Resistir, (Re)existir e Reinventar II - Capítulo 4

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DOI: doi.org/10.29327/565971.1-4

Conhecimentos e práticas do povo Maubere: sentidos sobre tecnologias na atualidade educacional timorense Knowledge and practices of the Maubere people: meanings about technologies in current Timorese education Raquel Folmer Corrêa1 Irlan von Linsingen2 Estanislau Alves Correia3 1 Bacharela e licenciada em Ciências Sociais pela UFRGS. Mestre em Sociologia pelo Programa de PósGraduação em Sociologia da UFRGS na linha de pesquisa Sociedade e Conhecimento. Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela UFSC na linha de pesquisa Implicações Sociais da Ciência e da Tecnologia na Educação. Participa dos Grupos de Pesquisas "Discursos da Ciência e da Tecnologia na Educação" (DiCiTE-UFSC) e "Ética, Epistemologia e Formação de Professores para a Educação Profissional e Tecnológica" (PROFEPT/IFFAR). E-mail: raquel.correa@iffarroupilha.edu.br / ORCID: http:// orcid.org/0000-0001-5208-3993 2 Graduado em Engenharia Mecânica, com mestrado em Ciências Térmicas (EMC/PPGEM/UFSC), doutorado em Educação em Ciências - UFSC (2002) e pós-doutorado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Estágio Sênior CAPES - 2015). Professor Titular da UFSC, ligado ao Departamento de Engenharia Mecânica (EMC/CTC) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT). Atua nas linhas de pesquisa Implicações Sociais da Ciência e da Tecnologia na Educação e Linguagens e Ensino, com os seguintes temas: Ciência-Tecnologia-Sociedade, educação tecnológica, educação CTS, aspectos da linguagem na educação científica e tecnológica, articulações entre Estudos CTS, Educação CTS e Tecnologias Sociais. Líder do Grupo e Pesquisa Discursos da Ciência e da Tecnologia na Educação - DICITE. Participou da Coordenação Acadêmica do Programa de Qualificação de Docentes e Língua Portuguesa - PQLP, no âmbito do Acordo de Cooperação Educacional entre Brasil e Timor-Leste. Foi Diretor Acadêmico do campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Blumenau. E-mail: irlan.von@gmail.com / ORCID: https://orcid.org/00000001-5887-6070 3 Licenciatura em Ensino de Biologia, pela Universidade Nacional Timor Lorosa'e - UNTL, em Dili, Timor-Leste. Mestrado em Ciência e Tecnologia do Ambiente, pela Universidade do Porto. Atua como docente do quadro permanente do Departamento de Formação de Professores do Ensino Básico, na Faculdade de Educação, Artes e Humanidades, da UNTL. E-mail: estanislaualvescorreia@gmail.com / ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8599-1821


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Resumo: No ano de 1975, com o início da ocupação violenta por parte da Indonésia, a sociedade timorense passou a viver um período de transições sociopolíticas relevantes, que se estendeu até o final do século XX. Com os processos de restauração da independência do país, e das primeiras eleições presidenciais, em 2002, foram firmados acordos internacionais em diferentes áreas, como a educacional. A partir do ano de 2005, o Brasil enviou professores/as brasileiros/as para trabalhar em Timor-Leste, com o objetivo de colaborar na formação, em Língua Portuguesa, de docentes timorenses em diferentes níveis de ensino. Nesse contexto, passamos a realizar investigações colaborativas com a coletividade acadêmica timorense, cooperante com o Brasil em temas sobre educação, ciências e tecnologias. Os debates gerados nessa cooperação confirmaram algumas percepções iniciais de que tanto educação quanto tecnologias são comumente entendidas genericamente, de modo linear e determinista do incremento econômico e social, nos dois países. Em Timor-Leste, cujo lema fundamental pós-conflito era “paz e desenvolvimento”, surgiram demandas sobre possibilidades e limites nas articulações entre a produção de conhecimentos tradicionais do povo Maubere e produções científicas e tecnológicas atuais. Tendo em vista uma perspectiva educacional crítica dos estudos CTS latino-americanos, apontamos um caminho possível para estabelecer tais articulações, que problematize a inclusão social, considere a cidadania sociotécnica, contemple um exame crítico sobre tecnologias sociais e mobilize para a autoria em ambientes educacionais. Palavras-chave: Determinismo tecnológico. Tecnologias sociais. Educação CTS. Autoria. Timor-Leste.

