Resistir, (Re)existir e Reinventar II - Capítulo 12

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DOI: doi.org/10.29327/565971.1-12

Leitura, escrita e processos de argumentação: potencialidades na convergência de sentidos entre os Estudos da Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) e o Ensino de Biologia Reading, writing and argumentation processes: potentialities in the convergence of meanings between Science, Technology and Society Studies (STS) and Biology Teaching Tabatta Cristina Fritzen da Silva Lavarda1 Patrícia Barbosa Pereira2 1 Graduada em Ciências Biológicas Licenciatura pela Faculdade União das Américas. É mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e em Matemática, pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, e possui especializações em Ensino de Ciências e Matemática, Educação Especial e Educação Ambiental. Atua como professora do quadro próprio do magistério no Estado do Paraná - Núcleo Regional de Educação de Curitiba, no Ensino Fundamental com a disciplina Ciências e no Ensino Médio com a disciplina Biologia. E-mail: tabattacristina@gmail.com / Orcid: http://orcid.org/0000-0002-3879-1843 2 Graduada em Ciências Biológicas (Bacharelado e Licenciatura), com mestrado e doutorado em Educação Científica e Tecnológica, pela Universidade Federal de Santa Catarina. É professora da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, Paraná, Brasil, vinculada ao Departamento de Teoria e Prática de Ensino - Setor de Educação, no qual atua nos cursos de graduação em Ciências Biológicas e em Pedagogia. Nessa instituição, é também credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática. Coordena o Laboratório de Estudos em Discurso, Decolonialidade e Interculturalidade na Educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação em Ciências e seu ensino/pesquisa, prioritariamente nos seguintes temas: Ensino de Ciências e Linguagem, Estudos Decoloniais e Interculturalidade no Ensino de Ciências/Biologia. E-mail: patriciapereira@ufpr.br / ORCID: https://orcid.org/0000-00022984-2872


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Resumo: Neste texto propomos a discussão de uma abordagem de ensino para a disciplina de Biologia, a partir da implementação de uma proposta didática fundamentada em estratégias de ensino-aprendizagem com enfoque nas relações dos Estudos da Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) de referenciais latino-americanos e da Análise de Discurso (AD) da vertente franco-brasileira, impulsionando — por estratégias de leitura, escrita e debates, a promoção do interesse em compreender que a produção científica e tecnológica deve ser vista como sujeita à interesses sociais, culturais, econômicos, políticos, éticos e morais. Buscamos analisar os processos de construção de sentidos em sala de aula, acerca dos aspectos socioeconômicos vinculados à ciência e tecnologia, tendo em vista a importância da linguagem e a contribuição da leitura e da escrita. Os resultados demonstraram que a proposta didática proporcionou condições para construção de redes de sentidos, a partir dos assuntos abordados em sala de aula, bem como processos de argumentação e senso crítico a partir do estímulo ao posicionamento sobre questões científicas e tecnológicas que venham a interferir na sociedade da qual as/os estudantes fazem parte. Palavras-chave: Ensino de Biologia. ECTS. Proposta didática. Leitura e escrita.

O iniciar da caminhada

T

RAZEMOS para a discussão neste texto, o recorte de uma pesquisa mais ampla — realizada em nível de mestrado, sendo que os primeiros passos do que apresentaremos aqui, constituíram-se de algumas de nossas inquietações e reflexões como professoras e pesquisadoras, bem como de algumas das leituras que orientaram nossas práticas ao longo da pesquisa realizada. Partimos do entendimento de que algumas iniciativas para abordagem de assuntos relacionados à Ciência, Tecnologia e Sociedade, ainda no Ensino Médio, já são vislumbradas no contexto escolar, porém, é possível perceber que as práticas das/os professoras/es83 acabam conduzidas, muitas vezes, de maneira fragmentada, o que já é inerente Por uma questão de normalização na escrita, e compreendendo que todo gesto linguístico é, de certo modo, excludente, optamos pela designação binária de gênero ao longo do texto. 83


