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Imagem 6. Fortificação de Praça Irregular
Imagem 6. Fortificação de Praça Irregular.353
Nesse conjunto de traçados, é possível identificar os exemplos de fortificação de praça irregular, indicados pelas setas. Os traçados estão associados ao local que será fortificado, já que o terreno interfere na definição do polígono. Os detalhes de uma fortificação à moderna também são bem mais complexos dos que indicados aqui. Todavia, não caberia neste espaço detalhar cada elemento que compõe as fortalezas, mas indicar, de forma geral, as modificações existentes no âmbito da institucionalização do conhecimento da arquitetura militar.
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Portugal não ficaria de fora dessas transformações. Conforme indiquei no início deste capítulo, o processo de afirmação da dinastia de Bragança ao trono português e a guerra da Restauração foram os principais motores para um processo de transição militar, que incluiu também a profissionalização de engenheiros e a sistematização do conhecimento sobre a construções defensivas. Aliás, os dois últimos exemplos de fortificação de praças regulares e irregulares
353 Idem.
fazem parte do tratado lusitânico de Luís Serrão Pimentel, sujeito que contribuiu efetivamente para esse processo em Portugal.
Em Portugal essas mudanças se fizeram sentir ainda na primeira metade do século XV. Detalhes como a forma de torrões e baluartes de planos circulares ou curvos, muros inclinados e baluarte de desenho em estrela mostravam sinais evidentes de adequação aos modernos traços da arquitetura. Espaços em que se verifica esses elementos são a Torre Velha, em Porto Brandão; Outão, em Setúbal; São Julião da Barra, em Lisboa; Foz, no Douro. Esse modelo da segunda metade do século XVI será exportado para o ultramar.
Todavia, o aprendizado da ciência da fortificação regular inspirado nas renovações italianas tornava-se iminente. Pedro Dias explica que a presença de estrangeiros nas atividades de construções militares no império português deve-se, sobretudo, à dilatação das áreas a serem defendidas.354 Afinal, no final do século XVI, segundo Pedro Dias, o Estado português já mantinha o número estimado de 300 fortalezas em pontos estratégicos no reino e em suas conquistas. Essas edificações foram realizadas por homens de notáveis conhecimentos, como Alexandre Italiano, primeiro engenheiro ou militar régio que se tem nomeação, datada de 16 de março de 1588, em Lisboa.355
Outros nomes são Francisco de Frias de Mesquita, nomeado engenheiro-mor, em 24 de outubro de 1603, com atuação na Bahia. Assim como João Batista Cairato e Julio Simão, sujeitos de maior destaque no estado da Índia, e ainda Tiburcio Spanochi, nos Açores, e Jerônimo Jorge, na Madeira. São exemplos de um trânsito de conhecimento importante no campo da engenharia e arquitetura militar. Todavia, esses sujeitos não chegaram a produzir um tratado luso sobre as fortificações.356
Esse tratado viria a ser realizado no final desse século, precisamente em 1680, por Luís Serrão Pimentel, o autor do primeiro tratado de arquitetura militar português, intitulado Methodo Lusitanico de Fortificar as Praças Regulares e Irregulares. 357 No posto de cosmógrafo-mor e engenheiro-mor do
354 DIAS, Pedro. História da Arte luso-brasileira. Urbanização e fortificação. São Paulo: Almedina, 2004. 355 Idem, pp. 57-58. 356 Idem, p. 59. 357 PIMENTEL, Luís Serrão. Methodo Lusitanico de Fortificar as Praças Regulares e Irregulares.
Lisboa, 1680. Biblioteca da Exército de Portugal.
reino, foi responsável pela institucionalização do ensino militar, criando a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, ainda em 1647, com apoio de D. João IV. Esse seria um espaço para a organização do material para a composição do Methodo Lusitanico e, principalmente, de formação dos engenheiros que atuariam nas conquistas.358
O segundo grande passo de Portugal, em função da profissionalização de engenheiros e arquitetos militares, foi a partir da colaboração de Manoel Azevedo Fortes, tenente-mestre-general, engenheiro-Mor do reino e diretor da Academia militar a partir de 1719. Foi responsável pela segunda obra de maior relevância nesse campo publicada em 1728, O Engenheiro Português, em dois tomos. Esses dois momentos de importante institucionalização da formação de engenheiros são fundamentais para a compreensão da constituição das fortalezas nas conquistas e o papel que esses homens desempenharam em diversas partes do império português.