“Com suas lutas, os povos e nacionalidades demandam o exercício pleno da democracia, a construção de cidadanias coletivas, o respeito à multiculturalidade e a prática da interculturalidade, das liberdades e das oportunidades, sem exclusões.” Alberto Acosta (2016, p. 156).

A cooperação educacional entre Timor-Leste e Brasil

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REPÚBLICA Democrática de Timor Lorosa’e se localiza no Sudeste Asiático, junto a outras ilhas da Indonésia. Está situada ao norte da Austrália e ocupa a parte oriental da Ilha de Timor, em uma região de limite entre o Oceano Índico e o Pacífico. TimorLeste, cuja capital é o distrito de Díli, é menor que o estado brasileiro de


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Sergipe, possui 14.954 km2, incluindo o enclave de Oécussi-Ambeno (815 km²), a Ilha de Ataúro (144 km²) e o ilhéu de Jaco (8 km²). O país tem cerca de 1.183.643 habitantes, segundo o censo de 2015 (CORREIA, 2018), que são, em sua maioria, de religião católica. Ainda que existam 36 grupos étnicos e linguísticos no país, suas línguas oficiais são a Língua Tétum e a Língua Portuguesa (CARVALHO, 2015) e os principais produtos de exportação são o petróleo, o gás natural e o café. O país está classificado entre as 10 nações com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do planeta, sendo a nação mais economicamente empobrecida da Ásia (SILVA, 2015; PEREIRA; CASSIANI; LINSINGEN, 2015). Timor-Leste é um dos países que teve a sua independência mais recentemente, após uma longa história de conflitos, resistências e conquistas. Na historiografia32, encontramos relatos de que invasores portugueses ocuparam territórios timorenses desde o século XVI, sendo que Timor-Leste foi colônia de Portugal oficialmente até o ano de 197533. Em 28 de novembro daquele ano, a FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente), após disputas com outros dois principais grupos políticos (APODETI: Associação Popular Democrática Timorense, pró-integração com a Indonésia e UDT: União Democrática Timorense, pró-manutenção portuguesa), declarou a independência de Timor-Leste. Contudo, poucos dias depois, em 07 de dezembro do mesmo ano, a Indonésia invadiu o país (CARVALHO, 2015). Muitas informações aqui apresentadas sobre Timor-Leste (“terra do sol nascente”, em língua local) provêm de nossas experiências no país com docentes (e como docentes, no caso do autor Estanislau Alves Correia) e discentes timorenses e são fruto de nossos diários de campo. Por isso, não apresentamos rigorosamente referências bibliográficas para esses dados. 33 Para além do contexto local, da divulgação de descoberta de petróleo, em Timor-Leste, no ano de 1974, lembremos da geopolítica internacional, naquele período. Na Europa, em Portugal, houve a Revolução dos Cravos, em abril do mesmo ano, que, ao buscar depor o regime ditatorial vigente, tinha, entre seus objetivos, o lema “democratizar, descolonizar, desenvolver”, que, de certo modo, pode ser visto como propício à independência de Timor-Leste. Na Ásia, a formação de partidos ditos com viés comunista, na região do Sudeste Asiático, com forte influência chinesa e vietnamita na região (o Vietnã venceu a guerra contra os EUA no ano de 1975), estaria relacionada com a ocupação de Timor-Leste, para evitar um possível avanço comunista. 32

