a este nível”. A partir de pesquisas realizadas por vários autores, adotou-se Pilz (2012), que sintetiza as fases metodológicas para a realização de uma investigação comparativa: (1.ª) Fase descritiva – observações e descrições; (2.ª) Fase explicativa – introduz interpretação, com o objetivo de explicar e compreender; (3.ª) Fase de justaposição – primeira tentativa de comparação oferecendo a constatação nacional definida no contexto dos critérios de comparação selecionados para a avaliação e análise lado a lado; (4.ª) Fase comparativa – as hipóteses são

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testadas usando a comparação sistemática, as relações entre os países são avaliadas por referência ao critério de comparação e podem ser tiradas conclusões. Em relação à delimitação do método da pesquisa, foram constituídas revisões da literatura, reportagens e cartas públicas emitidas pela SBEM e da SPIEM, visando uma análise dos discursos que circularam durante os processos de reforma dos documentos. Segundo Sharma (2013), tal análise configura-se como: Uma forma de coletar informações qualitativas de uma fonte primária ou original de materiais escritos, impressos e gravados para responder às perguntas de pesquisa em estudos de caso interpretativos. Os documentos fornecem evidências de atividades autênticas ou reais realizadas em organizações sociais e de pensamento humano (SHARMA, 2013, p. 3).

O Ciclo de Políticas de Ball (1994) oferece instrumentos para a análise da trajetória de políticas (formulação, produção de textos, implementação e resultados) na tentativa de uma compreensão da política curricular impregnada. Mainardes (2006) o caracteriza como: [...] um ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto de produção do texto e o contexto de prática. Esses contextos estão inter-relacionados, não têm uma direção temporal ou sequencial e não são etapas lineares. Cada um desses contextos apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e cada um deles envolve disputas e embates (MAINARDES, 2006, p. 5).

A investigação foi constituída por uma análise documental dos contextos de estratégias e influências de Ball (2004) e de posicionamentos por meio de cartas públicas divulgadas pela SPIEM e SBEM. A partir desse último contexto, as seguintes subcategorias analíticas emergiram das intencionalidades expressas nas reformas que vêm sendo realizadas nos dois países: (1) Processos de desenvolvimento curricular (graus de intervenção), (2) Linhas de força dos novos programas e (3) Pontos críticos dos novos programas.


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4. Fases do Método Comparativo 4.1. Fase descritiva: Contextos de Estratégias Políticas nas reformas curriculares recentes no Brasil e em Portugal

O discurso pedagógico, interpretado como conjunto de prescrições, regras e mecanismos de poder, também devem ser considerados como objeto de análise, como sustenta Ball (2013, p. 177): “Portanto, novas vozes e interesses são representados no processo político, e novos nós de poder e influência são construídos e fortalecidos”. Nessa ótica, a composição de um ciclo de políticas vai tomando projeção e abarcando novas vozes, como vozes de entidades privadas e agenciamentos internacionais, que articularam e financiaram a construção dos documentos curriculares. Nesse sentido, Mainardes (2018), alerta que: [...] o contexto da estratégia política envolve a identificação de um conjunto de atividades sociais e políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada. Envolve, portanto, um exercício propositivo a partir dos dados e constatações da pesquisa. (MAINARDES, 2018, p. 14)

Analisar e refletir sobre as políticas educacionais conduz a terrenos contraditórios, envolvendo tecnologias e recursos heurísticos. No intuito de tentar compreender como foram arquitetados e quais suas reais intencionalidades, faz-se necessário compreender os processos e os contextos em que foram construídas essas políticas. A sua natureza não é anódina, visto que reflete os contextos políticos em que foram produzidas (BALL, 1994). 4.1.1. Contextos de influências das reformas

O contexto de influência (BALL, 1994) perpassa sobre a maneira como o processo de construção da BNCC foi conduzido e homologado a partir das políticas públicas. Na visão de Mainardes (2006), constituíram-se: Espaços onde os discursos políticos são construídos. É nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado […]. É também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política (MAINARDES, 2006, p. 51).

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No Brasil, corroborando Passos e Nacarato (2018, p. 125), “não há como deixar de destacar a influência do Banco Mundial e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas políticas públicas voltadas para a Educação”. Ficou evidenciado que, além da Comissão convocada pelo MEC, composta por representantes de Universidades, também foram estabelecidas parcerias com grupos de entidades privadas. A maior parte de intervenção dessas entidades no Movimento pela Base Nacional Comum25 (MBNC) representam os interesses de empresas, fundações e instituições filantrópicas, como a Fundação Lemann, Instituto Natura, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco, dentre outras, que são normalmente financiadas pela alocação de impostos de macrocorporações. Avelar e Ball (2017, p. 9), em mapeamentos realizados, concluíram que a equipe formada para a elaboração do texto da BNCC “é constituída por uma rede de pessoas e organizações um tanto desgastadas, uma comunidade de discursos focada na necessidade de reforma educacional, composta por empreendedores políticos, tecnocratas viajantes e ‘líderes de pensamento’, como soluções para os problemas da política educacional”. Tal composição evidencia que nas entrelinhas o intuito de implementação da reforma foi baseado no modelo de performatividade para o sucesso. Nesse sentido, na visão de Ball (2010, p. 38), as “performances – de sujeitos individuais ou organizações – servem como medidas de produtividade ou resultados, como formas de apresentação da qualidade ou momentos de promoção ou inspeção”. Corrêa e Morgado (2018) referem-se a currículos de outros países que serviram de referência para o Brasil, alertando que faz-se: necessário salientar que o modelo proposto de currículo nacional incide nos modelos já assumidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo MBNC, tendo como referência o currículo da Austrália e as análises elaboradas pela The Curriculum Foundation (Reino Unido), Fundação ACARA (Austrália) e Universidade de Yale (EUA) (CORRÊA; MORGADO, 2018, p. 7).

25 http://movimentopelabase.org.br/


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As recentes políticas transnacionais atuam em redes integradas, minimizando a função do Estado com um arsenal que se remete à eficiência. Esse processo é atravessado em discursos que suscitam o olhar de agentes das reformas curriculares com a promessa de contemporaneidade pelo viés de uma suposta “superioridade” privatista. Corroborando Corrêa e Morgado (2018, p. 8), acredita-se que tal superioridade “está no fato de experiências e referências internacionais de grupos privados de educação, que produzem a falsa ideia de confiabilidade, de eficácia e eficiência na construção de outros modelos de currículo em diferentes países”. Estudos, como os de Seabra (2015), Pacheco e Seabra (2014) e Seabra, Morgado e Pacheco (2012), apontam Portugal se configurando como país semiperiférico sujeito a uma dupla agenda – por um lado, a agenda global, por outro, a agenda europeia –, estando particularmente sujeito aos efeitos homogeneizadores da globalização. Segundo os autores, a europeização da educação no país tem conduzido a uma recentralização de controle curricular por meio das avaliações (PACHECO; SEABRA, 2014), a um retorno ao core curricular, ao aumento do controle quanto às disciplinas que o integram e a políticas curriculares orientadas para os resultados de aprendizagem (SEABRA; MORGADO; PACHECO, 2012). Segundo Seabra (2015, p. 8), “em termos curriculares, tem-se verificado uma forte recentralização no core curriculum, um enfoque crescente na avaliação externa e na avaliação dos resultados da aprendizagem, através das metas curriculares”. Morgado (2013) ainda reforça que se trata de um processo não apenas de revisão da estrutura curricular dos Ensinos Básico e Secundário, mas de um processo com “intenção de reforma” (MORGADO, 2013, p. 226). Durante o processo de consulta pública dos PMCMEB (2013), foram anunciadas em um jornal do país, conforme a figura 1, as influências internacionais que permearam a proposta. Figura 1: Influências divulgadas no processo de consulta pública dos PMCMEB (2013).

Fonte: Jornal ionline26 26 Disponível em: https://ionline.sapo.pt/artigo/287199/novo-programa-de-matematica-teminflu-ncia-asiatica-e-americana?seccao=Portugal

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Segundo esta mesma reportagem, um dos sujeitos participantes do processo de reforma informou que o PMCMEB (2013) sofreu influências dos currículos escolares do Ensino na Ásia e nos Estados Unidos da América. Seabra (2015) ainda sinaliza que, nos últimos anos, as tendências no contexto português têm conduzido a uma mercadorização da educação e do currículo, vistos à luz da teoria do capital humano como instrumentos de promoção da produtividade, e à instauração de uma cultura de performatividade nas escolas (BALL, 2004), culminando em uma dependência da autonomia curricular e pedagógica em função da apresentação de resultados. Em seus estudos, a autora afirma que a naturalização das decisões tomadas localmente e a sua externalização – para contextos globais ou para as orientações dadas pelos grandes estudos estatísticos, ou standards internacionais, a nível de exemplo, tem sido muito considerada pelos decisores em contextos locais (legitimação). A pressão externa para aderir a determinados conceitos ou correntes torna-se, no entanto, muito mais real e premente nos países que atravessam dificuldades econômicas e que aceitam, como parte de um pacote de ajuda econômica, um conjunto de contrapartidas em termos de educação (mandato) (STEINER-KHAMSI, 2010 apud SEABRA, 2015). A forma como essas reformas exteriormente impostas são implementadas localmente é, ainda assim, relevante quando se trata da globalização em educação (SEABRA, 2015). Outra influência política em Portugal é o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), do qual o Brasil não participa. O TIMSS, que utiliza o currículo como o conceito organizador de seu quadro avaliativo (MULLIS, 2013), exerce forte influência sobre as reformas curriculares e protagonizou “a realização da ambiciosa tarefa de analisar as linhas orientadoras dos currículos, programas e manuais, desenvolvendo um poderoso instrumento de comparação para a análise” (SCHMIDT et al., 1997, apud KILPATRICK; KEITEL, 1999, p. 75). Em ambos os países e demais nações, as reformas curriculares tendem a continuar sendo submetidas às influências de âmbito internacional, envolvendo organizações como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), com foco na literacia matemática, e a OCDE. No presente momento encontra-se em curso o projeto “Futuro da Educação e Capacidades 2030”, da OCDE, com discursos de focar em


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“tecnologias que ainda não foram inventadas, e resolver problemas sociais que ainda não tenham sido antecipados” (OCDE, 2018, p. 1), bem como conceder um suposto suporte aos países na abordagem de desafios comuns de implementação de currículos e na identificação de fatores críticos de sucesso. A vertente 1 do projeto refere-se à elaboração de um quadro de aprendizagem para a Matemática 2030, e a vertente 2, na Análise de Programas Internacionais, visando construir uma base de conhecimento que permitirá aos países tornarem os processos de design de currículo mais sistemáticos, isto é, apoiar a aprendizagem entre pares e debates baseados em evidências. Do mesmo modo, encontra-se em curso o projeto Matematics Curriculum Document Analysis (MCDA), que se propõe a investigar até que ponto os países incorporam perspectivas sobre Alfabetização Matemática e Capacidades do séc. XXI em seu atual currículo, utilizando um quadro desenvolvido com o PISA 2021, que criou em 2016 um Centro para Redesign do Currículo (CRC). 4.1.2. Contexto de produção dos recentes programas

Dias (2016, p. 39) alerta que “o pesquisador não pode prescindir de conhecer satisfatoriamente a conjuntura política que propiciou a produção de um determinado documento”. Mainardes (2006, p. 5) acrescenta que “os textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro de diferentes lugares da produção dos textos competem para controlar as representações da política”, pelo que traremos, numa breve descrição, os aspectos legais, notas de resistências, bem como a estrutura dos documentos de Matemática no Brasil e em Portugal. A BNCC foi prevista na Constituição para o Ensino Fundamental e ampliada no Plano Nacional de Educação (PNE) para o Ensino Médio, com o intuito de reelaborar e significar a Educação Básica no Brasil. Com sua homologação: [...] as redes de ensino e escolas particulares terão diante de si a tarefa de construir currículos, com base nas aprendizagens essenciais estabelecidas, passando, assim, do plano normativo propositivo para o plano da ação e da gestão curricular que envolve todo o conjunto de decisões e ações definidoras do currículo e de sua dinâmica. (BRASIL, 2017, p. 20)

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Com base nesses marcos constitucionais, a LDB, no Inciso IV de seu Art. 9º, afirma que: [...] cabe à União estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996 apud BRASIL, 2017, p. 10).

A partir desse inciso, a BNCC destaca como claros dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil, baseado em duas noções consideradas como fundantes: o que é ou não básico-comum e as aprendizagens essenciais como foco. O primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco. Ao dizer que os conteúdos curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados (BRASIL, 2017, p. 11).

Uma vez priorizadas “competências” na reforma com a proposta da BNCC, com um viés mais neotecnicista (SILVA, 2018), o documento expressa a prioridade dada aos conteúdos como um “instrumento de gestão do ensino” (MACEDO, 2014), com vista, essencialmente, a projetar a performance do aluno (BALL, 2010). Para a elaboração da BNCC, foram criadas equipes autônomas e um complexo processo de envio de sugestões para análise e promoção de debates estaduais. Uma vez elaborada a “primeira versão” da BNCC, a mesma foi submetida a um processo de consulta pública, sendo a maior parte das contribuições individualizadas, sem passar por um processo coletivo de discussão. Posteriormente, o MEC analisou a sistematização das contribuições e definiu o que seria incorporado ao documento, originando a “segunda versão”, sem explicitar o marco de referência que serviu de parâmetro para as escolhas.


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Da mesma forma, a “segunda versão” da BNCC foi publicada, agora sob a coordenação da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), que organizaram seminários por todo o país, adotando a mesma premissa de participação. O documento foi apresentado por componentes curriculares e os participantes, agora por grupos específicos, se posicionaram a partir do que lhes foi apresentado. Segundo Aguiar (2018), o processo continuou tendo uma forma tênue de participação e a metodologia verticalizada, linear e centralizadora de produção do documento se repetiu. O MEC, com a formalização de um Grupo Gestor, definiu quais contribuições seriam acolhidas. Surgiu, então, a “terceira versão”, que foi apresentada ao CNE para análise. Em 2017, foi homologada a 3ª versão, esta final, da BNCC para os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental, com implementação até 2020. O documento, conforme a figura 2, apresenta a seguinte estrutura: Figura 2: Estrutura da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental no Brasil.

Fonte: Os autores a partir da BNCC (2017)

A BNCC propõe cinco unidades temáticas correlacionadas que orientam a formulação de habilidades a ser desenvolvidas ao longo do Ensino

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Fundamental. Neste documento, competência é definida como a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2017, p. 8). Nesse sentido, objetos de conhecimento e habilidades representam os pontos-chaves da proposta. Em Portugal, segundo a Direção Geral de Educação (DGE), a última Revisão da Estrutura Curricular, legitimada no Decreto-lei n.º 139/2012, de 5 de julho, bem como no Despacho n.º 5306/2012, de 18 de abril, previa melhorias na qualidade do ensino e da aprendizagem através de uma cultura de rigor e de excelência. No sentido de concretizar estas intenções, foram elaboradas as Metas Curriculares de Matemática para o Ensino Básico (MCMEB, 2012), onde foram elencados objetivos gerais, especificados por descritores, de forma concisa para desempenhos precisos e avaliáveis. As MCMEB (2012) foram construídas com base nos conteúdos temáticos expressos no Programa de Matemática do Ensino Básico de 2007. Nesse documento, vários objetivos gerais e respetivos descritores foram concebidos de forma a estabelecer ligações entre conteúdos sem relação evidente entre si, na sessão “A Matemática como um todo coerente”, enfatizando que: [...] Para além das situações que se encontram explicitamente ilustradas nas Metas Curriculares, outras podem ser trabalhadas no âmbito de exercícios e problemas. Estas atividades são propícias ao entendimento de que a Matemática é constituída por uma complexa rede de relações que lhe confere uma unidade muito particular (MCMEB, 2012, p. 5).

Nesse documento, “os conteúdos encontram-se organizados, em cada ciclo, por domínios. A articulação desejável entre os domínios de conteúdos e os objetivos antes enunciados encontra-se materializada” (MCMEB, 2012, p. 5). Assim, a DGE destaca que o Programa e Metas Curriculares de Matemática do Ensino Básico (PMCMEB, 2013) foi construído com base nos conteúdos temáticos expressos no Programa de Matemática de 2007 (PMEB, 2007) e que a organização desses conteúdos, numa hierarquia que se anuncia como coerente e consistente, originou defasagens entre esse Programa


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e as Metas Curriculares, razão pela qual surgiu o PMCEB, que constituem o normativo legal e obrigatório. Na figura 3, a seguir, está apresentada a estrutura do PMCMEB (2013). Figura 3: Estrutura do PMCMEB (2013) em Portugal.

Fonte: Os autores a partir dos PMCMEB (2013)

Mais recentemente, as Orientações de Gestão Curricular para o Ensino Básico (2016) se configuram como orientadores para a disciplina de Matemática, e regem-se pelo PMCMEB (2013).

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Estes documentos introduzem orientações metodológicas gerais, bem como propostas de flexibilização curricular e gestão de conteúdos, com indicações que deverão ser equacionadas de acordo com o contexto escolar. A figura 4 destaca as tensões entre a APM e a SPM (Sociedade Portuguesa de Matemática) sobre o PMCMEB (2013) cinco anos após a implementação. Figura 4: Críticas recentes (2018) ao PMCMEB (2013) em Portugal.

Fonte: Diário de Notícias de Portugal27

Segundo a DGE, a adoção do PMCMEB (2013) suscitou um conjunto de questões e a sinalização de vários problemas por parte das Escolas e dos professores, pondo em causa a exequibilidade destes documentos, destacando que: Os principais problemas sinalizados prendiam-se com a extensão do Programa (que não potenciavam a consolidação das aprendizagens pelos alunos), com a antecipação de conteúdos e com a inadequação de alguns conteúdos às faixas etárias. Para dar resposta às inúmeras solicitações dirigidas aos diversos Serviços Centrais do Ministério da Educação, bem como para salvaguardar o interesse dos alunos, foi constituído o Grupo de Trabalho de Matemática para o Ensino Básico, com vista à produção de orientações de gestão dos documentos curriculares em vigor. O Grupo de 27 https://www.dn.pt/portugal/interior/sociedade-de-matematica-considera-curriculo-da-disciplina-um-retrocesso-9295606.html


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Trabalho integrou elementos da Sociedade Portuguesa de Matemática, da Associação de Professores de Matemática e professores de Matemática do Ensino Básico e Secundário em exercício, coordenado pela Direção Geral da Educação (OGPMCMEB, 2016, p. 1).

Após a construção das OGPMCMEB (2016), a DGE realizou a implementação do Projeto “Autonomia e Flexibilidade Curricular” dos Ensinos Básico e Secundário, no ano escolar de 20172018, por meio do Despacho n.º 5908/2017, de 5 de julho, abrangendo os estabelecimentos de ensino da rede pública e privada que manifestassem interesse na sua implementação. O projeto visou a promoção de melhores aprendizagens indutoras do desenvolvimento de competências de nível mais elevado, permitindo a gestão do currículo de forma flexível e contextualizada, reconhecendo que o exercício efetivo de autonomia só é plenamente garantido se o objeto dessa autonomia for o currículo. Na figura 5, é apresentada uma matéria sobre o projeto. Figura 5: Matéria sobre orientações dadas às escolas sobre Flexibilização e Autonomia curricular.

Fonte: Diário de Notícias (Portugal)28

Mais recentemente surgiram em 2018, os documentos curriculares chamados “Aprendizagens Essencais” (AE) em Matemática que, organizados por ano de escolaridade e elaborados pela APM e SPM, definem as aprendizagens 28 https://www.dn.pt/portugal/interior/ministerio-da-educacao-da-orientacoes-para-flexibilizar-programa-de-matematica-5354298.html

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que todos os alunos devem desenvolver em Matemática, isto é as AE são o “Denominador Curricular Comum” para todos os alunos, constituindo-se como base comum de referência. Assim as AE elencam os conhecimentos, capacidades e atitudes a serem desenvolvidas por todos os alunos, e foram construídas a partir de documentos curriculares existentes e que se mantêm em vigor. A partir de 2019, passam a constituir o referencial para a avaliação externa, como publicado no Diário da República, 1.ª série, n. 129, de 6 de julho de 2018, Art.17º: As Aprendizagens Essenciais constituem orientação curricular de base, para efeitos de planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, em cada ano de escolaridade ou de formação, componente de currículo, área disciplinar, disciplina (PORTUGAL, 2018, p. 2934).

Conforme a figura 6, a seguir, as AE apresentam a seguinte estrutura: Figura 6: Estrutura do documento Aprendizagens Essenciais (AE, 2018) de Portugal.

Fonte: Os autores a partir das AE (2018)


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Logo após a publicação das AE (2018), a Associação de Professores de Matemática (APM) sinaliza que “não constituem um programa, mas devem ser suportados por programas capazes de potenciar as aprendizagens dos alunos e apoiar os professores nas suas opções didáticas e práticas letivas, consistentes com o perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória recentemente divulgado” (APM, 2018, p. 1). A DGE reforça que há um problema de extensão dos documentos, unanimemente reconhecido em Portugal, e procurou identificar, disciplina a disciplina e ano a ano, o conjunto essencial de conteúdos, capacidades e atitudes, uma vez que não houve revogação de documentos em vigor nem a consequente adoção de novos manuais. Segundo a DGE, as AE são a orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e aprendizagem, conducentes ao desenvolvimento de competências inscritas no Perfil dos Alunos à saída da escolaridade obrigatória (PA, 2017). A Figura 7 ilustra o conceito de competência no documento PA (2017), salientando a interligação de três dimensões. Figura 7: Esquema Conceitual de competências: Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória.

Fonte: PA (2017, p. 19)

O esquema conceitual foi adaptado no documento a partir do projeto “The Future of Education and Skills: OECD Education 2030 Framework” e nele as competências são combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes, consideradas centrais para o perfil dos alunos. 4.1.3. Posicionamentos públicos das sociedades de educadores matemáticos Carta pública da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM)

Nesse contexto, uma série de formas de padronização se consolida na política educacional, mas sem problematizar o que, de fato, os estudantes estão-se apropriando e construindo um conhecimento capaz de formar cidadãos emancipados e com atuação na sociedade. Nesse sentido, a SBEM emitiu,

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em 2016, um parecer com a colaboração de pesquisadores sobre a 1ª versão da BNCC, enfatizando sua posição sobre as intencionalidades da reforma, conforme a figura 8. Figura 8: Contribuições da SBEM para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Fonte: SBEM (2016, p. 32).

A SBEM com seu compromisso social e democrático, alerta que a área enquanto campo de pesquisa e de formação profissional, não ficou alheia a essa discussão, enfatizando que a reforma visa o atendimento de grupos de interesse com uma visível articulação com o mundo empresarial e representa um retrocesso no que tange a democratização do acesso ao conhecimento matemático e a autonomia escolar dos sujeitos, visando uma qualidade centrada na produtividade para qual o produto final é mais importante que o processo. Daí a preocupação com medidas, índices e resultados. É a lógica do mercado aplicada a educação (SEABRA, 2015). Carta pública da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática (SPIEM)

A SPIEM, por meio de uma carta pública, posicionou-se contrária às MCMEB (2012), conforme a figura 9, destacando erros e retrocessos na proposta do documento curricular.


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Figura 9: Parecer sobre o documento “Metas Curriculares” 29 para o Ensino Básico – Matemática.

