8 minute read
Tabela 2. Número de gente nas ordenanças na capitania do Pará e capitania do Maranhão (1647-1747
Tabela 2. Número de gente nas ordenanças na capitania do Pará e capitania do Maranhão (1647-1747) Ano Capitania do Pará Capitania do Maranhão 1647 110 ---1720 570 785 1730 492 ---1736 224 ---1739 158 252 1744 517 905 1746 583 905 1747 594 ---Fonte: AHU, Avulsos do Pará: Cx. 1, D. 28; Cx. 1, D.63; Cx. 12, D.1142; Cx. 1, D. 66; Cx. 3, D. 299; Cx. 5, D. 451; Cx. 6, D. 481; Cx. 8, D. 724; Cx. 9, D. 852; Cx. 9, D. 859; Cx. 10, D. 946; Cx. 11, D. 974; Cx. 11, D. 974; Cx. 12, D. 1141; Cx.17, D. 1632; Cx. 19, D. 1776; Cx.20, D. 1873; Cx. 24, D. 2262; Cx. 25, D.2317; Cx. 27, D. 2580; Cx. 28, D. 2681; Cx. 29, D. 2804.
Como se observa nos anos de 1736, 1739, 1744, 1746 e 1747, os registros dessas companhias tornaram-se mais regulares. Na capitania do Pará, somente em 1747 obtém-se o número de 594 pessoas alistadas nas Ordenanças e na capitania do Maranhão o maior cômputo é nos anos 1744 e 1746, nos quais se registram 905 indivíduos nessa companhia. Se considerarmos o que prevê o Regimento dos capitães mores e mais capitães, no qual se define que cada companhia de ordenança deveria ser formada por 250 moradores, verifica-se que nesses anos de maior quantitativo, não eram insuficientes para formar 3 companhias no Pará e 4 no Maranhão. É importante destacar que pelo regimento das Ordenanças a listagem era de homens entre 18 e 60 anos de idade. Nesses termos, o oficialato para o Pará seria formado por 2 capitães e 2 sargentos e no Maranhão 4 capitães e 4 sargentos.
Advertisement
Ora, como vimos anteriormente, as queixas atrelavam-se justamente à multiplicação desses postos e à instituição de companhias de ordenanças em lugares das capitanias com um número muito reduzido de moradores. Essa prática ocorria sem atendimento à disposição prevista no regimento, em que se determinava o número de 250 moradores para o provimento desses postos.
De fato, ao que consta, o número do oficialato foi bem superior ao que pelas disposições legais seria necessário à capitania do Pará e à capitania do Maranhão. É o que fica evidente em 1728, ocasião em que Alexandre de Souza Freire passava ao rei a relação do provimento de postos vagos que havia feito para as ordenanças do Estado. Constava na lista para o Maranhão: companhia
de ordenança de São Luís para a qual fora provido para capitão Manoel da Costa Dias e João Pereira ao posto de ajudante. Para São Luís ainda aparecem na lista Antonio Correia e José [?] para capitão e ajudante, respectivamente. Isso sugere a existência de duas companhias em São Luís.270
Além de São Luís, consta também ordenança na Vila de Icatu para a qual foram providos Francisco Xavier Pinheiro, para capitão, e Manoel Rodrigues para ajudante. Ordenança de Itapecuru, na qual recebeu o posto de capitão Frederico Nunes de Melo e para ajudante Inácio de Oliveira. Ordenança do rio Mearim para a qual foi provido Baltazar Pereira dos Reis como sargento-mor. Para o Mearim aparecem ainda Manoel Rodrigues da Costa, sargento-mor da ordenança. Na ordenança da vila de Santo Antonio de Alcântara, constava Manoel Barbosa ao posto de capitão e Inácio Pereira de Carvalho como ajudante.271
Confrontando essas informações com os dados da tabela, logo verifica-se que havia de fato mais companhias do que bastava aos moradores se houvesse o atendimento legal para formar as companhias de 250 homens. Para o Pará, na lista de Alexandre de Souza Freire, aparece a ordenança da Vigia, para a qual foi provido Manoel Teixeira Coelho ao posto de sargento-mor.272 Em um mapa de Ordenança do Pará de 1730, verifica-se uma lista de 492 moradores. Ou seja, se esse cômputo fosse organizado em companhias de 250 homens, mal se formariam 2 companhias.273 Todavia, o documento discrimina esses moradores em 7 companhias, o que significa uma dilatação de postos de oficialato, como se tem mostrado.
Sobre essa questão, há ainda um aspecto a ser mencionado. A listagem de moradores incluía todos os homens capazes de pegar em armas, ou seja, entre 18 e 60 anos. Dessas listas, pelas normas da militarização do reino sairiam os sujeitos para integrar as companhias pagas. Ocorre que, desse universo de moradores, havia aqueles que eram isentos do serviço militar por serem
270 Carta do governador Alexandre de Sousa Freire para o rei sobre os provimentos que fez de alguns postos de Ordenanças. Anexo: relação. Belém do Pará, 21 de setembro de 1728. AHU, avulsos do Pará, Cx. 11, D. 992. 271 Idem. 272 Idem. 273 Mapa das Ordenanças que se encontram na praça da capitania do Pará elaborado de acordo com a mostra geral de 20 de setembro de 1730. Anexo: listas. Pará 20 de setembro de 1730. AHU,
Avulsos do Pará, Cx.12, D. 1142.
considerados cidadãos ou privilegiados. Eram considerados cidadãos sujeitos ligados a espaços políticos de atuação de poder local como as câmaras. Além daqueles provenientes de famílias de conquistadores, ou ainda os que recebiam privilégios pelos serviços prestados. Além desses, havia casos completamente distintos, como foi o de Vigia, onde os moradores alegavam ter privilégios274 e serem isentos do serviço das armas por estarem situados na costa, um lugar estratégico e suscetível à invasão e ameaça estrangeira. Razão pela qual, como alegavam os moradores se fossem recrutados, significaria ir servir em outro local deixando a vila despovoada e propensa a ataques.