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O período indonésio em Timor-Leste (1975-1999) foi marcado por genocídios em série e tentativas ostensivas de imposição da cultura e história daqueles sobre esses. Houve proibição de utilização da Língua Portuguesa, a Língua Indonésia (Bahasa Indonesia) tornou-se oficial no território timorense e estabeleceu-se uma política sistemática que ignorava as especificidades timorenses (PEREIRA, 2014). Estima-se que tenham ocorrido cerca de 350 mil mortes (mais de um terço da população timorense), devido à ocupação. Desses assassinatos, aproximadamente 50 mil teriam acontecido apenas nos três primeiros meses de invasão. Depois, uma grande concentração de homicídios ocorreu nos anos de 1979, 1984 e 1999 (CHOMSKY, 1999). Nos anos 1990, relatos de violações de Direitos Humanos em Timor-Leste ganharam destaque nas mídias internacionais (idem). O que gerou pressão para um posicionamento do governo indonésio em relação à ocupação e, também, chamou a atenção de Portugal para a situação do país. Em 1999, após mais de vinte anos de ocupação violenta por parte da Indonésia e resistência timorense, ocorreu o referendo no qual mais de 78% da população de Timor-Leste decidiu pela independência do país. Entre os anos de 1999 e 2002, a Organização das Nações Unidas (ONU) administrou um governo de transição, e em 20 de maio de 2002 foi restaurada a independência (PEREIRA, 2014). Naquele ano, o povo Maubere34 foi pela primeira vez às urnas para eleger o presidente da nação. Timor-Leste é parlamentarista. O Brasil, já no ano de 2002, firmou acordos de cooperação internacional com Timor-Leste, pois desenvolvia uma estratégia geopolítica internacional com vistas a manifestar soberania por meio de uma política robusta de relações internacionais, obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e efetivar contratos comerciais (PEREIRA; CASSIANI; LINSINGEN, 2015). O acordo de interesse aqui é o Programa de Qualificação de Docente e Ensino de Língua Portuguesa De modo geral, Maubere se refere ao povo timorense e ao seu sentimento de orgulho frente a lutas e resistências contra os mais variados ataques indonésios (URBAN, 2020). 34


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no Timor-Leste (PQLP), materializado pelo Decreto Nº 5.274, de 18 de novembro de 2004, e gerido pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (idem). A partir do ano de 2005, o PQLP enviou, anualmente, até 50 professores/as brasileiros/as, para trabalharem em Timor-Leste, em diferentes áreas do sistema educacional timorense. Os objetivos do programa buscavam contemplar desde a cooperação na formação inicial e contínua de docentes, passando pelo fomento ao ensino da Língua Portuguesa, até o apoio ao ensino superior e a promoção linguístico-cultural (idem). Conforme dados do relatório anual do PQLP, de novembro de 201435, as ações desenvolvidas nesses três objetivos do programa abrangeram, naquele ano, mais de 4.700 timorenses (idem). Pereira (2014) e Pereira, Cassiani e Linsingen (2015) examinaram dados36 segundo os quais o PQLP representou 37% dos recursos para bolsas de estudos de estrangeiros oferecidas pela CAPES, entre os anos de 2005 e 2009. Para além de estudos sobre o trabalho desses/as docentes brasileiros/as em Timor-Leste, nossas reflexões, nesse momento, envolvem a investigação que realizamos naquele país, no ano de 2014. A saber, examinamos sentidos sobre educação, ciências e tecnologias na coletividade acadêmica timorense, cooperante com o Brasil. Nessa inserção, convivemos com docentes e discentes timorenses, especificamente da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL). Contexto no qual os debates realizados, especificamente sobre produção de conhecimentos e tecnologias sociais, mostraram que, assim como no Brasil, tanto educação quanto tecnologias são comumente

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Disponível em: http://www.pqlp.pro.br. Do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC).

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entendidas genericamente, de modo linear e determinista do desenvolvimento econômico e social do país37. Mesmo que intelectuais timorenses apresentem importantes contrapontos a tal perspectiva, como se evidencia na fala do professor Antero Benedito da Silva, quando destaca que “os líderes timorenses estão conscientes sobre a necessidade de desenvolver a educação como fundamento do progresso nas áreas sociais e econômicas; contudo, a educação é um setor que vem enfrentando enormes dificuldades”. (SILVA, 2015, p. 121). Tendo em vista a conjuntura educacional timorense pós-conflito, ou, pós-colonial (SILVA, 2015), a seguir, consideramos alguns aspectos sobre o determinismo tecnológico e suas relações com processos educacionais. Em seguida, discutimos sobre possibilidades e limites de uma ecologia de saberes (SANTOS, 2007; MENESES, 2014), entre conhecimentos tradicionais, científicos e tecnológicos por meio de articulações entre tecnologias sociais, cidadania sociotécnica e autoria sob um viés crítico.