Fonte: SPIEM (2012)

O parecer emitido pela SPIEM aponta que a proposta das MCMEB (2012) apresenta desajustes no que tange os principais avanços da pesquisa nacional e internacional da área. As principais críticas do documento foram: o raciocínio matemático limitante das experiências dos alunos, ausência de perspectivas para o desenvolvimento do pensamento algébrico, predominância da linguagem matemática formal, estimativa e cálculo mental desconsiderados, Resolução de Problemas posta em lugar secundário, desvalorização da organização e tratamento de dados e a falta de ênfase na visualização em Geometria. 4.1 Fase Explicativa: Considerações dos contextos dos dois países 4.2.1 Análise da carta pública da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM)

A SBEM não participou diretamente na construção da BNCC. Alguns poucos afiliados participaram da leitura crítica, e outros, da elaboração. Os professores de Matemática das redes de ensino só tiveram a oportunidade de posicionamento nos processos de consulta pública. Carvalho e Lourenço (2018), ao questionarem a BNCC, apontam que os experts silenciam as vozes dos professores num jogo no qual ocorre um estímulo à participação dos professores com a finalidade de, ao fazê-los falar, legitimar o discurso dos experts e, sob uma aparente participação, mantê-los em consulta, sem efetivo poder de decisão sobre modelos verticalmente impostos. 29 Disponível em: http://www.esev.ipv.pt/mat1Ciclo/2010_2011/SPIEM%20PARECER%20 FINAL%20METAS%20CURRICULARES.pdf

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A BNCC ocupa uma posição extremamente esvaziada em relação à área de Matemática e, na visão de Passos e Nacarato (2018, p. 131), apresentam “equívocos e reducionismos”. O documento suscita uma educação para adaptação em uma lógica mercadológica (SEABRA, 2015), ultraneoliberal, desconsiderando a visão e o protagonismo dos docentes, respectivamente, nos processos de construção e na implementação da reforma. Segundo Venco e Carneiro (2018, p. 7), a BNCC será ferramenta para a “adoção de um projeto neoliberal para a educação, o qual persegue demandas internacionais voltadas à lógica da mensuração de resultados e padronização mundial da educação”. Silva (2018, p. 10) alerta que, na perspectiva da pedagogia neotecnicista, há o controle – sobre diretores, professores e alunos – via avaliação de standards internacionais de desempenho, além da responsabilização e técnicas de pagamento por meritocracia, combinadas com privatização; elementos que, implementados, supostamente garantiriam qualidade na oferta da educação. De acordo com Ball (2014), [...] na interface entre a política educacional e o neoliberalismo, o dinheiro está em toda a parte. Como indiquei, a própria política agora é comprada e vendida, é mercadoria e oportunidade de lucro, há um mercado global crescente de ideias de políticas. O trabalho com políticas está também cada vez mais sendo terceirizado para organizações com fins lucrativos, que trazem suas habilidades, seus discursos e suas sensibilidades para o campo da política, por uma taxa honorária ou por um contrato com o Estado (BALL, 2014, p. 222).

Passos e Nacarato (2018, p. 132) alertam que “ainda que não se pretenda que a matriz de referência para as avaliações externas paute o que deve ser ensinado nas escolas, a tensão provocada pela imposição de um currículo comum, fortalecida pela ‘oferta de planos de aula’, por ‘formação de professores’ certificada do setor empresarial, indica um cenário preocupante”. O processo de construção da BNCC reforça a atuação de uma agenda internacional de esvaziamento da concepção de área e habilidades que se tornam itens de avaliação externa, reforçando, sob a lógica da performatividade (BALL, 2010), que os currículos são cada vez mais prescritivos e submetidos aos princípios da economia. O currículo e a avaliação se tornam mecanismos


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de controle político, pois a avaliação da qualidade passa a ser, para Pacheco (2000, p. 13), “o discurso dominante que tanto serve para legitimar a intervenção do Estado no processo de regulação do sistema, como para responsabilizar as escolas, os professores, os alunos e os pais pelos resultados obtidos”. O posicionamento da SBEM após a divulgação da 1ª versão da BNCC enfatizava que a proposta vinha ao encontro dos anseios de pequenos grupos, que não condizem com a evolução histórica e lutas para humanizar, democratizar e melhorar o ensino de Matemática, e que a formulação de algumas habilidades hierarquiza o conhecimento matemático. A voz da entidade não teve impactos significativos na versão homologada da BNCC no que tange seus reais propósitos e poucas recomendações foram refletidas no documento homologado, prevalecendo a legitimação dos elaboradores por meio de uma ideologia verticalmente imposta (CARVALHO; LOURENÇO, 2018). Passos e Nacarato (2018, p.120) afirmam que, “sem dúvida, o contexto é complexo e exige movimentos de resistência, visando contrapor-se aos modelos impostos de formação e de ensino de Matemática e apoiando-se em práticas reflexivas que visem a autonomia profissional e o compromisso ético com a formação dos educandos”. Nesse sentido, considera-se que o grande desafio dos professores, pesquisadores e da SBEM seja considerar três dimensões como indissociáveis, independentemente do contexto e da temporalidade: pesquisa, produção e ensino. O professor precisa apropriar-se das contribuições advindas das pesquisas para resistir e, nesse sentido, D’Ambrósio e Lopes (2015) alertam que as mesmas: [...] têm apresentado produções diversificadas, que expressam múltiplos discursos, os quais contribuem para um repensar do processo de ensino e aprendizagem que pode ser redimensionado pelos resultados de pesquisas sobre Resolução de Problemas, Modelagem Matemática, Etnomatemática, História e Filosofia da Educação Matemática, Tecnologias em Educação Matemática… No entanto, raramente as contribuições dessas investigações são incorporadas às ações educacionais, pois as políticas públicas e/ ou as determinações das instituições de ensino cerceiam as atitudes dos profissionais que nelas atuam. Muitas das legislações e das orientações determinadas por esses órgãos privados ou governamentais reproduzem

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encaminhamentos decorrentes de um sistema educacional com princípios ultrapassados e que não consideraram a realidade atual, não respeitam o direito das crianças e dos jovens a uma aprendizagem que dialogue com o diferenciado contexto sociocultural e político no qual nasceram e vivem (D’AMBROSIO; LOPES, 2015, p. 11).

Cercear as atitudes dos profissionais da Educação Matemática implica, também, impedir que a aproximação com as investigações realizadas na área chegue aos professores e, consequentemente, na visão sobre a construção das reformas, silenciando suas vozes em processos pseudodemocráticos ditos como “modernos e participativos”. Tais complexidades dessa relação engendram impactos nas práticas docentes e, consequentemente, na construção e implementação dos “novos currículos”. 4.2.2 Análise da carta pública da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática (SPIEM)

A SPIEM foi excluída da formulação dos PMCMEB (2013) e, mesmo com a emissão de um parecer questionando as fragilidades e incongruências, tiveram sua “voz silenciada pelos experts” (CARVALHO; LOURENÇO, 2018) acionados pelo governo para serem responsáveis pelo “modelo vertical imposto” (AGUIAR, 2018; CARVALHO; LOURENÇO, 2018), onde seu posicionamento público não foi considerado para a revogação dos PMCMEB (2013). O que fica evidenciado, por meio do pronunciamento público da entidade, é que os PMCMEB (2013) representam um retrocesso em relação ao PMEB (2007) e houve um esvaziamento da área: listagem de conteúdos, formal, com definições incompreensíveis e desarticuladas do que é essencial para o ensino de Matemática. Na perspectiva de Macedo (2014), um programa proposto como “instrumento de gestão do ensino” e focado em performances (BALL, 2010), desconsiderando as experiências, ritmos e os contextos dos alunos. No que tange os pontos-chaves, as recentes reformas curriculares de Matemática em Portugal, as análises dos documentos, bem como os discursos que circularam, apontam que os PMCMEB (2013) apresentam finalidades interligadas integralmente à abstração matemática, e as AE (2018) se configuram em uma tentativa de resgate do PMEB (2007), com ênfase na literacia


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matemática (foco do PISA) e na interdisciplinaridade. O que ficou evidenciado é que o PMEB (2007) contemplava avanços da área, e os PMCMEB (2013), juízos valorativos não fundamentados por experiências, onde a compreensão matemática foi colocada em segundo plano. 4.3. Fase de Justaposição

A investigação foi constituída pela análise dos contextos de influência e produção de Ball (2004) e cartas públicas que traziam posicionamentos da SBEM e da SPIEM nos diferentes contextos das reformas nos documentos. As categorias analíticas emergiram dos contextos de influência e contexto de produção de texto integrantes do ciclo de políticas proposto por Ball (2004), no intuito de compreensão dos processos e intencionalidades políticas impregnadas e expressas nas reformas curriculares recentes que vêm sendo realizadas no Brasil e em Portugal. A seguir, a partir das categorias adotadas, é apresentada a síntese dos discursos na pesquisa em cada contexto de reforma. SBEM

1. Processo de desenvolvimento curricular (grau de intervenção) Houve participação de pesquisadores sócios da SBEM que participaram da elaboração e como leitores críticos nas versões preliminares da BNCC. Os professores foram excluídos do processo de elaboração e o que se questiona é que os mesmos foram convidados para a consulta pública a fim de dar sugestões, via portal, com parâmetros pouco claros. 2. Linhas de força dos novos programas A BNCC de Matemática apresenta uma posição vaga e muito ligeira em relação à área. O documento traz determinados conteúdos e habilidades, sem justificativas dos mesmos nas unidades temáticas nem tampouco indicações metodológicas para as abordagens. 3. Pontos críticos dos novos programas A BNCC sinaliza uma educação para adaptação, isto é, uma diretriz, uma educação para o mercado, pensando em produzir avaliações; uma ideologia e

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um modelo de educação engendrada como mercadoria (SEABRA, 2015) com prevalecimento de matrizes de habilidades que o professor deverá cumprir. Assim, sobre a BNCC, corrobora-se com Passos e Nacarato (2018, p. 130) ao destacarem a visão de Freitas (2014, p. 1087) ao alertar que: “Está de volta uma nova versão do tecnicismo ou um neotecnicismo: basta aprender a fazer, sem necessidade de um conhecimento profissional para tal”. SPIEM

1. Processo de desenvolvimento curricular (grau de intervenção) A SPIEM não participou da elaboração dos PMCMEB (2013) e teve uma posição muito crítica da proposta, apontando vários erros e argumentos no âmbito da pesquisa em Educação Matemática para sinalizar publicamente que o documento se configurava um retrocesso. Apesar do pronunciamento contrário, o mesmo não culminou em uma intervenção no programa. Os responsáveis pela elaboração do documento das AE (2018) foram a SPM e a APM, onde o governo português, por meio do MEC, assumiu que era possível uma reformulação sem desconsiderar os PMCMEB (2013). 2. Linhas de força dos novos programas Os PMCMEB (2013) apresentam ênfase prioritária na abstração nas construções matemáticas contínuas por meio de demonstrações formais. Nesse sentido, a abstração matemática configura-se como a linha de força central do programa, considerada pela carta pública divulgada pela SPIEM, como desarticulada do que é essencial para as crianças e jovens. Ainda que os PMCMEB se mantenham em vigor, as AE (2018) se constituem numa tentativa de retomada aos pressupostos do PMEB (2007). 3. Pontos críticos dos novos programas Os PMCMEB (2013) foram apontados como uma proposta curricular de vasta extensão com ênfase no rigor matemático por meio da abstração. O documento das AE (2018) foi organizado por anos de escolaridade e a não anulação oficial do PMCMEB (2013) pelo MEC culmina numa


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conjugação complexa de duas prescrições, podendo gerar, como consequência, problemas de flexibilidade curricular nos diferentes ciclos. 4.4. Fase Comparativa

Com o intuito de ilustrar similaridades e especificidades por meio dos fatores contextuais de influência e produção (BALL, 1994) dos documentos e dos discursos por meio de cartas públicas da SBEM e da SPIEM para os sistemas educativos do Brasil e de Portugal (FERRER, 2002; PILZ, 2012, 2016), apresenta-se no quadro 2, a síntese de análises realizadas nas sessões anteriores, por meio de categorias que foram consideradas significativas para a comparação dos contextos e discursos das reformas curriculares em Matemática no Brasil e em Portugal.

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SIMILARIDADES

ESPECIFICIDADES

BNCC PMCMEB AE Influências do currículo Influência do currículo australiano, CONTEXTOS DE norte americano. fundações e instituições Influências do currículo asiático e do TIMSS. INFLUÊNCIA Influências do PISA. filantrópicas. Ênfase na planificação, realização e avaliação, supostamente Equipes autônomas Grande extensão. conducentes às CONTEXTO DE para elaboração; Reducionismo. (OGPMCMEB, competências do PRODUÇÃO BNCC e AE com foco 2016). Perfil dos Alunos à em competências. saída da escolaridade obrigatória. A SPIEM não Silenciamento das Participação de pesquisadores participou da vozes das sociedades sócios da SBEM na elaboração e elaboração e teve de educadores como leitores críticos da BNCC; uma posição muito matemáticos nas Os professores foram excluídos do Processos de crítica, considerando Foram construídas a recentes na elaboração processo de elaboração e o que se CARTAS desenvolvipartir de documentos um retrocesso em das reformas; questionou é que os mesmos são PÚBLICAS mento existentes e os relação ao PMEB convidados na consulta pública DAS Curricular responsáveis foram a (2007); Desconsideração nas para o envio de sugestões via ENTIDADES (Grau de APM e a SPM. As suas posições propostas homologadas portal “Movimento da Base” com intervenção) não refletiram dos posicionamentos parâmetros obscuros; em revogação das sociedades emitidos A SBEM emitiu parecer após a ou mudanças no por meio de cartas divulgação da 1ª versão. programa; públicas.

BNCC/PMCMEB/AE

CATEGORIAS

Quadro 2: Similaridades e Especificidades nos contextos da reforma curricular em Matemática no Brasil e em Portugal.

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CARTAS PÚBLICAS DAS ENTIDADES

Pontos críticos

Linhas de força

Proposta configurada como ultraneoliberal e neotecinista, onde os conteúdos são tratados como instrumentos de gestão do ensino e com foco em performances e rankings. Cumpre uma agenda de esvaziamento do debate sobre a concepção da área.

Esvaziamento de avanços já conquistados na área em níveis nacionais e internacionais.

Apontado como um documento prescrito de grande extensão e com foco nas demonstrações matemáticas abstratas.

Posição vaga em relação a área. Traz determinados conteúdos e habilidades, mas não há nem justificava nem discussão convincente nas unidades temáticas.

Foco em uma educação para adaptação, direcionada ao mercado e resultados nos rankings de avaliações externas. Retrocesso nos processos de política de currículo e de formação de professores.

Fonte: Os autores

A abstração matemática como linha de força central e ênfases consideradas desarticuladas daquilo que se configura como essencial para os estudantes. As AE (2018) foram organizadas por anos de escolaridade e a não anulação do PMCMEB (2013), culmina numa conjugação complexa, podendo gerar problemas de flexibilidade curricular nos diferentes ciclos.

O documento das AE (2018) constitui-se em uma tentativa de focar em necessidades dos alunos no século XXI.

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Ainda que em momentos políticos e contextos específicos de reformas curriculares, o estudo comparativo realizado por meio dos contextos de influência e de produção dos documentos e de discursos contidos em pronunciamentos públicos das sociedades de educadores matemáticos do Brasil (SBEM) e de Portugal (SPIEM) evidenciaram similaridades e especificidades no que tange o grau de intervenção das entidades nos processos de desenvolvimento das reformas curriculares, as linhas de força presentes nas prescrições e os pontos críticos das reformas mais recentes nos países. As tendências constatadas nas reformas giraram em torno de questões como: esvaziamento da área de Matemática e, consequentemente, de conquistas já obtidas por meio de pesquisas; silenciamento das vozes das sociedades; participação de professores via consulta pública sem critérios claros (pseudodemocracia); agenciamentos internacionais e com participação de organismos multilaterais; e perspectivas neotecnicistas e ultraneoliberais com ênfase na performatividade e, consequentemente, nos rankings de avaliações externas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ficou evidenciado com as análises do Contexto de influência e Contexto de produção, integrante do Ciclo de Políticas elaborado por Ball (1994), das fases da metodologia da Educação Comparada sintetizadas por Pilz (2012) e por meio dos discursos públicos da SBEM e da SPIEM que a produção da BNCC no Brasil e dos PMCMEB (2013) e AE (2018) em Portugal, configuramse em prescrições homologadas e vistas como textos políticos resultantes de tensões, disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro de diferentes lugares da produção dos textos competem para controlar as representações da política (MAINARDES, 2006, 2018). Novas vozes e nós de interesse ganharam notoriedade no processo de reforma dos currículos de Matemática no Brasil e em Portugal representadas nos processos e contextos políticos dos dois países (BALL, 2013). Vozes essas representadas por grupos e organizações com visíveis influências e como tendência ao cumprimento de processos integrantes de um agenciamento internacional de reformas (BALL, 1994, 2013; PASSOS; NACARATO, 2018). As entidades de educadores matemáticos se pronunciaram sobre os retrocessos nas propostas da BNCC e os PMCMEB (2013), que se debruçam em


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conteúdos que podem servir a um modelo de gestão (MACEDO, 2014) e que focam prioritariamente a performatividade (BALL, 2010, 2014). Prescrições essas apontadas como solução para os problemas do ensino de Matemática nos países (AVELAR; BALL, 2017), mas envoltos em processos turbulentos, onde as vozes da SPIEM e da SBEM foram silenciadas na arquitetura das propostas curriculares supostamente democráticas, mas que representam modelos verticalmente impostos (CARVALHO; LOURENÇO, 2018). Em vias de finalização, a partir do que foi evidenciado na presente investigação, destaca-se a importância de se considerar os posicionamentos públicos emitidos da SBEM e da SPIEM e da voz dos professores nos processos de elaboração das reformas, responsáveis historicamente por pesquisas relevantes para/pela a melhoria do ensino e pela democratização do acesso ao conhecimento matemático nos diferentes contextos. Decerto o debate não se encerra aqui e muitas serão, ainda, as tensões travadas no contexto da formação e prática de professores e dos resultados impressos pelas reformas dos currículos nos contextos do Brasil e de Portugal. Ressalta-se a importância da hibridização de parte do ciclo de políticas de Ball (2004) e as fases do método comparativo de Pilz (2012) para o presente estudo e ainda, corroborando Dias e Gonçalves (2017), da necessidade permanente de preservação das bases conceituais e epistemológicas da Educação Comparada no âmbito da Educação Matemática, consubstanciados pelas Sociedades ou centros de investigação em Educação Comparada e autores do International Handbook of Comparative Education.

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AGRADECIMENTOS O autor agradece à CAPES, que atravessa um momento crítico no atual cenário político do Brasil de retrocessos e ataques explícitos à pesquisa e aos recursos a ela direcionados, pelo financiamento deste estudo; aos supervisores, pelas parcerias, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA); ao Programa de Pós-Graduação em Educação, especialidade em Didática da Matemática do Instituto de Educação (IE) da Universidade de Lisboa (UL) pelo suporte na realização do Pós-Doutoramento.


O PENSAMENTO FUNCIONAL NAS DISPOSIÇÕES CURRICULARES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO30

André Luis Trevisan31 Miriam Criez Nobrega Ferreira32 Marcia Aguiar33

1. Introdução

H

istoricamente, a Matemática tem se constituído como uma das áreas de conhecimento que mais tem contribuído para o insucesso escolar de muitas crianças e jovens. Nesse sentido, muitos pesquisadores vêm buscando os motivos que levam os estudantes a apresentarem dificuldades na aprendizagem dessa área de conhecimento. Entre as justificativas para a não aprendizagem da Matemática está o nível elevado de abstração que é próprio do raciocínio matemático, e é possível considerar também que a forma com que ela é tratada no processo de ensino tenha implicações nesses resultados insatisfatórios de aprendizagem. Sem nos estendermos no assunto sobre as diferentes abordagens de ensino, mas a título

30 Este texto é resultado de reflexões ocorridas junto ao FORMATE – Formação Matemática para o ensino, da UFABC, câmpus Santo André, grupo de estudos e pesquisa da qual os autores são membros.

31 Doutor em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina. Docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, Londrina, PR. E-mail: andrelt@utfpr.edu.br.

32 Mestre em Ensino e História das Ciências e da Matemática pela Universidade Federal do ABC, Santo André/SP. Doutoranda em Educação Matemática pela Universidade de Lisboa. E-mail: criezmiriam@gmail.com. 33 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Docente da Universidade Federal do ABC, Santo André/SP. E-mail: marcia.aguiar@ufabc.edu.br.


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de contextualização, a forma como os professores têm ensinado os conteúdos da Matemática, sedimentada na utilização de livros didáticos, seguindo o ritual da explicação e do exercício, muitas vezes sem o aprofundamento conceitual necessário, pode contribuir para uma aprendizagem com pouco significado. Esse tipo de ensino, no qual o professor dá as ferramentas para a resolução de determinados problemas e depois apresenta aos estudantes situações análogas, é chamado por Skovsmose (2001) como o ensino tradicional da Matemática: O ensino tradicional de Matemática é dominado pelo uso do livro-texto, que é seguido, mais ou menos, página por página. (...) Um elemento da aula é que o professor faz uma exposição de algumas ideias teóricas. (...) Um segundo elemento da aula é que os estudantes resolvem exercícios, quer individualmente, quer em grupos (SKOVSMOSE, 2001, p. 34).

Ainda no que se refere ao ensino da matemática, alguns autores evidenciam que a forma do professor de ensinar, muitas vezes, advém da própria experiência que teve como estudante, ou seja, o professor ensina da mesma forma que foi ensinado, buscando condutas nos exemplos de seus próprios professores da Educação Básica. Para além da natureza intrínseca da Matemática, de situações de ensino e aprendizagem que levem em conta o significado do fazer matemático, da importância que se dá a determinados conteúdos em detrimento de outros, da forma como ela é apresentada e desenvolvida nas aulas e de tantos outros elementos que permeiam um campo tão complexo como é o ensino e a aprendizagem de uma disciplina escolar, existe outro aspecto que diz respeito à escolha e à disposição do conteúdo no currículo ao longo da escolaridade, ou seja, quais conteúdos abordar, em que ano serão abordados e por quê. É pensando nas questões curriculares, na disposição dos conteúdos ao longo da escolaridade e tendo por delimitação a Álgebra como fio condutor do pensamento algébrico que discutimos, ao longo deste capítulo, a forma como o pensamento algébrico, mais precisamente o pensamento funcional, está retratado nas disposições curriculares atuais no contexto brasileiro, em especial na Base Nacional Comum Curricular (BNCC – BRASIL, 2017, 2018), quais são suas características e possibilidades para o ensino nos diferentes níveis de escolaridade.


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2. Pensamento algébrico e o pensamento funcional nos anos iniciais do Ensino Fundamental Conjugando as diferentes pesquisas à nossa própria experiência – de quem convive cotidianamente com o ambiente escolar, o trabalho com Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental tem-se fundamentado no desenvolvimento da Aritmética, com forte inclinação para o trabalho com o sistema de numeração decimal, com a aprendizagem do algoritmo das diferentes operações matemática e sua consequente aplicabilidade na resolução de situações problema. Para além deste trabalho, porém, de acordo com Ferreira (2017), os documentos curriculares nacionais mais recentes apontam para uma área que até então era prerrogativa apenas dos anos que sucedem os primeiros anos da escolaridade - trata-se da inclusão da Álgebra no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A aprovação da BNCC (BRASIL, 2017, 2018), documento que indica o que deve ser ensinado na Educação Básica, coloca a Álgebra como uma unidade temática a ser trabalhada em Matemática, ao lado de Números, Geometria, Grandezas e Medidas e Probabilidade e Estatística. Essa inclusão recente da Álgebra no currículo dos anos iniciais segue uma tendência internacional que se relaciona ao entendimento de como os conteúdos matemáticos (mais especificamente os referentes a Álgebra e a Aritmética) vinham sendo distribuídos ao longo da escolaridade. Ainda no que se refere aos conteúdos escolares e à nítida ruptura entre a Aritmética e a Álgebra nos documentos curriculares mais antigos, enfatiza-se que o ensino da Aritmética deveria ser efetivado nos anos iniciais do ensino fundamental e a Álgebra nos anos finais e Ensino Médio. Com relação a essa disposição, Lins e Gimenez (2001) pontuam que não existe nada mais enraizado na comunidade de educadores matemáticos do que a noção de que aprender Aritmética deve vir antes de se aprender Álgebra, e tal assunção foi, durante décadas, refletida nos currículos. Carraher et al. (2006), ao desenvolver um trabalho que buscou entender melhor o porquê da separação entre Álgebra e Aritmética, apresentam duas justificativas para o início do ensino desta última ser anterior à primeira. Um aspecto diz respeito à natureza do próprio conteúdo matemático e outro está relacionado às restrições do desenvolvimento cognitivo do estudante.

