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1. As Companhias Regulares
implica ter condições de defendê-lo. Isso talvez explique a permanência de um discurso crítico e lastimoso da situação militar do Estado, embora, claro, não se tratasse somente de discurso, conforme vamos verificar a partir de três aspectos: as companhias regulares, para qual se sistematiza dados e relatos de militares e governadores sobre sua composição no Estado; as companhias de ordenanças estabelecendo as problemáticas em torno da constituição, sobretudo com a relação que essa força estabelece com o povoamento; e das companhias auxiliares para a qual se problematiza a constituição na capitania do Pará.
O objetivo é mapear as forças legais disponíveis para a defesa da capitania. Essa tarefa é importante para que possamos nesses quadros perceber com mais clareza os limites desses elementos do militarismo Europeu para a experiência defensiva da região. Embora aqui a análise incorra sobre as três forças, a maior atenção é dada às companhias regulares e auxiliares devido ao atrelamento legal que estas têm às atividades de defesa.
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1. As Companhias Regulares
As companhias regulares ou tropas de linha foram criadas em Portugal em 1640. Considerando a distância temporal entre a constituição das ordenanças sebásticas de 1570 e a tropa regular, pode-se afirmar que o exército “profissional” português foi tardio. É importante destacar que a necessidade de constituição de um corpo defensivo formado por súditos do rei revelou-se, no contexto da Guerra de Restauração, urgente e necessária.
Nelas serviam os soldados permanentes, que recebiam soldo pela atuação nas tropas e teoricamente não deveriam se dedicar a nenhum outro ofício, senão o da defesa. Esse escalão se organizava em terços e companhias comandadas por “fidalgos de nomeação real”, que seria mantido pela receita da Fazenda real.177 Essas companhias formaram a força responsável por acudir às fronteiras, fazer a guerra, vigilância e tudo o mais que fosse interesse da Coroa portuguesa, seja no reino ou nas conquistas. Organizava-se em cavalaria, infantaria e artilharia.
De acordo com Carlos Selvagem a infantaria constituia-se em terços de 2.000 homens, divididos em dez companhias de 200 homens cada. “Cada terço era comandado por um mestre de campo (coronel), e as companhias
177 COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no império lusitano, pp. 17-18.
comandadas por capitães e enquadradas pelos seus oficiais e graduados (alferes, sargentos e cabos de esquadras)”.178
Os terços buscavam agregar um número considerável de soldados. Esse número significativo de gente exigiu estratégias de recrutamento mais sistemático. Nas conquistas, como por exemplo na capitania do Grão-Pará, o recrutamento compulsório foi um mecanismo estruturante da formação das companhias regulares, assim como a política do degredo e incorporação nativa.
A formação de tropas nas capitanias do Pará e Maranhão jamais alcançou os números para manutenção de terços de 2.000 homens como previa o regimento. A defesa desses espaços sempre foi um problema retratado em inúmeras correspondências trocadas entre governadores e o reino. O provimento dessas companhias também exigiu enormes esforços da Coroa, que mantinha ações complexas de mobilização de gente para a operacionalização da defesa do Estado.
As formas de recrutamento para essas companhias foram definidas no Regimento de Fronteiras de 1645, documento importante para a compreensão das ações de recrutamento, da jurisdição dos postos na hierarquia militar e da própria organização da força.179 Além disso, nas colônias, o governador tinha função central para constituição da companhia regular. Era responsável pelo recrutamento e levantamento da gente de guerra, além da distribuição dos soldados nas diligências.
Essa atribuição estava prevista no regimento dos governadores gerais. Em 1548, com a instituição do governo-geral, a Coroa elaborou as primeiras normas para organização militar na colônia. No regimento do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, determinava-se que ele deveria, entre vários aspectos, zelar pela segurança da Colônia e do povoamento das novas terras, para o que contava “com armas, gente, artilharia, e munições, e tudo o mais que fosse necessário”.180 A gerência da questão militar também compunha o texto das obrigações no regimento dos governadores do Pará.181
A militarização nas colônias, portanto, estava estreitamente ligada aos governadores, a quem se atribuía a dupla função: administrativa e das armas e
178 SELVAGEM, Carlos. Portugal Militar: compêndio de história militar e naval de Portugal. p. 386. 179 Regimento de Fronteira, 1645. Arquivo Histórico Militar de Portugal- AHM. DIV/1/2/ caixa 1.
Doc. 17 180 PUNTONI, Pedro. “A arte da guerra no Brasil”, p. 43. 181 “Regimento dos senhores generais do Estado do Grão-Pará”.
não foram raros os esforços desses agentes coloniais em sistematizar as forças regulares e tornar a defesa mais efetiva. São exemplos de ações que visavam ao incremento das tropas: o indiscriminado recrutamento interno de toda gente capaz de servir; a cooperação de forças vindas de outras capitanias; a imposição do serviço a degredados, vadios e vagabundos; e a complexa rede de mobilização indígena do sertão. As pesquisas apontam para um processo sistêmico de gerência de defesa que integra o reino, a América portuguesa e outras partes do império como, por exemplo, as ilhas atlânticas e Angola.
Tendo em vista que pelas normas vigentes os governadores deveriam fazer mapas e listas das companhias regulares, nesta altura convém apresentar os resultados da busca desses registros. No Regimento de Fronteiras, 1645, recomendava-se que essas listas de soldados destacassem “a terra onde cada um é natural, e o nome do pai e os sinais do rosto, e a estatura do corpo, e os mais anos de idade em que se assentou praça”.182 Esse levantamento deveria ser elaborado pelo vedor geral dos exércitos, que tinha no ofício “quatro oficiais de pena e quatro comissários de mostras”, cuja função era realizar as listas da gente de guerra “e de fazer todos os papéis livros que forem necessários”.183
Assim, também se destaca no regimento dos governadores do Pará que, como vimos no capítulo anterior, deveriam enviar ao reino todos os anos notícias sobre o quadro defensivo das capitanias do Estado, com os números de soldados, armas e fortificações.184 É graças a essa atribuição que é possível obter alguns dados sobre as companhias regulares no Maranhão e Pará. Considerando a existência dessa prerrogativa legal, a pesquisa buscou encontrar esses dados, objetivando quantificar o número de soldados pagos e de companhias existentes no Estado do Maranhão e Pará no século XVII até 1750.
Os registros encontram-se dispersos, com informações fragmentárias, com nenhuma regularidade nas informações apresentadas. Alguns trazem dados numéricos e listas nominais de todos os soldados das companhias regulares. Outros, somente o número. De todas as listas verificadas nenhuma contém dados sobre a naturalidade, nome dos pais e idade do soldado. Ou seja, bem distante do que previa o Regimento de Fronteiras. Além disso, estão
182 Regimento de Fronteira, 1645. Arquivo Histórico Militar de Portugal- AHM. DIV/1/2/caixa 1.
Doc. 17. 183 Idem. 184 “Regimento dos senhores generais do Estado do Grão-Pará”.