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2. Fortificação à moderna: ciência, conhecimento e formação

a sistematizar um método luso de construções de fortificações. Tornou-se uma escola importantíssima de formação de engenheiros no reino e para o ultramar. Aparece como referência para a definição das palavras “fortim”, “forte”, “fortaleza” no dicionário de Rafael Bluteau, já citado aqui.

Na mesma ordem de importância, temos a obra intitulada O engenheiro português, publicada em 1728, de Manoel Azevedo Fortes. Constituiu uma proposta de inovação e organização do conhecimento da geometria, matemática e construção, a serviço da defesa na época moderna, momento em que os grandes castelos amuralhados se mostravam pouco eficazes diante das inovações de guerra, principalmente com o surgimento da artilharia.

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Pode-se afirmar que, para as últimas décadas do século XVII e a primeira metade do século XVIII, são as principais referências para a formação e conhecimento da engenharia e arquitetura militar do império português. São nessas obras que se define com mais precisão a fortaleza abaluartada, os elementos da construção, como reduto e fosso. Portanto, são indícios de que o Estado do Maranhão e Grão-Pará estava inserido em um contexto de enormes inovações na arte da guerra, e esses espaços fortificados integram esse conjunto maior de transformações.

2. Fortificação à moderna: ciência, conhecimento e formação

As renovações na arte das fortificações parecem como aspecto central para a transição política de Portugal na época da Restauração. Inserem-se no quadro de transformações que implicaram na necessária afirmação geopolítica e militar e ensejaram um reordenamento jurídico e institucional produzido em Portugal a partir de 1640. Isso se verifica pelo volume normativo sobre a defesa e a criação de companhias regulares e auxiliares, que vimos nos primeiros capítulos deste livro. Todavia, a transição também integra um conjunto de mudanças na arquitetura e engenharia militar.

No que diz respeito a esse aspecto, pode-se elencar dois elementos que caracterizam essa transição: a instrumentalização do conhecimento pela formação de engenheiros e a renovação da engenharia e das construções militares a partir do advento da artilharia. Formar engenheiros capazes de adequar e inovar as construções defensivas para resistir aos canhões tornou-se uma necessidade

premente para a Europa e, em particular, para Portugal, a partir de 1640.336 É nesse contexto que se insere a construção de fortalezas na Amazônia colonial e, portanto, essa relação não pode ser menosprezada. Aliás, só fazem sentido se observadas a partir desse quadro maior.

Na Europa a construção de fortalezas é conhecida desde o medievo. A percepção da guerra em que se evidencia a defesa e menos o ataque contribui para a existência de castelos amuralhados a pique. Essas fortalezas caracterizavam-se pela verticalidade de suas muralhas. Portanto, mostravam-se bastante eficientes contra as armas de guerra no momento, como as bestas, as catapultas, aríetes e torres de assédio. O surgimento da artilharia e a introdução sistemática da pólvora e do canhão tornaram essas estruturas alvos fáceis e frágeis. Essa constatação foi evidenciada na conquista de Granada (1482-1492) e nas campanhas de Carlos VIII na Itália (1494).337

Os arquitetos militares refinaram-se na definição de novas estratégias para fazer uma praça defensável diante da artilharia. Os italianos, notadamente, estiveram na “ponta de lança” dessa reconfiguração. Atribui-se a Francesco Di Giorgio Martini (1438-1501) o início do que viria ser conhecido mais tarde, por tratadistas e arquitetos, como o traçado italiano. Martini foi pintor, escultor, arquiteto e engenheiro publicou uma das mais importantes obras no campo da arquitetura militar, o Trattato de Architettura Civile e Militare de 1470.338

Seus desenhos já apontavam para a reformulação da estratégia defensiva por meio da ressignificação das torres verticais dos castelos medievais. É possível verificar em seu tratado a proposição a “torres angulares e baluartes, juntamente com os formatos poligonais e ângulos agudos das fortificações”.339 Conforme explica Carlos Plaza Morillo, Di Giorgio Martini mostrava contínuo

336 DIAS, Pedro. História da Arte luso-brasileira. Urbanização e fortificação, 2004. 337 BARATA, Manuel Themudo; TEIXEIRA, Nuno Severiano (org.). “Introdução”. In: BARATA,

Manuel Themudo; TEIXEIRA, Nuno Severiano. Nova História Militar de Portugal. Portugal: círculo de leitores, 2004. 338 MARTINI, Francesco Di Giorgio. Trattato Di Architettura Civile e Militares. 1470. Disponível em: http://dlib.biblhertz.it/ia/pdf/Gh-FRA4851-4410-2.pdf 339 MENDES, Pinheiro Lorraine. A cidade ideal de Francesco Di Giorgio Martini. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora,

Instituto de Ciências Humanas, Juiz de Fora, 2015. p. 55.

interesse pela inovação a partir de uma percepção que agregava observação às características do lugar e às inovações bélicas do contexto.340

A revolução militar também provocou um processo de reformulação das construções de fortificação abaluartada, embalada por uma reinterpretação militar e da matemática. “Depois de várias aproximações da teoria de arquitetos como Brunelleschi ou Francesco de Giorgio, foram os irmãos Sagallo os prováveis inventores do traçado angular”, essa invenção se consagrou na virada do século a chamada “traçada italiana”, embora o traçado circular que o antecedeu fosse ainda utilizado.341

O primeiro tratado de fortificação foi impresso em 1526, escrito por Albrecht Dürer. Todavia, as obras subsequentes dedicaram-se ao traçado angular. Duas décadas depois surge um impresso dedicando-se ao tema das fortificações, o Quesiti et inventione diversi, de Niccolò Tartaglia. De acordo com Francisco Contente Domingues, os problemas levantados pelas fortificações só iam ser resolvidos com especialistas, e os arquitetos deram a resposta necessária ao processo. A dedicação às atividades construtivas possibilitou também a teorização.342

A primeira obra em que arquitetura militar e civil aparece como tema central foi no texto de Pietro Cataneo, I primi quatro libri di architettura, impresso em 1554. Em 1546, Tartaglia usava a matemática para a construção de esquadrões e para orientar o tiro de artilharia.343Na segunda metade do século XVI, a proliferação desse conhecimento trouxe muitos tratados como também autores. O sistema encontrava-se estabelecido, e tratou-se de estudar os pormenores, como por exemplo o ângulo dos baluartes.

A técnica do baluarte, rebaixamento da cortina das muralhas e dos ângulos, foi bem desenvolvido pelos irmãos António e Giuliano Sangallo que concretizaram um sistema homogêneo e complexo de construção de fortificações. As mudanças provocadas a partir do traçado abaluartado delineou o período

340 MORILLO, Carlos Plaza. “Arquitectura militar em Italia em el siglo XVI y la aportación española: el caso de Florencia y Siena”. Actas del Septimo Congresso Nacional de História de la

Construcción. Madrid: Instituto Juan de Herrera, 2011. 341 DOMINGUES, Francisco Contente. “O império no Mar e na Terra (1495-1580)”. In:

TEIXEIRA, Nuno Severiano. DOMINGUES, Francisco Contente; MONTEIRO, João

Gouvêia. História Militar de Portugal, p. 222. 342 Idem. 343 Idem, p. 223.

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