Leituras sobre Determinismo Tecnológico e para além Debates sobre determinismo tecnológico estão regularmente presentes em discussões sobre relações entre tecnologias e sociedade. Mesmo que o desenvolvimento dessas ideias tenha acontecido desde a chamada modernidade, juntamente com a perspectiva de progresso, diferentes estudos38 têm mostrado que o determinismo tecnológico se

Um exemplo que pode ilustrar essa nossa percepção é a fala do Primeiro-Ministro timorense, Rui Maria Araújo, durante a I Reunião Extraordinária de Ministros da Educação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em abril do ano de 2015, em Díli. Ocasião na qual ele destacou que a educação “é uma prioridade para todos e encerra em si, pelo seu potencial, a promessa de progresso e inclusão para todas as sociedades. (...) Ela é tanto uma condição essencial se de fato se aspira a um progresso que beneficie a todos quanto um elemento estratégico potencializador de valor econômico para os países. (...) A educação é essencial para a emergência de setores privados mais inovadores e empreendedores, capazes de se adaptarem aos desafios do mundo globalizado”. Informações disponíveis em: http://cutt.ly/1GjkaCJ. 38 Ver, por exemplo, Bimber (1994), Chandler (1995), Corrêa (2010), Dagnino (2008) e Wyatt (2008). 37


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refere a linhas de pensamento ainda influentes em diferentes sociedades. Ellul (1964) destaca a origem do termo em obras do sociólogo e economista americano Thorstein Veblen, no início do século XX, em textos nos quais Veblen trata de relações entre automatismo técnico e mercados capitalistas. Nas perspectivas deterministas sobre tecnologias, busca-se explicar fenômenos sociais e históricos de acordo com um fator principal: a tecnologia. Considera-se que o desenvolvimento tecnológico condicionaria essencialmente as mudanças e as estruturas sociais. Conforme Chandler (1995), esse tipo de pensamento considera que as tecnologias afetariam inexoravelmente todos os âmbitos sociais. Feenberg (1991) aponta que o determinismo se baseia na suposição de que as tecnologias teriam uma lógica funcional autônoma que poderia ser explicada sem se fazer referência à sociedade. Concepções deterministas sobre tecnologias consideram as relações entre tecnologias e sociedade como unidirecionais (das tecnologias com “impacto” na sociedade, ou seja, como algo fora dessa) e sustentam que o desenvolvimento social, em seus aspectos econômicos, políticos e culturais, seja uma consequência direta e linear do desenvolvimento tecnológico. Assim, as tecnologias seguiriam um curso particular, como se fossem um fenômeno natural, que responderia aos seus próprios princípios (CHANDLER, 1995; FEENBERG, 1991). Críticas que realizamos a perspectivas deterministas sobre tecnologias, já enunciadas em estudos anteriores, pretendem chamar a atenção para o fato de que esse tipo de pensamento pode representar uma visão redutora dos relacionamentos entre o desenvolvimento social e tecnológico. Supor que as tecnologias, por si mesmas, são capazes de determinar os comportamentos dos sujeitos, seus hábitos e instituições, pode encobrir as possibilidades de resistências e transformações

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de contingências históricas e de modos com que as coletividades se relacionam cotidianamente com as tecnologias (CORRÊA, 2010; LINSINGEN; CORRÊA, 2015). A questão do determinismo tecnológico pode ser examinada sob diversos olhares. Destacamos que há uma dimensão cultural significativa que pode ser considerada nesse debate. Os sociólogos Trevor Pinch e Wiebe Bijker, por exemplo, têm defendido uma orientação contrária à perspectiva determinista, qual seja, a da Construção Social da Tecnologia (CST)39. Esses autores trabalham com a ideia de que as forças sociais e culturais também determinam a mudança técnica. Em múltiplos estudos, eles têm mostrado como a tecnologia é uma construção social e, para isso, Pinch e Bijker (2008), desenvolvem o conceito de marco tecnológico40. O foco de nosso debate tem sido problemas envolvidos com o determinismo tecnológico, tendo em vista processos educacionais. Para isso, além de dimensões culturais, consideramos possibilidades de superar esse tipo de visão, que interpretamos como limitadora dos entendimentos sobre as inter-relações entre diversos conhecimentos, técnicas e coletivos. Compreendemos que uma percepção crítica dessas inter-relações é algo fundamental para a elaboração e execução de processos educativos emancipatórios que contemplem uma formação humana crítica, integral, solidária e permanente. Tal percepção tem estado presente nos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (ECTS) latino-americanos. em perspectiva educacional crítica (Educação CTS), nos últimos anos. Ao considerarmos tal viés educacional CTS, propomos a crítica em relação à colonização epistemológica etnocêntrica do chamado Norte global, e destacamos a relevância dos conhecimentos situados, costumeiros, ancestrais e tácitos.

