DOI: doi.org/10.29327/565971.1-2
A Plataforma YouTube Edu na Educação em Ciências e Tecnologia: colonialidade do ver The YouTube Edu platform in Science and technology education: coloniality of seeing Marinilde Tadeu Karat1 Patricia Montanari Giraldi2 1 Graduada em Ciências Biológicas, com licenciatura e bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra e doutora em Educação Científica e Tecnológica, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Mídias na Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino Aprendizagem. Seus interesses de estudo e pesquisa estão voltados para mídia e educação, audiovisuais no Ensino de Ciências e Linguagem, no Ensino de Ciências e Tecnologia. Atua como pesquisadora junto aos grupos de estudos e pesquisa Discursos da Ciência e da Tecnologia na Educação e Literatura e Educação em Ciências, ambos vinculados ao PPGECT/UFSC. Email: mtkarat@gmail.com / ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9444-9241. 2 Docente do Departamento de Metodologia de Ensino, do Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui graduação, licenciatura plena em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestrado e doutorado em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT/UFSC), e pós-doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. Atua na área de pesquisa em ensino em Educação em Ciência e Biologia, com foco nos seguintes temas: linguagem do/no/ensino de Ciências e Biologia, relações entre Literatura e Educação em Ciências. Tem experiência em projetos de cooperação e mobilidade acadêmica internacional, tendo coordenado o Programa de Pró-Mobilidade Acadêmica Internacional UFSC e Universidade Nacional de Timor Leste, entre 2015 e 2017. Atualmente, coordena o projeto de “Internacionalização Repositório de Práticas Interculturais: proposições para pedagogias decoloniais” (PRINT/CAPES, vinculado ao PPGECT/ UFSC). Está credenciada junto ao PPGECT/UFSC, orientando mestrados e doutorados. Atua como pesquisadora junto ao grupo de pesquisa Discursos da Ciência e Tecnologia na Educação-DICITE. É líder do grupo de pesquisa em LITERACIÊNCIAS, em Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: patriciamgiraldi@gmail.com / ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4283-1967.
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UNDADO em 2005, por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, e, mais tarde, adquirido pela Google, o YouTube é, hoje, o maior site de armazenamento e compartilhamento de vídeos da web. Além de poder hospedar e compartilhar vídeos, os usuários do site podem também fazer recomendações de vídeos, escrever comentários
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e reproduzir vídeos que podem ser incorporados a outras páginas da internet. A possibilidade de compartilhar vídeos criados pelos próprios usuários e a utilização do YouTube para distribuir conteúdo de mídia foi uma combinação de sucesso entre os usuários do site. O YouTube é uma plataforma que agrega conteúdo e “tem múltiplas funções como site de grande tráfego, plataforma de veiculação, arquivo da mídia e rede social”. (BURGESS; GREEN, 2009, p. 23). Na verdade, várias formas de valores culturais, sociais e econômicos são produzidas coletivamente em masse pelos usuários, por meio de suas atividades de consumo, avaliação e empreendedorismo. (BURGESS; GREEN, 2009, p. 23).
O YouTube faz parte do cotidiano das pessoas, com muitas possibilidades tanto de entretenimento quanto de acesso à informação, apesar do site em si não ser um produtor de conteúdo. Burgess e Green (2009, p. 23), sugerem que o site tem uma importância em termos culturais e que “na verdade, várias formas de valores culturais, sociais e econômicos são produzidas coletivamente en masse pelos usuários, por meio de suas atividades de consumo, avaliação e empreendedorismo”. Com o surgimento da Web 2.0, o YouTube ganhou ainda mais popularidade, principalmente entre o público mais jovem, segundo dados do próprio YouTube. O YouTube faz parte da mídia de massa, com mais de um bilhão de usuários atualmente, principalmente na faixa etária dos 18 aos 34 anos. O número de horas assistidas por dia no mundo chega a um bilhão e mais de 70% do tempo de exibição do YouTube vem de dispositivos móveis. (YOUTUBE, 2019). Os jovens não buscam a plataforma apenas para entretenimento e diversão, mas para aprender os conteúdos dos currículos escolares. (BURGESS; GREEN, 2009). Nesse cenário, o YouTube ganhou novas possibilidades na educação, de forma que “atualmente educadores/as, instituições de ensino e de divulgação do conhecimento estão investindo tempo e recursos financeiros na produção e divulgação de vídeos de caráter educacional no Youtube’. (SILVA; SALLES, 2015, p. 2). Muitos canais brasileiros de vídeos no YouTube que
