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Conclusão
Conclusão
A simbiose entre poder político e poder militar foi a chave interpretativa das transformações militares pelas quais passou Portugal, nos séculos XVII e XVIII. As políticas sistemáticas para regular a defesa do império eram uma condição necessária para manter protegidas as rotas de comércio, o caminho das drogas do sertão (no caso da Amazônia), do açúcar, do ouro e de escravos. Portanto, militarizar-se, ou seja, ter exércitos permanentes, fortalezas em pontos estratégicos, armas modernas foi um caminho imprescindível para a expansão territorial e geopolítica do império português.
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As fragilidades apresentadas pelos correspondentes da administração do império, até a primeira metade do século XVIII, tornaram a integração nas companhias militares menos rigorosa, do ponto de vista da qualidade, experiência e proveniência étnica. A qualidade dos soldados não era uma questão central, embora nesse contexto sejam comuns as queixas de militares e governadores sobre a falta de profissionalismo dos soldados. A falta de gente e de dinheiro, como destacou o padre Vieira, justifica o tipo de guerra referida por Fernão Teles e Álvaro de Souza, composta “de todas as nações, e sorte de gente”.
A integração de nativos nas forças militares foi uma estratégia encontrada para garantir a defesa das áreas coloniais, com recursos limitados de gente e dinheiro. Por outro lado, a sistematização de Regimentos, Decretos e Alvarás, de 1623 até 1799, permite perceber que, desde a constituição das companhias regulares (1640) até a busca pela profissionalização do militar, a partir de 1760, é possível verificar três etapas de um mesmo processo de transição militar de Portugal, que se justifica pela premente afirmação geopolítica na Europa e nos territórios ultramarinos.
Portanto, há um nexo orgânico entre poder político e poder militar. A conjuntura Guerra da Restauração e afirmação bragantina ao trono exemplifica essa relação. É sobre essa base jurídica e institucional que D. João V buscará acertar as arestas da militarização, questão que perdurou até a segunda metade do século XVIII, período em que se buscou qualificar e aperfeiçoar as técnicas e o conhecimento da guerra.
Esse exercício interpretativo corrobora com o argumento de que a militarização em Portugal é impulsionada pelo ambiente de afirmação internacional
no século XVII, mas, sobretudo, pelas enormes mudanças no campo da militarização e guerra na Europa verificadas a partir do século XV. Um processo, caracterizado por Michel Roberts de Revolução Militar, pela introdução e impacto da tecnologia da arma de fogo, no organismo militar e na relação com a sociedade.168
Essa perspectiva, como explica António Manuel Hespanha, foi ancorada na experiência militar Sueca, notadamente, na participação da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)169. Interpretação que, mais tarde, foi revisada por Geoffrey Parker, sobretudo no que diz respeito ao lugar do militarismo Espanhol nesse processo. Parker ressalta as “diversas facetas” da Revolução Militar, como por exemplo, do “aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da artilharia do século XV”, e as inovações dos exércitos espanhóis no uso da artilharia, e na construção da arquitetura militar.170
Essas mudanças foram também a engrenagem que possibilitou uma transição militar que se verifica pelo esforço de centralizar as questões de defesa nas mãos do Estado. A lógica que aproxima a força coercitiva do poder político é mediada pela imposição e subjugação. Pelas práticas de violência e manutenção de espaço de interesse. Ora, na sistemática política de militarização de Portugal nos séculos XVII e XVIII, as narrativas sobre o poder dos exércitos de Castela, da eficiência inglesa e da potente armada holandesa trazem intrinsecamente a percepção do seu poder de imposição e dominação.
É necessário lembrar o poder das armas e do Estado militarizado. O capítulo que segue trata exatamente dessa compreensão. Como Portugal efetivou sua militarização no norte da América portuguesa? De que forças dispunha a capitania do Grão-Pará no século XVIII? Quais foram os sujeitos desse processo?
Outro aspecto que merece ser destacado é que o aprendizado dessas inúmeras mudanças que tratamos neste capítulo era problemático principalmente nos espaços coloniais. A experiência da administração sem gente e sem recursos tornou o alinhamento entre a lei e a prática algo problemático, até mesmo
168 ROBERTS, Michael. The military Revolution., 1560-1660. Belfast: Queen’s College, 1956. 169 HESPANHA, Antonio Manuel. “Introdução”. BARATA, Manuel Themudo; TEIXEIRA,
Nuno Severiano (org). Nova História Militar de Portugal. p.9. 170 PARKER, Geoffrey. La Revolución Militar: Las innovaciones militares y el apogeo de Occidente 1500-1800. Traducción castellana de Alberto Piris. Editorial: Crítica, Barcelona, 1990, p.47.
pela falta de ciência de infindáveis regulamentos. Foi o que aconteceu com Manoel de Sousa D’Eça capitão do presidio do Grão-Pará, que, em 1623, desconhecia as obrigações do seu posto, razão pela qual solicitava o regimento particular para melhor compreender suas atribuições.171
171 Requerimento de Manuel de Sousa Eça capitão do presídio do Grão-Pará ao rei, 13 de janeiro de 1623. AHU, Avulsos do Pará, Cx1, D. 23.