Do inglês, Social Construction of Technology, também conhecida como SCOT. Tal conceito se centra nos significados que os grupos sociais atribuem a um artefato, e na gramática que se desenvolve ao redor desses, para explicar como o ambiente social estrutura o desenho de um artefato. 39

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Compreendemos que metodologias que pretendam descolonizar conhecimentos, sobretudo em Educação CTS, podem valorizar diálogos entre esses conhecimentos naquilo que Boaventura de Sousa Santos (2007) chama de ecologia de saberes. O autor elenca cinco ecologias que lembram relações epistemológicas não destrutivas: ecologia dos saberes (identificar outros saberes e critérios de rigor), ecologia das temporalidades (inclui várias temporalidades), ecologia dos reconhecimentos (identificar diferenças entre iguais sem desconsiderar sua legitimidade), ecologia das transescalas (desglobalizar o local e globalizar a diversidade) e ecologia das produtividades (recuperar e valorizar sistemas alternativos de produção) (MENESES, 2014). Nesse sentido de multiplicidade de relações de (e entre) saberes, propomos a incorporação de debates sobre determinismo tecnológico nos estudos sobre processos educacionais, pois a Educação CTS pode considerar, também, “questões que envolvem os variados aspectos das relações sociais e econômicas regionais, abarcando o campo das políticas públicas de C&T com suas percepções de relevância” (LINSINGEN, 2007, p. 02). Uma abordagem educacional CTS crítica pode ser contextualizada em sintonia com os aspectos sociais, e comprometida em termos curriculares (idem). Assim, reforçamos a intenção presente em Cassiani e Linsingen (2010), de que os estudos CTS abram-se cada vez mais aos temas educacionais. Entendemos que a superação das premissas do determinismo tecnológico, e da subalternização imposta pelo colonialismo, passa, sobretudo, pelos planos educacionais, de modo que seja possível problematizar questões sociotécnicas41 de maneira crítica, participativa e colaborativa, em diferentes espaços educacionais. Não há muita novidade no fato de que percepções deterministas sobre tecnologias possam ser herdadas e desenvolverem-se juntamente

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Ou seja, nas quais aspectos sociais, técnicos e tecnológicos são indissociáveis.

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com as diferentes sociedades. Do mesmo modo que percepções deterministas sobre tecnologias não são exclusividade timorense e brasileira. Compreendemos a força do colonialismo sobre realidades sociais de coletivos subalternizados. Realidade essa, forjada sob processos de colonização que implicam relações de dominação estrutural, com a supressão, por vezes violenta, das diversidades dos sujeitos em questão (MOHANTY, 1984). Portanto, problematizar tal percepção determinista parece-nos relevante quando discutimos de modo colaborativo sobre diferentes rumos que a educação CTS poderia seguir em Timor-Leste pós-colonial (SILVA, 2015). Sobretudo em um momento histórico no qual a coletividade acadêmica timorense buscava planos de ações para desenvolver seus currículos de maneira autônoma e sensível aos contextos locais. Procuramos compreender a produção histórica de conhecimentos em Timor-Leste, particularmente no que diz respeito à Pedagogia Maubere42, proposta e prática de educação popular e de resistência colonial, que conforme Silva (2015), Em Timor existiram práticas duma nova pedagogia timoriana, a Pedagogia Maubere, como uma narrativa timorense baseada nas práticas científicas e culturais revolucionárias do período da luta pela independência e também no imperativo de preservar a relação intrínseca do povo com a natureza e o mundo, o planeta ou RaiInan. (...) Pedagogia da Terra e Pedagogia Maubere são novas pedagogias que necessitam debates e inovações para promover a melhoria na qualidade da vida humana e do planeta, o que significa o futuro da existência da humanidade. (SILVA, 2015, p. 134).