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se dedicam à produção de vídeos educacionais fazem um enorme sucesso entre os jovens estudantes. É notável que repositórios tais como YouTube, Vimeo, Dailymotion, Metacafe, que veiculam vídeos educacionais, tem crescido de forma exponencial “porque parecem atender a uma demanda real que é a dos concursos de fim de ensino médio, seja com vistas à inserção no mercado de trabalho, seja para o ingresso no ensino superior”. (REZENDE et al., 2015, p. 8). Sabemos que as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão presentes no cotidiano de alunos e professores e “funcionam de modo desigual, real ou virtual – como agências de socialização, concorrendo com a escola e a família”. (BÉVORT; BELLONI, 2009). Pensamos que mesmo os melhores vídeos têm limitações quando pensamos no seu uso no ensino de ciências. Grande parte desses materiais audiovisuais não foram produzidos com o objetivo de ensinar algo, mas isso não impede a sua utilização, desde que o professor tenha um olhar crítico sobre essas obras audiovisuais. Dessa forma, o professor poderia estabelecer objetivos pedagógicos e construir um roteiro que combine os textos fílmicos com outros textos, como os de divulgação científica, por exemplo, de forma a poder discutir o tema sob várias perspectivas. Os canais de vídeos educativos do YouTube estão cada vez mais presentes na vida escolar dos estudantes brasileiros, sendo um fenômeno que não podemos ignorar. A popularização e a diversidade desses canais educacionais na internet e o seu enorme alcance, nos fazem pensar que é necessário entender como ocorre a circulação e uso desses produtos educativos. O que e como as pessoas estão aprendendo por meio destes canais de vídeo? Estes vídeos funcionam como uma forma de divulgação científica, cumprindo um papel de educação informal? Estes canais de vídeo estariam mais voltados a uma espécie de treinamento para exames vestibulares e para conseguir uma boa pontuação no ENEM? Ou é possível aprender da forma como defendemos, um ensino crítico que contribua para a formação de sujeitos atuantes socialmente?
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A propaganda a favor do uso destes canais de vídeo educacionais promete uma mudança de paradigma. Mas, será que estes vídeos são tão revolucionários assim? O que mudou ou irá mudar no ensino de ciências utilizando estes canais de vídeo? Não conhecemos os discursos sobre ciência e tecnologia que estão circulando nestes espaços virtuais na internet. Acreditamos que é importante investigar estas questões, de forma que os resultados destes estudos possam contribuir para a formação de professores leitores de audiovisuais, especialmente os vídeos educativos do YouTube. Apresentamos um recorte de uma pesquisa de doutorado que investiga os vídeos educativos16 na educação em ciências. Neste artigo, buscamos compreender quais são os interesses socioeconômicos e políticos envolvidos na criação da plataforma educacional YouTube Edu. Pretendemos analisar quais discursos sobre ciência e tecnologia e quais efeitos de colonialidade estão presentes nessa plataforma. Como corpus de análise, investigamos a página do YouTube Edu e cinco vídeos17 publicados na época do lançamento da plataforma, também disponíveis na página do YouTube Edu.
As empresas privadas e as intervenções nas políticas públicas educacionais: a plataforma educacional YouTube Edu A plataforma de vídeos educacionais YouTube Edu funciona como um repositório de vídeos, que são disponibilizados gratuitamente na internet. Esta plataforma foi lançada pelo Google Brasil, em parceria com a Fundação Lemann, que tem como objetivos o desenvolvimento de projetos inovadores em educação, realizar pesquisas para embasar De acordo com os estudos culturais, mesmo os vídeos que não têm intenção de educar, são artefatos culturais e podem ser utilizados para nos educar sobre algo (WORTMANN, 2008). 17 Vídeos analisados: 1- YouTube/EDU. Disponível em: https://bit.ly/3wZsNf0. Acesso em: 19 ago. 2021; 2- YouTube/EDU – Conheça a história do projeto. Disponível em: https://bit.ly/3lXYiQd. Acesso em 19 ago. 2021; 3- YouTube/EDU – Episódio 1. Disponível em: https://bit.ly/3N14ZNi. Acesso em 19 ago. 2021; 4- YouTube/EDU – Episódio 2. Disponível em: https://bit.ly/3z6n3l2. Acesso em: 19 ago. 2021; 5- YouTube/EDU – Episódio 3. Disponível em: https://bit.ly/3a5IRmq. Acesso em: 19 ago. 2021. 16