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Com relação à natureza da Matemática, os autores fazem referência à História, uma vez que, com o desenvolvimento da Matemática, a Álgebra surge historicamente após a Aritmética e, nesse sentido, pode-se abstrair que esta última precederia o ensino da Álgebra, à semelhança do processo histórico. Segundo os autores, “o fato da Álgebra emergir historicamente após a Aritmética e como uma generalização desta, sugere para muitas pessoas que a Álgebra deve vir em seguida da Aritmética no currículo” (CARRAHER ET AL., 2006, p. 89, tradução nossa). Quanto ao desenvolvimento cognitivo do aluno, Freire (2011) aponta que tal hierarquização dos conteúdos ao longo da escolaridade, que prevê o ensino da Aritmética antecedendo o da Álgebra, está ligada aos estudos de Piaget e Inhelde, “no qual as crianças que estão no estágio das operações concretas são capazes somente de operar concretamente sobre as situações aritméticas, geralmente vistas como as mais fáceis, porque enfatizam o trabalho com números, as quatro operações e tabuada” (FREIRE, 2011, p. 36). No que tange aos documentos curriculares nacionais, o documento, anterior às BNCC, que norteou por muito tempo a elaboração das propostas curriculares dos diferentes sistemas de ensino foi os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Ferreira (2017), ao analisar os PCN voltados para os anos iniciais, aponta que não é possível localizar uma referência explícita à Álgebra, com exceção da menção à pré-álgebra, no sentido de que esta pode ser desenvolvida nos anos iniciais, porém com incidência principal nos anos finais. Embora nas séries iniciais já se possa desenvolver uma pré-álgebra, é especialmente nas séries finais do ensino fundamental que os trabalhos algébricos serão ampliados; trabalhando com situações-problema, o aluno reconhecerá diferentes funções da álgebra (como modelizar, resolver problemas aritmeticamente insolúveis, demonstrar) [...] (BRASIL, 1997, p.39).

Ainda segundo Ferreira (2017), os objetivos de aprendizagem postos nos PCN referem-se a alguns dos elementos caracterizadores do pensamento algébrico, porém não como um fim em si mesmo, mas com o destino de atingir outros objetivos, tais como interpretar e produzir escritas numéricas. Passados quinze anos da aprovação dos PCN, é lançado o Programa Nacional para a


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Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2012), que, nos direitos de aprendizagem lá postos, apresenta textualmente o eixo “Pensamento Algébrico” voltado basicamente para o trabalho com sequências e padrões. Somente em 2017, com a BNCC, a Álgebra é definida como uma das unidades temáticas da Matemática a ser desenvolvida não somente nos anos finais do Ensino Fundamental, mas já tendo seu início no primeiro ano, ratificando o que já vem sendo desenvolvido em outros países. Mas por que trabalhar Álgebra nos anos iniciais e o que significa esse trabalho? Várias são as pesquisas, notadamente internacionais, que apontam que os estudantes já têm condições de pensar algebricamente desde pequenos, e levá-los a esse tipo de raciocínio, além de pertinente, é imprescindível se o que se deseja é que os estudantes vão além de executar operações e resolver situações problema. Quando falamos em desenvolvimento do pensamento algébrico nos anos iniciais, estamos nos referindo a uma reformulação da prática do ensino de Matemática (RUSSELL; SCHIFTER; BASTABLE, 2011), que agregue ao trabalho já realizado com a Aritmética as oportunidades de construção de padrões, generalizações e justificativas matemáticas a partir de uma perspectiva de integração do pensamento algébrico ao planejamento das aulas (CANAVARRO, 2007; MESTRE; OLIVEIRA, 2011). Blanton e Kaput (2005), a partir de um projeto de desenvolvimento profissional, cujo objetivo foi o de desenvolver habilidades dos professores de modo que pudessem identificar e construir formas de trabalhar o pensamento algébrico, criaram categorias relacionadas ao pensamento algébrico. Ao definirem as categorias do pensamento algébrico, os autores incluíram, entre elas, duas das quais são as mais comuns e possíveis de serem desenvolvidas nos anos iniciais: aritmética generalizada, que se traduz no domínio da expressão e formalização da generalização, e pensamento funcional, que é caracterizado como a generalização de padrões numéricos para descrever relações funcionais, incluindo aqui o trabalho com sequências. No que se refere ao desenvolvimento do pensamento funcional, a BNCC enfatiza o trabalho com sequências repetitivas e recursivas desde o primeiro ano, incluindo textualmente que os estudantes devem identificar as regularidades

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de uma sequência, o que é bem diferente de o estudante apenas preencher a sequência (o que será exemplificado mais à frente). Mas por que trabalhar o pensamento funcional nos anos iniciais e o que significa esse trabalho? Uma das justificativas para que o trabalho com o pensamento funcional seja efetivado na sala de aula dos anos iniciais se relaciona, por um lado, ao papel crítico e importante desse tipo de pensamento para o desenvolvimento do raciocínio matemático e, por outro, pela introdução, nos anos iniciais, das ideias sobre funções, o que “permite aos estudantes o tempo e o espaço para desenvolver o entendimento mais complexo do que eles poderiam ter se eles encontrassem funções somente nos graus secundários” (BLANTON, 2008, p. 39, tradução nossa). Pode-se dizer que, da mesma forma que a generalização é o coração do pensamento algébrico, as funções se constituem, conforme o autor, como o coração do pensamento funcional. O pensamento funcional requer dos alunos prestar atenção na mudança e no crescimento, o que “envolve olhar para padrões de forma a verificar como as quantidades variam umas em relação às outras. Uma função é um modo de expressar essa variação” (BLANTON, 2008, p. 5, tradução nossa). Isso significa levar os alunos a fazer generalizações numéricas para descrever as relações de funções. Existem vários tipos de relação entre quantidades e, entre elas, as funções que representam um tipo especial de relação matemática, em que um valor depende de outro valor. O disposto na Figura 1 é um exemplo de como uma tabela pode ajudar os alunos a pensarem na relação entre o número de cachorros e o número de olhos, e como cada uma das quantidades se relaciona. Figura 1: Focando em um padrão recursivo.

Fonte: Adaptado de Blanton (2008, p. 34).


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Outra característica do pensamento funcional se relaciona à exploração de correspondências entre relações quantitativas ou recursivas buscando desenvolver uma regra que possa descrever essa relação. O trabalho com o problema das carteiras em forma de trapézio (trabalho desenvolvido a partir da geometria) permite explorar as relações entre as quantidades percebendo quais são as quantidades fixas e quais variam. Figura 2: Problema da mesa em formato de trapézio.

Fonte: Adaptado de Blanton (2008, p. 36).

Nesse problema, em que as mesas são acrescentadas umas às outras pelos lados inclinados do trapézio, os estudantes são levados a concluir que, para se chegar ao número de pessoas que podem se sentar (em que os lugares para sentar estarão dispostos da mesma forma), é necessário multiplicar o número de mesas por três e, depois, somar dois, sendo a variável o número de mesas e a quantidade fixa, os lugares nos extremos das mesas. O pensamento algébrico preocupado em encontrar, descrever, justificar e simbolizar as relações matemáticas entre quantidades que variam é crucial para a matemática escolar dos anos iniciais porque cria conceitos subjacentes para os pensamentos funcionais mais formalizados que ocorrem nos anos posteriores. Em particular, traz para a discussão os dados das relações e estruturas que permitem aos estudantes modelar o mundo físico e pensar sobre abstrações além da concretude dos números particulares. Por exemplo, se você quiser sentar todos os estudantes da escola, quantas carteiras serão necessárias? Outra forma de desenvolver o pensamento funcional já nos anos iniciais relaciona-se ao trabalho com a previsão de resultados desconhecidos usando dados conhecidos, ou seja, dentro de um padrão de crescimento e mudança, formulam-se conjecturas acerca do que não se sabe a partir do que se sabe, sem repetir todo o processo anterior (BLANTON; KAPUT, 2005). No caso da

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situação das mesas (Figura 2), trata-se de investigar, por exemplo, o número de mesas necessárias para acomodar determinado número de pessoas. Embora a representação por gráficos não seja exclusiva do pensamento algébrico, essa forma de codificar informações (graficamente) permite analisar as relações funcionais. Segundo Blanton (2008), os gráficos “são ferramentas importantes para o raciocínio sobre funções porque eles oferecem aos alunos uma forma diferente – visual – para acessar a informação numa relação funcional” (p. 47, tradução nossa). Nesse caso, funciona como um suporte para o pensamento algébrico. Essa categoria, portanto, inclui a perspectiva da realização de um gráfico de pares ordenados, por exemplo, para expressar uma relação funcional, apoiando nessa ferramenta a análise da variação da função. Da mesma forma que a representação por gráficos pode ajudar na percepção e no entendimento das relações funcionais entre grandezas, o uso de diferentes ferramentas (tabelas, diagramas, etc.) pode ajudar os estudantes a aprofundar sua compreensão de funções, oferecendo a eles a possibilidade de inventarem seus próprios gráficos. Nesse sentido, a partir das relações funcionais, os estudantes podem ser levados a explorar correspondência entre quantidades, relações recursivas, desenvolver regras para descrever as relações, usar tabelas de entrada/saída, simbolizar as regras descobertas, etc.

3. O pensamento algébrico e o pensamento funcional nos anos finais do Ensino Fundamental Conforme já mencionado, a BNCC reconhece a relevância do ensino da Álgebra na formação do cidadão e determina que a unidade temática Álgebra seja desenvolvida desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Devemos, portanto, aproveitar essa nova diretriz para repensar as concepções do ensino de Álgebra enraizadas nos livros e propostas curriculares desde o movimento da Matemática Moderna, não apenas com o propósito de fazer um diagnóstico do momento atual de ensino, mas, principalmente, refletir em possíveis inovações nas salas de aula buscando um ensino “não tradicional”. Considerando a proposta da BNCC de iniciar o ensino de Álgebra desde o primeiro ano do ensino fundamental, é importante refletir na continuidade desse trabalho nos anos finais e também no Ensino Médio, no intuito de promover um efetivo desenvolvimento do pensamento algébrico e, em especial, do


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pensamento funcional. Para isso, retomamos algumas noções que permeiam as pesquisas em relação às concepções do ensino de Álgebra, com foco no trabalho a ser desenvolvido nesses níveis de escolaridade. Segundo Blanton e Kaput (2005), que defendem o desenvolvimento do pensamento algébrico desde os anos iniciais, que é entendido como um processo no qual os estudantes “generalizam ideias matemáticas de um conjunto particular de exemplos, estabelecem generalizações por meio do discurso de argumentação, e expressam-nas, cada vez mais, em caminhos formais e apropriados à sua idade” (p. 413, tradução nossa). Antes do trabalho de Blanton e Kaput (2005), Mason (1996) já considerava que a busca da percepção de padrões e regularidades era um caminho para expressar generalidades e que essa busca deveria se estender ao longo de toda a formação. O que, posteriormente, foi reforçado por outros autores, é o fato de que esse seria um caminho para desenvolver o pensamento algébrico (KAPUT, 1999; KAPUT; BLANTON; MORENO, 2008; OLIVEIRA, 2008; PONTE, 2005). Com isso, Vale e Pimentel (2015) defendem a ideia dos padrões como tema transversal a todos os níveis de ensino. Devido à importância de se desenvolver a noção de padrões e regularidades para a construção do pensamento algébrico, muitas pesquisas discutiam que ao mesmo tempo em que os estudantes conseguem reconhecer alguns padrões em diferentes sequências, sejam eles numéricos, geométricos ou outros, eles também apresentam muitas dificuldades em encontrar as generalizações observadas (BRANCO, 2008; ORTON; ORTON, 2005; PONTE; BRANCO; MATOS, 2009). Respaldado em considerações dos autores supracitados e em consonância com a BNCC, o professor deve propor tarefas que contribuam para o desenvolvimento da capacidade de generalização dos estudantes. Assim, o trabalho com o reconhecimento de padrões e regularidades e a construção das respectivas generalizações, iniciado já nos primeiros anos do Ensino Fundamental – em que os estudantes explicam suas estratégias de resolução, usando tanto a oralidade quanto a escrita da linguagem materna – é ampliado com a introdução da linguagem algébrica nos anos finais. Esse processo é natural e necessário para o desenvolvimento da aprendizagem da Álgebra e é alinhado à perspectiva, já apontada por Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) na década de 1990, de que o pensamento algébrico não se manifesta e se desenvolve a partir da

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manipulação de sua linguagem específica. Na verdade, desenvolve-se a partir da identificação de regularidades e padrões de sequências numéricas e não numéricas, do estabelecimento de leis matemáticas que expressem a relação de interdependência entre grandezas em diferentes contextos, bem como da criação, interpretação e articulação entre as diversas representações, conforme destacado na BNCC. Nos anos finais, reforça-se a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento do pensamento funcional e da modelação, além dos tópicos que envolvem a aritmética generalizada. Em especial, a partir do sétimo ano, amplia-se, por meio de objetos de conhecimento envolvendo o trabalho com sequências recursivas e não recursivas, o trabalho já iniciado em anos anteriores, para que os estudantes compreendam os diferentes significados das variáveis numéricas em uma expressão, investiguem a regularidade de uma sequência numérica, indiquem um valor desconhecido em uma sentença algébrica, estabeleçam a variação entre duas grandezas e representem, com a linguagem algébrica, a generalização de uma propriedade (BRASIL, 2017). Apresentaremos, a seguir, possibilidades para o trabalho com o desenvolvimento da percepção de padrões e regularidades e a construção da sua generalização nos anos finais do Ensino Fundamental. Na primeira tarefa (Figura 3) destinada ao 6º e 7º anos, temos uma sequência formada com mesas e pessoas sentadas. Nesses anos escolares, os estudantes ainda não desenvolveram a linguagem simbólica, por isso a proposta é ir criando questões que auxiliem os estudantes a perceberem que existe um padrão para a construção da sequência e, assim, reconhecer e expressar uma generalização.


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Figura 3: Tarefa sobre padrões e regularidades para o 6º e 7º anos. Abaixo temos duas figuras mostrando o começo de uma sequência formada por mesas e pessoas sentadas em volta de cada mesa. Observe como as figuras são construídas e responda:

a) Como você desenharia a 3ª figura dessa sequência formada com três mesas? E a 4ª figura? b) Quantas pessoas se sentariam em volta das mesas na 3ª figura? E na 4ª figura? c) Qual o número de pessoas sentadas em 13 mesas como estas, ou seja, na 13ª figura? Explique como você descobriu esse valor? d) Existe alguma relação entre o número de mesas e o número de pessoas sentadas nesta sequência? Se sim, explique qual é a relação. e) Escreva com suas palavras a relação entre o número de mesas e o número de pessoas sentadas. (Dica: Não esqueça que o número de pessoas depende do número de mesas.) f ) Escreva a conclusão numa fórmula em que a letra p represente o número de pessoas, e a letra m, o número de mesas. Fonte: Adaptado de Imenes e Lellis (2010).

Em especial, o item (f ) da tarefa tem a intenção de fazer um diagnóstico de como o estudante, neste momento, consegue utilizar a linguagem simbólica para expressar a generalização e não tem o objetivo de encontrar respostas corretas. O importante aqui é que os estudantes consigam expressar oralmente e por escrito as generalizações encontradas. A ênfase da resolução da tarefa deve estar na capacidade de perceber e expressar a generalização e não simplesmente no uso da linguagem simbólica. É fundamental que se explore, em situações, a relação entre a variação das posições e a variação no valor dos termos da sequência (fomentando assim

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uma abordagem que denominamos covariacional, e que será detalhada na continuidade deste texto). No caso da sequência {8, 14, 20,...}, pode-se notar que, a cada posição avançada (no caso, resultado do aumento de uma mesa), o valor do termo da sequência (o número de pessoas) aumenta em 6 unidades. Assim, partindo do número 8, se avançarmos quatro posições (o que implica aumentar mais 4 mesas), o valor do termo da sequência aumenta em 24 unidades (passando a ser 32), sem a necessidade de determinar cada um dos termos que o antecedem. No caso de uma sequência de quadrados formados por palitos, mostrada na Figura 4, vemos que a cada aumento de 1 quadrado, o número de palitos aumenta em 3 unidades (já que um dos lados é “aproveitado”). Assim, considerando que, para formar um quadrado, precisamos de 4 palitos, se aumentarmos o número de quadrados em 7 (passando a ter oito quadrados – 8ª posição da sequência), o número total de palitos necessários será 4 + 3x7=25 palitos). Figura 4: Situação que permite uma abordagem covariacional.

Posição

Número de palitos

1ª 4

2ª 7

Fonte: autores.

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Outra possibilidade de trabalho é o uso de tiras e quadros numéricos (Figura 5), como ilustrado nas figuras a seguir, que, além da expressão em linguagem materna e também algébrica da lei de formação, permitem explorar a relação entre a variação nas linhas/colunas e a variação nos valores.


O PENSAMENTO FUNCIONAL NAS DISPOSIÇÕES CURRICULARES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO

Figura 5: Tabelas e quadros numéricos para o trabalho com padrões e regularidades.

Fonte: Kindt (2004, p.30-33).

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Todas as sequências até aqui apresentadas possuem relação linear entre as variáveis. Podemos, ou melhor, devemos, também, trabalhar em sala de aula sequências em que a relação entre as variáveis não sejam lineares. Como exemplo, temos a sequência dos números triangulares (Figura 6). A proposta é que os estudantes percebam que, de uma figura para a outra, a quantidade de bolinhas que aumenta não é fixa, ela muda, mas o aumento dessa quantidade também possui um padrão. Nela, pode-se perceber o padrão sob diferentes perspectivas. Nas questões elaboradas, buscamos mostrar duas situações possíveis de serem exploradas nesse nível de escolaridade. Uma delas é a partir da sua fórmula de recorrência, ou seja, encontrar o valor de um termo da sequência utilizando o valor do termo anterior. A outra é encontrar a expressão algébrica que relaciona o posicionamento do termo da sequência e a sua quantidade de bolinhas, ou seja, a generalização. Uma proposta interessante para os estudantes é procurar outra maneira de perceber a formação da sequência. Figura 6: Tarefa sobre padrões e regularidades para 8º e 9º anos. Esta figura apresenta os primeiros elementos de uma sequência de números chamados números triangulares:

a) Escreva a sequência numérica correspondente a essa figura, considerando o número de bolinhas que formam cada triângulo: 1, 3,............, ............, ............, ............, ............, ............, b) Que regularidade você observou na construção desses números triangulares? c) Explique, com suas palavras, uma maneira de encontrar o número de bolinhas de um triângulo utilizando o número de bolinhas do triângulo anterior. d) Encontre uma expressão algébrica que represente o número de bolinhas utilizando o número de bolinhas anterior, ou seja, a explicação anterior. e) Agora, explique, com suas palavras, como você poderia encontrar o número de bolinhas de qualquer triângulo sem utilizar o número de bolinhas do triângulo anterior. f ) Encontre uma expressão algébrica para representar o cálculo do número de bolinhas de um triângulo qualquer, ou seja, uma expressão algébrica que represente a explicação anterior. Fonte: Adaptado de São Paulo (2008).


O PENSAMENTO FUNCIONAL NAS DISPOSIÇÕES CURRICULARES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO

Tarefas como essas devem ser trabalhadas com maior frequência nas salas de aula para que os estudantes possam desenvolver essas habilidades. Em anos escolares em que os estudantes já estão um pouco mais familiarizados com a linguagem simbólica, as tarefas devem enfatizar não apenas o reconhecimento, mas também a representação, em linguagem algébrica, da generalização dos padrões e regularidades. Assim, além de utilizar a oralidade e a escrita em língua materna para expressar as generalizações, deve-se também valorizar as expressões algébricas para representar essas generalizações.

4. O pensamento algébrico e o pensamento funcional no Ensino Médio Além do desenvolvimento mais geral do raciocínio matemático, a exploração do pensamento funcional no trabalho com sequências numéricas permite a introdução, desde os anos iniciais, de ideias sobre funções, como é destacado por Garcia (2009) no trecho a seguir. [O] conceito de função é primário (depende apenas das noções intuitivas de relação, univocidade e conjunto), central, estruturante (participa e está nos fundamentos de todas as áreas) e articulador (espécie de elo conectando a Matemática internamente e a Matemática com as outras ciências) [...] Conhecimento do conceito de função consiste, por um lado, na capacidade de estabelecer essas conexões, formando uma totalidade, no interior da Matemática. Por outro lado, cada face que a função assume, nos diferentes contextos, relacionando diferentes domínios, traz consigo uma coleção própria de representações, problemas e procedimentos de resolução (p. 46).

Mestre (2014) aponta que a gênese do pensamento funcional envolve “prestar atenção às quantidades que variam e [...] focar-se na relação entre essas quantidades” (p.71). A autora destaca duas formas de abordagem de relações no conceito de função: a covariação entre quantidades (análise coordenada das variações de duas grandezas interdependentes) e a correspondência entre quantidades. Embora a abordagem de correspondência seja, tradicionalmente, mais aplicada no ensino, a abordagem covariacional poderá ser mais poderosa, especialmente nas primeiras explorações das funções. Nesse caso, uma função é entendida como a justaposição de duas sequências, cada uma gerada

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independentemente por meio de um padrão de valores de dados (CONFREY; SMITH, 1994). Uma perspectiva de covariação na construção de relações quantitativas pode subsidiar uma concepção de função mais flexível, baseada em ideias como variação, aproximação e proporcionalidade, fundamentais à compreensão de conceitos do Cálculo Diferencial e Integral. Assim, uma abordagem covariacional de funções pode tanto ampliar a capacidade em compreender e interpretar fenômenos, quanto nortear o processo de fortalecimento de ideias do Cálculo no currículo da escola básica, contribuindo, assim, para uma (re)significação do conhecimento específico sobre esse conteúdo (ORFALI, 2017). Na verdade, trata-se de um “modo de pensar” a respeito de duas quantidades que variam simultaneamente, cujo desenvolvimento ocorre de forma “análoga à formação do pensamento algébrico, [de forma] gradual, que se inicia bem antes da introdução formal de conceitos como proporcionalidade e função” (ORFALI, 2017, p. 30). Assim, raciocinar covariacionalmente implica coordenar as imagens de duas variáveis à medida que elas mudam, ou conceituar os valores das quantidades individuais como variáveis e, em seguida, de duas ou mais com variação simultânea. Esse tipo de raciocínio, embora tenha desempenhado um papel crucial na elaboração de conceitos que levaram à definição moderna de função (THOMPSON; CARLSON, 2017), é praticamente inexistente na abordagem utilizada por livros didáticos e outros materiais curriculares. Tal abordagem é alinhada à perspectiva presente na BNCC do Ensino Médio (2018), apontando que se ofereça aos estudantes “a oportunidade de desenvolver o pensamento algébrico, tendo em vista as demandas para identificar a relação de dependência entre duas grandezas em contextos significativos e comunicá-la utilizando diferentes escritas algébricas” (BRASIL, 2018, p. 517). Em especial, o raciocínio covariacional está estritamente relacionado a um par de ideias fundamentais que produzem articulações entre os vários campos da Matemática e suas tecnologias, no caso, variação e constância. Esse par de ideias “envolve observar, imaginar, abstrair, discernir e reconhecer características comuns e diferentes ou o que mudou e o que permaneceu invariante, expressar e representar (ou descrever) padrões, generalizando-os” (BRASIL, 2018, p. 520). Destaca-se também no documento o par de ideias fundamentais de relações e inter-relações, presentes, por exemplo, em situações que tratam da


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interdependência entre grandezas, que evoluem para a noção de função, uma noção integradora da Matemática. A seguir, apresentamos alguns exemplos de tarefas que podem fomentar essas ideias. Na elaboração destas tarefas, consideramos a proposta de Gonçalves (2018), que envolve os seguintes elementos: (i) constituir quantidades envolvidas na situação (reconhecer atributos de uma situação passíveis de medição); (ii) raciocinar sobre o processo de medição dessas quantidades; (iii) imaginar medidas de quantidades variando continuamente; (iv) coordenar duas quantidades que variam juntas, reconhecendo quais quantidades se relacionam, a direção de (de) crescimento, a existência de taxas de variação e eventuais mudanças na taxa de crescimento. Uma primeira tarefa, disponibilizada pelo pesquisador Patrick Thompson em sua página pessoal34, envolve uma estrada, duas cidades A e B, e um veículo que, ao percorrer a estrada, aproxima-se/afasta-se dessas cidades (Figura 7). Propõe construir um gráfico que relacione a distância do veículo até a cidade A com a distância até a cidade B, em diferentes configurações. Em uma delas, que detalharemos a seguir, as duas cidades estão sobre a estrada, ou seja, com a estrada passando por elas. Nesse caso, o veículo aproxima-se da cidade A e também da cidade B, na primeira parte do trajeto, entre seu ponto de partida S0, até atingir a cidade A; na segunda parte, o veículo distancia-se da cidade A, mas continua aproximando-se de B; por fim, distancia-se tanto da cidade A quanto da cidade B, no trajeto entre a cidade B e S1 (ponto de chegada). Figura 7: Problema das cidades.