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até mesmo à formação inicial docente, a qual, predominantemente, ainda ocorre de modo tradicional e disciplinar. Pensando na importância da linguagem para ressignificação desses processos pedagógicos, recorremos aos estudos da Análise de Discurso (AD) da vertente franco-brasileira, em especial com base na obra de Eni Orlandi. Essa abordagem procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico. Assim, propõe-se a estudar a prática da linguagem, a palavra em movimento, o discurso — o sujeito fazendo uso da linguagem - que é afetado pela história, interpelado pelo inconsciente e pela ideologia (ORLANDI, 2003). Por esse referencial dar grande importância ao discurso e a linguagem fazendo sentido, tornou-se, para nós, algo motivador pensar sobre a maneira parafrástica que os conteúdos de Biologia geralmente são abordados em sala de aula, ou seja, de uma forma conteudista, memorística, sobrecarregada de conceitos descontextualizados (MUNFORD; LIMA, 2007), a partir de aulas expositivas como metodologia para ensinar uma disciplina bastante abstrata e complexa. O aporte teórico da AD nos permite, dessa forma, compreender a importância de se pensar a não transparência da linguagem nos processos de ensino-aprendizagem, compreendendo, que o que se diz, e como se diz, interfere na produção de sentidos das/os estudantes em relação aos conteúdos que se quer ensinar. Outro aspecto proporcionado pela AD é o pensar sobre a importância da leitura e da escrita no Ensino de Biologia, e a necessidade de professoras/es levarem em consideração as diferentes condições de produção e as histórias de leitura, presentes em uma sala de aula, pois, mesmo que as pessoas vivam inseridas em uma mesma comunidade, compartilhando de uma cultura em comum, as particularidades, individualidades e subjetividades influenciam na aprendizagem e nos processos de autoria. Dessa forma, as/os professoras/es podem contribuir para um aprendizado mais significativo propiciando a ampliação das

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histórias de leitura de suas/seus estudantes e levando em consideração as condições de produção do conhecimento que está sendo construído, estabelecendo, quando necessário, as relações intertextuais, com resgate da história dos sentidos do texto (ORLANDI, 2012). Ao considerar que a linguagem não é transparente e que o sujeito não é dado a priori, pois resulta de uma estrutura complexa, tendo existência descentrada no espaço discursivo, ou seja, constitui-se entre o “eu” e o “outro”; bem como a incompletude como condição da produção dessa linguagem, dos sujeitos e dos sentidos (ORLANDI, 2003), as reflexões da AD e dos Estudos da Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS) de referenciais latino-americanos (DAGNINO; THOMAS; DAVYT, 1996; KREIMER; THOMAS, 2004; VACCAREZZA, 2004; LINSINGEN, 2007) nos apresentam possibilidades para pensarmos o Ensino de Biologia de uma maneira diferente da abordagem tradicional tão presente nas escolas. Assim, permitem proporcionar uma formação crítica em aprendizagens vinculadas à argumentação, ao posicionamento e à atuação em processos de decisão e produção de conhecimentos científicos e tecnológicos, tendo em vista que essa produção pode interferir e atravessar nossas vidas. A partir da emergência desses estudos e com base na reflexão sobre tais necessidades, dentre os principais objetivos deste trabalho, pretendemos identificar e analisar os processos de construção de sentidos sobre assuntos relacionados à Biologia trabalhada no Ensino Médio, a partir do desenvolvimento de uma proposta didática fundamentada em estratégias de ensino-aprendizagem com enfoque nas relações propostas pelos ECTS de referenciais latino-americanos articulados à AD da perspectiva franco-brasileira. Em consonância, pretendemos problematizar argumentação e senso crítico a partir do estímulo ao posicionamento sobre questões científicas e tecnológicas que venham a interferir na sociedade da qual as/os estudantes fazem parte.


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Problematizar a leitura e escrita – um viés para o Ensino de Ciências A partir da perspectiva discursiva, exploramos conceitos importantes sobre os processos de leitura e escrita e suas possibilidades no Ensino de Ciências, em especial de Biologia. Na esteira de discussão de autoras/es como Cassiani, Giraldi e Linsingen (2012), bem como Possenti (2009), concordamos com o entendimento das diversas relações estabelecidas entre textos e leitores. Assim, percebemos que as/os estudantes não leem ou escrevem todas/os da mesma maneira, e que existem graus de habilidades e diferentes contextos de leitura e escrita. Embora pareça óbvio, nem sempre essas diferenças, muitas vezes estruturais, são levadas em consideração nos processos de construção de conhecimento. De acordo com Orlandi (2012), na AD não existe apenas a decodificação ou a apreensão de um único sentido (uma informação) na leitura de um texto, que já esteja dado nele. Ou seja, um texto nunca é tratado apenas como um produto pronto e acabado, mas sim atrelado ao processo de sua produção e de sua significação. Consequentemente, de acordo com essa noção, quem lê não apreende meramente um único sentido do que está exposto no texto, pelo contrário, atribui variados sentidos ao texto, conforme suas condições de produção amplas e estritas, em especial, as condições de produção de leitura desse texto. Sendo assim, “a leitura deve ser considerada no seu aspecto mais consequente, que não é o da mera decodificação, mas o da compreensão” (ORLANDI, 2012, p. 50). Toda leitura tem sua história. Ou seja, um mesmo texto pode ter diferentes leituras em diferentes épocas e, dessa forma, as leituras que não são possíveis hoje, podem vir a ser no futuro, pois os textos passam por processos de ressignificação e deslizamentos de sentidos, segundo as condições de produção e a intertextualidade (a relação de um texto com outros) que estamos sujeitos. “O conjunto das