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políticas públicas no setor e formação de professores. Para que os professores produtores de vídeo possam incluir seus canais nesta plataforma, é necessário submeter o canal para a curadoria de uma equipe de professores coordenados pela Fundação Lemann. Esta curadoria tem o papel de avaliar se o conteúdo está correto, não levando em consideração a forma como o professor ensina. Depois que o professor teve seu canal de vídeo aprovado, não precisa mais passar pela curadoria, podendo incluir livremente novos materiais na plataforma. Um dos objetivos daquele projeto, segundo seus coordenadores, é o de estimular e preparar professores para que passem a produzir conteúdo educacional de qualidade e que atualizem constantemente seus canais com novos vídeos. Na primeira fase do projeto, foram convidados 40 professores que já produziam vídeos educacionais e tinham canais no YouTube. Esses professores passaram por treinamento e receberam um certificado “Google Certified Teacher”. O Google Brasil ofereceu um workshop para que estes professores convidados recebessem orientações de como aprimorar a produção dos seus vídeos. O treinamento incluía dicas de como falar com seu público-alvo, construção de roteiros e cuidados para garantir imagem e som de qualidade. São várias as promessas desta fundação a respeito do uso dos audiovisuais da plataforma YouTube Edu: os audiovisuais passariam a ser não apenas complemento das aulas, mas principal fonte de conteúdo, disponível para todos aqueles que têm acesso à internet, poderiam ser usados como reforço de conteúdo ou para antecipação de conteúdos ainda não vistos em sala de aula, no momento que o usuário achar mais conveniente, serviriam como material extra para uso de professores; por terem uma linguagem mais lúdica estimulariam o usuário a gostar mais de ciências, entender melhor os conteúdos e tirar notas melhores. Segundo Rezende et al. (2015, p. 1), “o panorama tecnológico atual tem permitido a emergência de novas práticas de circulação livre
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e/ou comercial de conteúdos educativos de ciências e saúde”. Para Cabral et al. (2019, p. 3), as videoaulas são produtos rentáveis e competitivos, com baixo custo de produção e estratégias de marketing muito eficientes, o que justifica o alto número de canais educativos que prestam esse tipo de serviço. São canais com interesses comerciais, buscando obter recursos monetários através do número de visualizações, curtidas e a venda de pacotes de assinaturas de seus serviços. Na educação temos uma forte influência de grandes grupos privados na construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e isso se estende para os espaços da internet como por exemplo as plataformas de vídeos educativos do YouTube Edu, criada pelo Google Brasil em parceria com a Fundação Lemann e os seus numerosos braços como Instituto Ayrton Senna, Fundação Natura, entre outros. Essas empresas estão fazendo parcerias com escolas públicas de forma que “o privado assume a direção das políticas educativas e define a produção e apropriação do conhecimento” (PERONI; CAETANO, 2015, p. 340). Um exemplo de como o privado ocupa o papel que seria do estado na política educacional é o chamado Movimento pela Base Nacional Comum, uma ONG que produz estudos e pesquisas e investiga casos de sucesso em vários países. De acordo com Peroni e Caetano (2015, p. 344), [...] esse grupo é composto de grandes instituições privadas e têm-se articulado com instituições educacionais globais, visando promover mudanças na educação dos países, especialmente no currículo e avaliação e, consequentemente, na formação docente, entre outros. São mudanças baseadas nas reformas ocorridas nos Estados Unidos, Austrália, Chile e Reino Unido.
Parcerias entre o Google Brasil, Secretarias de Educação e Universidades mostram que os grandes grupos da iniciativa privada estão avançando cada vez mais e ocupando os espaços que seriam do estado na política educacional. Um exemplo de parceria entre o público e o privado é o portal MECFLIX, plataforma online de vídeos educativos do Mi-
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nistério da Educação (MEC), voltados para conteúdo do currículo do ensino médio, cujo objetivo é preparar os estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo Silva (2016, p. 22), o MEC não se responsabiliza pela produção das videoaulas deste portal, mas conta com parceiros que irão produzir esses vídeos: “As parcerias já definidas são: Khan Academy, Geekie Game, Descomplica, FGV, Kroton e QG do ENEM” e alguns desses parceiros já possuem seus próprios canais no portal YouTube Educação. Os representantes do setor privado têm operado cada vez mais por dentro do próprio governo, fazendo parte e disputando suas premissas no contexto de desenvolvimento das políticas educacionais, bem como atuando in loco, por meio de doação e da venda de produtos educacionais (GRIMM; SOSSAI; SEGABINAZZI, 2014, p. 854). Segundo Ball (2014), esse seria um novo tipo de filantropia, dentro do contexto do neoliberalismo, no qual as empresas que fazem as doações trocam doações por resultados, como por exemplo, fazer parte e interferir nas políticas públicas educacionais. O YouTube Edu18 é uma plataforma educacional online que funciona como repositório exclusivo, para vídeos educacionais produzidos por professores brasileiros: Cada um tem seu estilo e uma multidão de seguidores. Tanto sucesso merece um canal exclusivo. Apresentamos YouTube Edu. As maiores estrelas da educação, professores tradicionais e criativos. Conteúdo básico e avançado com a parceria da Fundação Lemann (YOUTUBE EDU, 2013).