Fonte: Construção dos autores baseada nas ideias de Patrick Thompson.

A representação gráfica para essa situação é mostrada na Figura 8. Note que, como as cidades A e B estão sobre a estrada, a distância entre cada uma 34 http://pat-thompson.net/. Acesso em 22 jul. 2019.

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delas e o veículo varia linearmente (ou seja, se o veículo varia sua posição em 3 metros em relação a uma cidade, ele também variará 3 metros em relação à outra). Figura 8: Gráfico que relaciona a distância dos carros à cidade.

Fonte: autores.

É interessante notar que o gráfico elaborado tanto nessa configuração quanto em outras (por exemplo, uma das cidades sobre a estrada, e outra fora dela; ou ambas fora da estrada, cada uma de um lado diferente dela), matematicamente, não é uma função, mas representa a relação entre duas variáveis por meio de uma abordagem que difere dos processos usuais de construção de leis matemáticas exploradas no Ensino Médio, ou ainda tabelas e pares ordenados. Uma segunda tarefa é a seguinte35: Um leitor mandou, para uma revista, a seguinte análise de um livro que ele havia acabado de ler, com muitas páginas. “O livro é eletrizante, muito envolvente mesmo! A cada página terminada, mais rápido eu lia a próxima! Não conseguia parar!”. Propõe-se esboçar um gráfico que represente o número de páginas que esse leitor concluía pelo tempo decorrido, de modo a refletir corretamente a mensagem do leitor à revista. Um gráfico possível que representa essa situação é mostrado na Figura 9.

35 Disponível em <www.imaginariopuro.wordpress.com>. Acesso em 22 jul. 2019.


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Figura 9: Gráfico que relaciona o número o tempo acumulado e o número de páginas.

Fonte: www.imaginariopuro.wordpress.com. Acesso em 22 jul. 2019.

Entretanto, outras representações são possíveis. Nas Figuras 10 e 11, apresentamos alguns protocolos de grupos de estudantes do Ensino Médio no trabalho com essa tarefa. Figura 10: Gráfico que relaciona o número de páginas e o tempo acumulado.

Fonte: protocolo de estudantes.

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Figura 11: Gráfico que relaciona cada página com o tempo para sua leitura.

Fonte: protocolo de estudantes.

Na Figura 10, os estudantes assumem como variável independente o número de páginas lidas e como variável dependente, o tempo decorrido para a leitura daquelas páginas. Aqui, a ideia de ler mais rápido a página seguinte implica em uma taxa de variação do tempo em relação ao número de páginas ser decrescente e, portanto, obtém-se um gráfico côncavo para baixo. Por sua vez, se as variáveis fossem representadas invertendo-se os eixos (tempo como variável independente), o gráfico seria crescente, mas côncavo para cima (visto que o número de páginas cresce a uma taxa crescente em relação ao tempo). Na segunda, o grupo constrói um gráfico que relaciona o tempo para leitura de cada página. Assim, no “início” do livro, esse tempo é “muito grande”, mas tende a diminuir conforme se aumenta o número da página. Embora seja possível a busca por expressões algébricas e/ou o trabalho com valores para medidas arbitrariamente escolhidas, esse não é o objetivo das tarefas aqui apresentadas. Em nenhuma das tarefas foram utilizadas ferramentas algébricas ou se assumiu um conhecimento da definição “formal” de função como requisito para que o estudante pudesse com elas lidar, mas, sim, o entendimento da situação, da relação de variáveis, da correlação entre elas, dos aspectos de crescimento e decrescimento e da taxa de crescimento e decrescimento, ou ainda, da simetria. Assim, embora os matemáticos tenham encaminhado uma definição para o conceito de função como correspondência, de modo a solucionar


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inconsistências dentro da própria Matemática, a natureza e os problemas reais nem sempre servem a essas demandas. Relações que “fogem” ao conceito de função, muitas vezes, são ignoradas (ou artificialmente construídas) nas aulas de Matemática da Educação Básica.

5. Considerações finais Como destacado ao longo do texto, o desenvolvimento do pensamento algébrico desde os anos iniciais previsto na BNCC intenta agregar ao trabalho realizado com a Aritmética oportunidades de construção de padrões, generalizações e justificativas matemáticas (CANAVARRO, 2007; MESTRE; OLIVEIRA, 2011). Em especial, possibilita o desenvolvimento do chamado pensamento funcional (BLANTON; KAPUT, 2005), a partir da generalização de padrões numéricos, para descrever relações funcionais, proposta a ser desenvolvida e ampliada de forma transversal ao longo de toda a Educação Básica. Ainda nos anos iniciais, esse tipo de abordagem coloca os alunos em contato tanto com sequências recursivas (quando são dados o(s) seu(s) primeiro(s) termo(s) e uma maneira de relacionar qualquer com um ou mais termos anteriores), quanto não recursivas, reconhecendo também que o conceito de recursão está presente não apenas na Matemática, mas também nas artes e na literatura. Já nos anos finais do Ensino Fundamental, inicia-se uma utilização da simbologia algébrica, articulada com o uso de linguagem materna para expressar regularidades encontradas em sequências numéricas. Enfatizamos aqui, conforme Fiorentini, Miorim e Miguel(1993), que “a linguagem é, pelo menos em princípio, a expressão de um pensamento” (p. 85). Sendo a expressão do pensamento, a linguagem precisa ser valorizada e incentivada de forma que os estudantes consigam justificar as suas generalizações. Já no Ensino Médio, no intuito de promover a exploração dos pares de ideias fundamentais de variação e constância e de relações e inter-relações, discutimos possibilidades para estimular o estudante a pensar situações reais na quais se aplica a Matemática, na relação entre as grandezas envolvidas e, a partir daí, a representação da relação entre elas, o “cerne” do raciocínio covariacional.

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AS REFERÊNCIAS DE LOCALIZAÇÃO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL E NO CHILE

Edvonete Souza de Alencar36 Patrícia dos Santos de Jesus37 Danilo Díaz-Levicoy38

O

ensino de geometria no Brasil por muitos anos foi negligenciado, historicamente havia-se o costume de deixá-lo para os últimos bimestres ou mesmo nos momentos de revisão. Tal fato, fez com que houvesse durante anos uma lacuna na aprendizagem de geometria (PAVANELLO, 1993). Quando focamos nossas investigações no ensino de geometria voltado para o segmento da Educação Infantil, mais escassos ainda vemos as ações destinadas para seu ensino, principalmente quando selecionamos um dos conteúdos como, por exemplo, as referências de localização. Com isso, neste capítulo realizamos análises dos documentos curriculares do Brasil – Basse Nacional Comum Curricular e Chile Bases Curriculares de Educación Parvularia, à respeito dos conteúdos das referências de localização. Assim, nosso proposto foi identificar como é organizado e abordado o respectivo conteúdo nesses dois países. Para isso, estruturamos esse capítulo

36 Doutora em Educação Matemática pela PUC-SP , Professora Adjunta da Universidade Federal da Grande Dourados -MS 37 Mestranda em Educação Cientifica e Matemática pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - UEMS

38 Doutor em Educação pela Universidade de Granada – Espanha, Professor na Universidade Católica do Maule.


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ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

apresentando os documentos e suas especificidades de cada conteúdo, fazemos uma seção comparativa e apresentamos algumas considerações.

O documento curricular brasileiro - BNCC A Base Nacional Comum Curricular – BNCC discutida pelos profissionais da Educação e comunidade desde 2016 e foi publicada em 2018 é um documento que estabelece as competências que são de cunho geral e específico, habilidades e aprendizagens consideradas essenciais para a formação e desenvolvimento dos alunos durante cada etapa da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Assim essas orientações permitem com que alunos de diferentes localidades brasileiras tenham direitos de aprendizagem de competências, habilidades e conteúdos em todo o território nacional. Portanto a base apresenta 10 Competências Gerais que orientam as aprendizagens dos estudantes, estas são: 1. Conhecimento

2. Pensamento científico, crítico e criativo 3. Repertório cultural 4. Comunicação 5. Cultura digital 6. Trabalho e projeto de vida 7. Argumentação 8. Autoconhecimento e autocuidado 9. Empatia e cooperação 10. Responsabilidade e cidadania

Essas competências cada uma com suas especificidades orientam os segmentos da Educação Básica.


AS REFERÊNCIAS DE LOCALIZAÇÃO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL...

A organização da Educação Infantil na BNCC A BNCC apresenta a Educação Infantil direitos de aprendizagem, campos de experiência e objetivos. Com isso, o documento menciona seis direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Além disso, é estabelecido cinco campos de experiências nos quais as crianças da educação infantil podem se desenvolver: 1. Eu, o outro e nós

2. Corpo, gestos e movimentos 3. Traços, sons, cores e formas 4. Escuta, fala, pensamento e imaginação 5. Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.

O documento é organizado em cada campo de experiência no qual é apresentado os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, organizados em 3 grupos etários: Creche • (EI01): Bebês (zero a 1 ano e 6 meses); • (EI02): Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); Pré- escola • (EI03): Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses).

A BNCC considera que estes grupos etários devem ser flexíveis e não ser levados de forma rígida, visto os diferentes ritmos de aprendizagem e de desenvolvimento das crianças.

As referências de Localização na BNCC Ao analisarmos o documento tendo como foco o ensino de geometria identificamos que está relacionado com a geometria e o cotidiano da criança. O documento orienta que pode-se elaborar atividades que colaborem com o desenvolvimento geométrico proporcionando tarefas de exploração de objetos

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de formas e cores diferentes, ou mesmo criações de recortes e colagens para a ampliação dos conhecimentos adquiridos. Assim, na BNCC os objetivos de ensino-aprendizagem relacionados à Geometria, especificamente a referências de localização são : Quadro 1 – Objetivos para o ensino de referências de localização na Educação Infantil- Brasil Bebês (zero a 1 ano e 6 meses)

(EI01ET03) Explorar o ambiente pela ação e observação, manipulando, experimentando e fazendo descobertas.

Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

(EI01ET04) Manipular, experimentar, arrumar e explorar o espaço por meio de experiências de deslocamentos de si e dos objetos. (EI02ET04) Identificar relações espaciais (dentro e fora, em cima, embaixo, acima, abaixo, entre e do lado) e temporais (antes, durante e depois).

(EI02ET06) Utilizar conceitos básicos de tempo (agora, antes, durante, depois, ontem, hoje, amanhã, lento, rápido, depressa, devagar).

Fonte: Adaptado da BNCC

Cabe salientar que estes objetivos estão no campo de experiência “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” e não encontramos objetivos de aprendizagem específicos de localização para as crianças de 4 a 5 anos e 11 meses. E no campo de experiência corpo, gesto e movimento há um objetivo de aprendizagem que evidencia o trabalho com as referências de localização: “Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc., ao se envolver em brincadeiras e atividades de diferentes naturezas. (EI02CG02)”. Na seção a seguir faremos uma abordagem sobre a educação infantil chilena.

Bases Curriculares de Educación Parvularia Este documento traz especificações sobre o que deve ser ensinado desde os primeiros anos da Educação Infantil (Educación Parvularia) até o seu


AS REFERÊNCIAS DE LOCALIZAÇÃO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL...

ingresso na Educação Básica. No Chile a Educação Infantil não faz parte da Educação Básica, não possuindo assim como no Brasil sua obrigatoriedade. Esse documento recomenda o estímulo para a inclusão social, a diversidade, a interculturalidade, e o enfoque de gênero, a formação cidadã e desenvolvimento sustentável. Assim estes são também compostos por objetivos de aprendizagem e objetivos formativos. Há ainda neste documento orientações de valores, suporte para o trabalho educativo e enfoque pedagógico. A organização do documento se dá: 1. definições e fundamentos dos componentes estruturais 2. Âmbitos núcleos e objetivos de aprendizagem 3. Âmbito do desenvolvimento pessoal e social 4. Comunicação integral 5. Interação e compreensão do cotidiano.

Podemos ver as relações entre as áreas de organização na figura 1 a seguir: Figura 1 – Organograma

Fonte: CHILE (2018, p. 36-37)

Especificamente no núcleo de pensamento matemático, quando analisamos os objetivos de aprendizagem sobre as referências de localização identificamos como demonstrado no Quadro 2:

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ESTUDOS SOBRE CURRÍCULOS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Quadro 2 – Objetivos para o ensino de referências de localização na Educação Infantil – Chile • Experimentar como os objetos, resolvendo situações concretas, tais como: alcançar objetos, apertar botões em aparelhos sonoros, tirar jogos de recipientes, juntar objetos e outros. Primeiro nível (berçário)

• Utilizar em situações lúdicas, noções de localização em relação com seu próprio corpo: dentro/fora; em cima e embaixo. • Orientar-se temporariamente em situações cotidianas, seguindo sequências breves tais como: antes/depois.

Segundo nivel (médio)

• Descrever a posição de objetos e pessoas, respeitando um ponto ou objeto de referência, utilizando conceitos de localização e distância como: dentro/ fora; em cima/ debaixo; perto /longe • Orientar-se temporariamente em situações cotidianas, mediante a utilização progressiva de algumas e relações de sequência, tais como: antes/depois, dia/noite, hoje/ amanhã.

• Comunicar a posição de objetos e pessoas a respeito de um ponto ou objeto e pessoas a respeito de um ponto ou objeto de referência, utilizando conceitos de localização: dentro/fora; em cima/ embaixo/entre; a frente/detrás; distância (perto/longe) e direção (a frente, atrás, ao lado) em situações lúdicas. Terceiro nível (transição)

• Utilizar medidas padronizadas, para determinar longitude de objetos, registrando dados em diversas situações lúdicas ou atividades cotidianas. • Orientar-se temporariamente em situações cotidianas, utilizando noções e relações de sequência (antes/agora/depois/ ao mesmo tempo, dia/noite), frequência (sempre/ as vezes/ nunca) e duração (longo/curto)

Fonte: Adaptado de CHILE (2018).

Assim, identificamos os objetivos de aprendizagem destinados aos referenciais de localização e demonstraremos uma análise comparativa entre os documentos dos dois países.

Breve comparativo e análise dos documentos Ao analisarmos o conteúdo de referências de localização para o segmento de Educação Infantil nos documentos curriculares do Brasil e do Chile, identificamos que ambos organizam por objetivos de aprendizagem e idades as orientações contidas nos documentos.


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AS REFERÊNCIAS DE LOCALIZAÇÃO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL...

Cabe salientar que a educação infantil no Brasil faz parte da Educação Básica e no Chile esta não o compõe. Além disso, no Brasil há obrigatoriedade da Educação Infantil a partir dos 4 anos de idade, com a promulgação da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Especificamente quanto ao ensino das referências de localização identificamos que no Brasil há um incentivo as referências de espaço, no entanto identificamos somente um incentivo as referências de tempo. Identificamos ainda que não há indicativo de objetivo deste conteúdo para os alunos de 4 a 5 anos e 11 meses. Isso nos faz inferir que a concepção de Educação infantil brasileira esta pautada mais em outros conteúdos que consideram importantes para a transição ao ensino fundamental, o que no traz um alerta para o não desenvolvimento de conhecimentos importantes sobre as noções de referências de espaço e de tempo, também importante para a transição no ensino fundamental. Quanto aos objetivos de aprendizagem evidenciados no documento chileno, percebemos uma maior preocupação com o conteúdo de referência de localização trazendo algumas progressões do conteúdo em cada idade. Identificamos ainda o estímulo para o conhecimento de referências de localização de espaço e de tempo. Assim podemos ver no quadro comparativo o desdobramento dos conhecimentos das referências de localização de espaço e tempo em cada documento. Quadro 3-Síntese comparativa: especificidades do conteúdo de localização Brasil e Chile. Localização

Espaço

Tempo

Especificidades do conteúdo Alcançar objetos Dentro/fora Em cima/debaixo/embaixo Perto/longe Entre/ afrente/ detrás/ ao lado/ atrás/ Longitude de objetos Antes/durante/depois/agora/ ao mesmo tempo Dia/ noite Hoje/amanhã/ontem depressa/devagar Sempre /as vezes/ nunca Longo /curto Fonte: Autoria própria.

Brasil

Chile

X X X

X X X X X X X X X X X X

X X


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Diante do exposto na tabela síntese observamos que os objetivos de aprendizagem chilenos abrangem todas as especificidades do conteúdo de referências de localização, o que não ocorre nos objetivos de aprendizagem brasileiro que inferimos necessitar de revisões e aprofundamentos neste conteúdo.

Algumas considerações Nosso objetivo neste capítulo foi identificar como é organizado e abordado o conteúdo das referências de localização na Educação Infantil em documentos curriculares no Brasil e no Chile. Observamos que as organizações possuem semelhanças visto que organizam-se em objetivos de aprendizagem e trazem reflexões sobre os núcleos evidenciados nos mesmos. Percebemos também a organização por faixas de idade e objetivos específicos para cada etapa. Identificamos uma preocupação maior com o conteúdo de localização nos documentos chilenos e pouco incentivo nos objetivos de aprendizagem brasileiros. Notamos que o documento chileno traz incentivos para as referências de localização de tempo o que no documento brasileiro fica pouco ou quase nada evidente. Assim, percebemos que este conhecimento parte do bloco de conteúdo da geometria, depois de 26 anos dos estudos de Pavanello (1993), ainda é pouco abordado . Portanto, devemos promover pesquisas e ações que viabilizem mudanças para que a aprendizagem de geometria e seus conteúdos, como as referências de localização, sejam efetivamente desenvolvidas em sala de aula.

REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 3ª versão. Brasília, DF: Ministério da Educação. 2018. BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. CHILE. Bases curriculares de Educação Parvulária. Santiago: Ministério de Educación, 2012. PAVANELLO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e consequências. Zetetike, Campinas (SP), v. 1, n. 1, p. 7-17, 1993. https://doi. org/10.20396/zet.v1i1.8646822


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Simone Bueno39

Resumo O artigo apresenta o modo que os materiais curriculares são utilizados por professores de Matemática. O trabalho de campo foi por meio de observação das aulas de Matemática de professores, com foco na postura do professor ao utilizar os materiais curriculares. Com relação aos fatores que influenciaram os professores no uso dos materiais curriculares, estão a formação, a participação em cursos após a graduação, a confiança no conteúdo, o conhecimento pedagógico do assunto e a colaboração. Palavras-chave: Materiais curriculares. Currículos de Matemática, Educação Matemática.

Introdução

O

trabalho tem por objetivo realizar estudos sobre a relação de professores com os materiais curriculares. Para a realização da pesquisa, foi necessário buscar um contato direto com os professores na tentativa de desvendar suas percepções, dificuldades e quais possíveis adaptações são feitas por eles no material que lhe é apresentado e de que modo o currículo é praticado em sala de aula ao utilizar os materiais curriculares. 39 Mestre e Doutora em Educação Matemática pela PUC-SP. Experiência na rede de ensino em escola pública e Professora das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU/SP.


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Na busca em responder as questões de pesquisa os dados foram coletados por meio de trabalho de campo, tendo como espaço de investigação a observação das aulas de quatro professores, que ministram aulas de Matemática no Ensino Fundamental II e Ensino Médio do Ensino Regular, em uma escola da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, localizada na região do ABC. Desse modo, ao delimitar o problema de pesquisa nos propomos a investigar as seguintes questões: • Quais materiais os professores utilizam para traduzir as orientações curriculares?

• Quais fatores influenciam a utilização dos materiais curriculares de Matemática por professores? • Quais as interações dos professores com os materiais curriculares ao adaptar, criar ou improvisar o material de acordo com os objetivos que se pretende alcançar? • Qual percepção do professor no uso do livro didático?

Alguns estudos acerca de Currículo Estudos no campo do currículo revelam que diferentes pesquisadores têm se debruçado sobre esse tema, evidenciando algumas definições do termo ao longo do tempo, o que possibilita ampliar e diversificar cada vez mais estudos nesse campo. Sacristán (2000) sinaliza que as definições sobre currículo são numerosas e refletem diversas acepções. No entender desse autor, o currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos. O currículo, como projeto baseado num plano construído e ordenado, relaciona a conexão entre determinados


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princípios e uma realização dos mesmos, algo que se há de comprovar e que nessa expressão prática concretiza seu valor. É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele e professores. (SACRISTÁN, 2000, p. 15-16)

Portanto, podemos aferir que o currículo é uma prática e envolve relações sociais e culturais abrangentes que são determinantes para o processo de aprendizagem, podendo interferir no desempenho do educando em sala de aula. Sabaini (2007, p. 3) considera que “o currículo é processo constituído por um encontro cultural, saberes, conhecimentos escolares na prática de sala de aula e locais de interação professor e aluno”. Lopes e Macedo (2013) consideram que por estar suscetível a diferentes enfoques paradigmáticos e usados em momentos distintos do desenvolvimento curricular, o significado de currículo foi se redimensionando e adquirindo diversos significados ao longo da história. Estes autores afirmam que embora simples, a pergunta o que é currículo não tem encontrado resposta fácil. Desde o início do século passado ou mesmo desde um século antes, os estudos curriculares têm definido currículo de formas muito diversas e várias dessas definições permeiam o que tem sido denominado currículo no cotidiano das escolas. Indo dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino ao que acontece em sala de aula, currículo tem significado, entre outros, a grade curricular com disciplinas/atividades e cargas horárias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas/ atividades, os planos de ensino dos professores, as experiências propostas e vividas pelos alunos. Há, certamente, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currículo: a ideia de organização, previa ou não, de experiências/situações de aprendizagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educativo (LOPES E MACEDO, 2013 p. 14).

É justamente na construção, implantação, elaboração dos modelos das propostas curriculares e expressão de determinadas práticas pedagógicas que se define que tipo de sociedade se quer construir, o que a escola faz, para quem faz ou deixa de fazer. Desse modo, prática pedagógica e currículo, ao constituírem-se como práxis, perfazem o estatuto do processo.

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uma

No tocante à prática pedagógica, Fernandes (2006) a considera como prática intencional de ensino e aprendizagem não reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar e de aprender, mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica e social, datada e situada, numa relação dialética entre prática-teoria, conteúdo-forma e perspectivas interdisciplinares (FERNANDES, 2006, p. 447).

Desse modo, o conhecimento é um processo que se constitui num espaço-tempo onde transitam diferentes histórias, culturas e conflitos. Para Shulman (1986), a base de conhecimento no ensino envolve conhecimentos, compreensões e habilidades que o docente dispõe no ensino de uma determinada matéria e envolve: i) o conhecimento específico do conteúdo; ii) o conhecimento pedagógico do conteúdo; iii) o conhecimento curricular do conteúdo. Em relação ao conhecimento específico do conteúdo, esse autor considera como [...] aquele conhecimento que vai além do conhecimento da matéria em si e chega na dimensão do conhecimento da matéria para o ensino. Eu [Shulman] ainda falo de conteúdo aqui, mas de uma forma particular de conhecimento de conteúdo que engloba os aspectos do conteúdo mais próximos de seu processo de ensino. [...] dentro da categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo eu incluo, para os tópicos mais regularmente ensinados numa determinada área do conhecimento, as formas mais úteis de representação dessas ideias, as analogias mais poderosas, ilustrações, exemplos e demonstrações – numa palavra, os modos de representar e formular o tópico que o faz compreensível aos demais. Uma vez que não há simples formas poderosas de representação, o professor precisa ter em mãos um verdadeiro arsenal de formas alternativas de representação, algumas das quais derivam da pesquisa enquanto outras têm sua origem no saber da prática (SHULMAN, 1986, p. 9, grifos nossos).