Desse modo, refletimos conjuntamente com representantes da coletividade acadêmica timorense43 sobre processos educacionais não

Detalhes da Pedagogia Maubere e sua relação com a Pedagogia da Terra podem ser encontrados em Urban (2015, 2020) e Silva (2011, 2015). 43 Verificar em Correia (2015) parte da materialidade resultante dessas atuações conjuntas. 42


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deterministas, que articulassem a produção de seus conhecimentos tradicionais com a produção científica e tecnológica contemporânea. Concordamos que tais articulações passam por uma avaliação crítica sobre o desenvolvimento de tecnologias sociais, que problematize a inclusão social, considere a cidadania sociotécnica e mobilize para a autoria em ambientes educacionais (LINSINGEN; CORRÊA, 2015), como demonstramos a seguir.

Tecnologias sociais e articulações autorais sociotécnicas Ao considerarmos a profícua produção de conhecimentos sobre tecnologias sociais nas últimas décadas no Brasil, percebemos, comumente, a referência a produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social. A Fundação Banco do Brasil (FBB) caracteriza tecnologia social como todo processo, método ou instrumento capaz de solucionar algum tipo de problema social e que atenda aos quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil replicabilidade e impacto social comprovado (FBB, 2008). Em tese, a ideia presente nessas definições é a de que tecnologias sociais podem aliar conhecimento popular, organização social e conhecimento técnico-científico nas soluções para problemas voltados a demandas de alimentação, educação, energia, habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio ambiente, dentre outras (BTS, 2008). O que se apresenta seria uma proposta de desenvolvimento, que consideraria a participação coletiva nos seus processos de organização, desenho e aplicação. É possível compreender que tecnologias sociais trariam propostas de atender questões relativas à melhoria das condições de vida e à diminuição de desigualdades sociais via desenvolvimento local sustentável.

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Para além dessas definições, nos ECTS educacionais que realizamos, buscamos desenvolver uma perspectiva crítica sobre tecnologias sociais na qual destacamos quatro dimensões, a promover: (i) diálogos entre diferentes conhecimentos (ecologia de saberes); (ii) mobilização dos coletivos envolvidos para maior compreensão da relevância de seus problemas (e soluções) sociotécnicos; (iii) (resgate de) sentidos nas lutas por garantias de direitos (cidadania sociotécnica); e, (iv) possibilidades (diversas) de compreender tecnologias como conhecimento humano localizado, possível de ser aprendido e transformado para o atendimento dos interesses e necessidades de diferentes grupos sociais, não sendo, portanto, universal (LINSINGEN; CORRÊA, 2015). Consideramos que, nesse início do século XXI, pressões para o consumismo e em defesa do determinismo tecnológico fazem parte da agenda eurocêntrica, patriarcal, heteronormativa, bélica e supremacista branca do neoliberalismo, que procura ostensivamente silenciar diversidades e invisibilizar práxis que costumam tratar como subalternas. Portanto, o desenvolvimento de tecnologias sociais em perspectiva crítica, tal como mostrado acima, se apresenta como um momento de possibilidades de diálogos horizontais entre conhecimentos científicos, tecnológicos e tradicionais, de crítica a dogmatismos, ao colonialismo e sensível a diferentes experiências, interpretações e valores dos sujeitos envolvidos. Algo que podemos relacionar com Freire (2011, 1987), que considera os conhecimentos historicamente produzidos e faz uma defesa de processos educacionais contextualizados e atentos às vivências dos sujeitos. Assim como é possível relacionar com a perspectiva defendida por Feenberg (2004), de abertura de assuntos técnicos à esfera pública, como verificamos na seguinte fala: “O aumento da esfera pública incluindo a tecnologia marca uma mudança radical do consenso anterior que assegurava que os assuntos técnicos deveriam ser decididos por especialistas técnicos, sem interferência leiga.” (FEENBERG, 2004, p.16).