A plataforma YouTube Edu19 foi criada em parceria com a Fundação Lemann, sendo que a curadoria dos vídeos é feita por professores selecionados pelo Sistema de Ensino Poliedro e coordenados pela Fundação Lemann. A plataforma funciona como um repositório de vídeos que são disponibilizados, gratuitamente, na internet. A página possui 470 mil inscritos 18 19
Vídeo de lançamento do YouTube Edu. Disponível em: https://bit.ly/3N4VzAj. Acesso em: 30 set. 2020. Vídeo de lançamento do YouTube Edu. Disponível em: https://bit.ly/3avcePc. Acesso em: 30 set. 2020.
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e 25.338.312 visualizações20. Os conteúdos curriculares disponíveis são voltados para o ensino fundamental e médio, nas seguintes disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais (Química, Física e Biologia), História, Geografia, Língua Espanhola e Língua Inglesa. (YOUTUBE, 2019). Atualmente, existem 96 canais hospedados nessa plataforma. Desse total, encontramos 19 canais21 que têm vídeos de Biologia22, sendo que 16 deles (84%) têm como objetivo principal preparar estudantes para as provas, em larga escala, tais como ENEM e/ou vestibulares. Os estudos de Rezende et al. (2015) mostram que a maioria dos canais de vídeo, voltados para o ensino de ciências, tem foco no ensino médio e têm relação com a realização dos exames do ENEM, vestibulares e concursos públicos. Os autores também relatam que os vídeos são produzidos segundo modelos hegemônicos, semelhantes aos que são adotados pelos cursos pré-vestibulares. Segundo Ramos (2017, p. 13), a política de avaliações de larga escala funciona como um mecanismo regulador “de currículos e de modos de interpretação aceitos em aulas de ciências”. Cabral et al. (2019, p. 7) identificaram discursos de “promessa de facilidade, rapidez e eficiência do aprendizado”, que são estratégias do pensamento neoliberal, em dois dos maiores canais de empresas privadas (Descomplica e Khan Academy). Para os autores, o leitor pode chegar à conclusão de que é possível aprender sozinho, sem a necessidade de um professor em uma aula tradicional, o que pode facilitar a venda dos pacotes de aulas online. A Fundação Lemann tem como meta que os audiovisuais sejam a principal fonte de conteúdo para todos que tiverem acesso à internet. Os youtubers que pretendem fazer parte dessa plataforma precisam submeter seus vídeos a uma curadoria, que tem o papel de avaliar se o conteúdo está correto, não levando em consideração o estilo, a forma como
Dados encontrados na página do YouTube Edu, em 18/08/2021. Canais selecionados e analisados do YouTube Edu, com aulas de Biologia: Nerdologia, Descomplica, Aulalivre, Me Salva, Biologia Total, Khan Academy, Stoodi, Aula De, UNIVESP, Kuadro, TV Oficina, Knapse, Novo Telecurso, TV Poliedro, TV Hexag, TV Escola, Pro ENEM, SAS, Scientia TV. 22 Nenhum dos canais selecionados apresentam, exclusivamente, vídeos de Biologia. 20 21
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o professor ensina. A curadoria dos vídeos é feita por professores selecionados pelo Sistema de Ensino Poliedro e coordenados pela Fundação Lemann. Depois de ter o seu canal de vídeo aprovado, o professor não precisa mais passar novamente pela curadoria, podendo incluir livremente novos materiais na plataforma. Interessante notar que o discurso de que a plataforma irá oferecer um produto de alta qualidade é recorrente, tanto na fala dos executivos responsáveis pelo projeto, como também na fala dos professores youtubers de sucesso, como podemos ver em alguns trechos de um vídeo promocional do YouTube Edu, que conta um pouco sobre a história23 do projeto (YOUTUBE EDU, 2013): [...] a plataforma YouTube Edu teria os seguintes pré-requisito “entregar um produto gratuito, de alta qualidade, curado e organizado” (Lauren Pachaly - gerente de marketing do Google Brasil). [...] “disponibilizar conteúdo de alta qualidade e criar um local onde professores e não professores possam produzir conteúdo e disponibilizar pro Brasil inteiro” (Denis Mizne - diretor executivo da Fundação Lemann). [...] “a única determinante para um vídeo entrar ou não na plataforma era a questão do conteúdo” (Adriana Cohen – coordenadora executiva). [...] “a ideia principal é aproveitar essa característica única que a internet tem, que é a diversidade de informações. Você tem aulas de diferentes tipos, aulas usando um tablet, aulas usando uma lousa, aulas usando animações. O que eu aprendi de fundamental é que cada um tem uma visão diferente. Cada um vai seguir sua trilha, vai seguir o seu caminho de como aprender melhor (Marcelo Knobel – coordenador da curadoria).
