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1. Casa Fortes, Fortalezas e Presídios: o problema das terminologias

metade do século XVIII. Alguns espaços fortificados construídos ainda no século XVII, e outros levantados nesse contexto. Vejamos o que foi possível sistematizar.

1. Casas-Fortes, Fortalezas e Presídios: o problema das terminologias

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O primeiro embaraço na tentativa de mapear e nomear as fortalezas na capitania do Grão-Pará é a sua designação. Na documentação três definições aparecem. É possível o nome fortaleza definir um espaço, que logo depois é tratado como presídio ou casa-forte. Por exemplo, em 1737 e 1739, estão descritos na documentação “fortaleza do Paru” e “fortaleza do Rio Negro”. Nos anos seguintes, em 1741 e 1742, a nomenclatura fortaleza desaparece e o que se tem nos registros são “casa forte do Paru”, “casa forte do Rio Negro”. Dois anos mais tarde, em 1744, Paru e Rio Negro já são descritos como fortalezas novamente. Além dessas designações, aparece também a denominação “forte”: em 1747, descrevia-se “forte do Paru” e “forte do Rio Negro”.328

Esse imbróglio nominativo merece atenção. Afinal, o nome indica diferenças do ponto de vista da arquitetura militar? Ou essas definições são indícios do desconhecimento de quem registra, sobre o que define um presídio, uma fortaleza ou uma casa-forte? Como veremos a seguir, os nomes se repetem com designações diversas para o mesmo lugar. Na definição de Rafael Bluteau, de 1712, casa-forte é residência fortificada, referindo-se a “Torres e castelos”.329 Portanto, o significado remonta aos castelos medievais. A dupla função de residência e de defesa, fosse para proteção pessoal ou familiar, tornou esses espaços lugar de distinção social, símbolo da nobreza e fidalguia.330 Essas casas fortificadas, em alusão aos castelos na época moderna, perderam espaço devido à invenção da arma de fogo e ao surgimento da artilharia.

328 AHU, Avulsos do Pará: Cx. 20; D. 1873. Cx. 24, D. 2262; Cx. 25, D. 2317. Cx. 27, D. 2580; Cx. 28, D. 2681; Cx. 29, D.2804. Avulsos do Maranhão: Cx. 25, D. 2605. 329 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez e latino, áulico, anatômico, bellico, botânico, brasílico, comico, critico, chimico, dogmático, dialético, dendrológico, eclesiástico, etimológico, econômico, hydrographico…. Oferecido ao Rei D. João V. Colégio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1712. 330 CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Casa Forte. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano;

THOMPSAON, Analucia (org.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl.

Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016.

Esse processo transformou, significativamente, a percepção de defesa na Europa moderna. Os castelos e torres tornaram-se alvos fáceis da artilharia. A renovação seguia, conforme veremos mais adiante, com mudanças estruturais, uma delas era tornar a defesa mais eficaz por meio da mobilidade para a qual os castelos não mais correspondiam. O fato é que o nome casa-forte foi prontamente utilizado na estruturação defensiva nas áreas coloniais. Todavia, com características muito diferentes daquelas que inspirara a definição do padre Rafael Bluteau, em 1712.

Na América portuguesa, essas construções foram previstas no Regimento do governador Tomé de Souza, de 1548, no qual se previa que a todas as pessoas que se dessem “águas e terras de sesmaria, para se fazerem engenhos, os façam no tempo que lhes limitar o capitão”, e nos “assentos das povoações dos ditos engenhos, se façam torres ou casas fortes”. Portanto, a construção poderia ser realizada por colonos no intuito de proteger a propriedade e a produção.331 É importante notar que a definição presente no referido regimento é a mesma de Rafael Bluteau.

Todavia, na experiência colonial da América portuguesa, a construção das casas-fortes estava longe de agregar os traçados de castelos e torres da Europa. Eram, em geral, construídas de taipa, madeira e pau a pique. Pequenas casas fortificadas com artilharia, estrategicamente pulverizadas pelo extenso território colonial.

Na capitania do Pará, a documentação, entre 1737 e 1741, cita quatro casas-fortes: Pauxis, Paru, Rio Negro e Guamá. Nesse mesmo período, para a capitania do Maranhão três são mais recorrentes: do Itapecuru, do Mearim e do Iguará. Se construídas por donos de engenho ou sesmeiros, é algo que exige maior investigação. Todavia, não nos parece que essas casas-fortes eram constituídas e mantidas por iniciativa somente de particulares. Ao contrário, essas casas eram fortificadas pela Coroa, a qual não apenas tinha conhecimento sobre elas, como em muitos casos desenvolveu projetos mais complexos de construção, como veremos adiante.

331 Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. Lisboa,

AHU, códice 112, fls. 1-9. Disponível em: http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/ files/2018-04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf. Acesso em: 9 set. 2018.

