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colonização

capacidade de combate e as relações estabelecidas entre o grupo, como veremos mais adiante o caso dos Aruã.

Portanto, compreender o significado da guerra para os grupos indígenas e suas mudanças, após o contato, requer um esforço no sentido de entender os indígenas nos eventos de guerra, na organização das tropas, e do próprio posicionamento destes enquanto sujeitos ativos nesse processo. Por outro lado, devemos estar atentos à nova organização da força bélica indígena, da sua utilização, da incorporação de novos elementos de guerra.

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A coexistência no conflito do arco e flecha e da arma de fogo, por exemplo, é importante indicativo de que a guerra que se faz na primeira metade do século XVIII adquire configurações completamente diferenciadas das que se faziam antes do contato, ou das que se faziam na Europa do período. Trata-se de uma nova forma de guerrear. Trata-se de uma guerra luso-indígena. É intenção nessa altura compreender o significado da incorporação e participação indígena em tropas lusas na Amazônia. E, para isso, o desafio é, sobretudo, mapear aqueles índios que lutavam ao lado dos portugueses e o significados destes e de sua arte de guerra para a defesa e expansão da fronteira colonial.

2. Índios aliados nas tropas portuguesas e o avanço da fronteira da colonização

Durante as últimas décadas do século XVII e toda a primeira metade do século XVIII, conforme vimos atrás, os militares e governadores queixavam-se sobre a qualidade dos soldados pagos. Em 1683, foram descritos por Sá e Meneses como “criminosos” que viviam fugidos pelos matos.628 Em 1710, “estropiados” e “doentes” foram os adjetivos usados por Cristóvão da Costa Freire ao se referir à tropa paga.629 Para José da Serra, em 1733, eram gente “ignorante”.630 João de Abreu do Castelo Branco, em 1741, reclamava por ser a tropa formada de “cafuzos, mulatos e mamelucos”.631 Em 1755, concluía

628 “Sobre os filhos dos homens nobres da dita capitania que servirem se lhe terá respeito”. 9 de janeiro de 1683. AHU, Códice 268, fl.34v. 629 Carta do governador ao rei. Belém, 7 de março de 1712. AHU, Avulsos do Pará, Cx. 6; D. 481. 630 Carta do governador José da Serra para o rei. Belém, 3 de outubro de 1733. AHU, Avulsos Pará, caixa 14, doc. 1330. 631 Carta do governador João de Abreu de castelo Branco para o rei remetendo os mapas relativos ao estado militar das capitanias do Pará e Maranhão. Pará 11 de outubro de 1741. AHU, Avulsos do Pará, Cx. 24; D. 2262.

Mendonça Furtado dizendo ser gente “sem disciplina” e “ignorantes”.632 Nas correspondências avolumam-se descrições como as destacadas aqui.

A má qualidade dos soldados das tropas pagas deve-se, como vimos no capítulo anterior, à forma indiscriminada e compulsória que assumiu o recrutamento na colônia. De fato, o perfil não correspondia ao militar que esperavam contar os oficiais e os governadores. As forças eram compostas em sua maioria de lavradores, degredados, “vadios”, “vagabundos”, para os quais a militarização foi uma imposição e não uma aptidão, e disso decorria também o alto índice de deserção.

A insuficiência e a má qualidade das tropas oficiais, por outro lado, confirmavam a importância dos indígenas aliados para a efetivação das operações militares. Foi a força desses aliados que possibilitou a defesa da capitania e a envergadura da tropa lusa em momentos importantes da expansão da fronteira colonial. Na documentação, os índios são retratados como “valorosos”, “bons caçadores”, “famosos flecheiros”, “grandes pescadores”, como “grandes conhecedores dos astros”, “naturalmente belicosos” e “insignes navegadores”. Essas qualidades, observadas por governadores, religiosos e militares sobre alguns grupos indígenas, parecem ir na contramão de como descreveram os soldados pagos.