YouTube Edu: conheça a história do projeto. Disponível em: https://bit.ly/3wWxzJT. Acesso em: 30 set. 2020. 23
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Mas o que seria um ensino de qualidade? Quem determina o que é uma aula de qualidade? Parece haver uma ideia dominante de que os recursos tecnológicos garantem automaticamente qualidade na educação. Mas, na prática, podemos perceber que o que acaba ocorrendo é a simples “transposição, para novos meios, dos conteúdos tradicionalmente ensinados nas salas de aula” (MOREIRA; KRAMER, 2007, p. 1038). Nesse pensamento, o bom professor é aquele que domina as tecnologias, fazendo bom uso delas, ou seja, sendo capaz de produzir vídeos bem-feitos, com qualidade de imagem e de som. Dessa forma, a Google Brasil, juntamente com a Fundação Lemann oferece um treinamento aos professores que tiveram seus canais aprovados. Os professores devem passar por um treinamento, uma espécie de workshop24 oferecido pelo Google Brasil, recebendo depois um certificado, o “Google Certified Teacher''. O treinamento inclui dicas de como o professor deve falar com o seu público, orientações para a construção de roteiros e para a produção de vídeos com qualidade de imagem e de som. Mas, utilizar as novas tecnologias na sala de aula não garante qualidade na educação. Moreira e Kramer (2007, p. 1038), argumentam “que uma educação de qualidade demanda, entre outros elementos, uma visão crítica dos processos escolares e usos apropriados e criteriosos das novas tecnologias”. A ideia de que as novas tecnologias seriam a solução para democratizar o acesso ao conhecimento, fazendo com que esse conhecimento chegue ao mundo todo é predominante nas falas de professores e executivos do projeto. Podemos ver alguns exemplos extraídos dos vídeos Episódio 125 (YOUTUBE EDU, 2014a) e Episódio 2 (YOUTUBE EDU, 2014b), sobre o primeiro workshop realizado no início do projeto:
YouTube Edu. Episódio 2. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3I4eL7cBCuc. Acesso em: 30 set. 2020; Episódio 3. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XPJApjl5n4Y. Acesso em: 30 set. 2020. 25 YouTube Edu. Episódio 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xLjge65-Qkg. Acesso em: 30 set. 2020. 24
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[...] pela primeira vez a gente tá tendo a oportunidade de entregar o mesmo produto educacional pro cara que mora nos Jardins em São Paulo e pro cara que mora no Xingú (Ivys Urquiza – Física Total). [...] eu acho que essa é a beleza do YouTube Edu, ela permite que professores bons saiam da sua sala de aula né e possam ir pro mundo, possam alcançar qualquer aluno, em qualquer parte do Brasil [...] super curioso porque às vezes você pensa que vai ser útil pro consumidor final, pro aluno, mas pro professor se modernizar, se reinventar e conseguir se expressar de uma diferente forma, é incrível para eles (Gabriela Gian – YouTube). [...] se você é de uma família que não tem condições, se você mora muito longe, não tem um professor perto, você não vai ter uma boa educação e ponto. Ponto não. Agora não é mais ponto, agora se você tiver uma internet, você vai ter o YouTube Edu (Roberto Zander – Dando a Letra Concursos). [...] e a gente acredita muito na tecnologia, na inovação como uma maneira de melhorar a educação no Brasil. E aí é assim que você consegue democratizar a educação de alta qualidade (Flávia Goulart – Fundação Lemann). [...] “a gente quer ver muito mais professores produzindo conteúdo, democratizando o acesso ao conhecimento que eles têm, impactando mais alunos, além da sala de aula deles. Eu acho que esse é um papel que a plataforma, uma missão que a plataforma tem para o próximo ano.”
Segundo Orlandi (2009), “a educação é uma educação de classe”, e essa classe é dominante no sistema capitalista. A proposta de uma educação democrática não explicita quem pode ter acesso ao que a classe média considera como conhecimento legítimo. O discurso da classe média “é adequado para a classe-média, tanto que, quando se fala na crise da escola, está-se falando sobretudo da crise da eficácia das formas institucionais do saber para esta classe” (ORLANDI, 2009, p. 208).