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leituras feitas configuram, em parte, a compreensibilidade de cada leitor específico” (ORLANDI, 2012, p. 57). Refletindo sobre o tipo de leitura que, predominantemente, ainda temos em nossas escolas, podemos descrevê-la como atrelada ao método tradicional de ensino, em que são apagadas suas condições de produção, as histórias de leituras das/os estudantes, ou seja, não são consideradas vivências e experiências do cotidiano — que são únicas e influenciam na produção de sentidos por parte de cada estudante — ao contrário, espera-se uma interpretação única. Para Cassiani, Giraldi e Linsingen (2012, p.46) “os sentidos esperados pelo professor devem ser trabalhados como um dos constituintes da produção de sentidos, mas não como o único constituinte”. Assim, na escola, as condições de produção da leitura da/o estudante podem ser modificadas pelas/os professoras/es, propiciando a compreensão de suas histórias de leituras, estabelecendo, quando necessário, as relações intertextuais, com resgate para a historicidade dos sentidos do texto. No entanto, ainda existem professoras/es que esperam de suas/seus estudantes apenas as leituras previstas de um texto, como se ele fosse fechado para diferentes produções de sentidos, excluindo-se, dessa forma, qualquer relação do texto com o contexto histórico-social, cultural e ideológico. (...) em termos de escola, o que gostaria de ressaltar é que as leituras previstas para um texto devem entrar como um dos constituintes das condições de produção da leitura e não como o constituinte determinante delas, uma vez que, entre outros, a história das leituras do leitor também se constitui um fator relevante para o processo de interação que a leitura estabelece. (ORLANDI, 2012, p. 60).

Geralmente, quando a construção de sentidos de um texto por uma/um estudante é diferente da esperada pela/o docente, isso é considerado um erro ou incompetência atrelada à interpretação. Esse é um


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argumento muito comum entre as/os professoras/es frente às dificuldades encontradas no Ensino de Ciências. Muitas vezes, quando se afirma que as/os estudantes não sabem interpretar, o que se quer dizer é que houve uma falta de competência para se encontrar no texto o sentido único previsto, a partir de uma ideia de leitura com foco na localização de informações. Ainda para Cassiani, Giraldi e Linsingen (2012), na contracorrente da interpretação única, a abordagem polissêmica sobre temas da ciência possibilita condições de produção de autoria, ou seja, possibilita a tomada de posição dos sujeitos diante dos textos sobre ciências. Assim, afirmam ainda que quando é aberto um espaço para a polissemia em sala de aula, instaura-se um discurso que se aproxima do polêmico, que é aquele em que ocorre disputa de sentidos no jogo entre a paráfrase e a polissemia e traz a vida de fora da escola para dentro dela. Portanto, faz-se necessária e urgente uma transformação na postura tradicional de professoras/es, oferecendo-lhes caminhos e estratégias que possam auxiliar suas práticas em sala de aula com vistas a uma educação de melhor qualidade — que agregue significados para a vida das/os estudantes, possibilite processos de participação na construção do conhecimento - e não somente a perspectiva da transmissãorecepção - e forme para uma cidadania crítica, com envolvimento coletivo em processos de tomadas de decisões políticas em relação aos avanços da ciência e da tecnologia. Salientamos que tal formação para a cidadania crítica, a qual defendemos, está em consonância com a proposição feita por Rodrigues, Cassiani e Linsingen (2019), em que, articulada às práticas pedagógicas que proporcionem a construção de conhecimentos e práticas libertadoras, essa cidadania é vislumbrada junto à superação das contradições vivenciadas pelas/os estudantes, diretamente associadas à raça, ao gênero e às condições de exploração no trabalho (típicas do sistema capitalista).

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Proposta didática para o Ensino de Biologia – Articulações entre ECTS e Linguagem Com o propósito de investigar e analisar alguns processos de construção de sentidos sobre assuntos relacionados à Biologia no Ensino Médio, a partir de estratégias propostas pelos ECTS atreladas à perspectiva da linguagem da AD, buscamos elaborar uma sequência de aulas permeada por estratégias de leitura, escrita e debates que pudessem promover nas/os estudantes a compreensão de que a produção científica e tecnológica deve ser vista como sujeita aos interesses sociais, culturais, econômicos, políticos, éticos e morais. Com relação ao aporte teórico para os ECTS, optamos pelo Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS84), pois acreditamos que essa corrente de pensamento tem contribuído intensamente para ressignificar as relações CTS na educação e instigado um olhar mais reflexivo para as complexas interações entre os âmbitos da ciência, da tecnologia e da sociedade não somente na, como também da América Latina (PEREIRA, 2014; LINSINGEN, 2007). Nos preocupamos, também, em despertar o interesse das/os estudantes para uma reflexão crítica sobre os produtos da ciência e da tecnologia, com o intuito de promover a compreensão da necessidade de sua participação ativa nas tomadas de decisões sobre os assuntos que afetam a sociedade. Assim, nos ancoramos na crítica que é feita, dentro do próprio PLACTS, à adoção de um modelo de desenvolvimento com base nos países de “Primeiro Mundo”, do eixo Norte Global, na lógica da colonialidade e, assim, contrário às necessidades regionais.