Verifica-se, portanto, relatos que desqualificam os soldados e qualificam os nativos. Essa positivação de alguns grupos indígenas apresenta duas questões importantes: em primeiro lugar, o evidente reconhecimento das habilidades indígenas sobre a natureza e as práticas que interessavam à logística colonial. Em segundo lugar, a compreensão do colonizador da importância desse conhecimento para a própria sobrevivência e manutenção das atividades coloniais.

Nota-se que as características destacadas se referem à habilidade para a guerra, ao conhecimento da natureza e às técnicas de subsistência (caça, pesca e cultivo), questões primordiais para a “boa administração” do governo colonial

632 NOGUEIRA, Shirley. Razões para desertar: Institucionalização do exército no Estado do Grão-

Pará no último quartel do século XVIII. Dissertação (Mestrado) – NAEA, Universidade Federal do Pará, Belém, 2000. p. 51.

e para a colonização para usar uma expressão do governador Francisco Pedro de Mendonça Gurjão em uma carta de 1747.633

A importância desses grupos foi bem afirmada em carta de 1709, na qual a Coroa recomendava que, na impossibilidade de enviar efetivos militares do reino, se fizesse a defesa com os “naturais” que “fazem muita diferença em seus procedimentos”.634 A diferença destacada pela Coroa é exatamente o conhecimento nativo da natureza, dos caminhos dos rios, e, sobretudo, da arte de guerra. Assim, parecia não ser possível a empresa colonial sem a participação dos grupos indígenas. Esses fizeram parte desse universo defensivo, construindo suas próprias dinâmicas, seja pela aliança, pelas guerras ou pelos conflitos, estando estreitamente relacionados ao processo de colonização e defesa da capitania do Pará.

A percepção dos grupos indígenas que colaboravam pode também ser observada no trato distinto dado pela legislação indigenista a esse grupo. Beatriz Perrone-Moisés ressalta que “aos índios aldeados e aliados, é garantida a liberdade ao longo de toda a colonização”, condição que incluía a garantia de “suas terras nas aldeias” e trabalho mediante pagamento de salário e ainda bom tratamento. O itinerário para tonaram-se “vassalos úteis” inclui a saída do sertão através do descimento para povoações portuguesas, espaço no qual eram “catequizados e civilizados”. Desses grupos aldeados, dependiam as atividades coloniais, incluindo “o grosso dos contingentes de tropas de guerra contra inimigos tanto indígenas, quanto europeus”.635

Perrone-Moisés explica que “uma das principais funções atribuída aos índios aldeados, é a de lutar nas guerras movidas pelos portugueses contra os índios hostis e estrangeiros”.636 A legislação representava a própria oscilação da Coroa, “ao tentar conciliar projetos incompatíveis embora, igualmente importantes para os seus interesses”. Ora, a conversão dos gentios “justificava a

633 Carta do governador Francisco Pedro de Mendonça Gurjão para o rei. Pará 29 de outubro de 1747. AHU, Avulsos do Pará, Cx. 29, D. 2804. 634 CONSULTA do Conselho Ultramarino para o rei D. João V, sobre a nomeação de pessoas para o posto de capitão-mor do Pará. Anexo: pareceres e bilhete. Lisboa, 29 de agosto de 1709. AHU,

Avulsos do Pará, Cx. 5, D. 436. 635 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios do Brasil. p. 117-118. 636 Idem, p.121.

própria presença europeia na América eram a mão-de-obra sem a qual não se podia cultivar a terra, defendê-la dos ataques inimigos tanto europeus quanto indígenas, enfim, sem o qual o projeto colonial era inviável”.637

Conforme escreve Almir Diniz de Carvalho Junior, dependiam da atuação dos indígenas aliados a expulsão de estrangeiros e a consolidação do domínio português na região. Sem os “guerreiros índios, que suplantavam em número e em conhecimento da região aos militares portugueses, não somente teriam perdido o controle da terra”, mas, também, “não poderiam dominar efetivamente a quantidade inumerável de homens que se localizavam ao longo das dezenas de rios nos sertões amazônicos”. Esses aliados teriam proveniência de antigas alianças, sobretudo dos Tupinambá do Estado do Brasil, mas também estabelecidos da “criação de lideranças” educados no interior das aldeias missionárias.638