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Esse discurso considera apenas o saber dominante e os outros saberes não são sequer formulados. Não se trata do acesso ao conhecimento, [...] mas da apropriação do conhecimento legítimo, que lhe é necessário, em sua condição de classe. Fica à margem, toda outra forma de conhecimento, que sequer é reconhecida como tal e com a qual não se opera. Reivindicase o direito de ter o conhecimento legítimo sem discutir seus pressupostos, ou seja, não se procura transformar a relação com esse conhecimento, nem se discute sua legitimidade (legitimidade para quem?).
Não é possível falar em democratização de acesso ao conhecimento por meio das novas tecnologias quando ainda existem tantas pessoas em situação de exclusão digital no Brasil. Segundo dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC, 2019), 28% dos domicílios (20 milhões de domicílios) não têm acesso à internet. De acordo com dados da CETIC (2019), um a cada quatro brasileiros não usa a internet, o que corresponde a 47 milhões de não usuários (26%). O celular é o dispositivo mais usado (99%), sendo que 58% acessam a internet somente por este dispositivo. Existem diferenças também por classes sociais, sendo que as classes DE (85%) utilizam exclusivamente o telefone celular. Esses dados mostram que existem diferenças no acesso à internet de acordo com a classe social, de forma que as condições econômicas acabam por restringir o seu uso. A pandemia de Covid-19 aumentou ainda mais as desigualdades sociais e a exclusão digital no Brasil. Não é possível conceber uma educação de qualidade e democrática em uma sociedade tão desigual e excludente. Dessa forma, apesar da popularização dos celulares, o seu uso na educação se torna limitado sem que “condições concretas sejam dadas a todo e qualquer cidadão, independentemente de sua classe social e de sua capacidade de financiar esse acesso” (PRETTO, 2018, p. 272). Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC, 2018), apontam que o acesso ao WIFI, nas escolas, é ainda muito restrito: 25% dos professores das escolas públicas e 31% das escolas privadas utilizaram o WIFI da escola para a realização de atividades
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pedagógicas, usando o telefone celular. O percentual de alunos que utilizaram o WIFI da escola, para atividades pedagógicas, é ainda menor: apenas 7% de alunos de escolas públicas e 10% de alunos de escolas particulares. O fato de a quase totalidade dos alunos possuírem um celular, não garante o acesso à internet, pois teriam que ter recursos para contratar planos de acesso, que nem todos poderiam suportar. Pretto (2018, p. 273) defende que não é possível haver inclusão digital “sem que as condições concretas sejam dadas para isso”. Além disso, é preciso compreender que a inclusão digital vai além do acesso e da instrumentalização às tecnologias. É necessário que ocorra a alfabetização digital, de forma a utilizar a internet de forma crítica, consciente e segura. Ser incluído digitalmente implica também cuidar com o uso de imagens, em considerar a autoria dos textos, aprender a reconhecer e não compartilhar fake News. Temos uma falsa sensação de liberdade de navegação na internet, mas os algoritmos direcionam as nossas escolhas e os meios de comunicação de massa muitas vezes manipulam a opinião pública. Isso tudo é preocupante pois sabemos que os valores e as opiniões de boa parte das pessoas são formados através das leituras que elas fazem nos meios de comunicação, principalmente, através da internet. A propagação de fake News e a formação de “bolhas” na internet têm influências na política, na educação e na ciência. Atualmente, grandes corporações como a Alphabet/Google, Amazon, Facebook e Apple (GAFA), inventaram formas de lucrar através dos dados pessoais de milhões de usuários, “através dos algoritmos, fabricam-se cálculos, estruturam-se instruções, desenham-se caminhos de pensamento que nos vão construindo: em vez de tais empresas nos servirem, elas se servem sobretudo de nós” (CARTA, 2018). Os autores da Carta de Salvador evidenciaram os “riscos para a democracia, decorrentes da dominação dos sistemas de comunicação por grandes conglomerados, movidos pelos seus interesses comerciais e objetivos de poder político”.