No entanto, o autor considera ser importante articular esse conhecimento ao conhecimento pedagógico do objeto de estudo. Em relação a este conhecimento, ele pondera que


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dentro da categoria do conhecimento pedagógico do objeto estudado, eu incluo, na maioria dos tópicos ensinados, regularmente na área de um professor, as formas mais úteis de representações dessas ideias, as analogias, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações mais poderosas – resumindo, as maneiras de representar e formular a matéria para torná-la compreensível para outros [...] também inclui uma compreensão do que torna a aprendizagem de um tópico específico fácil ou difícil: as concepções e preconcepções que os alunos de idades e formação diferentes trazem para o ensino (SHULMAN, 1986, p. 9).

Nesta perspectiva, o conhecimento pedagógico do conteúdo vai além do conhecimento do conteúdo propriamente dito, e se destaca pelo conhecimento de estratégias por parte do docente e que possibilitam a aprendizagem dos alunos. Shulman (1986) também considera de suma importância ao docente o conhecimento do currículo, além de conhecer a variedade de materiais disponíveis que possam ser selecionados no ensino de sua disciplina, incluindo nesta categoria os conhecimentos relacionados aos programas oficiais (no caso do Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais). Desse modo o conhecimento do currículo se constitui como um processo dinâmico e complexo que resulta das múltiplas relações que se estabelecem entre diferentes atores, em contextos diversos, e está carregado de valores e pressupostos que precisamos decifrar. Nessa perspectiva, advém a importância do conceito de currículo como projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, econômicas, culturais, sociais, escolares, ...) na base de quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas. (PACHECO, 2001, p. 20)

Nesse contexto, as teorizações sobre o currículo devem conhecer os caminhos pelos quais percorreram seus estudos, sua construção cultural, analisando

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suas teorias e práticas, e considerar que o sistema educacional serve a certos interesses que se refletem no currículo, envolvendo relações sociais, culturais e políticas abrangentes e determinantes e que podem interferir no desempenho dos alunos. O currículo não pode ser associado a apenas um documento didático, pensar no currículo é pensar em como interage um grupo de pessoas imersas na educação. A essa concepção converge a de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p. 15), ao afirmar que o currículo é sempre resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que “esses conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados (SILVA, 2005, p. 15, grifos nossos).

Bishop (1999) considera que o comportamento de um grupo de pessoas determina sua cultura, e ao interagir com diferentes grupos, troca e compartilha experiências e conhecimentos. No entender desse autor o contato entre diferentes culturas contribui para promover o crescimento cultural; portanto, o currículo, numa perspectiva cultural, enfatiza a necessidade de se explicitarem os valores da Matemática nos currículos, buscando relacionar as pessoas e sua cultura Matemática. Pacheco (2011, p. 77) considera que em todo o projecto de formação, o currículo adquire centralidade, pois não só é conhecimento, como também é um processo que adquire forma e sentido, de acordo com a organização em que se realiza e em função do espaço e tempo em que se materializa.

Nesse contexto, o currículo ao se modelar dentro de um sistema escolar expressa interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo em um determinado momento. Desse modo, o desenvolvimento curricular torna-se


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uma tarefa complexa, pois resulta da interação entre várias instâncias, como cultural, política, social, escolar, administrativa e econômica. Sacristán (2000) considera que a escola, de um modo geral, sob qualquer modelo de educação, adota uma posição e orientação seletiva frente à cultura que se concretiza no currículo que transmite. Nesse contexto, o sistema educativo serve a certos interesses que se refletem no currículo. Nesse contexto o currículo se configura como elemento básico de articulação das práticas educativas e por meio dele refletem o esquema socializador, formativo e cultural que a instituição escolar possui. Assim, as profundas relações entre currículo e produção de identidades sociais e individuais, tantas vezes destacadas nas teorizações críticas, têm levado os educadores e educadoras engajados nesta tradição, a formular projetos educacionais e curriculares que se contraponham às características que fazem com que o currículo e as escolas reforcem as desigualdades da presente estrutura social (MOREIRA, 2005, p. 33).

Portanto, ao enfocar o tema curricular, é necessário que este respeite a diversidade social e cultural e se adeque as peculiaridades dos sistemas educativos no qual será inserido. Os currículos, de fato, desempenham diversas funções, em diferentes níveis educativos e refletem diversas finalidades, por isso, a importância da análise do currículo para entender sua missão e as práticas que ela desvela, uma vez que todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de integração social etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas relacionados com o currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição (SACRISTÁN, 2000, p. 17, grifos nosso).

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Portanto, ao determinar os conteúdos, os códigos pedagógicos e as ações práticas que expressam o currículo, é necessário refletirmos sobre o papel do professor e da instituição de ensino, considerando que o currículo tem seu papel social, político e ideológico nesse processo, e considerar que o mesmo faz parte de múltiplos tipos de práticas que geram distintos mecanismos de tomada de decisões, tradições, crenças e conceitualizações. Como um objeto em constante construção, definido por diferentes instâncias que atuam sobre ele, Sacristán (2000) concebe o currículo a partir de seis diferentes níveis, conforme ilustra a Figura 1. Figura 1: A objetivação do currículo no processo do seu desenvolvimento

Fonte: Sacristán (2000, p. 105)

O currículo prescrito refere-se ao conjunto de prescrições ou orientações gerais do que deve ser seu conteúdo, como os documentos oficiais que orientam a educação nacional e as propostas curriculares das Secretarias de Educação. Servem de ponto de partida para a elaboração de propostas pedagógicas e atuam como referência na ordenação do sistema curricular


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O currículo apresentado aos professores, corresponde aos documentos elaborados para traduzir os documentos prescritos. Essas prescrições são construídas considerando o significado e conteúdo do currículo prescrito. Um representante significativo é o livro didático ou os cadernos de atividades elaborados por secretarias de educação. No currículo moldado pelos professores, o currículo é interpretado e moldado pelo professor, seja através da prescrição administrativa, do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros. Neste processo o professor configura-se como um tradutor que intervém na configuração dos significados das propostas curriculares. O currículo em ação refere-se ás práticas pedagógicas guiadas pelos professores. É o fazer pedagógico propriamente, que se concretiza nas tarefas acadêmicas, sustentando a ação pedagógica. No currículo realizado as consequências do currículo se refletem em aprendizagem dos alunos, e produzem efeitos cognitivo, afetivo, social, moral etc., também podem afetar os professores, na forma de socialização profissional. O currículo avaliado impõe critérios para o ensino do professor e para a aprendizagem dos alunos evidenciando as relações entre o currículo e a avaliação. Nesse contexto, Sacristán (2000) considera que em cada um desses níveis se criam atuações, problemas para pesquisar e que cada um desses níveis intervém na determinação do currículo. Nesse cenário, o currículo prescrito se modifica e pode até mesmo se transformar, pois ao colocar em prática o currículo por meio da dinâmica do currículo em ação, que se efetiva na sala de aula, ele pode sofrer influência direta do professor.

Estudos sobre o uso de materiais curriculares Estudos sobre a relação, que os professores estabelecem com os materiais curriculares, tem sido destacado por Brown 40. Em relação ao uso do material 40 Brown, M. W. The Teacher-Tool Relationship: Theorizing the Design and Use of Curriculum Materials. In: Remillard, J. T; Herbel-Eisenmann, B. A.; Lloyd, G. M.; (Ed.), Mathematics Teachers at Work: Connecting curriculum materials and classroom instruction. New York: Taylor & Francis, 2009, p. 17-36.

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curricular, Brown (2009) assinala algumas etapas: seleção, interpretação, reconciliação, acomodação e modificação, que os professores seguem ao interpretar e utilizar os artefatos. Primeiro, eles selecionam o material. Apesar de muitas vezes a escolha de um programa curricular ser feita por outros decisores, os professores tomam decisões sobre quais recursos irão utilizar em sala de aula. Em segundo lugar, eles interpretam esses materiais. Nesta etapa eles percebem e compreendem o material, o que influencia o planejamento e a prática em sala de aula. Em seguida, eles reconciliam as percepções dos objetivos pretendidos com os seus próprios objetivos e capacidades, considerando também o contexto escolar em que está inserido. E, finalmente, modificam estruturas apresentadas nos materiais, adicionam, omitem partes que não consideram interessantes ou estão além de suas próprias capacidades ou com as capacidades de seus alunos. Neste contexto, o modo como o professor utiliza o material curricular na perspectiva de Brown (2009), selecionar, interpretar, reconciliar, acomodar e modificar, nos remete aos níveis ou fases do desenvolvimento curricular propostas por Sacristán (2000). O currículo prescrito, que diz respeito ao conjunto de prescrições ou orientações gerais, é apresentado aos professores, muitas vezes, por meio do livro didático. Este currículo é selecionado, interpretado e moldado (modificado) pelos professores, desse modo, o professor configura-se como um tradutor que intervém na configuração das propostas curriculares, para que este currículo se efetive em sala de aula – o que Sacristán (2000) define como o currículo em ação, e é nesta fase do processo curricular que o professor se configura como um ator essencial.

Relações dos professores com os materiais curriculares No estudo é descrito o modo como os professores de Matemática utilizaram os materiais curriculares e são considerados alguns fatores que podem ter contribuído para que os professores utilizassem seus materiais curriculares de Matemática. Ao investigar a relação professor-materiais curriculares é necessário entender oque os professores fazem com os materiais de Matemática, que


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recursos direcionam suas escolhas e como essas escolhas influenciaram a atividade de sala de aula. Quanto aos procedimentos metodológicos desta pesquisa, os instrumentos de coletas de dados, como questionário e entrevista, trouxeram contribuições para a coleta, sistematização e análise dos dados. Os participantes do estudo foram quatro professores, que nesse estudos são chamados de Edna, Sônia, José e Iara. Edna atua como professora eventual na Rede Pública Estadual de Ensino há menos de um ano, lecionando em turmas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Com relação a sua prática em sala de aula, Edna afirma que o livro didático é seu principal material de apoio e utiliza em média quatro vezes na semana, mas somente quando o professor já explicou a matéria ao aluno, ou se o aluno ainda tem dúvida em Matemática. Ao utilizar o livro, Edna adapta e/ou reproduz seu conteúdo, de acordo com o objetivo a ser alcançado na aula. O professor José atua no magistério há três anos, estando no início de docência41, e na escola pesquisada trabalha há dois anos, ministrando aulas para o 8º ano do Ensino Fundamental II e para o 1º e 3º ano do Ensino Médio. Em sala de aula, o conteúdo é escrito na lousa, apresentado via exposição oral pelo professor e após uma lista de exercícios é apresentada aos alunos com a correção realizada na lousa pelo professor. Para introduzir um novo conteúdo, ele consulta na internet o conteúdo do livro didático e seleciona partes que pretende utilizar com os alunos. “Do livro didático eu puxo alguns exercícios apenas, eu entro na internet e consulto o livro, os que eu não consigo puxar eu copio”. O material selecionado por ele é colocado em uma pasta, no entanto, ele assinala que esse material possivelmente será adaptado para os próximos anos de acordo com o perfil da turma. Desse modo, em alguns momentos ele reproduz e em outros, ele adapta o conteúdo e exercícios utilizados. A professora Sônia trabalha na docência há vinte e um anos, ministrando aulas no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. Durante as aulas de Matemática ministradas pela professora Sônia, observamos que o livro didático é utilizado em dias alternados e de acordo com o conteúdo da aula. Essa introdução é feita por meio de um resumo que ela faz do conteúdo apresentado 41 Huberman (1995), considera como o início da docência os três primeiros anos de experiência, de entrada na profissão, caracterizando esse período por estágios de sobrevivência e descoberta.

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no livro, portanto ela faz uma adaptação, pois sinaliza que muitas vezes alguns termos são de difícil compreensão pelo aluno ou extensos demais, e desse modo, ela prefere adaptar e facilitar a compreensão por parte dos alunos, também constatamos que, com relação aos exercícios propostos para os alunos nas aulas em que ela utilizou o livro didático, em vários momentos, a professora faz adaptações das atividades propostas no livro. Em outra aula observada, a professora Sônia, ao notar a dificuldade de alguns alunos com relação à multiplicação, propôs uma atividade individual, com o objetivo de sanar possíveis dúvidas em relação a multiplicação de números naturais, procedendo a criação. A professora Iara leciona há dezenove anos, ministrando aulas no 7º ano do Ensino Fundamental II de Matemática e aulas no 6º ano e 7º ano de Ciências. Nas aulas acompanhadas pudemos observar que a utilização do livro didático em sala de aula é constante. O conteúdo é escrito na lousa do modo como apresentado no livro, os alunos copiam em seus cadernos, a professora explica, resolve alguns exercícios como exemplo e após a resolução escreve na lousa uma lista de exercícios; em algumas aulas os exercícios propostos pela professora Iara são exercícios do livro didático adotado, e em outras aulas, ela propõe alguns exercícios adaptados por ela. Desse modo, em alguns momentos ela reproduz e em outros adapta. A seguir é apresentado uma tabela, com a caracterização dos professores participantes da pesquisa e os possíveis fatores que podem ter contribuído na utilização dos materiais curriculares.


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Quadro 1: Quadro síntese com a caracterização dos professores participantes da pesquisa Edna

Material utilizado pelo professor

Formação e curso após a graduação

Sônia Livro didático, Livro didático, Caderno do Aluno jogos diversos (apostila), materiais diversos

José Livro didático, computador, Caderno do Aluno (apostila)

Licenciatura em Matemática, Graduada em graduada em Administração Pedagogia e e Tecnologia participação em da Informação, vários cursos no momento oferecidos pela da pesquisa Secretaria Estadual iniciando de Educação, Pós graduação em Graduação na licenciatura em modalidade lato Matemática sensu na área de Educação

Graduado em Ciências da Computação, licenciatura em Matemática, no momento cursa PósGraduação em Psicopedagogia

Graduada em Pedagogia, licenciatura em Biologia, com habilitação em Matemática e Ciências. Participação em cursos oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação, na disciplina de Biologia

O professor sente-se inseguro em relação a determinados conteúdos

O professor sente-se inseguro em relação a determinados conteúdos

O professor sente-se inseguro em relação ao conhecimento pedagógico do assunto

O professor sente-se inseguro em relação ao conhecimento pedagógico do assunto

O professor tem confiança em relação ao Confiança no conhecimento conteúdo do conteúdo matemático O professor tem conhecimento dos objetivos e finalidades do O professor conteúdo a ser sente-se ministrado, tem Conhecimento inseguro em conhecimento de pedagógico do relação ao como os alunos conhecimento assunto se relacionam pedagógico do com o conteúdo, assunto conhece os recursos e estratégias de ensino que podem ser utilizadas. O professor sente-se inseguro em relação a determinados conteúdos

Colaboração

O professor interage com outros professores, buscando estratégias, atividades diferenciadas, uso de materiais diversos. Fonte: Elaboração de acordo com os dados coletados

O professor interage com O professor outros professores, não interage com os demais buscando estratégias, professores, trabalhando de atividades um modo mais diferenciadas, uso de materiais individual. diversos.

Iara Livro didático, Caderno do Aluno (apostila)

O professor interage com outros professores, buscando estratégias, atividades diferenciadas, uso de materiais diversos.


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Apesar de discutir cada fator proposto individualmente, em relação aos fatores que influenciaram os professores participantes da pesquisa no uso dos Materiais Curriculares, alguns fatores podem ter contribuído para os caminhos percorridos por esses professores, como por exemplo, a formação, a participação em cursos após a graduação, a confiança no conteúdo, o conhecimento pedagógico do assunto e a colaboração. Ao tomar a relação entre professores e materiais curriculares, é delimitado o problema de pesquisa: • Quais materiais os professores utilizam para traduzir as orientações? Ao fazer a transposição do currículo apresentado, no tocante ao material curricular utilizado, todos os professores participantes utilizaram o livro didático, seja impresso ou na versão digital. Com relação aos outros materiais utilizados, estes foram em momentos pontuais durante a introdução de um conteúdo ou no desenvolvimento de uma atividade. As escolhas dos professores em relação ao material que será utilizado, reflete a autonomia do profissional42 frente ao currículo que lhe é apresentado. Ao escolher o material que será utilizado, organizar e selecionar os conteúdos que serão desenvolvidos, o docente proporciona reflexões sobre a sua prática pedagógica, ao pensar, planejar e executar o seu trabalho. Desse modo, por meio deste profissional, o currículo escrito (material prescrito) é moldado e posto em prática. • Quais fatores influenciam a utilização dos materiais curriculares de Matemática por professores? Os fatores elencados podem ter contribuído para os caminhos percorridos por esses professores: formação, participação em ações de formação continuada, confiança no conteúdo, conhecimento pedagógico do assunto e colaboração. No tocante ao tópico Formação: Todos os professores possuem licenciatura, no entanto, Edna estava em início da graduação e Iara possui licenciatura em Biologia. Em relação a participação em ações de formação continuada, 42 Vide nota de rodapé 1


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somente a professora Sônia assinalou a participação em cursos voltados à disciplina de Matemática. Shulman43 considera que os conhecimentos profissionais orientam a ação docente e influenciam a aprendizagem e o ensino da Matemática. Desse modo, o professor deve ter o conhecimento pedagógico relacionado ao “como” ensinar, e que pode ser adquirido por meio de cursos de formação e/ou experiências pessoais e o conhecimento do conteúdo, entendido como “o quê” ensinar. Com relação à colaboração, exceto pela professora Edna, os professores interagiram entre si, buscando estratégias, atividades diferenciadas, uso de materiais diversos. Christou et al. (2004) assinalam que, se por um lado, os professores iniciantes se sentem entusiasmados por se tornarem professores, por outro lado, existem problemas associados em como se tornar um membro da profissão e ser aceito. Essas preocupações iniciais dos professores são importantes e podem determinar se estes irão prosseguir na docência ou retirar-se do ensino. • Quais as interações dos professores com os materiais curriculares ao adaptar, criar ou reproduzir o material de acordo com os objetivos que se pretende alcançar? Ao reproduzir os conteúdos, os professores confiaram e atribuíram o poder de decisão ao material curricular. Brown (2002) assinala que em alguns casos a reprodução pode ser limitadora, no sentido de coibir o docente em perceber e mobilizar outras possibilidades de instrução.

43 Nota de rodapé 8

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Figura 1: Material reproduzido pelo professor

Fonte: Material coletado durante a pesquisa

Em relação a adaptação, Brown (2006) assinala que esta emerge no contexto em que os professores adotam certos elementos da proposta original do material curricular, mas recorrem também, a seus conhecimentos do conteúdo e ao que pensam ser adequados na apresentação e abordagem da atividade. Desse modo, apesar de confiar na prescrição do material, os docentes também mobilizam seus conhecimentos, crenças e valores da Matemática e de seu ensino, intervindo na proposta do currículo.


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Figura 2: Material adaptado pela professora

Fonte: Material coletado durante a pesquisa

Em outros momentos, o professor precisou criar. Como foi o caso na aula da professora Sônia, em que, observando a dificuldade de alguns alunos em relação à multiplicação, propôs uma atividade individual, com o objetivo de sanar possíveis dúvidas em relação à multiplicação de números naturais. Nessa atividade a professora procedeu a criação, pois no entender de Brown (2006) mobilizou uma nova estratégia de ensino durante a aula. Pires (2004) considera ser importante o professor experienciar “atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização nas suas práticas pedagógicas”, promovendo o aluno de mero expectador passivo para participante ativo do processo. Para experienciar diferentes modos o professor planeja de que modo efetivará na prática o currículo. Brown (2006) considera que o planejamento faz parte do processo de ensino, assim como as elaborações de estratégias em busca de objetivos de ensino. Desse modo, ao planejar sua aula, a professora Sônia se deparou com alguns fatores presente nos materiais curriculares, que poderiam viabilizar ou restringir suas ações no desenvolvimento curricular, o que possivelmente contribuiu na escolha em adaptar, reproduzir ou criar.

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Figura 3: Material criado pela professora

Fonte: Material coletado durante a pesquisa

Em relação as interações dos professores com os materiais curriculares, em alguns momentos os professores reproduziram, em outros adaptaram ou criaram. Esses três modos de uso caracterizam as diferentes formas que a professora utilizou os materiais curriculares, Brown (2006) considera que “cada decisão envolve a sua própria consideração dos objetivos de ensino, as necessidades dos alunos e a melhor forma de utilizar os recursos disponíveis para alcançar os resultados desejados”. As interações dos professores ao utilizarem os materiais curriculares, não ficaram restritas a apenas um tipo de uso, mas observamos a alternância entre eles. Isso significa afirmar que em uma mesma aula, os professores reproduziam, adaptavam e criaram com os materiais curriculares a partir das demandas dos alunos e de suas necessidades para atender os objetivos elencados. A ação do professor em reproduzir o material, pode estar atrelada à confiança do docente no uso do material para atingir seus objetivos em um processo em que


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a autoridade sobre a Matemática e seu ensino é transferida, pelo professor, para o livro didático44. • Qual percepção do professor no uso do livro didático? Em relação a percepção do professor em relação ao livro didático, no tocante a ansiedade, facilidade e eficácia, os professores apresentaram uma percepção positiva, no entanto, assinalaram a necessidade em complementar com exercícios extras e enfatizando a adaptação. A professora Sônia, por exemplo, afirma fazer a adaptação por conta “do nível de aprendizagem da sala, então às vezes o que está lá no livro eles não vão conseguir estar fazendo, então eu faço a adaptação, eu prefiro adaptar os exercícios propostos, começando em um nível mais fácil e à medida que os alunos vão entendendo melhor como faz os exercícios vou aumentando o grau de dificuldade dos mesmos”. Profª. Sônia. A professora Iara em entrevista assinala “prefiro usar na lousa os exercícios porque senão eles começam a conversar e não acompanham, eu faço adaptações e complemento os exercícios pois considero o livro muito pobre em exercícios” Prof. Iara

Considerações finais Considerando que a primeira base intelectual do docente é o domínio da área ou disciplina em que desenvolve suas atividades (Sacristán, 2000), possivelmente suas escolhas e a crença de que o conteúdo apresentado nos livros didáticos são de difícil entendimento para o aluno está atrelado ao conhecimento pedagógico do conteúdo que ele possui, ao que, nos dizeres de Shulman (1986), o docente transforma o conteúdo de acordo com suas próprias concepções e o adapta em conhecimento pedagogicamente elaborado, de modo a acondicionar os conteúdos das matérias e adequar aos alunos, ora adaptando, reproduzindo, ou improvisando. Reproduzir, adaptar, criar ou a ausência no uso mostram as diferentes formas que o professor pode utilizar o material curricular para atingir os objetivos de ensino. Ao selecionar e organizar os conteúdos, consideramos que 44 REMILLARD, J. T. (2005). Examining key concepts in research on teachers’ use of mathematics curricula. Review of Educational Research, 75(2), 211–246.