O PLACTS surge de uma reflexão da própria comunidade científica, a partir de uma proposição feita por Dagnino, Thomas e Davyt (1996), como uma forma de pensamento autônoma e original da América Latina, que buscava uma revisão e redirecionamento do desenvolvimento científico e tecnológico. De acordo com Dias (2008), apesar de remeter às décadas de 1960 e 1970, o enfoque ainda se mostra bastante atual, marcado pela preocupação para com a adoção de estilos alternativos de desenvolvimento. 84


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A partir desses objetivos foi então planejada a articulação de assuntos relacionados à Biologia Molecular com a discussão ECTS, levando em conta a necessidade de um olhar cuidadoso para questões da linguagem. Uma escolha que, como já mencionamos, deveu-se, principalmente, ao fato dessa subárea envolver conteúdos caracteristicamente abstratos, tais como: a estrutura da molécula de DNA, bem como a replicação, transcrição e tradução dessa molécula para a produção de proteínas. Assim, foi realizada a organização de uma proposta didática, intitulada “Desvendando o código genético”, constituída por 14 aulas de 50 minutos cada uma, com foco na abordagem de questões/temáticas de cunho mais social, via discussão de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), em especial os transgênicos. Juntamente com esta articulação, os assuntos foram organizados a cada aula, seguindo os passos adotados por Delizoicov e Angotti (1994) como estratégia didática, tendo em vista os Três Momentos Pedagógicos (3MP): Problematização Inicial (PI), Organização do Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC). A proposta contou com a perspectiva discursiva e abordagens do campo dos ECTS para o ensino da Biologia durante todas as etapas, ou seja, da elaboração à análise de todas as atividades. Porém, para este texto utilizaremos o recorte de quatro aulas, apresentadas resumidamente no Quadro 1, a seguir. Quadro 1. Recorte da proposta didática implementada Aula

MP

1a

PI

2a

OC

Objetivos de ensino-aprendizagem Problematizar a produção e utilização de OGM, visando discutir criticamente sobre suas vantagens e desvantagens na busca da qualidade de vida dos seres humanos. Entender que é necessário ter um olhar crítico em relação aos

Caminhos Metodológicos Problematização do tema, por meio de textos de divulgação científica.

Aula expositiva e dialogada, com auxílio de vídeo e HQ.

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3a

OC

4a

AC

transgênicos que a ciência e a tecnologia desenvolvem, em vez de consumir cegamente o que as indústrias produzem. Assimilar os processos de replica- Aula expositiva e dialogada, ção e transcrição do DNA, para com HQ, quadro e giz. compreender o funcionamento da molécula e como se dá a sua manipulação. Elaborar argumentos que possiDinâmica “tempestade de bilitem discutir as vantagens e ideias” e realização de textos e desvantagens da produção de desenhos, a partir de uma transgênicos, para a economia, questão problematizadora soalimentação humana e o meio bre OGM. ambiente. Fonte: as autoras (2021)

Para alcançarmos os objetivos propostos, para a pesquisa que, aqui, trazemos um recorte, assumimos uma abordagem essencialmente qualitativa, de natureza interpretativa, com observação participante. Assim, a implementação da proposta de ensino foi uma das etapas da pesquisa, desenvolvida em um Colégio da Rede Estadual, no município de Curitiba, com 34 estudantes, do 1º ano do Ensino Médio. A constituição dos dados foi realizada por meio de atividades produzidas por essas/es estudantes, observações das aulas, diários de bordo e de gravações em áudio. Nesse contexto, caracterizamos este trabalho como fruto de uma pesquisa de interação pedagógica, em que a perspectiva da linguagem adotada se instaura em processos de opacidade e, desse modo, não inclui a possibilidade de se atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado, pois, em contrapartida, ocupa-se dos processos de significação (ORLANDI, 2003). Assim, podemos olhar para a linguagem de forma menos ingênua e naturalizada, levando em consideração a sua não transparência em sala de aula, buscando compreender suas maneiras de significar (PEREIRA, 2008). Em consonância a isso, de acordo com a perspectiva de leitura e linguagem por nós adotada, consideramos que as/os estudantes não se


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relacionam da mesma forma com os conteúdos que lhes são apresentados e as/os professoras/es também não reagem da mesma maneira aos recursos metodológicos utilizados, assim como não se expressam igualmente de acordo com os temas sócio-científicos abordados durante o desenvolvimento de uma proposta didática em sala de aula. Cada estudante interage de acordo com as condições de produção de seu discurso, influenciadas pelo seu contexto sócio-histórico e suas histórias de leitura e escrita, ao longo de suas vivências, para além das escolares.