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Para Marcon (2020, p. 80), a “inclusão digital implica na apropriação crítica, autoral e criativa das tecnologias digitais e no exercício da cidadania na rede”. No entanto, o que observamos é que, na perspectiva da educação neoliberal, a educação através das novas tecnologias não está voltada para a formação do cidadão, mas sim para o consumidor. A educação é uma mercadoria a ser comercializada, reproduzida e consumida pelos alunos, como verificamos nesses trechos dos vídeos Episódio 126 e 2, do YouTube Edu (YOUTUBE EDU, 2014a; YOUTUBE EDU, 2014, b): [...] você tem que escolher até o nome que você vai dar pro vídeo, porque lembra que você tá competindo num shopping, que tem milhões de lojas, e aí você vai passando e a tua loja tem que tá bem clara pro teu cliente. Ele tem que bater o olho e saber o que que você tá oferecendo [...] você tem que ser além de tudo isso, uma marca, ou seja, você tem que ser lembrado de forma o mais onipresente possível (Ivys Urquiza – Física total). [...] eu acho que essa é a beleza do YouTube Edu, ela permite que professores bons saiam da sua sala de aula né e possam ir pro mundo, possam alcançar qualquer aluno, em qualquer parte do Brasil [...] super curioso porque às vezes você pensa que vai ser útil pro consumidor final, pro aluno, mas pro professor se modernizar, se reinventar e conseguir se expressar de uma diferente forma, é incrível para eles (Gabriela Gian – YouTube).
Na época do lançamento da plataforma YouTube, alguns youtubers famosos foram convidados a participar da plataforma, pois já produziam vídeos educacionais antes da criação da plataforma (YOUTUBE EDU, 2013). Na foto abaixo (figura 1), vemos esses youtubers ao lado de vários executivos responsáveis pela construção da plataforma YouTube Edu. Chama a atenção o fato de todas as pessoas serem brancas e a presença de apenas duas mulheres, igualmente brancas, o que deixa evi-
YouTube Edu. Episódio 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xLjge65-Qkg. Acesso em: 30 set. 2020. 26
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dente a colonialidade do poder, na qual a ideia de raça e racismo se tornou o eixo de organização que vai estruturar todas as múltiplas hierarquias do sistema-mundo (QUIJANO, 2000). A maioria dos produtores de vídeo da plataforma YouTube Edu, escolhidos como “os melhores” professores youtubers, são homens e brancos. O que observamos na plataforma YouTube Edu reflete uma herança colonial de poder. De acordo com a pesquisa de Machado e Almeida (2021, p. 12), as mulheres atuam “majoritariamente, na educação infantil e no ensino fundamental”, sendo minoria no ensino médio e superior. Apesar das mulheres serem maioria entre os que conseguem se graduar nos cursos superiores, os homens brancos dominam o mercado de trabalho na docência do ensino médio e superior. A desigualdade racial e de gênero é ainda maior na docência de educação superior, com 23,3% de homens brancos, 8,0 % de homens pretos e pardos, 5,1 % de mulheres brancas e 1,6 % de mulheres pretas e pardas (MACHADO; ALMEIDA, 2021). Percebemos um silêncio com relação a racismo e gênero, nos vídeos de Biologia, da plataforma YouTube Edu. Ao realizarmos uma busca exploratória, na plataforma YouTube Edu, utilizando as palavraschave racismo e gênero, encontramos um vídeo racismo27 e um vídeo sobre sexismo28, no canal Nerdologia. Os poucos vídeos29 encontrados na plataforma, que abordam essas questões, estão restritos às aulas de história, sociologia, redação e atualidades.
Racismo. Disponível em: https://bit.ly/3z6wnWa. Acesso em: 22 ago. 2021. Sexismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cpnJ4psOoZc. Acesso em: 22 ago. 2021. 29 Encontramos um total de 11 vídeos que abordavam questões étnico-raciais e de gênero na plataforma YouTube Edu. 27
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Figura 1. Lançamento do YouTube Edu. Fonte: Google lança canal de educação YouTube Edu.
Disponível em: http://glo.bo/3t3OU1e. Acesso em: 30 set. 2020.
A colonialidade do ver está presente na plataforma educacional YouTube Edu, como uma forma de “telecolonialidade visual”, que, segundo León (2012, p. 118), funcionaria através de uma “rede de dispositivos midiáticos, que se baseiam na exploração colonial de conhecimentos, representações e imaginários”, com a finalidade de reproduzir “hierarquias de classe, raciais, sexuais, de gênero, linguísticas, espirituais e geográficas da modernidade-colonialidade euro-norte americana”. León (2012, p. 120) aponta que as tecnologias da imagem teriam o papel de ajudar a “definir e hierarquizar a população” com o objetivo de “classificar, vigiar e controlar a população”. O controle sobre as informações das pessoas se ampliou com o desenvolvimento tecnológico dos algoritmos na internet. Houve uma intensificação do poder social destes algoritmos e, “portanto, de quem os controla, determina e determinará ainda mais a maneira como qualquer tipo de informação será coletada, armazenada, selecionada, ranqueada e disponibilizada” (ZUIN; ZUIN, 2018, p. 1146).