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o professor ao propor uma atividade com um contexto acessível, apropriado e adaptado de acordo com nível dos alunos, procura respeitar a capacidade intelectual dos alunos. No entanto, Brown (2009) considera que não podemos afirmar que reproduzir, criar ou adaptar caracterizam melhora na qualidade do ensino, e nem que um tipo de uso seja superior aos outros. Em relação às contribuições dessa pesquisa para área de Educação Matemática, os fatores discutidos e suas relações, são pontos importantes para uma investigação mais aprofundada de como e por que os professores desenvolvem formas de utilização dos materiais curriculares. Entender os fatores pessoais e contextuais que moldam conjuntamente o uso dos materiais curriculares por professores pode auxiliar na elaboração de políticas públicas sobre distribuição de materiais; na proposição de ações de formação continuada; nos programas da formação inicial; na criação de ações de acompanhamento do uso dos materiais pelos professores. Nesse sentido, as contribuições de Brown (2002, 2009), Christou, Eliophotou & Philippou (2004), Remillard (2005) (2009), Behm e Lloyd (2009) e Pires (2012) ampliam os conhecimentos sobre a pesquisa a respeito de livros didáticos, de diferentes elementos que implicam em distintos usos dos materiais, de características docentes que interferem nos modos que os professores veem e concebem os materiais curriculares. Por ser uma literatura internacional e, portanto, particular a um determinado contexto e demanda de pesquisa, a leitura desses autores contribui para fundamentar a pesquisa brasileira sobre currículos de Matemática, para repertoriar os pesquisadores com propostas teóricas e metodológicas sobre o que caracteriza diferentes tipos de usos e mostrar possibilidades de aspectos metodológicos para desenvolvimento de investigação sobre essa temática. Assim, as contribuições da produção internacional sobre materiais curriculares e os usos feitos deles pelos professores de Matemática refletem nas práticas dos pesquisadores brasileiros, no âmbito dos programas de mestrado e doutorado, ao tomarem esses temas como demanda de pesquisa no contexto nacional brasileiro, contribuindo assim para o alargamento das discussões, dos achados e demandando propostas para a elaboração de programas de formação e políticas públicas sobre materiais curriculares.


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No processo de estudo e análise dos dados, outras questões surgem, não respondidas aqui, mas que direcionam a futuras pesquisas para ampliar e fundamentar outros estudos que venham a ser desenvolvidos na linha de currículos de Matemática. Dentre essas questões:

– Que papel os materiais curriculares de Matemática podem representar para a formação de professores, no contexto das reformas curriculares em grande escala? – Que marcos conceituais e analíticos podem orientar o estudo referente ao uso de materiais curriculares pelos professores de Matemática? – Quais principais preocupações reveladas pelos professores iniciantes e pelos mais experientes, relativamente à adoção de novos materiais curriculares de Matemática? – Como os cursos de formação de professores podem preparar os futuros professores para usar uma variedade de materiais curriculares para o ensino da Matemática? – Como os cursos de formação de professores podem preparar os professores no uso de materiais curriculares para o ensino de Matemática e aumentar sua confiança no ensino matemático? – De que modo a política das avaliações externas podem impactar nas experiências dos professores ao utilizar materiais curriculares? – Como os alunos se relacionam com materiais curriculares e que recursos eles mobilizam para a interação?

No percurso curricular ao utilizar os materiais curriculares, não podemos afirmar qual caminho será o mais simples ou o mais interessante, pois consideramos que a medida que os conteúdos são apresentados aos alunos, é por meio da interação com os alunos que o professor identifica em quais momentos da atividade os alunos apresentam maiores dificuldades e, ao diagnosticar certas dificuldades, os professores passam a buscar outras estratégias de ensino. Desse modo, é importante pensar em práticas formativas que incluam estudos teóricos, como cursos, palestras, seminários e as pesquisas que levem em consideração o contexto do trabalho dos professores para que por intermédio desse suporte possa situar-se de uma maneira crítica frente aos contextos históricos, sociais e culturais em que está inserido, conhecendo as metodologias

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atuais e as que tiveram êxito, proporcionando uma participação ativa, reflexiva e contributiva dos docentes nesta formação, possibilitando intervir na realidade com que trabalha e transformá-la.

Referências BEHM, S.L; LLOYD, G. M. Factors Influencing Student Teachers’Use of Mathematics Curriculum Materials. In: REMILLARD, J. T., HERBEL-EISENMANN, B. A.; LLOYD, G. M. (Ed.). Mathematics Teachers at work: Connecting curriculum materials and classroom instruction. New York: Routledge, 2009. BISHOP, A. J. Enculturación matemática: la educación matemática desde una perspectiva cultural. Traducción de Genis Sánchez Barberán. Barcelona: Paidós, 1999. BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução: Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994. BROW, Matthew William.The Teacher-Tool Relationship: Theorizing the Design and Use of Curriculum Materials. In: REMILLARD, J. T., HERBEL-EISENMANN, B. A.; LLOYD, G. M. (Ed.). Mathematics Teachers at work: Connecting curriculum materials and classroom instruction. New York: Routledge, 2009. BROWN, M. W. Teaching by design: Understanding the intersection between teacher practice and the design of curricular innovations. Tese de doutorado, Northwestern University, Evanston, IL, 2002. CHRISTOU, C., MENON, M. E; PHILIPPOU, G. (2004). Teachers’ concerns regarding the adoption of a new mathematics curriculum: An application of CBAM. Educational Studies in Mathematics. In: REMILLARD, J. T., HERBELEISENMANN, B. A.; LLOYD, G. M. (Ed.). Mathematics Teachers at work: Connecting curriculum materials and classroom instruction. New York: Routledge, p. 157-176. FERNANDES, C. Currículo e prática pedagógica da educação superior. In: Morosini, M. (Ed.). Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário. Brasília, v. 2, 2006. FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. A. Investigação em Educação Matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2012.


O MODO COMO PROFESSORES DE MATEMÁTICA USAM OS MATERIAIS CURRICULARES

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Katia Lima45 Gilberto Januario46

Ideias iniciais

N

este capítulo, discutimos sobre materiais curriculares de Matemática e a relação entre esses materiais e os professores. Para isso, situamos o campo de pesquisa que toma os materiais curriculares como objeto de investigação; abordamos os recursos que ambos os agentes trazem e implicam os diferentes usos desses materiais; discutimos o conhecimento profissional docente; e apresentamos o conceito de affordance implicado nessa relação. O texto aqui apresentado é recorte de estudos que vimos realizando, especialmente de nossas pesquisas de doutorado ( JANUARIO, 2017; KATIA, 2017). Inicialmente, consideramos que o processo de educar matematicamente está vinculado a materiais que apresentam o currículo em forma de atividades. Esses materiais, como livros didáticos e cadernos de atividades, são indutores de abordagens e apresentação de conceitos. Como principais recursos que os professores recorrem ao planejar e desenvolver suas aulas, eles têm maior 45 Doutora em Educação Matemática. Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Bahia, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3857-6841. E-mail: katialima@ufrb.edu.br

46 Doutor em Educação Matemática. Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Minas Gerais, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0024-2096. E-mail: januario@ufop.edu.br.


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influência sobre as práticas de ensinar Matemática, em detrimento de documentos prescritivos. Esses materiais traduzem, em situações de aprendizagem, as orientações curriculares e suas propostas didática, metodológica e avaliativa. Autores, como Bonafé (2008) e Sacristán (2013), têm discutido o importante papel que as prescrições assumem no desenvolvimento curricular, isto é, ao planejar os períodos letivos, escolher os materiais de apoio, elaborar as atividades e realizar as aulas. No entanto, os documentos prescritivos, de modo geral, pouco apresentam proposições para orientar os professores em suas práticas concretas e cotidianas. Assim, levados pelas condições pessoais de formação, pelas condições nas quais trabalha ou pelas demandas sociais de seus alunos, os professores acabam por recorrer a pré-elaborações, destacando-se os materiais curriculares, como livros didáticos. Em nossos estudos ( JANUARIO, LIMA e MANRIQUE, 2017; JANUARIO, 2020), temos nos referido a materiais curriculares, no campo da Educação Matemática, para tratar dos materiais que os professores usam em contextos de aula, ao mediar/promover situações de aprendizagem, podendo ser livros didáticos, apostilas, materiais produzidos por organizações não governamentais, recursos digitais ou cadernos de atividades concebidos no âmbito de secretarias de educação. Ao tomar como referência a importância desses materiais para as práticas de ensinar e de aprender Matemática e os usos feitos deles em contextos de aula, um grupo de pesquisadores estadunidenses, liderado por Janine Remillard, têm se debruçado em estudos sobre a relação do professor com materiais curriculares. Esses estudos têm influenciado pesquisas desenvolvidas também no Brasil. Remillard (2005) aborda que o estudo sobre a utilização do livro didático por professores começa a surgir no final da década de 1970, ora com mais intensidade ora com menos frequência. No entanto, esses estudos se intensificam a partir da décadada de 1990 como resultado do contexto de reformas curriculares e publicação das normas do National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) e a consequente abrangência de publicações de materiais curriculares a partir dessas reformas. No Brasil, consideramos a publicação, na segunda metade dos anos 1990 e início dos anos 2000, dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


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Fundamental e Ensino Médio e da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos como contexto que impulsionou a publicação de livros didáticos. Esses documentos prescritivos, organizados pelo Ministério da Educação, orientaram as secretarias de educação de Estados e Municípios na elaboração de seus currículos, tomando como referência as particularidades de suas respectivas redes de ensino. A produção de materiais curriculares também foi, e é, impulsionada pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Considerando a década de 1990 como referência, um volume considerável de livros tem sido concebido e distribuído às escolas públicas, constituindo-se como principal balizador das práticas de ensinar e de aprender Matemática. Contexto esse que impulsiona um campo de investigação, qual seja, os materiais curriculares e a relação entre professores e materiais que apresentam o currículo de Matemática.

O papel do professor e sua interação com materiais curriculares A depender de concepções teóricas, currículo pode assumir múltiplos significados, implicando diferentes entendimentos, que convergem para a forma de se pensar e fazer educação, de se criar e oportunizar condições para que ocorram os processos de ensino e de aprendizagem. Essa diversidade de entendimento reflete problemas completos e gera, segundo Moreira (2009), distintos temas e questões nas produções acerca de currículo, sendo que contribui para isso o fato de se tratar de um conceito como produto de “uma construção cultural, histórica e socialmente determinada”, referindo-se “sempre a uma ‘prática’ condicionadora do mesmo e de sua teorização” (p. 12). No contexto educacional, o fato de ocorrer fases distintas do desenvolvimento curricular leva a formas diferentes de conceituar e conceber o currículo, o que, no entendimento de Sacristán (2013), colabora para significá-lo a partir de uma complexidade, em que ele passa por distintas modificações. Esse autor distingue seis níveis para a objetivação do currículo: • Currículo prescrito — é proposto pelos órgãos político-administrativos por meio de seus agentes educacionais; são os chamados currículos oficiais. Considera os aspectos relativos ao conteúdo do currículo, atuam como referências na ordenação do sistema curricular, servindo de ponto de partida para a elaboração de materiais e controle de sistemas, entre outros.

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• Currículo apresentado aos professores — é aquele presente nas pré-elaborações, como livros didáticos, apostilas de sistemas de ensino, cadernos de atividades elaborados por secretarias de educação, sequências didáticas e/ ou projetos elaborados por instituições de assessoria pedagógica. Traduz para os professores o significado e os conteúdos do currículo prescrito. • Currículo moldado pelos professores — é planejado pelo professor, constando do plano de aula e do plano de unidade, entre outros. O professor atribui significado ao conteúdo do currículo, seja do prescrito ou do apresentado, a partir de sua cultura profissional, de suas concepções de ensino e de sua prática profissional. • Currículo em ação — aquele que é realmente praticado em sala de aula e depende do professor, de suas concepções, dos estudantes, da escola, dos materiais disponíveis para a sua realização. • Currículo realizado — consequência das práticas de ensino, daquilo que foi planejado e realizado. Também, é considerado o efeito que produz, seja afetivo, social ou moral e suas variações, compreendido, ainda, como currículo oculto. • Currículo avaliado — considerado nas avaliações externas, indica pressões exteriores, que acabam impondo critérios para o ensino do professor e para a aprendizagem dos estudantes. O currículo avaliado pode ser compreendido como os objetivos e conteúdos de ensino que foram propostos a serem ensinados e aprendidos, materializando-se, também, nos diferentes instrumentos avaliativos adotados pelos professores.

Investigar sobre a relação do professor com materiais curriculares de Matemática a partir dessa perspectiva de currículo envolve necessariamente a compreensão dos processos de construção do currículo e o papel do professor e dos recursos nesse processo. Entendemos, portanto, os materiais curriculares no nível de desenvolvimento definido por currículo apresentado. No entanto, concebemos o professor não apenas como um transmissor ou implementador de currículos prescritos ou apresentados, ao contrário, como design curricular, dada a importância de como esses profissionais compreenm, percebem, interpretam e utilizam os materiais curriculares. Entendemos que o ato de modelar o currículo e colocá-lo em prática nas situações reais de sala de aula, com seus contextos específicos, peculiaridades


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culturais e sociais, exige do professor articular conhecimentos de tipos variados. Isso porque, no entender de Sacristán (2013), o professor, ao planejar sua prática, não pode partir em todos os momentos da consideração de todos os princípios e saberes dispersos que derivam de variados âmbitos de criação cultural e de pesquisa, elaborando ele mesmo o currículo sem considerar outros referenciais e materiais. Entretanto, não é por recorrer a pré-elaborações ou concordarmos que o professor não precisa partir do zero para planejar e elaborar suas ações em sala de aula, que entendemos que os professores apenas colocam em prática aquilo que está recomendado nas prescrições, ou seja, que são meros implementadores de currículos prescritos ou apresentados. Aliás, consideramos problemática a expressão implementar um currículo. Essa discussão também foi feita por Remillard (2009) ao expor que o termo implementação significa colocar em prática e que essa denominação não está à altura do tipo de trabalho que ocorre quando professores utilizam materiais curriculares para planejar e desenvolver suas aulas de Matemática. Primeiro, porque o termo implementação sugere que embutido nos recursos curriculares estaria tudo o que os professores precisam para colocar em prática suas ações da mesma forma como previsto pelos elaboradores. Segundo, porque sugere que colocar em prática as ações, previamente captadas nos materiais curriculares, do ponto de vista dos elaboradores, parece uma tarefa simples e que não envolve uma interpretação e tomada de decisões por parte dos professores. Nesse sentido, Remillard (2009) entende que “as discussões sobre a implementação do material curricular podem diminuir a importância de considerar a atividade do professor a influência da sala de aula neste processo” (p. 8).

Materiais curriculares entendidos como ferramentas A visão que compreende diferentes níveis de desenvolvimento curricular considera os professores não como meros implementadores, mas como agentes ativos que, por meio de seu planejamento e trabalho com os estudantes, moldam e constroem o currículo em ação. Alguns autores (REMILLARD, 2005; BROWN e EDELSON, 2001; BROWN, 2009) têm adotado a expressão designer de currículo para se referir ao uso que os professores fazem dos materiais curriculares, por entender que o desenvolvimento curricular feito por professores envolve a promulgação desses planos em situações reais de sala

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de aula. Apesar de terem no livro, no manual do professor, nas propostas de atividades e no próprio material curricular suas representações, é o professor que faz a interpretação, interação e transforma aquilo que está estático em um movimento dinâmico na sala de aula. Nesse processo, os professores alteram, adaptam, interpretam, traduzem o que propõem os materiais curriculares para moldá-los às condições específicas de suas salas de aula. Nessa perspectiva, os professores precisam, nesse processo de desenvolvimento curricular, “descobrir o potencial dos materiais curriculares para que estes possam ser reconstruídos para determinados estudantes e para as situações específicas de sala de aula” (BEN-PERETZ, 1990 apud REMILLARD, 2005, p. 224). Essa concepção de uso de materiais curriculares os pressupõe como artefatos ou ferramentas, produto da evolução sociocultural e percebe a relação participativa professor-material curricular influenciada tanto pelo professor quanto pelos materiais curriculares. Assim, há uma parceria intrínseca entre o indivíduo e a ferramenta que se utiliza para alcançar seus objetivos. As ações dos indivíduos estão intrinsecamente ligadas ao uso de ferramentas culturais e físicas. Essa base teórica sobre a evolução humana a partir do uso de ferramentas também indica que não são apenas as capacidades dos indivíduos que ditam a ação humana, mas também a disposição dos artefatos que utilizam (GIBSON, 1986). Dessa forma, segundo Brown (2009), entender o material curricular como ferramenta pressupõe, pelo menos, dois elementos importantes: primeiro que os materiais curriculares desempenham um papel importante ao viabilizar e restringir as ações dos professores, e segundo que os professores percebem e utilizam tais artefatos de maneiras diferentes tendo em vista suas experiências, intenções e habilidades. Para Remillard (2005), essa perspectiva de utilização de materiais curriculares decorre “das noções de Vygotsky sobre o uso de ferramentas e mediação na qual toda atividade humana envolve ação mediada ou uso de ferramentas por agentes humanos para interagir com o outro e com o mundo” (p. 221). Nessa perspectiva, as ferramentas são produtos da evolução sociocultural, ambos moldam e são moldados pela ação humana por meio de suas affordances, que estão relacionadas às percepções do indivíduo. Ao olharmos para uma tesoura, parece fácil perceber que as próprias características da ferramenta “nos diz” de que forma e para que podemos utilizá-la. O indivíduo percebe qual


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ação pode ser desenvolvida com o artefato a partir das características do próprio artefato — affordances. Mas também, o artefato é um limitador da ação humana, ele se restrige a determinadas ações, permite algumas ações e não outras. Por outro lado, o indivíduo consegue desenvolver uma ação utilizando o artefato diante das condições e habilidades que lhe é própria. As affordances disputam as ações dos indivíduos. Brown (2009), ao considerar as teorias socioculturais para caracterizar os materiais curriculares como ferramentas, faz uma comparação com a música para exemplificar a complexa relação entre os materiais e as práticas que eles propiciam. Esse autor cita o exemplo de um jazz que foi composto por um músico, porém interpretado em diferentes momentos por vários músicos. Ele afirma que, se compararmos a interpretação dessa mesma música por dois músicos diversos, não teríamos dificuldades de identificar que cada interpretação refere-se à mesma música; apesar das semelhanças, as músicas são distintas. As variações que ocorrem podem partir de diferenças mais óbvias como instrumentos utilizados para as menos óbvias, como as influências culturais, fatores contextuais e preferências estilísticas. Além disso, apesar de os artistas usarem pré-interpretações como base para apoiar a sua prática, durante a apresentação os músicos dão lugar às suas criatividades. O autor afirma que a relação estabelecida no exemplo citado é similar entre materiais curriculares e as práticas de sala de aula dos professores, uma vez que, em ambos os casos, os profissionais trazem à vida a concepção inicial do compositor por meio de um processo de interpretação e adaptação, com resultados que podem variar significativamente, embora carregando, sem dúvidas, semelhanças. Exatamente como a música moderna veio a confiar nas partituras musicais como uma representação de um agente para conduzir conceitos e concepções musicais, das formas e das práticas [...], as instruções da sala de aula vieram a confiar nos materiais curriculares como ferramentas para conduzir e reproduzir concepções curriculares, formas e práticas curriculares. Músicos interpretam notas musicais a fim de trazer a canção pretendida à vida, do mesmo modo que os professores interpretam as várias palavras e representações dos materiais curriculares para o currículo. Em ambos os casos, nenhuma das duas interpretações de prática são exatamente iguais (BROWN, 2009, p. 17).

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A atividade humana envolve o uso de ferramentas que moldam e são moldadas pela ação humana, a partir de affordances e restrições nos materiais. As ações dos indivíduos abrangem o uso de ferramentas, sejam elas físicas ou culturais, e essas ações são dirigidas não somente pelas capacidades dos indivíduos, mas também pelas oportunidades das próprias ferramentas. Compreender o uso de materiais curriculares por professores requer explicitar sobre as representações que os materiais curriculares (artefatos) usam para criar oportunidades de ação (affordances) ou restringir a prática docente, mas também inclui explicitar as formas pelas quais os professores percebem e interpretam essas representações. A partir dessas ideias, esse autor argumenta que compreender como os professores usam materiais curriculares requer uma análise integrada dos recursos curriculares, dos recursos dos professores e de como eles interagem. Os materiais curriculares como artefatos influenciam as práticas do professor, mas esse é apenas um lado para entender o uso de materiais curriculares por professores. Compreender como as habilidades dos professores, os conhecimentos e crenças influenciam sua interpretação e utilização de materiais curriculares também é fundamental para o entendimento da relação professor-materiais curriculares no âmbito da Educação Matemática. A partir dessa dinâmica, Brown (2009) propõe um modelo que analisa as interações que ocorrem entre as características dos materiais curriculares e os recursos que os professores trazem para essa interação a partir dos diferentes tipos de usos que fazem ao se relacionar com esses materiais. O modelo denominado The Design Capacity for Enactment — traduzido por nós como design do desenvolvimento curricular (Figura 1) —, ilustra a dinâmica entre professor e materiais curriculares e os fatores que influencia essa relação. Ele caracteriza e explica as diferentes práticas em que o professor se envolve ao desenvolver suas aulas a partir de materiais curriculares e ajuda a compreender e caracterizar as capacidades dos professores em perceber e mobilizar os recursos existentes, a fim de criar contextos de ensino. Também expõe os elementos que os materiais curriculares trazem para a relação com os professores, delimitando diferentes tipos de usos.


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Figura 1: Design do desenvolvimento curricular (Adaptado de Brown, 2009, p. 26)

Para especificar a variedade de prática existente quando o professor utiliza materiais curriculares, Brown (2009) caracteriza as interações dos professores com materiais a partir de diferentes graus de apropriação dos artefatos: reprodução, adaptação e improvisação. Para explicar essa variedade de usos e de práticas desenvolvidas por professores ao se relacionar com materiais curriculares, são identificados os recursos individuais que os professores trazem para as interações com os materiais curriculares e as características dos recursos curriculares que propiciam essa interação, como fatores que influenciam a relação professor-materiais curriculares. O modelo que explica a utilização de materiais curriculares captura, portanto, os diferentes elementos da dinâmica professor-ferramenta e representa os diferentes tipos de interações que ocorrem entre os recursos dos professores e os recursos curriculares, como os professores adaptam, adotam ou improvisam com os recursos curriculares. Por um lado, o quadro abrange o conhecimento dos professores, habilidades, objetivos e crenças e como elas influenciam as maneiras que os professores percebem e se apropriam dos diferentes aspectos dos planejamentos curriculares. Por outro lado, o quadro abrange as características de um planejamento e dos conhecimentos incorporados que compõem os materiais curriculares — incluindo representações de ação, representações de conteúdo e representações de objetos físicos. Esses aspectos refletem as intenções implícitas e explícitas dos elaboradores do currículo (BROWN, 2009, p. 26).

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O quadro (Figura 1) identifica a variedade de práticas dos professores como resultado da relação dinâmica entre as características dos recursos curriculares e os recursos do professor. As características do material, os conhecimentos nele incorporados e os conhecimentos, crenças e concepções dos professores são um dos pontos de partida para identificar e situar fatores que podem influenciar os usos que os professores fazem desse material. Consideramos o material curricular como uma ferramenta que apoia a ação do professor, como artefato que apresenta elementos que propicia a ação humana a partir daquilo que o indivíduo dispõe para utilizar os materiais, bem como suas habilidades e capacidades. Sobre a relação professor-currículo, as disposições que os professores possuem referem-se às crenças, concepções e conhecimentos seja de conteúdo, pedagógico ou pedagógico de conteúdo. Na próxima seção nos atemos aos conhecimentos dos professores, explicitando nuances relacionadas ao ensino de Matemática.

Conhecimento profissional docente A discussão sobre os conhecimentos que os professores mobilizam ao mediar/promover situações de aprendizagem acora-se em diferentes modelos teóricos, os quais apresentam distintas categorias de conhecimento profissional docente. Os estudos de Shulman (1986, 1987) são pioneiros, servindo como referencial para pesquisas no campo da formação de professores e desenvolvimento profissional docente. No âmbito da pesqusia em Educação Matemática, Déborah Ball e seus colaboradores ampliaram esse modelo teórico, significando-o no contexto dos professores que ensinam Matemática, a parrir da noção de Conhecimento Matemático para o Ensino (MKT)47. Essa noção ajuda-nos principalmente a compreender melhor os elementos que o professor apresenta ao se relacionar com materiais curriculares. O modelo Conhecimento Matemático para o Ensino está configurado a partir de dois domínios, que se subdividem em seis subdomínios, conforme ilustra a Figura 2.