De fato, na cooptação e conquista de aliados indígenas, os aldeamentos têm papel central. Maria Regina Celestino de Almeida afirma que a política de aldeamentos “foi essencial para o projeto de colonização”. Desses espaços saíam os índios para “compor as tropas militares”, “ocupar os espaços conquistados” e “para construção das sociedades coloniais”.639 Há, portanto, como já sinalizamos, uma relação entre defesa e missão, verificável na logística e subsistência que conecta os aldeamentos às fortificações e/ou as tropas.

A percepção de aliados parece atrelar-se a sua indispensável colaboração, dentre outras atividades, para defesa do território. Todavia, as pesquisas têm apontado para outros canais de aliança que não necessariamente passam pelo itinerário dos aldeamentos. Trata-se de “nações aliadas”, que não estão no espaço do aldeamento, mas mantêm relacionamento de amizade com os portugueses e nas ocasiões de guerra são convocadas a participar.640 Sobre estas quase não se tem informações. Além disso, há ainda os que são mobilizados pela cooperação entre capitanias, através do auxílio entre governadores.

637 Idem, p.116 638 CARVALHO JÚNIOR, Almir. Índios Cristãos: Poder, Magia e Religião na Amazônia Colonial.

Curitiba: CRV, 2017. p. 52-53. 639 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. p. 71. 640 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII)”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da.

História dos Índios do Brasil. p. 121.

Outra questão que deve ser ponderada é a associação automática entre índios aldeados/índios aliados. Entre essas duas categorias não há nexo inerente. Ou seja, o aldeamento e a conversão à fé cristã não significavam, por parte do índio, alinhamento com o projeto colonial português. Os casos de fuga e conflitos por parte dos aldeados que acompanhavam as tropas são sintomáticos nesse sentido. Basta lembrar o caso ocorrido em 1712 dos índios que acompanhavam a tropa do cabo Manoel do Vale, que se valeram da ocasião para matar o cabo e os seus soldados. Do conflito escapara apenas um soldado “ferido que se recolhera a casa forte do Iguará”, de onde pedia “socorro de gente, e munições”.641

Não se pode negar o impacto missionário sobre as populações indígenas aldeadas e a implicação na constituição de aliados. Como explica Almir Diniz, as lideranças eram construídas em muitos casos resultantes da catequese de crianças, que cristianizadas mais tarde seriam intermediários no convencimento de outras nações indígenas ao descimento.642 Por outro lado, é importante considerar a linha tênue que existe entre as categorias “aliados” e “inimigos”: a depender dos interesses indígenas, estas poderiam ser consolidadas ou rompidas facilmente, conforme veremos adiante.

As guerras também são um vetor analítico no qual se pode verificar essa percepção e tratamento distintos aos grupos considerados “aliados”. O entendimento sobre quais grupos se deve declarar guerra passa pelo mapeamento daquelas nações hostis, descritos como “empecilhos” para o projeto colonial. Se por um lado “a liberdade é sempre garantida aos aliados, a escravidão é, por outro lado, o destino dos índios inimigos”.643 A escravidão legal provém da declaração de guerra justa.644

641 “Sobre o socorro de 400 índios de guerra que se mandam enviar logo do Ceará para se castigarem os índios do Corso por haverem morto o seu cabo Manoel do Valle e aos seus soldados”.

Lisboa 19 de dezembro de 1712. AHU, cartas régias para o Maranhão e Pará, códice 269, f. 4v. 642 CARVALHO JÚNIOR, Almir. Índios Cristãos. Poder, Magia e Religião na Amazônia Colonial.

Curitiba: CRV, 2017. p. 52-53. 643 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios do Brasil. p. 123. 644 “As causas legitimas de guerra justa seriam a recusa à conversão ou o impedimento da propagação da Fé, a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses (especialmente ligado à primeira causa) e a quebra de pactos celebrados”. PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios do Brasil. p. 123.