Algumas análises da convergência de sentidos entre os ECTS e o Ensino de Biologia Considerando a possibilidade de as/os estudantes escolherem o tipo de texto que mais lhes agradava (tirinha, HQ, carta, desenho ou entrevista gravada em áudio e vídeo, com colegas de outras salas ou familiares), para tratar sobre os transgênicos no momento pedagógico de Aplicação do Conhecimento (AC), tendo em vista todo o caminho iniciado a partir da problematização inicial, realizada em sala, apresentado no quadro 1, para nossa surpresa, todas as produções realizadas foram dentro do gênero textual de HQ. Na AD essa situação é explicada pelo mecanismo de antecipação, ou expectativas, por meio do qual, o sujeito se coloca no lugar de seu interlocutor (ORLANDI, 2011). Sendo assim, é possível que, a partir desse mecanismo de antecipação, as/os estudantes tenham pensado em agradar ou satisfazer, de alguma forma, a vontade da professora, colocando-se em seu lugar, imaginando os trabalhos que ela gostaria de receber. Isso pode ser justificado pela frequência com que as HQ eram usadas, durante as aulas de Biologia. A principal intenção com essa atividade de produção de texto foi a de captar indícios das leituras produzidas pelas/os estudantes, a partir dos textos utilizados durante as aulas e, dessa forma, acessar alguns

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dos sentidos construídos por elas/es, em relação aos transgênicos. Lembrando que, para a AD, tudo aquilo que significa é considerado um texto, então, uma imagem, um vídeo, uma explicação expositiva, os gestos de colegas e da professora, ou seja, todos recursos didáticos, a partir dos quais as/os estudantes puderam construir sentidos em sala, são aqui considerados textos. Além de tentar promover a emergência das leituras produzidas pelas/os estudantes, a intenção foi, também, permitir uma produção livre, ao propiciar condições de se desprenderem da autoridade da imagem da professora, para elaborarem produções que pudessem expor o que pensam sobre os transgênicos e expressarem a ideia que defenderiam sobre o tema, sem se fixarem, necessariamente, à apresentação de um texto repleto de conteúdos conceituais que, geralmente, seria levado em consideração para aferir uma nota. Sendo assim, acreditamos ter dado espaço para que as/os estudantes assumissem a condição de autoria, a partir da ampliação de suas histórias de leituras durante as aulas de Biologia. Possibilitando uma abertura maior para a polissemia dos sentidos que, de acordo com Orlandi (2003), acontece quando temos deslocamento e ruptura nos processos de significação. Desse modo, na polissemia, os estudantes não reproduzem diferentes reformulações do dizer do professor, eles refletem sobre os assuntos discutidos e opinam criticamente sobre eles. Em várias HQ, é possível perceber que os estudantes não reproduziram uma supervalorização nem mesmo a simples repetição do conteúdo conceitual sobre os transgênicos, muito além disso, nossas análises indicam uma reelaboração sobre o assunto, com uma explanação da relação entre os transgênicos e os aspectos sociais, políticos e econômicos. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) afirmam que é preciso superar a tradicional transmissão de conhecimentos escolares, abandonando um modelo de ensino orientado para a memorização e supervalorização de conceitos distantes da realidade dos alunos.


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Figura 1. Digitalização de HQ produzida por M

Fonte: Do estudante (2018)

Na figura 1, por exemplo, percebemos que o estudante expressa suas filiações de sentidos em relação aos aspectos sociais da alimentação, ao relacionar a falta de opção das pessoas de baixa renda - que não possuem poder aquisitivo para comprar produtos de origem crioula mesmo que conheçam as vantagens e desvantagens dos transgênicos, e se veem na obrigação de consumi-los, por estarem presentes na maioria das opções de alimentação de valor mais acessível à população em geral. Partindo do pressuposto que nossa proposta didática foi permeada pelos ECTS, que manifestam como preocupação central a discussão dos aspectos sociais decorrentes da prática científica e tecnológica, vinculada diretamente à formação da cidadania (KOEPSEL, 2003), podemos destacar na HQ produzida pelo estudante a presença dos sentidos menos ingênuos, assim como os presentes nas relações CTS, vinculados aos aspectos sociais, uma vez que sua produção textual traz indicativos