47 A siglas MKT corresponde à expressão em inglês Mathematical Knowledge for Teaching.


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Figura 2: Conhecimento Matemático para o Ensino — MKT (HILL, BALL e SCHILLING, 2008, p. 377)

O conhecimento comum do conteúdo refere-se “ao conhecimento que é usado no trabalho de ensino de maneira comum de como se utiliza em muitas outras profissões e ocupações que também usam a Matemática” (HILL, BALL e SCHILLING, 2008, p. 377). Esse é o conhecimento que o professor precisa, por exemplo, para resolver um problema ou uma tarefa que propõe aos estudantes. Não se trata de um conhecimento exclusivo de professores, mas é utilizado em uma variedade de contextos e profissões, por isso a denominação “comum”. O conhecimento especializado do conteúdo diz respeito ao conhecimento exclusivo para o ensino. Esse conhecimento permite aos professores, por exemplo, representar ideias matemáticas de uma determinada situação, oferecer explicações matemáticas de regras e procedimentos envolvidos numa situação proposta aos estudantes, analisar e compreender diferentes estratégias que possam ser utilizadas para resolver um problema. Esse conhecimento não é comum a outros usuários, mas exclusivamente utilizados para o ensino de Matemática. O conhecimento horizontal do conteúdo refere-se ao conhecimento relacionado “à tomada de consciência (mais como um turista experiente e ponderado, do que como um guia de turismo) sobre a amplitude matemática em que a

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experiência e o ensino estão situados” (BALL e BASS, 2009, p. 6). Esse tipo de conhecimento pode propiciar discussões sobre a importância da Matemática, antecipar e fazer conexões matemáticas, perceber e avaliar oportunidades matemáticas, detectar distorções matemáticas, ou possíveis percussores de erros ou interpretações errôneas posteriores, “necessidade de se saber como a Matemática que os professores ensinam em um determinado ano está relacionada com a Matemática que os alunos aprenderão em anos posteriores” (RIBEIRO, 2016, p. 27). O conhecimento do conteúdo e dos estudantes destacado no lado direito da Figura 2 refere-se “ao conhecimento do conteúdo que se entrelaça ao conhecimento sobre como os estudantes pensam, conhecem ou aprendem este conteúdo específico” (HILL, BALL e SCHILLING, 2008, p. 375). O conhecimento do conteúdo e do ensino refere-se à combinação do conhecimento do conteúdo matemático com o conhecimento do ensino desse conteúdo. Os professores, geralmente, organizam a sequência do conteúdo a ser abordado, escolhendo com quais exemplos podem começar ou quais exemplos podem usar para aprofundar o conteúdo trabalhado com os estudantes. Os professores avaliam as vantagens e desvantagens de utilizar determinadas representações matemáticas para o ensino de determinados conteúdos, identificam os diferentes métodos e procedimentos envolvidos nas situações de ensino. O conhecimento do conteúdo e do currículo diz respeito “ao conhecimento das diretrizes curriculares, orientações, fins e motivações das mesmas, materiais curriculares e sequencialização dos temas nos diferentes níveis escolares” (RIBEIRO, 2016, p. 54). O conceito de conhecimento profissional docente e a ideia de que os materiais curriculares, como ferramentas, apresentam elementos que favorecem à percepção dos professores que, a partir de seus conhecimentos, crenças e concepções, percebem e fazem diferentes tipos de usos dos artefatos, relacionam-se às formas como esses conhecimentos são mobilizados para utilizar os materiais e perceber suas affordances. Por outro lado, quais são esses elementos, características dos materiais curriculares que são disponibilizados pelas ferramentas aos professores para favorecer a ação e suas aprendizagens?


A RELAÇÃO PROFESSOR-MATERIAIS CURRICULARES E SUA INTERFACE COM O CONHECIMENTO...

Affordances e os materiais curriculares A ideia de ferramenta e mediação, de ação mediada em que tanto o sujeito quanto a ferramenta moldam a atividade humana, é discutida por Brown (2009). Entendemos que professores e materiais curriculares fazem parte de uma interrelação dinâmica, na qual cada agente, o professor e o material, molda o outro ao mesmo tempo que modam os processos de ensino e de aprendizagem. Essa interrelação é implicada pelos recursos que cada agente traz para a relação. Por um lado, os professores trazem seus conhecimentos, crenças e concepções, características essas que imprimem o poder de escolha e decisão sobre os materiais curriculares no que se refere à seleção de atividades, tipos de abordagem, sequenciamento e tempos e espaços para sua realização. Por outro lado, os materiais curriculares trazem seus recusos, aspectos que determinam o que será apresentado aos alunos na construção de suas aprendizagens. Esses recursos influenciam o papel dos professores em suas escolhas e imprimem o que será, ou não, oportunizado como situação de aprendizagem Da análise dos recursos dos professores e dos materiais curriculares emerge os conceitos de agência e affordance. Nos materiais curriculares, determiandas propriedades e características determinam diferentes possibilidades de uso, de ação. São aspectos que disputam a ação de seus usuários, professores e alunos; ou ainda, são elemetos que comunicam possibilidades de ação ao serem percebidos. Ao teorizar sobre as possibilidades de ação presentes em um objeto, Gibson (1986) as chamou de affordance. A partir de nossos estudos de doutorado, temos abordado o conceito de affordance ao discutir a relação professor-materiais curriculares ( JANUARIO, 2020; JANUARIO e LIMA, 2019). Ao analisar aspectos dessa relação, é possível identidicarmos, nas falas de professores, aspectos dos materiais que lhes chamam a atenção, sugerindo determiandas abordagens e intervenções junto a seus alunos, e que os levam a desenvolver algumas ações. Nos materiais curriculares, as affordances podem ser compreendidas na forma de organização dos capítulos e atividades; a concepção das atividades no que se refere à possibilidade de engajamento dos estudantes na resolução, à promoção das interações sociais, a mobilização de conhecimentos prévios e de estratégias próprias, à qualidade de abordagem das informações, à conexão

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com outros conteúdos e com temas de outras disciplinas; ao papel do professor no desenvolvimento das atividades, referente as interveções e encaminhamentos que podem colaborar para os estudantes melhor compreender as atividades e a avançar em suas aprendizagens; o favorecimento do desenvolvimento das competências letitora e escritora, principalmente ao considerar o letramento matemático; a possibilidade de recursos variados para ampliar os sentidos e significados dos alunos, como recursos tecnológicos, pesquisa de campo, artefatos didáticos, materiais de consulta complementar. Nos materiais, outras affordances podem ser destacadas, como, o recuro a elementos figurais para complementar informações dos textos das atividades; adequação das figuras; diagramação, referente ao tipo de fonte, tamanho e disposição dos textos nas páginas e capítulos; a qualidade de orientações aos professores; a qualidade da abordagem conceitual dos conteúdos matemáticos. As affordances estão nos objetos, materiais curriculares, e são percebidas pelos indivíduos que se relacionam com eles, professores e alunos. Cada indivíduo percebe affordances de um modo personalizado, pois cada um traz consigo seus elementos ao analisar os materiais. Sejam explícitas ou não, as affordances disputam os comportamentos dos indivíduos ao serem percebidas como possibilidades de ação. São fruto, portanto, da percepção dos professores sobre as informações, características e propriedades contidas nos materiais. No entendimento de Gibson (1986), as affordances conectam a percepção e cognição aos diferentes usos que os objetivos podem ter. Assim, na discussão da relação professor-materiais curriculares, as affordances são resultado das ações cognitivas dos professores que ensinam Matemática sobre os materiais que aprensenam o currículo em forma de situações de aprendizagem; elas estão nos materiais, sugerem ações aos professores ao planejar e desenvolver suas aulas, sejam percebidas ou não. No caso dos professores, seus conhecimentos, experiências, crenças, concepções e valores direcionam os modos comos analisam os os materiais curriculares e percebem affordances. Quanto mais conhecimento da Matemática e seu ensino — como de outros aspectos relativos ao processo educacional — e conforme tem consciência de suas crenças e concepções, mais affordances são percebidas. Assim, podemos afirmar que os recursos dos professores potencializam a percepção das affordances nos materiais curriculares.


A RELAÇÃO PROFESSOR-MATERIAIS CURRICULARES E SUA INTERFACE COM O CONHECIMENTO...

Dentre os recursos dos professores, Brown (2009) situa o conhecimento de conteúdo, o conhecimento pedagógico e o conhecimento pedagógico de conteúdo. A partir dos estudos que vimos realizando, percebemos que os professores, ao utilizar materiais curriculares, mobilizam seus conhecimentos para interagir com esses materiais e amplia essas três categorias de conhecimento apresentado por Brown a partir de categorias de conhecimento mais específica relacionada ao ensino de Matemática.

Confluência de ideias: affordances dos materiais e recursos do professor Os professores que ensinam Matemática mobilizam conhecimentos para tomar decisões referentes aos tipos de usos que pretendem fazer com os materiais curriculares, conhecimentos estes que estão relacionados às categorias de conhecimento comum de conteúdo, conhecimento horizontal do conteúdo, conhecimento especializado do conteúdo, bem como do conhecimento do conteúdo e dos estudantes, do conteúdo e do ensino e do conteúdo e do currículo propostas por Hill, Ball e Schilling (2008). As categorias que merecem destaque são os conhecimentos especializados do conteúdo, conhecimento do conteúdo e do ensino e conhecimento do conteúdo e dos estudantes, pois geralmente são as mais evidenciadas pelos professores ao se realcionar com os materiais curriculares e perceber suas affordances. Os professores reproduzem, adaptam e improvisam ao colocar em ação seus planejamentos a partir dos materiais curriculares. A reprodução pode ser deliberada ou inconsciente. Às vezes, os professores estão cientes da reprodução, mobilizam seus conhecimentos e entendem que aquilo que está nos materiais converge com o que eles pretendem propor aos estudantes. Por isso, reproduzem as situações de aprendizagem da forma como elas são apresentadas pelos materiais. Às vezes, o professor não está seguro dos conhecimentos que precisam mobilizar para desenvolver determinados conteúdos e prefere reproduzir aquilo que está no material, confiando mais neste do que em si mesmo, o que configuramos como deslocamento de agência. Há momentos, ainda, que ele acredita estar reproduzindo, mas se afasta das ideias subjacentes dos materiais curriculares.

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Da mesma forma que na reprodução, os professores percebem a necessidade de adaptar os materiais curriculares às situações reais de sala de aula. As adaptações feitas por eles, algumas vezes, se aproximam das ideias subjacentes ao material, mas em outras circunstâncias essas adaptações comprometem os objetivos pretendidos pelos materiais. Segundo Remillard (2009), ao utilizar os materiais curriculares, os professores reconciliam suas percepções dos objetivos pretendidos com os seus próprios objetivos e capacidades, bem como com as restrições do ambiente. Na situação em que a adaptação diverge da concepção original do material, ao reconciliar suas percepções dos objetivos dos materiais, os professores, a partir de seus próprios objetivos de ensino, acabam por alterar as ideias do material. Esse processo por vezes é inconsciente. Por exemplo, ao explicar um determinado conteúdo aos alunos antes de propor as tarefas do material curricular, o professor reconcilia os objetivos dos materiais com os seus próprios objetivos — que envolvem a construção do conhecimento pelo próprio aluno com a mediação do professor —, e percebe as tarefas dos materiais como exercícios a serem desenvolvidos após explanação do conteúdo. Algumas adaptações feitas pelos professores referem-se à inserção de atividades, principalmente ao final do desenvolvimento das tarefas propostas pelo material curricular selecionado por ele. Também há adaptações concernentes à abordagem de conceitos; utilização de recursos didáticos; alteração nas comandas das tarefas com objetivo de torná-las mais explícitas aos alunos; abordagem de conteúdo antes do desenvolvimento das tarefas pelos estudantes; exposição dos conteúdos após finalizar as tarefas propostas pelo material, seguido de outras atividades. Essas adaptações sugerem que o uso de materiais curriculares por professores que ensinam Matemática é necessariamente um processo de design (BROWN, 2009; REMILLARD, 2005) mesmo quando as percepções do professor no tocante aos objetivos pretendidos pelo material sejam divergentes. O que implica a impossibilidade de uma completa correspondência entre o currículo prescrito e aquilo que de fato o professor desenvolve em suas aulas. Assim, temos observado as adaptações, as mudanças significativas que os professores fazem nos materiais com a intenção de desenvolver a aprendizagem de seus estudantes.


A RELAÇÃO PROFESSOR-MATERIAIS CURRICULARES E SUA INTERFACE COM O CONHECIMENTO...

Compreendemos as alterações e as adaptações que os professores fazem ao utilizar o material como mudanças significativas com o propósito de melhor conduzir as situações de aprendizagem na prática, propiciar aos estudantes uma ampla compreensão dos enunciados das tarefas e dos objetos matemáticos, bem como para contemplar os objetivos relacionados às situações propostas. Ao fazer essas adaptações, os professores mobilizam seus conhecimentos relacionados ao conhecimento matemático para o ensino. O professor planeja suas ações a partir do material, mas, ao desenvolver esse planejamento nas situações reais de sala de aula, precisa tomar decisões muitas vezes não planejadas, assumindo a agência do desenvolvimento curricular ( JANUARIO, 2020). Apesar de parecerem comuns essas atitudes, por exemplo, questionar os alunos em vez de dizer qual algoritmo resolve a questão, ou questioná-los, em vez de informar a resposta correta, são situações de improviso por parte do professor que exigem dele a capacidade de mobilização imediata de conhecimentos. A improvisação apresenta consequências para a aprendizagem dos alunos. Se, por exemplo, um aluno responde à uma atividade e pergunta ao professor se sua resposta está correta e o professor responde imediatamente sim ou não, isso envolve um tipo de aprendizagem, mas, se por outro lado o professor faz questionamentos para que o aluno verifique, argumente, justifique e perceba se sua resposta está correta ou não, compreende outras formas de aprendizagem. Ao utilizar os materiais, os professores mobilizam seus conhecimentos, seja do conteúdo que pretendem desenvolver com seus alunos, seja das representações, conceitos, linguagens, procedimentos, estratégias que envolvem as tarefas que querem desenvolver, seja dos recursos que utilizarão no desenvolvimento das aulas, entre outros. Com isso, os professores reconciliam suas percepções dos objetivos pretendidos pelos materiais curriculares com os seus próprios objetivos e suas capacidades e decidir por reproduzir, adaptar ou improvisar, e isso pode ser intencional ou inconsciente. O professor pode acreditar que está seguindo o material, mas na verdade ele está, por exemplo, tomando uma atividade de alta demanda cognitiva em uma tarefa de baixa demanda cognitiva. Uma tarefa que seria desenvolvida a partir de uma investigação matemática, levando os estudantes a elaborar e verificar hipóteses, ele pode transformar numa atividade de aplicação de algoritmo em que se privilegia a memorização

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de técnicas operatórias. Isso pode ocorrer quando a percepção dos professores daquilo que propõe o material curricular entra em conflito com os seus próprios objetivos de ensino, ou ainda, com suas crenças e concepções da Matemática, seu ensino e do processo formativo dos estudantes. Ao planejar suas aulas, os professores fazem a leitura, interpretação, tradução daquilo que está proposto nos materiais a partir de seus próprios objetivos, conhecimentos e crenças, então, reproduzem, adaptam e improvisam, ou seja, moldam e remodelam as situações de aprendizagem presentes nos materiais curriculares para adaptarem às condições reais de suas salas de aula. Entendemos que nesse processo seria impossível uma reprodução fiel do que se propõe nos materiais curriculares, tampouco temos a intenção de que assim o seja, pois pensamos na perspectiva que admite o papel do professor em colaboração com os materiais curriculares para projetar, moldar e construir o currículo desenvolvido em sala de aula, percebendo assim a inter-relação dinâmica entre os professores e os materiais curriculares. Em estudo anterior (LIMA, 2017), identificamos elementos potencializadores da aprendizagem do professor e da mobilização de seus conhecimentos. Esses elementos confirguram-se como affordances por explicitar e favorecer a ação do professor com relação a determinada atividade ou situação de aprendizagem proposta. Ao analisar materiais curriculares e indicar que esses precisam explicitar alguns elementos ou ao verificar a importância de alguns elementos presentes nesses materiais, estão indicando como as affordances podem estar mais explícitas. A título de exemplo, esses elementos são transparências das concepções subjacentes; apresentação de justificativa para a organização e sequenciamento das situações de aprendizagem propostas bem como a relação entre elas; antecipação das respostas dos estudantes; explicitação e justificativas para a escolha de certos procedimentos adotados para desenvolver as tarefas, estratégias e metodologias para desenvolver um conteúdo, como mobilizar os conhecimentos prévios dos estudantes, possíveis resoluções dos estudantes, dificuldades e erros mais cometidos pelos estudantes em determinado tipo de atividade. Para os professores, esses elementos ajudam a compreender melhor as situações de aprendizagem, os conceitos, procedimentos e representações envolvidas; colaboram, desse modo, para desempenhar melhor o papel exigido


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pela situação e, consequentemente, a ampliar os repertórios de conhecimento necessário para desenvolver a prática docente ao planejar e realizar as aulas. Ao revelar elementos presentes nos materiais ou ao indicar o que os autores precisam explicitar, os professores estão interagindo com os materiais de tal forma que percebem que essa proposição explícita faz com que eles percebam mais claramente a proposta, ou seja, há uma ligação mais direta entre a percepção e a oportunidade que o material oferece para a ação do professor (affordance). Fazendo a analogia com a percepção sobre a tesoura, mencionado anteriormente, ao olhar a tesoura, as próprias características da ferramenta fazem com que o sujeito perceba sua utilização, “ela diz” para o sujeito qual é a ação possível. Da mesma forma, quando os professores indicam que os autores precisam explicitar e justificar suas ideias, bem como textualizar os motivos pelos quais algumas atividades apresentam determinada abordagem e apresentam de tal modo os conceitos matemáticos, estão expondo a importância de o material curricular comunicar de modo mais objetivo os modos como eles, professores, podem perceber as possíveis ações que os materiais estão indicando. Esse aspecto refere-se ao conhecimento que o professor tem para captar e perceber as affordances, como destacamos em Lima (2017). Nesse estudo, apresentamos exemplo em que o material oferece uma situação de aprendizagem voltada para exploração matemática e a professora a transforma numa situação de exercício. Então, aquela oportunidade de ação dada pelo material foi capturada pelo professor de uma forma diferente, pois isso depende do conhecimento do professor de suas concepções e crenças com relação ao ensino e à aprendizagem matemática. Dessa forma, os conhecimentos docentes, suas concepções, valores e crenças interferem na forma como percebem as affordances dos materiais e assumem a agência do desenvolvimento curricular.

Referências BALL, Deborah Loewenberg; BASS, Hyman. With an eye on the mathematical horizont: knowing Mathematics for teaching to learnes’ mathematical futures. 43RD Jahrestagung für Didaktik der Mathematik. Oldenburg, Germany, 2009. BONAFÉ, Jaume Martínez. Los libros de texto como práctica discursiva. Revista de la Asociación de Sociología de la Educación, v. 1, n. 1, p. 62-73, ene. 2008.

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MATEMÁTICA INCLUSIVA: POSSIBILIDADES PARA USO DO DESENHO UNIVERSAL NA SALA DE AULA

Priscila Benitez48 Elisabete Marcon Mello49 Carlos Eduardo Rocha dos Santos50

A

educação inclusiva está fundamentada no paradigma dos direitos humanos (BRASIL, 2008) e a garantia do direito educacional a todos os estudantes em uma mesma sala de aula tem gerado reflexões sobre como efetivar estratégias de ensino que sejam comum e universais a todos eles, independentemente de sua condição, gênero, situação socioeconômica, variedade linguística, étnica, dentre outras. Nesse contexto, cada disciplina oferecida no currículo da educação básica tem sido revisitada, no sentido de estabelecer novas práticas pedagógicas que atinjam a pluralidade de estudantes matriculados em uma mesma sala de aula. Assim, o presente capítulo resgata possibilidades de ensino na área da Matemática, com o objetivo de relacionar os princípios do desenho universal ao ensino de uma matemática inclusiva, a partir de estratégias pedagógicas que visem o ensino dos conteúdos estabelecidos no currículo nacional. Para atingir tal objetivo, o texto foi organizado em quatro tópicos que discutem, fundamentalmente a inclusão, em uma perspectiva de garantia de direitos, na 48 Professora Adjunta A - Nível 1 no Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC) 49 Professora Adjunta A - Nível 1 no Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC) 50 Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN), Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC)


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sequência relaciona a sala de aula inclusiva como possibilidade de implementação do desenho universal para aprendizagem matemática, assim como discute sobre possibilidades de empregar os princípios do desenho universal no ensino da matemática inclusiva e exemplifica possibilidades de atividades para o ensino da matemática inclusiva, com conteúdos típicos dos anos finais do ensino fundamental, assim como do ensino médio.

Inclusão: garantia do direito educacional A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) vem reafirmar o direito à educação de todos os estudantes, assim como escrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e renovar a garantia dada pela comunidade na Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 de assegurar esse direito, independentemente das diferenças individuais. Consta nessa declaração que cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem. Em território nacional, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008) assegura que o direito do público-alvo da educação especial está resguardado independentemente de gênero, etnia, idade ou classe social. Portanto, a inclusão escolar constitui uma proposta que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional favorável. Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada, devendo firmar a convivência no contexto da diversidade humana, bem como aceitar e valorizar a contribuição de cada um conforme suas condições pessoais. Em 2007, o Brasil assinou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007), que se refere a um Tratado Internacional de Direitos Humanos, aprovado na Assembleia Geral da ONU, em 13 de dezembro de 2006 e se constituiu enquanto emenda constitucional. Seu principal objetivo é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua dignidade. Em relação à educação, a Convenção traz o artigo 24, no qual declara que os participantes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação e, para


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efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, assegurarão o sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com o objetivo de proporcionar o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana. Ao considerar a diversidade que se verifica entre os estudantes nas instituições escolares é necessário pensar em um currículo que atenda a toda a diversidade escolar, por meio de medidas de flexibilização e dinamização do currículo. Essas condições exigem a atenção da comunidade escolar para viabilizar a todos os estudantes, indiscriminadamente, o acesso à aprendizagem, ao conhecimento e ao conjunto de experiências curriculares disponibilizadas ao ambiente educacional, a despeito de necessidades diferenciadas que cada estudante pode apresentar, independentemente de sua condição (BRASIL, 1998). É necessário que os sistemas educacionais modifiquem suas atitudes e expectativas em relação ao processo inclusivo e, também se organizem para constituir uma real escola para todos, que atenda as especificidades de cada estudante envolvido nesse processo, seguindo os princípios do desenho universal da aprendizagem.