Na prática os motivos para se declarar guerra justa tornaram-se tão dilatados que quase tudo era passivo de fazer guerra aos índios. O caráter adaptável da legislação seguiu aos interesses da expansão colonial, como escreveu Ângela Domingues. Em certa altura, “a escravidão passou a fundamentar-se na diferença entre indivíduos mansos e civilizáveis e indivíduos bravos e aguerridos”. Nesses termos “era precisamente no rompimento desta situação de amizade e paz que residia a necessidade prática e a justificativa moral para a escravidão”.645

A declaração da guerra justa estava atrelada também à compreensão dos grupos considerados obstáculos ao avanço colonial. Essa percepção era construída, em muitos casos, a partir da relação com indígenas que colaboravam tornando-se, como tratou Nádia Farage, verdadeiras “muralhas dos sertões”.646 Das informações dos estudos de Perrone-Moisés aos grupos descritos como “inimigos”, recomendava-se a “extinção total” por guerra “rigorosa”, “total”, “veemente” “cruamente”, “fazendo ao inimigo todo dano possível”. Aqueles considerados aliados, entretanto, um tratamento “bondoso e pacífico”.647

Quando trata da análise de aliados, a historiografia tem restringido a perspectiva ao âmbito dos aldeamentos. Todavia, esses índios que estão aldeados, embora sejam potenciais aliados, configuram também, em muitos casos, aqueles que não se ajustam aos interesses coloniais. Além disso, ao tratar dos índios aldeados, têm-se centrado os estudos na catequese, trabalho e cotidiano, pouca ou quase nenhuma atenção tem se dedicado ao estudo desses indígenas em operações militares. Embora essa prerrogativa esteja presente, por exemplo, no Regimento das Missões, de 1686.

Além disso, nos conflitos e embates entre portugueses e índios, a rede burocrática em torno da guerra justa, do cativeiro e liberdade dos índios produziu um volume importante de registros sobre os índios hostis.648 E, por essa

645 DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no

Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. p. 27 646 FARAGE, Nadia. As muralhas dos sertões. Os povos indígenas do rio Branco e a colonização. Rio de

Janeiro: Paz e Terra: Anpocs, 1991. 647 PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios do Brasil. p. 122 e 126. 648 Sobre liberdade, cativeiro dos índios e Junta das Missões no Estado do Maranhão ver: MELLO,

Márcia Eliane Alves de Souza. Fé e império: as Juntas das Missões nas conquistas portuguesas.

Manaus: EdUA/FAPEAM, 2009.

razão, estes tornaram-se mais evidentes no conjunto documental, em detrimento da presença dos aliados, fossem estes provenientes de aldeamentos, nações aliadas ou de outras capitanias.

Há, portanto, especial atenção aos grupos de índios que ocuparam boas páginas de relatos por serem considerados inimigos. São exemplares, para o estado do Brasil, os Caetés, os Potiguaras, os Goitacazes e os Aimorés. Esses grupos, conforme Celestino de Almeida, tornaram-se bastante conhecidos “pelas descrições extremamente negativas e estereotipadas”, e pelas relações “fluídas e instáveis” que estabeleciam entre si e com os estrangeiros.649

Assim também os foram descritos os índios Caicai, Guarati e Guanaz como “causadores de destruição” aos moradores dos rios Mearim, Munim e Itapecuru na capitania do Maranhão.650 Além dos índios Manao do Rio Negro651 e os Mura do Rio Madeira652, considerados bárbaros e ferozes. Os índios Nhengaíbas, as nações Mapuas, Periquras, Ariquras, Jacoanis, Managages; e ainda os Aruã que ocupavam a região do Marajó eram considerados amigos dos holandeses e inimigos dos portugueses.653