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de que a ciência e a tecnologia estão longe de atender todas as demandas da sociedade. Analisando a partir da perspectiva da linguagem, é possível perceber que as/os estudantes expressam em suas HQ, paráfrases nas quais apresentam os sentidos que construíram sobre a temática OGM. Para a AD, nos processos de paráfrase, em todo dizer há sempre algo que é mantido, ou seja, os processos parafrásticos contemplam a memória (ORLANDI, 2003). Sendo assim, podemos afirmar que a partir dos discursos da professora sobre os OGM, em sala de aula, há sempre algo que as/os estudantes guardam para si e, assim, constroem sentidos. De alguma forma, esse discurso ou parte dele, estará em sua memória, e poderá ser apresentado ou exposto em momentos diversos, seja numa de avaliação, no caso da escola, ou de aplicação do conhecimento, no exercício da cidadania, em vários espaços e âmbitos, para além da escola. De acordo com Orlandi (2003) a paráfrase é a matriz do sentido, pois não há sentido sem repetição. Os sujeitos e os sentidos, pela repetição, estão sempre tangenciando o novo, o possível o diferente, ou seja, é a partir da repetição do discurso pedagógico, construído por meio de outros discursos, que as/os estudantes constroem suas memórias e seus sentidos. Os sentidos construídos pelas/os estudantes são passíveis ao movimento, devido à incompletude do sujeito, dos sentidos e da linguagem. Entretanto, existem também injunções à estabilização, que podem bloquear o movimento da construção de sentidos e, nesse caso, ele não flui e o sujeito não se desloca, não constrói novos sentidos, novos conhecimentos. Ao invés disso, ele é fixado em lugares já estabelecidos, em um imaginário em que sua memória não reverbera, ela estaciona, e só repete (ORLANDI, 2003). Sendo assim, a AD propõe a distinção por três formas de repetição: a) a empírica, que é a do efeito papagaio. Em que só há uma simples repetição; b) a formal, que se constitui em outro


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modo de dizer o mesmo; c) a histórica, que corresponde àquela que se desloca, que permite o movimento, pois historiciza o dizer e o sujeito e faz fluir o discurso, “trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido” (ORLANDI, 2003, p. 54). Observando as HQ produzidas pelas/os estudantes podemos inferir que a paráfrase, por eles apresentada, se aproxima da repetição histórica, pois é possível observar movimentos de sentidos, e não apenas um efeito papagaio de repetição empírica do discurso da professora, nem mesmo dos textos utilizados em sala de aula. Esses discursos tampouco se resumem em uma preocupação de proferir o mesmo discurso, com outro modo de dizer, apresentando, assim, uma ressignificação dos conteúdos abordados em sala. Em continuidade às nossas análises, destacamos a figura 2 — em que um estudante textualiza a produção de tomates transgênicos para a alimentação humana - uma construção de sentidos em relação à ciência e à tecnologia, que aponta para os discursos que as potencializam, e colocam como ferramentas para resolver problemas sociais relacionados à fome. Figura 2. Digitalização de HQ produzida por L

Fonte: Do estudante (2018)

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Dessa maneira, consideramos que as proposições fundamentais dos ECTS, no Ensino de Biologia, que permearam a proposta didática e possibilitaram a atividade de autoria das/os estudantes, viabilizaram a construção de sentidos, em relação à manipulação genética dos organismos, pois identificamos, na materialização de seus desenhos e suas histórias contidas nas HQ, um movimento em relação aos sentidos presentes na fala da professora/pesquisadora e dos textos utilizados em sala de aula. Notamos, também, nas figuras 3 e 4, uma preocupação dos estudantes com a formação da população, no sentido de as pessoas se tornarem aptas a participarem de forma crítica das tomadas de decisões sobre processos que envolvem a ciência e a tecnologia, e poderem interferir na sociedade. A partir do conteúdo das HQ, podemos afirmar que as/os estudantes se apropriaram dos conteúdos científicos suficientes, para compreenderem como a ciência e a tecnologia podem afetar em suas escolhas no dia-a-dia, sejam elas relacionadas à alimentação, saúde ou bem-estar. Figura 3. Digitalização de HQ produzida por M. e E

Fonte: Dos estudantes (2018)


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Figura 4. Digitalização de HQ produzida por C

Fonte: Do estudante (2018)

São ainda relevantes, nas figuras 5 e 6, a presença dos sentidos sobre as relações CTS. Destacamos, aqui, a criticidade das/os estudantes sobre a identificação dos transgênicos nas embalagens e, a partir dessa observação, podemos inferir pensamentos críticos-reflexivos, em relação à preocupação com o consumo desses produtos. Figura 5. Digitalização de HQ produzida por Ca

Fonte: o estudante (2018)

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Figura 6. Digitalização de HQ produzida por J

Fonte: o estudante (2018)