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A colonialidade do poder e do ver estão presentes na plataforma YouTube e tem a contribuição dos algoritmos para isso, que reforçam a colonialidade na plataforma. Há um direcionamento no YouTube, no qual as pessoas recebem sugestões de vídeos, através do uso de algoritmos, o que dificulta saber que tipo de conteúdo vai chegar até nossos estudantes. Conforme Kyncl e Peyvan (2019, p. 119), ter uma plataforma aberta, na qual qualquer pessoa pode postar seus conteúdos não garante uma representação igual: “[...] os algoritmos do YouTube são projetados para ser imparciais, mas as estatísticas mostram que eles ainda estão sujeitos às mesmas tendências - inconscientes, explícitas ou sistêmicas - que existem na sociedade.” (KYNCL; PEYVAN, 2019, p. 119). Existem alguns problemas que contribuem para existirem menos produtores de conteúdo que sejam negros na plataforma do YouTube. Um desses problemas é a dificuldade dos produtores negros em conseguir suprimentos adequados, como câmeras, computador e equipamentos de edição. Outro problema é a existência de uma demanda muito grande no YouTube e uma competição pelo clique do espectador, que é influenciado pela thumbnail30: Nessa competição, um vídeo recomendado de um criador negro pode ser clicado com menos frequência do que o vídeo de um criador branco. Com o tempo, essa preferência ganha importância nos algoritmos de recomendação que se concentram em fornecer aos espectadores os vídeos que eles têm mais probabilidade de assistir (KYNCL; PEYVAN, 2019, p. 120).
O preconceito com relação às youtubers negras é ainda maior, de forma que “a pele escura e o cabelo mais enrolado conduzem a uma contagem mais baixa de assinaturas e visualizações (KYNCL; PEYVAN, 2019, p. 120). Thumbnail é uma versão reduzida, em miniatura, de imagens, para facilitar o processo de busca e reconhecimento daquilo que está sendo procurado na internet (WIKIPEDIA, 2020). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/thumbnail. Acesso em: 20 dez. 2021. 30
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Em 2018, o Jornal El País publicou uma reportagem sobre os algoritmos racistas que identificam as pessoas negras como macacos (SALAS, 2018). O ambiente de produção tecnológica também é um espaço no qual o racismo está presente, já que os artefatos digitais são construídos por pessoas. Segundo Cabral (2019, p. 6): [...] os artefatos digitais são construídos a partir da subjetividade e das relações que emergem dos corpos de homens brancos e heterossexuais, o que revela a presença de marcadores sociais da diferença, tais como raça, gênero e classe. A presença desse fluxo de marcadores sociais é materializada também em seus fazeres.
De acordo com Almeida (2016), o racismo estrutura nossa vida cotidiana, tanto na economia, quanto na política e na subjetividade. Dessa forma, é normal que ele se manifeste nas redes sociais, como, por exemplo, o YouTube. Quando se fala normal, não é o que devemos aceitar, mas é que o “racismo constitui as relações no seu padrão de normalidade”, ou seja, “é uma forma de racionalidade” (ALMEIDA, 2016, s,p.).
Considerações finais A ideia de educação como mercadoria a ser comercializada está de acordo com o projeto neoliberal, que tem como estratégia transformar os valores do indivíduo, de forma que cada um se veja como um empreendedor de si mesmo, como um capital. De acordo com esses ideais, a escola pode ser eficiente e melhorar o seu desempenho através do estímulo à competição, à concorrência entre os estudantes, escolas e professores, através de provas e avaliações sistemáticas (LAVAL, 2019). A análise da plataforma educacional YouTube Edu evidenciou seu caráter mercadológico, de transformação da educação em um produto enganoso a ser vendido às massas. Segundo Laval (2019), esse tipo de modelo não leva a um melhor desempenho, mas acaba por aumentar, ainda mais, as desigualdades entre os estudantes. É possível perceber
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um silêncio sobre as questões étnico-raciais e de gênero nos vídeos educativos de biologia, na plataforma YouTube Edu. O YouTube Edu é resultado de uma parceria do Google com a Fundação Lemann, cuja pauta educacional apresenta valores pertencentes aos ideais neoliberais de educação. Para Apple (1982), existem “valores sociais e econômicos” que “já estão embutidos no projeto das instituições em que trabalhamos” (ALMEIDA; CASSIANI; OLIVEIRA, 2008, p. 26). A educação, nos moldes do capitalismo, ignora outras histórias, outros saberes e experiências, impondo um único saber, o do colonizador. Podemos reconhecer nesses vídeos a presença de uma perspectiva hegemônica do conhecimento, visto como universal e verdadeiro.
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