A perspectiva analítica que coloca os índios em posição de constante enfrentamento com os portugueses pouco contribuiu para compreender os que lutavam ao lado dos colonizadores. Isso fica evidente inclusive nas pesquisas que, a partir disso, dedicaram-se, por um lado, a compreender esses grupos hostis que se apresentavam em constantes embates com os portugueses;654 e, em decorrência disso, verificam-se estudos voltados às guerras.655

649 Idem, p. 47. 650 MELO, Vanice Siqueira. Cruentas Guerras, p. 130. 651 GUZMÁN, Décio Marco Antonio de Alencar. “História de Brancos”: memória, historiografia dos Manao do Rio Negro (séculos XVIII-XX). Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997. 652 ARAÚJO, Alik Nascimento de. De bárbaros a vassalos: os índios Mura e as representações coloniais no oeste Amazônico (1714-1786). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. 653 AHU, Avulsos do Pará, Belém, 28 de junho de 1647. Cx. 1; D. 69. 654 Sãos exemplares para a Amazônia colonial os estudos de: GUZMÁN, Décio Marco Antonio de Alencar. “História de Brancos”: memória, historiografia dos Manao do Rio Negro (séculos

XVIII-XX)”. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997;

ARAÚJO, Alik Nascimento de. De bárbaros a vassalos: os índios Mura e as representações coloniais no oeste Amazônico (1714-1786). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. 655 Exemplar são as pesquisas de: MELO, Vanice Siqueira. Cruentas Guerras. Para o nordeste do

Brasil, não podemos deixar de mencionar o importante trabalho de Pedro Puntoni, intitulado:

É evidente que, no processo de colonização da América portuguesa, as guerras entre colonizadores e indígenas foram constantes. Para o Estado do Maranhão da primeira metade do XVIII, elas fizeram parte do cotidiano. As consequências desse ambiente de guerra podem inclusive ser verificados no extermínio das populações indígenas da região. Nesse período, a guerra parece que estava por toda parte, estendendo-se ao Rio Negro contra os Manao e os Maypena656; ao Rio Madeira contra os índios Mura; ao Cabo do Norte e Marajó contra os Aruã; nos sertões do Maranhão, a guerra contra os Guanarés657 e a guerra contra os índios Aranis, Suassuí, Anapurú e Araí658; guerra às nações Cavisenas e Periana659, que viviam junto ao rio Amazonas660; guerra contra o gentio Acoroá-açu, no sul do Piauí.661

Essa breve relação já aponta para um ambiente de conflito, cujas dinâmicas são complexas do ponto de vista da gente e interesses envolvidos. Portanto, as guerras integram um vetor analítico importante para a compreensão das dinâmicas sociais, da colonização. Todavia, é importante também nesses quadros investigar sobre os grupos indígenas que se aliavam e, sobre esse aspecto, me parece que ainda há um caminho historiográfico a percorrer.

Há ainda um último elemento que embaraça essa percepção dos aliados, é o que podemos chamar de construção do conquistador europeu. Ao longo da colonização, consagraram-se alguns homens europeus como grandes conquistadores. Nas diligências militares de expansão colonial, nomes como Francisco Caldeira de Castelo Branco, Pedro Teixeira, Jácome Noronha, Bento Maciel Parente e João Pais do Amaral ganharam destaque como grandes conquistadores. Os índios que estiveram ao lado desses militares são aglutinados pelo termo homogeneizante “índio”, com raras informações sobre a nação, os costumes e as atuações nas guerras.

PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão do Nordeste do

Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo: Papesp, 2002.

Para as Minas Gerais temos os trabalhos de RESENDE, Maria Leônia Chaves de; Langfur,

Hal. Minas Gerais Indígena: a resistência dos Índios nos sertões e nas vilas de El-Rei. Tempo,

Niterói, v. 12, n. 23, p. 5-22, 2007. 656 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 11, D. 974; Cx. 11, D. 1046; Cx. 13, D. 1174. 657 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 11, D. 997. 658 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 14, D. 1284. 659 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 14, D. 1329. 660 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 15, D. 1430. 661 AHU, Avulsos do Pará, Cx. 22, D. 2112.

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