Aqui não é intenção esmiuçar os tratados de fortificação moderna, mas estabelecer conexões entre as construções na Amazônia com o conhecimento produzido na Europa a partir do século XV e XVI. Razão pela qual verifica-se a interpretação do espaço a partir de uma perspectiva inovadora de construção, de guerra e defesa, que encontrará nas áreas coloniais o “laboratório” para as práticas de tantas teorias produzidas em inúmeros tratados.
A flexibilidade e dinâmicas implicaram experiências que provavelmente fugiam aos tratados, todavia, formatavam-se através de um diálogo complexo de interlocução entre um saber científico milimetricamente construído na Europa, as adversidades da geografia dos rios e florestas, mas sobretudo, ainda, da colaboração nativa na definição do lugar e da mão de obra e do estabelecimento na praça. Portanto, nesta altura convém conhecer um pouco mais desses sujeitos e suas obras.
No século XVII, Serrão Pimentel seria o homem responsável pela instrução e organização de tratados sobre fortificação em Portugal. Português nascido em Lisboa, em 4 de fevereiro de 1613. Na sua formação no colégio jesuíta de Santo Antão, destacava-se nas áreas de matemática, e já aos 30 anos acompanhava Antônio de Mariz Carneiro, engenheiro de fortificação. Em 1670,
358 FERREIRA, Nuno Alexandre Martins. Luís Serrão Pimentel (1613-1679): cosmógrafo mor e engenheiro mor de Portugal. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Lisboa, Faculdade de
Letras, Departamento de História, Lisboa, 2009.
com a morte de Carneiro, recebeu sua nomeação no cargo de cosmógrafo e engenheiro-mor de Portugal.359
Serrão Pimentel esmerou-se na tarefa de sistematizar um tratado português de fortificar. Nos quadros mais amplos, Portugal teria sido aquele país que sofrera muito mais influência de uma técnica externa do que propriamente desenvolvido algo inovador no âmbito doméstico. Por outro lado, em muitos aspectos, parece evidente a produção e os avanços lusos nesse aspecto.
Pedro Dias explica que surgiam vários tratados de fortificação os quais teriam influenciado sobremaneira as construções lusas. Convencionou-se chamar de “arquitetura à Vauban”, “à francesa”, “à espanhola”360. Mas, de fato, apresentavam poucas alterações, partindo-se sempre do modelo abaluartado da construção. Pimentel quis marcar essa fronteira de um conhecimento produzido internamente. Na apresentação do Tratado, justifica que a escolha do título deve-se ao fato de “várias nações têm vários métodos de fortificar”, e, portanto, “era justo que aparecesse no mundo um método português”.361
A fortaleza de Diu, na Índia, e as fortalezas de Mazagão e Ceuta, no norte da África, foram as primeiras construções abaluartadas do império português. Conforme afirma João Barros de Matos, essa expressão defensiva se explica pela necessidade de melhor definir estratégias de defesa em áreas coloniais, a partir de 1540. Essas fortalezas “integram a primeira linha do processo de evolução da arquitetura militar”. São as “primeiras fortificações abaluartadas construídas fora da Europa”, ocupam, portanto, papel central na “difusão do sistema abaluartado a nível mundial”.362
Na planta da praça de Mazagão, pode-se verificar o traçado abaluartado, as muralhas com a planta quadrada e fosso.
359 Idem. 360 DIAS, Pedro. História da Arte luso-brasileira. Urbanização e fortificação. Edição: Almedina, 2004. 361 PIMENTEL, Luís Serrão. Methodo Lusitanico de Fortificar as Praças Regulares e Irregulares.
Lisboa, 1680, p.14. 362 MATOS, João de Barros. “As fortalezas abaluartadas de Mazagão, Ceuta e Diu. Implantação e relação com o território”. XXIV Colóquio de História Militar. Lisboa, 17 a 20 de novembro, 2015.