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Imagem 19. Planta da abertura de canal

Em carta de 20 de setembro de 1747, o governador ordenava a ida de Varjão Rolim ao Maranhão para “pessoalmente examinar o terreno da vala que se pretende abrir naquela ilha, para se evitar a perigosa passagem do Boqueirão”. Nessa ocasião, também teve a incumbência de fazer as plantas necessárias para referida obra, e ainda “mandando abrir alguns passos em toda a distância da vala pretendida para que depois senão achasse algum rochedo impraticável”.468 A seguir, a planta desenhada pelo engenheiro.

Imagem 19. Planta do local onde se deve abrir uma vala para passagem das canoas.469

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Nas anotações na planta se lê: “planta do sítio e terreno onde se pretende abrir uma vala na paragem ACB [assinalado no mapa com o círculo preto] por onde possam entrar as canoas que vêm do rio Mearim, Iguará e Itapecuru e outros para a cidade de São Luís do Maranhão”. A abertura do canal seria um caminho alternativo para evitar passar o perigoso do chamado boqueirão (DD,

468 Carta do governador Francisco Pedro de Mendonça Gorjão ao rei. Pará, 20 de setembro de 1747. Cx. 29, D. 2779. 469 “Planta do citio e terreno onde sepertende abrir huma valla na parage ACB por onde poção entrar as canoas que vem dos Rios Miarîm, Iguarâ, Itapecurû, e outros pª. a Cidade de São Luis do Maranhão”. AHU, CARTm-009, D.0835.

indicado no mapa como o círculo branco), “aonde repetidas vezes têm naufragado várias canoas e por não poderem passar estas sempre em qualquer tempo se demoram quatro e cinco dias em um local à espera de terem favorável maré de entrar no porto da cidade”.470

Em carta de 17 de fevereiro de 1749, o governador Francisco Pedro de Mendonça Gurjão escrevia sobre os bons resultados obtidos na abertura da vala indicada no mapa. A obra poderia ser concluída em dois anos, desde que se destinasse 100 índios para as obras, observando as precauções sobre o terreno, as marés, profundidade e largura.471

Não se tem notícia se houve a conclusão do canal e desvio do caminho das canoas. Todavia, destacou-se essa obra para indicar o alcance do trabalho dos engenheiros que buscavam solucionar problemas práticos do cotidiano dos moradores das capitanias. A atuação desses profissionais integrava os interesses metropolitanos de defesa, proteção das rotas dos rios, mas, também, ao que parece atendia aos interesses daqueles que percorriam as canoas pelos rios com mercadorias provenientes do sertão.

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Havia ainda um outro elemento que estava diretamente ligado à eficiência defensiva das fortificações: o número de soldados destacados para guarnecer esses espaços. Esse é um aspecto que em nada tem a ver com o trabalho dos engenheiros, mas poderia significar a ruína da obra em caso de investida de conquista de outras nações. Um problema que está estritamente relacionado aos aspectos tratados no segundo capítulo deste trabalho. A falta de soldados nas companhias pagas, verificada na segunda metade do século XVII e primeira metade do século XVIII, comprometia a guarnição das fortificações e, em decorrência disso, sua capacidade defensiva.

Portanto, não bastava o talento dos engenheiros para construção de fortificações alinhadas a uma perspectiva de construção à moderna. Igualmente, não era suficiente a capacidade de adaptação das construções às especificidades locais. Uma praça defensável depende, em grande parte, também, da gente disponível para sua guarnição. E essa era uma questão complicada para os quadros defensivos da capitania do Pará. Todavia, importa saber quanto de gente estava

470 Idem. 471 Carta do governador Francisco Pedro de Mendonça Gorjão para o rei. AHU, Avulsos do Pará,

Cx. 31, D. 2901.

destacada para esses espaços construídos pelos engenheiros. Das informações coletadas em Mapas e Listas, foram obtidos os seguintes dados.