Isso comprova que essas/es estudantes construíram sentidos sobre os conceitos científicos relacionados à produção e comercialização dos OGM, e, a partir de suas reflexões, demonstram ter ampliado os seus conhecimentos sobre o produto, suas vantagens e desvantagens, pois, instigam o leitor, propondo um posicionamento sobre ser contra ou a favor aos transgênicos. Para a AD, a leitura e a escrita estão relacionadas às diferentes compreensões e interpretações, inerentes à linguagem, processos esses assumidos, na medida em que há interação, com os textos e ainda com outros sujeitos, no caso da proposta desenvolvida, como colegas e a professora, já que as relações sociais e históricas sempre se dão entre os pares (ORLANDI, 2003). Os diferentes sentidos apresentados pelas/os estudantes acerca dos transgênicos só são possíveis porque cada estudante se constitui de diferentes memórias discursivas durante as aulas e em suas experiências de vida, possuem diversificadas histórias de leitura, apesar de compartilharem muitas delas. Essas memórias configuram uma história de sentidos que, pela incompletude do sujeito, dos sentidos e da linguagem, podem apontar deslocamentos, que os estudantes tiveram a oportunidade de expressar, durante seus momentos de autoria.


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Figura 7. Digitalização de HQ produzida por K

Fonte: o estudante (2018)

Ainda, em um processo de reflexão crítica, analisado a partir dos materiais produzidos, na figura 7, os estudantes problematizam a produção e o consumo dos transgênicos e, por meio de questionamentos, direcionam a uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens do consumo desses produtos. Percebemos, neste processo de constituição de sentidos, o desenvolvimento de uma leitura crítica da realidade, a partir da qual as/os estudantes poderão lidar com diferentes problemas, relacionados aos produtos da ciência e da tecnologia. Já, a figura 8 parece se associar à intencionalidade de demonstrar a compreensão da existência de posicionamentos políticos, ambientais, econômicos, e mercadológicos, presentes em grupos da sociedade, em relação aos transgênicos. E, ao mesmo tempo, parece ter a intenção de provocar uma preocupação relacionada ao posicionamento crítico, das pessoas que não sabem em qual lado se posicionar, talvez pelo fato de ainda não existirem pesquisas que comprovem os malefícios da ingestão dos produtos transgênicos, pelos seres humanos. Esse quadrinho, parece, ainda, apontar para um posicionamento particular, do discurso dos estudantes, como autores. Orlandi (2003) explicita que o indivíduo é sujeito à língua e à história, pois é afetado por essas quando produz sentidos, e ele necessita disso, pois se não produz sentidos, não se constitui como sujeito. Sendo assim, nesta produção, es-

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ses estudantes parecem se sentir pressionados a posicionarem seu discurso em relação ao discurso do outro, uma vez que ele está inserido em um tempo e espaço social. Figura 8. Digitalização de HQ produzida por P. e J

Fonte: os estudantes (2018)

Em razão disso, entendemos que as/os estudantes são sujeitos socializados que discursam de acordo com suas marcas sociais já que, em muitos momentos, durante as aulas, várias/os estudantes se sentiram como o cidadão representado na figura 8 — que levanta a placa com os pontos de interrogação, argumentando que não sabem como se posicionar, já que os alimentos transgênicos são mais baratos, e, portanto, acessíveis à maioria da população e, principalmente, pelo fato de se da-


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rem conta que já comiam transgênicos todos os dias, sem mesmo problematizar esse consumo. Porém, sabem que esse mesmo produto que pode auxiliar na qualidade de vida de muitas pessoas, pode provocar prejuízos ambientais. Posto isso, destacamos, aqui, a importância das discussões sobre assuntos sócio-científicos no Ensino de Biologia, embasadas nos referenciais dos ECTS, as quais possibilitam posicionamentos de maior criticidade sobre os produtos provenientes da ciência e da tecnologia, além de ajudarem a ponderar nos processos de decisão e escolha sobre sua utilização ou não. Ainda, em nossas análises escolhidas, na figura 9, a HQ apresentada pelo estudante reflete, ao nosso olhar, uma apreensão/compreensão de conteúdos conceituais sobre o pareamento das bases nitrogenadas; da dupla hélice do DNA; do papel do cientista nos processos de manipulação da molécula e do que são os produtos transgênicos, definidos durantes as aulas. Figura 9. Digitalização de HQ produzida por Ma

Fonte: o estudante (2018)