Desenho Universal para Aprendizagem Matemática Esta seção é dedicada a apresentação e discussão do Design Universal (DU) e do Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) sob perspectiva da Educação, principalmente no que se refere a sua utilização para o ensino e a aprendizagem da Matemática. As primeiras ideias do Desenho Universal surgiram após a Revolução Industrial. Até esse período, os produtos eram criados sem a preocupação de observar pessoas que pudessem ter necessidades específicas. De modo geral, os processos produtivos eram padronizados e visavam a massificação. Com os avanços tecnológicos, os produtores de materiais e serviços logo perceberam que não adianta criar produtos dentro de um padrão, procurando atender a todas as pessoas de forma igual, uma vez que não há igualdade entre as pessoas. Diante da ideia de diversidade, alguns países europeus, juntamente com os Estados Unidos e o Japão, reuniram-se na Suécia, em 1961, para

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discutir a relação do homem “padrão” idealizado com o homem “real”. Dessa reunião, nasceu em 1963, em Washington, [...] a Barrier Free Design, uma comissão com o objetivo de discutir desenhos de equipamentos, edifícios e áreas urbanas adequados à utilização por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Mais tarde, esse conceito – tomado com mais profundidade pelos Estados Unidos – ampliou seu foco e mudou de nome. Passou a ser chamado de Universal Design e se propor a atender TODAS as pessoas, num aspecto realmente universal (CARLETTO; CAMBIAGHI, 2008, pp. 08 - 09)

A partir das ideias oriundas dessa comissão, profissionais da Universidade da Carolina do Norte (EUA), especificamente da área de arquitetura, que tinham como objetivo “[...] projetar ambientes e produtos que pudessem ser utilizados pela maioria das pessoas, sem que houvesse a necessidade de adaptações ou projetos específicos para atender indivíduos com deficiência” (SANTOS, 2016, p.31), propuseram um conceito para Design Universal que se destina a qualquer pessoa e que torna possível a realização das ações essenciais praticadas na vida cotidiana, consolidando pressupostos dos direitos humanos (CAMBIAGHI, 2007). Esse conceito nos traz a ideia de que para ser universal é necessário pensar em produtos e espaços que possam ser acessados pela maioria, independentemente de suas especificidades, habilidades ou limitações (SANTOS, 2016), assim, o acesso deve ser possível “[...] independentemente do tamanho do corpo do indivíduo, sua postura ou sua mobilidade” (CARLETTO; CAMBIAGHI, 2008, p. 10). É importante frisar que o DU não foi pensado para ser utilizado por pessoas específicas, mas, sim, para atender a maior gama possível de pessoas. O desenho universal não é uma tecnologia direcionada apenas aos que dele necessitam, é para todas as pessoas. A ideia do D.U é evitar a necessidade de ambientes e produtos especiais para pessoas com deficiência, no sentido de assegurar que todos possam utilizar todos os componentes do ambiente e todos os produtos. Há quatro princípios básicos do desenho universal: o primeiro é acomodar uma grande gama antropométrica, e isto significa acomodar pessoas de diferentes dimensões: altas, baixas, em pé,


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sentadas etc.; o segundo princípio é reduzir a quantidade de energia necessária para utilizar os produtos e o meio ambiente; o terceiro é tornar o ambiente e os produtos mais abrangentes e o quarto princípio é a ideia do desenho de sistemas, no sentido de pensar em produtos e ambientes como sistemas, que talvez tenham peças intercambiáveis ou a possibilidade de acrescentar características para as pessoas que têm necessidades especiais. (STEINFELD, 1994 apud DOLZAN; GOMES; PINTO, 2014, p. 611)

O conceito de DU começou a ser discutido no Brasil somente em meados de 1980, com o propósito de orientar os profissionais da construção civil no que diz respeito à construção de espaços que atendessem a “todos”. Tal conceito teve seu debate ampliado no ano seguinte, 1981, com a declaração do Ano Internacional de Atenção às Pessoas com Deficiência, que “[...] culminou com a promulgação de algumas leis brasileiras que demonstravam preocupação com esse público, buscando igualar as garantias entre todos os cidadãos” (SANTOS, 2016, p.33). As primeiras discussões sobre DU, no Brasil, giravam apenas sobre perspectivas de normas técnicas. Somente nos anos de 1990 os conceitos de acessibilidade foram difundidos e discutidos (SANTOS, 2016). Diante dessas premissas, entendemos que o DU envolve “[...] a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico” (BRASIL, 2009, p. 03). Ou ainda, como “[...] o design de produtos e ambientes para serem utilizados por todas as pessoas, na maior extensão possível, sem a necessidade de adaptação ou desenho especializado” (CENTER OF UNIVERSAL DESIGN, 1997). “Essa concepção propõe que todos os elementos e espaços sejam acessíveis para o maior número de pessoas possível, tenham elas as limitações e possibilidades que tiverem. Significa pensar em um mundo com seus produtos, serviços e ambientes para todos” (KRANZ, 2011, p.24). O DU “[...] representa uma superação da arquitetura dirigida para um homem ideal, o homem padrão, comprometendo-se assim com a diversidade humana” (NUNES; NUNES SOBRINHO, 2008, p. 270). O DU contempla sete princípios: (1) equiparação nas possibilidades de uso, (2) flexibilidade no uso, (3) uso simples e intuitivo, (4) captação da informação, (5) tolerância ao erro, (6) mínimo esforço físico e (7) dimensão e espaço

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para uso e interação, discutidos na Tabela 1. Cada um dos princípios se preocupa em garantir equidade no acesso aos produtos e serviços. Dessa forma, sugerimos que os sete princípios básicos do DU sejam utilizados em propostas para ensinar Matemática, visando a discussão de uma Matemática Inclusiva. Tabela 1 – Princípios do Desenho Universal. Adaptado de “Princípios do Design Universal”. Disponível em: goo.gl/QfwfPE Princípio

Definição

Lista de recomendações

Uso equitativo

1. Fornecer os mesmos meios de utilização para todos os usuários: idêntico sempre que possível ou equivalente quando não. O desenho deve ser útil e 2. Evitar segregar ou estigmatizar quaisquer comercializável às pessoas usuários. com habilidades diversas. 3. Promover igualmente a todos os usuários privacidade, segurança e proteção. 4. Oferecer um design atraente para todos os usuários.

Uso flexível

O desenho deve acomodar uma ampla gama de habilidades e preferências individuais.

Uso simples e intuitivo

O uso do produto deve ser fácil de entender, independentemente da experiência, conhecimento, competências linguísticas ou nível de concentração atual do usuário.

Informação perceptível

1. Usar diferentes modos (pictórica, verbal, tátil) para apresentação redundante de informações O produto deve essenciais. comunicar ao usuário 2. Fornecer uma diferenciação adequada entre todas as informações informações essenciais e acessórias. necessárias de 3. Maximizar a legibilidade de informações forma efetiva, essenciais. independentemente 4. Diferenciar elementos de maneira que possam das suas condições ser facilmente assimilados. ambientais ou habilidades 5. Fornecer compatibilidade com uma variedade sensoriais. de técnicas ou dispositivos utilizados por pessoas com limitações sensoriais.

1. Oferecer a possibilidade de escolha de métodos de utilização. 2. Oferecer a possibilidade do uso por pessoas destras ou canhotas. 3. Possibilitar a precisão e acurácia do usuário. 4. Oferecer a capacidade de adaptação ao ritmo do usuário.

1. Eliminar a complexidade desnecessária. 2. Oferecer consistência com a intuição e as expectativas dos usuários. 3. Acomodar uma ampla gama de competências linguísticas e alfabetização. 4. Organizar informações em consistência com a sua importância. 5. Fornecer mensagens eficazes de aviso e de informação, durante e após a conclusão da tarefa.


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Tolerância a erros

O desenho deve minimizar os riscos e as consequências adversas de ações acidentais ou não intencionais.

Baixo esforço físico

O produto pode ser usado eficiente e confortavelmente, com um mínimo de fadiga.

Oferecer espaço e tamanho apropriados Tamanho e para aproximação, espaço para alcance, manipulação e aproximação uso independentemente do tamanho do corpo, e uso postura ou mobilidade do usuário.

1. Organizar elementos para minimizar erros e riscos: os elementos mais usados, mais acessíveis; elementos perigosos eliminados, isolados ou blindados. 2. Fornecer avisos quanto aos erros e aos riscos. 3. Fornecer recursos à prova de erros. 4. Evitar ações inconscientes em tarefas que exigem maior atenção e vigilância. 1. Permitir que o usuário mantenha uma posição corporal neutra. 2. Racionalizar a força necessária para sua operação. 3. Minimizar ações repetitivas. 4. Minimizar o esforço físico permanente.

1. Oferecer uma linha clara de visão dos elementos mais importantes para qualquer usuário, esteja ele sentado ou em pé. 2. Oferecer alcance a todos os elementos de maneira confortável para qualquer usuário, esteja ele sentado ou em pé. 3. Acomodar variações de mão e punho. 4. Fornecer espaço adequado para o uso de dispositivos de auxílio ou assistência pessoal.

Dos princípios básicos do desenho universal à proposição de uma Matemática Inclusiva Nesta seção discute-se sobre a viabilidade de empregar os sete princípios do desenho universal (Tabela 1) ao ensino e aprendizagem da Matemática, criando oportunidade para discutir acerca da Matemática Inclusiva. O primeiro princípio versa sobre a equiparação nas possibilidades de uso, ou seja, o desenho deve ser pensado para atender a todos, propiciando condições igualitárias de acesso ao produto ou serviço. Ao pensar em adaptar um material para ser utilizado por um estudante com determinada deficiência, procure pensar se esse mesmo material não pode ser utilizado por toda sua turma. É fundamental evitar adaptações individuais, destinadas a apenas um público-alvo, pois os esforços propostos nessa perspectiva envolvem criar materiais plurais que possam ser acessíveis para todos os estudantes, independentemente de sua condição. A Flexibilidade no uso é o segundo princípio que propõe atender “[...] uma ampla gama de indivíduos, preferências e habilidades proporcionando escolha dos métodos de utilização” (FERNANDES; SANTOS; BEZERRA,

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2013, p. 24). No momento de conceber seu material procure fazê-lo de maneira que todos possam fazer seu uso sem grandes dificuldades. Pensamos aqui, por exemplo, em pessoas que possuem dificuldades motoras. Você pode, também, propor materiais que possam ser utilizados de diferentes maneiras, deixando que seu estudante faça a escolha ideal diante de suas especificidades. Propiciar uso de fácil compreensão sem quer haja necessidade de experiência prévia é o que rege o terceiro princípio, que visa o uso simples e intuitivo. Para tal, é necessário criar materiais que sejam intuitivos e de fácil manuseio e compreensão, evitando que necessite de conhecimentos prévios. O quarto princípio, captação da informação, busca respeitar as condições do ambiente e principalmente as capacidades sensoriais, apresentando-as em diferentes modos (pictórico, verbal, tátil), permitindo que as informações sejam percebidas por pessoas com diferentes habilidades motoras ou limitações sensoriais. Esse princípio orienta a criar atividades utilizando diferentes mídias. A ideia não que se utilize uma mídia diferente por atividade, mas sim, que se faça uso de diferentes mídias em uma mesma atividade, assim, você poderá atender seus estudantes, independentemente do tipo de deficiência que eles tenham. Um mesmo material pode ser apresentado ao estudante por meio de texto, vídeo, material manipulável, desenhos, animações etc. Quanto mais criativos os professores forem, mais chances terão de atender todos os seus estudantes. Os últimos princípios visam a tolerância ao erro, o mínimo esforço físico e a dimensão e, espaço para uso e interação, e apontam que devemos fornecer opções que visam minimizar erros que podem advir de ações imprevistas ou involuntárias, propondo ações que exijam o mínimo esforço físico, bem como propiciando um ambiente que facilite a interação entre os estudantes. O Desenho Universal, em sua concepção, prevê acesso ao maior número de pessoas possível a ambientes e espaços, com o propósito de garantir que todos possam ter condições de atingir os mesmos objetivos. Tal ideal direcionado à educação é denominado de Desenho Universal para Aprendizagem. Para Silva, Beche e Bock (2013, p.3) “[...] o exercício da legalidade assegura que as pessoas com deficiência tenham igualdade no direito de acesso às informações e instrumentos que possibilitem equidade de condições no seu processo de escolarização”. Nessa direção, o Desenho Universal para Aprendizagem se configura como:


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[...] um conjunto de princípios baseados na pesquisa e constitui um modelo prático para maximizar as oportunidades de aprendizagem para todos os estudantes. Os princípios do Desenho Universal se baseiam na pesquisa do cérebro e mídia para ajudar educadores a atingir todos os estudantes a partir da adoção de objetivos de aprendizagem adequados, escolhendo e desenvolvendo materiais e métodos eficientes, e desenvolvendo modos justos e acurados para avaliar o progresso dos estudantes (CAST, 2012, p. 1).

Aplicado a área educacional, o DUA busca “[...] auxiliar o educador no processo de planejamento de planos de ensino, abarcando as desigualdades dos estudantes, ao considerar que eles são diferentes uns dos outros” (CALEGARI; SILVA; SILVA, 2014, p. 38). Dessa forma, o DUA contribui para que os espaços educativos propiciem uma educação inclusiva ao propor maneiras diferentes de ensinar e de aprender, “[...] oportunizando acessibilidade a todos, autonomia, desenvolvimento de habilidades e exploração de potencialidades” (SANTOS, 2016, p. 39). Para que tais ações sejam contempladas, o DUA oferece ao professor um modelo para o estabelecimento de metas de ensino e para o desenvolvimento de métodos, materiais e avaliações aplicáveis a todos. Essas metas, além de serem flexíveis, podem ser personalizadas e ajustadas a necessidades individuais. Dessa forma, esta abordagem enfatiza que o currículo necessita ser adaptável, com apresentação em vários formatos para que seja acessível e adequado para estudantes com formações diversas. (CALEGARI; SILVA; SILVA, 2014, pp. 39-40).

Para auxiliar o planejamento dos professores, o DUA oferece três princípios orientadores: (1) proporcionar modos múltiplos de apresentação; (2) proporcionar modos múltiplos de ação e expressão; e (3) proporcionar modos múltiplos de engajamento. Podemos notar que esses princípios se referem a qualquer ambiente de ensino e de aprendizagem. O primeiro princípio está pautado no meio pelo qual a informação chega ao estudante; o segundo relaciona-se ao meio que o estudante utiliza para expressar o que sabe e interagir com os colegas e com o professor; o terceiro apresenta os meios pelos quais os estudantes podem ser engajados no processo de aprendizagem. A partir desses três princípios básicos, foram criadas diretrizes com o objetivo de articulá-los.

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Essas diretrizes visam orientar professores a trabalhar com as diferenças individuais de seus estudantes (Figura 1). Figura 1. Princípios Orientadores do Desenho Universal da Aprendizagem. Fonte: http://www.udlcenter.org/sites/udlcenter.org/files/Guidelines_2.0_Portuguese.pdf

A partir dos princípios e diretrizes do DUA, é necessário garantir que os materiais sejam apresentados em diferentes formatos, de modo que propiciem meios de representação e expressão com o uso de mídias diversas, além de permitir diferentes formas de engajamento no processo de aprendizagem. Isso significa que por meio desses princípios e diretrizes é possível apresentar uma proposta de “[...] aprendizagem flexível, além de estratégias e ferramentas que permitam aos estudantes a escolha e a personalização que serão realizadas, de acordo com suas necessidades de aprendizagem” (CALEGARI; SILVA; SILVA, 2014, p. 43).


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Dessa forma é possível conceber estratégias de ensino que atinjam diferentes públicos, sobretudo o ensino e aprendizagem da matemática para estudantes com deficiência visual, no caso o estudante cego e com baixa visão, que são expostos ao registro em outro código, como o Braille. Para que os direitos educacionais dos estudantes sejam assegurados é necessário disponibilizar o ensino do Braille, escrita alternativa, modos, meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de orientação e mobilidade, garantindo que a educação seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao estudante e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social. Assim, o próximo tópico apresenta algumas possibilidades para trabalhar com todos os estudantes, em uma sala de aula inclusiva, os conteúdos matemáticos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Tal seleção foi feita a partir da Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) e uma parte dela está apresentada na tese de doutorado de Mello (2015).

Possibilidades de atividades para o ensino da Matemática Inclusiva Nesse tópico foram apresentados exemplos sobre como trabalhar em uma sala de aula inclusiva, os seguintes conteúdos pedagógicos: frações, relações métricas e trigonométricas no triângulo retângulo, equações exponenciais, logaritmos, matrizes e gráficos. Frações

O ensino de números fracionários requer muita atenção ao ser transcrita a para o Sistema Braille. Na escrita a tinta, a representação de uma fração é b , onde o “a” é o numerador e o “b” é o denominador. É comum os professores dizerem: “o número de cima é o numerador e o de baixo é o denominador”. No Braille, na forma mais utilizada para representar uma fração, o número que fica rebaixado é o numerador e o que fica acima é o denominador. Portanto, essa fala do professor pode causar um problema para estudante cego, dificultando sua aprendizagem. A Figura 2 representa a fração 2 escrita em Braille. 3

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Figura 2: Representação da fração

2 escrita em Braille. Fonte: MELLO, 2015 3

A situação fica ainda mais desafiadora quando na fração existe alguma x+2 8 ou . Isso porque, geralmente, na sala incógnita, como por exemplo: 3 3− x de aula, o que é escrito na lousa é ditado para o estudante cego e quem está ditando (que na maioria das vezes é outro estudante da classe) não percebe que x+2 , a pessoa dita “x pode haver problemas nessa comunicação. No caso de 2 3 mais 2 sobre 3” e o estudante cego pode escrever “ x + ” (Figura 3). O mesmo 3 8 , dita-se “8 sobre 3 menos x” e o estudante cego pode pode acontecer com 3− x 8 escrever − x . Mesmo sem entender o Braille, seria resolver tal situação ao 3 confirmar com o estudante cego qual o numerador e qual o denominador da fração que ele escreveu, dessa forma poderia se detectar o erro. Outra forma ( x + 2) , seria, por meio de parênteses ao escrever a fração na lousa, dessa forma: 3 8 , e garantir que sejam mencionados por quem está ditando, assim estaria (3 − x) bem definido quem é o numerador e quem é o denominador. Figura 3: Diferença da representação em Braille de x +

2 x+2 e .Fonte: produção do autor 3 3


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Relações métricas e trigonométricas no triângulo retângulo

É muito difícil encontrar um texto sobre o teorema de Pitágoras que não tenha pelo menos um desenho do triângulo retângulo. Sempre que se vai dar uma aula sobre esse assunto a figura está lá: “o triângulo retângulo”. E esta é uma situação lógica, pois, o teorema de Pitágoras é uma relação métrica entre as medidas dos lados desse triângulo. Dessa forma é primordial que se conheça as características desse triângulo, o porquê ele é chamado triângulo retângulo, o que são catetos, o que é a hipotenusa. É preciso que o estudante não apenas veja o triângulo, mas que ele o visualize, identificando suas características e relações, pois, de acordo com Duval (1999), não há compreensão sem visualização. Quando o professor tem vários estudantes cegos na sala de aula, é necessário que ele garanta que todos eles tenham acesso à representação do triângulo retângulo de diferentes maneiras, como por exemplo, a partir de um esquadro, seguindo os princípios do desenho universal, conforme discutido anteriormente. Manipulando um esquadro, todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiência visual, podem identificar o formato do triângulo retângulo, identificar o que é um ângulo reto e os catetos e a hipotenusa. Todos os estudantes podem virar o esquadro em diversas posições e perceber que, independentemente da posição do triângulo, os catetos são os lados que formam o ângulo reto e a hipotenusa é o lado oposto a esse ângulo, além disso, pode-se discutir que a hipotenusa é sempre o lado de maior medida. Dessa forma, todos os estudantes terão a oportunidade de visualizar o objeto matemático. De acordo com Duval (1999), a visualização consiste em apreender diretamente a configuração inteira das relações e em discriminar o que é relevante nela. A visualização na matemática é necessária porque ela apresenta a organização de relações, mas ela não é primitiva, porque ela não é apenas percepção visual. A este respeito, Duval (1999) afirma que há aprendizagem a partir de registros geométricos. Equações exponenciais

Da mesma forma como com as frações é fundamental ter o cuidado de identificar o numerador e o denominador, nas equações exponenciais é necessário explicar qual é a base e qual é o expoente da potência. Por exemplo, na equação 5 x+3 = 25, quando o professor fala oralmente “cinco elevado a x mais

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três igual a vinte e cinco”, o estudante cego pode escrever a equação 5x + 3 = 25, que é bem diferente da equação inicial. Para evitar tal situação, na sala de aula de inclusiva, pode-se escrever o expoente entre parênteses 5 (x+3) = 25 e certificar que quem está ditando cite a existência dos parênteses, ou ainda, pedir para que todos os estudantes (incluindo o estudante cego) possa ler o que escreveu discriminando quem é a base e quem é o expoente da equação, pois, se houver erros o professor poderá identificá-los e corrigi-los imediatamente. Logaritmos

Quando o assunto é logaritmo, pode-se constatar outro desafio. Quando o professor escreve “” significa “logaritmo de 9 na base 3”. Em Braille, o estudante escreve a palavra log, depois a base e depois o logaritmando, portanto se o professor falar oralmente dessa forma: “log de 9 na base 3”, o estudante vai ouvir em uma ordem diferente daquela que terá que escrever: “log 3 9”, assim a chance do estudante escrever “log 9 3” (logaritmo de três na base nove) será grande, gerando um erro em seu processo de aprendizagem. O ideal é que o professor dite: “log na base 3 de 9”. Portanto, mesmo sem entender o Braille é importante que o professor saiba das diferenças existentes entre a escrita a tinta e a escrita em Braille para poder contornar esses problemas de comunicação e evitar problemas de aprendizagem (Figura 4). Figura 4: Representação em Braille de log 3 9.

Fonte: do autor


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Matrizes

Em uma matriz os elementos estão dispostos em linhas e colunas, são posicionais, e identificar isso requer uma atenção especial do estudante que não conta com o recurso visual, o que exige que o professor, a partir dos princípios do desenho universal elabore estratégias de ensino que visem os múltiplos campos sensoriais. Por exemplo, dada a matriz:

Para calcular o determinante dessa matriz, utilizando a regra de Sarrus, o estudante deveria escrever a matriz repetindo a primeira e a segunda colunas ao lado da terceira e, adicionar os produtos dos elementos da diagonal principal e das diagonais paralelas. No caso da matriz em Braille, a Figura 5 exemplifica tal proposta. Figura 5: Representação em Braille da matriz A. Fonte: do autor

A representação gráfica pode facilitar não apenas a aprendizagem do estudante cego, como do estudante vidente também portanto, prover diferentes recursos para atingir um mesmo objetivo de ensino é a proposta que se pretende atingir, em um contexto de uma sala de aula inclusiva. Gráficos

O gráfico, em geral, é definido como uma forma de expressar visualmente dados ou valores numéricos de maneiras diferentes, facilitando a compreensão dos mesmos. Um gráfico é uma representação de dados obtidos nos experimentos na forma de figuras geométricas (diagramas, desenhos, figuras ou imagens)

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de modo a fornecer ao leitor uma interpretação mais rápida e objetiva. Sendo assim, o gráfico serve para representar os dados de uma forma mais rápida e ilustrativa. Tanto para estudantes videntes como cegos é necessário pensar em diferentes recursos disponíveis para garantir o ensino dos gráficos, tais como, geoplano, multiplano, ou alguns materiais construídos manualmente na escola para esse fim. A Figura 6 mostra a representação do gráfico de um livro didático e em Braille. Figura 6: Gráfico representado em um livro didático (esquerda) e gráfico no livro em Braille (direita)

Fonte: “Matemática aula por aula” (SILVA, BARRETO, 2005, p. 52)

Fonte: “Matemática aula por aula” em Braille (SILVA, BARRETO, 2005)

Considerações finais Mediante o exposto, o capítulo teve como objetivo relacionar os princípios do desenho universal ao ensino de uma matemática inclusiva, a partir de estratégias pedagógicas que visem o ensino dos conteúdos estabelecidos no currículo nacional. Nesse contexto, foram apresentados os documentos normativos, em que o Brasil acordou em termos internacionais, assim como as legislações específicas do contexto nacional. Estudar sobre tais documentos legais é fundamental para garantir o direito à educação de todos os estudantes, independentemente de sua condição, variedade linguística, raça, gênero, etnia, dentre outras características. Assim, a inclusão é um direito humano de todos os estudantes e deve ser garantida no espaço da sala de aula comum, por meio de estratégias pedagógicas que


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implementem os princípios do desenho universal para atender os diferentes estilos de aprendizagem existentes em um mesmo espaço, valorizando práticas plurais de ensino e aprendizagem, sobretudo na proposição de uma Matemática Inclusiva. E, por último, foram exemplificadas possibilidades educacionais, por meio de conteúdos como, ensino de fração, relações métricas e trigonométricas no triângulo retângulo, equações exponenciais, logaritmos, matrizes e gráficos. Assim sendo, é necessário que o debate da Matemática Inclusiva atinja diferentes modalidades de ensino, garantindo a transversalidade da educação especial brasileira, perpassando desde a educação infantil ao superior, por meio de práticas pedagógicas inclusivas, fundamentadas na concepção de direitos humanos e valorizem o contexto da sala de aula enquanto um espaço plural para promoção do ensino e aprendizagem dos conteúdos matemáticos.

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