Quadro 9. Distribuição de gente nas fortificações da capitania do Pará (1730-1742).472

Espaços Militarizados 1730 1737 1749 1741 1742

Fortaleza da Barra 5 9 7 5 5 Fortaleza de Macapá 12 1 10 5 5 Fortaleza do Paru 6 6 7 4 8 Fortaleza do Rio Negro 5 6 8 8 11 Fortaleza dos Pauxis 6 7 17 11 8 Fortaleza de Gurupá 16 18 19 17 18 Fortaleza dos Tapajós 9 11 8 6 8 Fortaleza das Mercês 3 1 5 3 3 Casa Forte do Guamá – – – 4 5 Presídio de Joanes 5 3 3 4 3 Presídio das Salinas 3 4 – 4 4

Quadro 10. Distribuição de gente nas fortificações da capitania do Maranhão (1737-1742).473

Espaços Militarizados 1737 1749 1741 1742

Fortaleza de São Damião – – – –Fortaleza de São Cosme – – – –Fortaleza da Barra 5 – – 1 Fortaleza da Ilha de São Francisco – – – –Fortaleza de Itapecuru 6 Ilegível 5 4 Casa Forte do Mearim 8 9 5 5 Casa Forte do Iguará 4 7 1 5

A partir dos dados sistematizados, observa-se que, no Pará, entre as fortalezas, Gurupá teve um destacamento de soldados superior às demais, seguido da Fortaleza dos Tapajós, presídio de Macapá e casa forte do Rio Negro. São quatro pontos estratégicos do vetor de ocupação e defesa da capitania do Pará. Além desses, temos também a Casa Forte de Pauxis com relativo número de soldados.

Alguns vetores-chaves de ocupação permanecem dos primeiros anos de conquista lusa na região, no século XVII, como por exemplo, a região do Cabo

472 Tabela construída a partir de: AHU, Avulsos do Pará: Cx. 12, D. 1141; Cx. 20; D. 1873; Cx. 24,

D. 2262. Cx.25, D.2317. Avulsos do Maranhão: Cx.25, D.2605. 473 Tabela construída a partir de: AHU, Avulsos do Pará: Cx. 20; D. 1873; Cx. 24, D. 2262; Cx.25,

D.2317. Avulsos do Maranhão: Cx.25, D.2605.

do Norte e Gurupá. Outros são exemplos da expansão, como Tapajós, Pauxis e Rio Negro. Os rios foram os caminhos em que se estabeleceram as obras de fortificação relacionadas ao lugar político e estratégico que ocupam na defesa e povoamento da conquista.

Esses espaços eram precariamente mantidos de gente, como se vê nos quadros anteriores. Para a capitania do Maranhão, a situação ainda é pior. Nos registros somente as Casas Fortes de Mearim e Iguará têm número relativo de soldados. As fortalezas de São Damião e São Cosme, entre 1737 e 1742, estavam completamente desassistidas. Do ponto de vista defensivo, as fortalezas parecem inoperantes. Ora, há locais em que não há sequer um soldado de guarnição. Por que manter um ponto de defesa nessas condições? Outro aspecto são as ações de guerra. Em que momento os canhões das fortalezas decidiram o sucesso em campanha de guerra?

Não há notícias que assegurem essa efetiva participação das fortificações em momentos de guerra, já que grande parte dos conflitos ocorreu nas brenhas dos sertões e/ou nos cursos dos rios, espaços em que as flechas tinham muito mais efetividade que os canhões. Portanto, as fortificações na região agregavam um sentido para além da guerra. Integravam as dinâmicas que definiam a presença lusa em espaços estratégicos, que serviam para logística das tropas e aquartelamento de vigilância de rotas de comércio.

As dificuldades em costurar as fronteiras com parcos efetivos regulares de soldados, questão destacada no capítulo anterior, recolocaram o papel das fortificações lusas na região. Uma lógica que inclui não somente defesa, mas, também, povoamento e controle da entrada dos principais rios. Uma interpretação unilateral que atribui às fortificações somente a sua capacidade de defesa pode incorrer no erro de enquadrá-las como insuficientes ou até mesmo simplesmente simbólicas.

As pesquisas têm apontado que as fortalezas, para além do aspecto militar, são também espaços de povoamento, mobilidade de canoas, de conexões entre fronteiras, de sinalização de presença de gente, de comércio, de contrabando, e de relações sociais interétnicas. Portanto, as fortalezas militares na primeira metade do século XVIII na Amazônia eram espaços de dinâmicas múltiplas.

Essa lógica permite perceber que a constituição de fortalezas militares em pontos estratégicos da capitania ressignificou a apropriação do espaço

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