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Vimos, nessa análise (Figura 9), também, uma fuga ao sentido único da formação imaginária de cientista, já que esse não foi representado no padrão de normatividade eurocentrada da ciência cartesiana/Moderna e, portanto, hétero-cis-patriarcal-judaica-cristã. Ou seja, nos desenhos dessa HQ não há uma representação de uma figura clássica, quase uma caricatura do sentido dominante do “fazer ciência”, de um homem branco, de jaleco branco, realizando pesquisas de maneira individual e objetiva, em um laboratório, bem como a HQ indica que o cientista foi a campo conhecer as condições de produção de sua pesquisa, para poder desenvolver a tecnologia e colocar em prática suas ideias e projetos. Além disso, observamos que há um processo rebuscado que envolve a perspectiva da linguagem, os ECTS e Ensino de Biologia, pois as/os estudantes constroem sentidos sobre a parte conceitual do conteúdo durante as aulas e, associado a isso, demonstram compreender a existência de aspectos econômicos relacionados à ciência e a tecnologia quando, por exemplo, representam uma maior produção de tomates e relacionam isso ao barateamento desse fruto. Ao percebermos que os estudantes construíram sentidos sobre os conteúdos científicos relacionados ao DNA, propostos no currículo do 1º ano do Ensino Médio e, ademais, construíram sentidos sobre aspectos sociais, políticos e econômicos, em relação aos produtos desenvolvidos pela ciência e a tecnologia, podemos afirmar que abordar uma educação CTS no Ensino de Biologia não requer, em momento algum, o abandono do conteúdo científico curricular, pelo contrário, as/os estudantes demonstram maior interesse em aprender os conteúdos conceituais, por meio das relações com a ciência e a tecnologia, assim como maior identificação com a disciplina de Biologia. Sendo assim, corroboramos com Bocheco (2011), quando ele afirma que o Ensino de Ciências baseado nos pressupostos da educação CTS requer uma sólida abordagem conceitual e, concomitantemente,


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deve concentrar o planejamento didático-pedagógico, no desenvolvimento das inter-relações político-sociais existentes entre a ciência, a tecnologia e a sociedade.

Algumas considerações Ao destacarmos a importância dos ECTS no Ensino de Biologia, constatamos também a necessidade de se levar em consideração a linguagem e os diferentes sentidos que as/os estudantes podem construir, a partir dos discursos inerentes à sala de aula e à escola. Sendo assim, refletir sobre a perspectiva discursiva no ensino nos fez pensar sobre a importância de se levar em conta, em sala de aula, as condições de produção dos discursos acessados e produzidos por cada estudante, suas histórias de vida e experiências sócio-históricas e culturais, que interferem em suas histórias de leituras, em seus processos de autoria e no modo como os sentidos são construídos em sala de aula. Em relação ao referencial teórico dos ECTS, destacamos aqui a importância de suas reflexões, pois nos fez pensar sobre os nossos desafios educacionais e problemáticas regionais, e não apenas problemáticas impostas por currículos universais. Com tudo isso, podemos inferir que a proposta didática, permeada por estratégias dos ECTS, proporcionou condições para que as/os estudantes pudessem construir sentidos relacionados aos assuntos discutidos em sala aula, contribuindo, também, para o desenvolvimento de processos de argumentação e o desenvolvimento do senso crítico dessas/es estudantes, estimulando posicionamentos sobre questões científicas e tecnológicas que venham a interferir na sociedade em que estão inseridas/os. Dessa maneira, acreditamos, em convergência às ideias de Rodrigues, Cassiani e Linsingen (2019), que o ensino de conceitos científicos possa ser adequado, para que haja uma compreensão

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de maneira mais apurada do contexto em que fazemos parte, em prol de uma formação cidadã. Levamos em consideração a incompletude da pesquisa, bem como deste texto que foi fruto da mesma, mas estamos cientes da abertura de um espaço, para que possamos instigar o desenvolvimento de estratégias de pesquisa e ensino para abordagem de uma Biologia menos conteudista, memorística e fragmentada, facilitando os processos de ensino-aprendizagem, e possibilitando a produção de uma gama ampla de sentidos sobre os assuntos abordados em sala de aula.

Agradecimento Agradecemos à CAPES pela bolsa concedida ao longo do mestrado.

Referências BOCHECO, O. Parâmetros Para A Abordagem De Evento No Enfoque CTS. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal De Santa Catarina. Florianópolis, 2011. CASSIANI, S.; GIRALDI, P. M.; LINSINGEN, I. von. É possível propor a formação de leitores nas disciplinas de Ciências Naturais? Contribuições da análise de discurso para a educação em ciências. Educação: Teoria e Prática, v. 22, n. 40, 2012. p. 43–57. Disponível em: https://cutt.ly/LGlgILc. Acesso em: 03 set. 2021. DAGNINO, R.; THOMAS, H.; DAVYT, A. El pensamento en ciencia, tecnología y sociedad en Latinoamérica: una interpretación política de su trayectoria. Redes, v.3, n. 7, set. 1996. Disponível em: https://cutt.ly/mGlgSvD. Acesso em: 03 set. 2021. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. Metodologia do Ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 1994. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. DIAS, R. Um tributo ao pensamento Latino-Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS). Revista Espaço Acadêmico, n. 90, 2008. p. 1-6. Disponível em: https://cutt.ly/1GlgGmU. Acesso em: 03 set. 2021. KREIMER, P.; THOMAS, H. Un Poco de Reflexividad o ¿ de Dónde Venimos? Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología en América Latina. In: KREIMER, P.; THOMAS, H.; ROSSINI, P.; LALOUF, A.


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