A definição de fortaleza de Rafael Bluteau, de 1712, se refere a “castelos ou cidadela mais forte, mais capaz e de mais baluartes, que os originários para segurança das províncias, cidades, portos”. Essa definição traz intrínseca a percepção de defesa. Fortificação define-se como “obra exterior ou interior para defender uma praça e afastar dela o inimigo”.332

Essa finalidade é indiscutível. De fato, o propósito da instalação desses espaços é defensivo, é o controle de rotas importantes de comércio e é ainda de estabelecimento e apropriação do espaço. Na Amazônia colonial, as fortificações tiveram um papel central na dinâmica defensiva das capitanias do Pará e Maranhão. Trata-se da perspectiva da logística, do controle das rotas e da dissuasão do inimigo por significar um ponto de presença portuguesa. Muito embora, do ponto de vista do aparelhamento da artilharia e guarnição, muitas fortalezas tivessem poucas capacidades defensivas.

Para a capitania do Pará a fortaleza da Barra de Belém, Forte das Mercês, a fortaleza do Gurupá, Fortaleza dos Tapajós, Fortaleza do Pauxis e a Fortaleza do Rio Negro compuseram a tessitura de um mecanismo defensivo que só é possível compreender a partir da análise do conjunto e do particular. Na mesma direção, para a capitania do Maranhão temos a Fortaleza de São Cosme e Damião, Fortaleza de Itapecuru, Fortaleza da Barra de São Luís e Fortaleza da Ilha São Francisco. São pontos importantes da costura defensiva que em muitos aspectos mostrava-se frágil e insuficiente.

Retomando a questão da nomenclatura, temos ainda a palavra Presídio. Conforme definição de 1789, é local onde tem “gente de guarnição de uma praça”; ou ainda “praça de armas presidiadas”. Presidiar, nessa interpretação, é “provê-las de soldados de presídio”.333 Ao que parece trata-se de um espaço mais flexível no que diz respeito à permanência da estrutura construída, “deixar de presídio tantos homens” quando for necessário.

No Pará, o nome presidio aparece para três lugares Salinas, Macapá, Joanes. Sendo este último, tratado como fronteira de Joanes nos registros do ano de 1744 e 1747. Para o Maranhão, essa denominação não aparece nos mapas de

332 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez e latino, áulico, anatômico, bellico, botânico, brasílico, comico, crítico, chimico, dogmático, dialético, dendrológico, eclesiástico, etimológico, econômico, hydrographico…. Oferecido ao Rei D. João V. Colégio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1713, pp. 184-185. 333 Diccionario da Língua portuguesa composto pelo por Rafael Bluteau reformado, e acrescentado por

Antonio de Moraes Silva. Tomo II. Lisboa, 1789. p. 239.

defesa da capitania. Por outro lado, já temos dois baluartes de São Damião e de São Cosme, o reduto de São Francisco, pois assim aparecem descritos na documentação de 1744 e 1746. Em 1747, já se registra bateria de São Francisco.

Portanto, conforme se verifica, há várias terminologias para designar esses espaços militarizados. É importante, ainda, mencionar o termo forte que também aparece na documentação; assim designava-se, por exemplo, o forte das Mercês de Belém do Pará. Na definição do dicionário do século XVIII, “é uma praça cercada de fosso, reparos e baluartes dos quais se pode defender com pouca gente contra a força do inimigo”. Além deste, ainda temos fortim, mais incomum na documentação. No Pará, aparece para designar a barra de Belém em alguns registros. Para o Maranhão, não encontramos essa designação entre 1737-1747. Segundo Bluteau, trata-se de “forte pequeno para defesa de um exército, principalmente no cerco, quando os quartéis são unidos por linhas defendidas, por fortins e redutos”.334

Adler Homero de Castro afirma que, para os engenheiros militares e as autoridades coloniais, essas terminologias não tinham tanto significado.335 A julgar pela mudança que temos na documentação, parece, de fato, que essa era uma questão pouco importante. Por outro lado, essas tipologias inconstantes para um mesmo lugar parecem indicar algo além de uma simples grafia desinteressada.

Ora, dessa análise obteve-se, para citar algumas palavras: forte, casa-forte, fortim, fortaleza, baluarte, presídio, reduto e fosso. Se, na experiência colonial, ou mesmo na descrição desses espaços na documentação, a designação tem pouco ou quase nenhum significado, para o conjunto da arte de fortificação da época moderna tem muito a dizer. Parece que esses sujeitos que mapearam e traçaram tipologias para esses espaços estavam muito bem alinhados com as inovações da arquitetura militar desse contexto.

Basta lembrar o tratado Methodo Lusitanico de Fortificar as Praças Regulares e Irregulares de Luís Serrão Pimentel, publicado em 1680, o primeiro

334 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez e latino, áulico, anatômico, bellico, botânico, brasílico, comico, critico, chimico, dogmático, dialético, dendrológico, eclesiástico, etimológico, econômico, hydrographico…. Oferecido ao Rei D. João V. Colégio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1713, p. 185. 335 CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Fortim. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano;

THOMPSON, Analucia (org.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016.

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