De acordo com Fábio Faria Mendes, o Estado português “tece um mosaico de privilégios e isenções em torno do serviço das armas”. Esses sujeitos que se encontravam sob as “redes sociais de proteção” compunham na experiência colonial uma categoria social que se queria distinta a partir da relação que estabeleciam com o rei. Essa construção do privilégio e da nobreza da gente da terra desenhava-se no limite entre os interesses da administração colonial, como a defesa e a manutenção de redes de clientelas e favores também importantes na dinâmica e ação da Coroa nesses espaços. Ao capitão-mor das ordenanças cabia a tarefa de compreender bem esses limites, entre os que eram passivos de descolocarem-se para as tropas e aqueles que possuíam a isenção do serviço.275
Por essa razão deveriam ser dispostos em listas separados. Assim se apresentava o Mapa de Ordenança do Pará, em 1730. Discrimina-se os 492 moradores em: lista dos cidadãos da cidade, com o quantitativo de 101 moradores; companhia dos filhos dos cidadãos que somavam 100 homens; companhia dos privilegiados somava-se 64 pessoas; companhia do capitão Xavier de Souza Ataíde com 52 homens alistados; companhia do capitão Manoel Morais Bitencourt com o número de 76 homens; companhia do capitão João Furtado
274 Esse privilégio foi mencionado no requerimento de Mariana Tolosa, quando pedia baixa de soldado ao neto Severino. Pará, 9 de novembro de 1743. Anexo: requerimento. AHU, Avulso do
Pará, Cx. 26, D. 2449. Ver ainda sobre a questão: Carta regia anexo da Carta dos oficiais da câmara de Vigia ao Rei. Belém 9 de setembro de 1727. AHU, Cx. 10, D.920; Carta do governador
João de Abreu Castelo Branco, para o rei. Pará, 9 de novembro de 1743. AHU, Avulso do Pará,
Cx. 26, D. 2449. 275 MENDES, Fábio Faria. “Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (org.).
Nova História Militar brasileira, p. 113-114.
de Vasconcelos, com 42 alistados, e a companhia do capitão José Fernandes Araújo, com 57 homens.
Excetuando-se as companhias de cidadãos, filhos de cidadãos e privilegiados,276 restavam às companhias regulares 227 homens que não contavam com as redes de proteção estabelecidas sobre os demais. Se considerarmos os dados apresentados na Tabela 1 sobre as companhias pagas, verifica-se que, em 1730, essa força compunha-se de 261 soldados. A ordenança e as companhias regulares não estavam muito bem providas de gente. Meu interesse neste estudo é sobre esses sujeitos que estavam diretamente ligados à defesa. Pelas mesmas razões apresentadas sobre os poderes locais no âmbito das câmaras, aqui também não são objeto as companhias de privilegiados e cidadãos, pois trata-se de um vetor distinto de análise. Muito embora, em caso de grande perturbação, como uma invasão estrangeira, todos deveriam tomar armas, até mesmo os privilegiados e cidadãos.
Portanto, as ordenanças no Estado do Maranhão parecem estar muito mais vinculadas ao poder local e interesses pessoais do que necessariamente compõem uma força com treinamentos militares regulares, com listas de moradores capazes de acudir nas guerras e/ou à expansão da fronteira colonial como determinavam os regimentos. O imbróglio em torno da multiplicação de postos de oficiais é evidente nessa perspectiva. Além disso, as listas de moradores disponíveis para a defesa da capitania eram redesenhadas pelos privilégios, o que empurrava a ação do recrutamento compulsório para colonos pobres, degredados, “vadios”, “vagabundos”, “mestiços” e de mobilização indígenas do sertão, como vamos tratar no capítulo 4. Isso ocorre porque o serviço militar era indesejável pelas péssimas condições do serviço, baixos soldos e por ter que ir servir longe do local de origem.277
Na primeira metade do século XVIII, as companhias de ordenanças determinavam-se a partir desses limites apresentados. De acordo com Christiane Figueiredo Pagano de Mello, a principal medida da Coroa em alinhavar, de fato, essas companhias aos interesses de defesa da colônia foi com a
276 Sobre essa questão ver: SANTOS, Arlindyane dos Anjos. “Gente nobre da governança”: (re) invenção da nobreza no Maranhão Seiscentista (1675-1695)”. Monografia (Graduação) –
Universidade Estadual do Maranhão, Maranhão, 2009. 277 Sobre essa questão ver: NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Razões para desertar: institucionalização do exército no Estado do Grão-Pará no último quartel do século XVIII. E, ainda: VIANA, Wania
Alexandrino. A “gente de guerra” na Amazônia Colonial. Sobretudo capítulo III.