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Feenberg (2003, 2004) destaca a importância de os sujeitos compreenderem que a mediação do processo político, que atua em interesses próprios da sociedade, como tal, pode englobar também as questões tecnológicas. Para o autor, portanto, a esperança nas potencialidades democráticas das tecnologias, e na abertura da esfera pública aos assuntos técnicos, precisa ser mantida. Conhecimentos tecnológicos e participação pública informada e crítica aparecem como fundamentais (necessários, embora não suficientes) à manutenção de sociedades democráticas. Apresentamos, portanto, tecnologias sociais como práticas possíveis, em contextos de lutas emancipatórias, conforme uma visão dinâmica das culturas e das diversidades de sujeitos que formam os coletivos locais. Junto a tal perspectiva crítica de tecnologias sociais, problematizamos sentidos sobre cidadania, ao discutirmos cidadania sociotécnica, tendo em vista o compromisso do campo CTS educacional com a democracia. Assim, buscamos mobilização para iniciativas coletivas de transformação social, baseadas em uma ideia, em construção, de cidadania sociotécnica, na qual são destacadas as potencialidades dos sujeitos para a participação social democrática. Posição que dialoga com o referencial teórico e metodológico de luta e resistência, conhecido como Epistemologias do Sul (SANTOS; MENESES, 2010), que busca identificar e validar conhecimentos nascidos nas lutas sociais contra o capitalismo, o colonialismo e o heteropatriarcado. Nas Epistemologias do Sul, os processos que conferem inteligibilidade e intencionalidade às experiências sociais são diversos. A variedade de experiências sociais produz e reproduz conhecimentos, de modo que as ações sociais pressupõem a presença de várias epistemologias (MENESES, 2014). Portanto, o termo Epistemologias do Sul considera o “reconhecimento de conhecimentos plurais em presença” (idem, p. 92), uma pluralidade epistemológica.

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Nesse sentido, dialogamos com Santos (2007, 2010), ao usarmos os princípios da ecologia de saberes, como destacado em momento anterior. Ao relacionarmos conhecimentos tradicionais, científicos e tecnológicos por meio de problematização de tecnologias sociais, partimos de uma ecologia de saberes na qual os sujeitos envolvidos não são apenas usuários/as de propostas salvacionistas exteriores aos coletivos. Antes, são autores/as dos levantamentos dos problemas sociotécnicos da sua comunidade e autores/as das propostas de soluções. A mudança de status de usuário/a para autor/a faz toda a diferença, na medida em que autores/as posicionam-se como sujeitos de sua aprendizagem, naquilo que bell hooks, leitora atenta de Freire, debate sobre autoridade analítica (2017). Ou seja, exercitar o diálogo com vozes tradicionalmente excluídas da produção acadêmica (e que são vozes autorais) e questionar a exclusividade de autoridade analítica ao discurso científico e tecnológico, dito neutro e universal. A construção de autoria, com base nas experiências vivenciadas (subjetividades), se relaciona com possibilidades de desenvolvimento de autonomia, em contextos educacionais, na medida em que os sujeitos, na posição de autores/as, não são apenas usuários/as. Um/a usuário/a de tecnologia social, por exemplo, comumente está inserido/a em uma política pública para resolução de problemas sociais, que foi pensada de modo vertical (desde o Estado até o cidadão), que reproduz soluções utilizadas em diferentes contextos e não participa, necessariamente, de alguma etapa dos processos de identificação e resolução dos seus problemas. Pensamos que sujeitos que fazem parte de processos educacionais, em um contexto de construção de autoria, podem ter possibilidades de ler e interpretar criticamente a realidade social na qual estão inseridos/as, produzir visões e experiências próprias sobre os seus problemas sociais, além de serem capazes de aprender e atuar autonomamente (CORRÊA, 2016). Algo que a Pedagogia Maubere já propunha, durante os anos de ocupação indonésia em Timor-Leste, por meio do


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Programa de Educação Alternativo da FRETILIN, e que se materializou na campanha de alfabetização de inspiração freireana e nas escolas populares de saúde (SILVA, 2011; URBAN, 2020). Contexto em que a produção de conhecimentos em diálogo de saberes, juntamente com a autoria, atuaram na luta pela restauração da independência. Nesse sentido, nossa proposta de debate sobre tecnologias sociais e cidadania sociotécnica considera possibilidades para a autoria, que compreendemos, exatamente, como emancipação do caráter assistencialista, que muitas vezes tenta ser imposto em contextos de cooperações, tais como os vivenciados em Timor-Leste. Tal potencial de autoria também abriria espaços para diferentes sentidos de emancipação social, favorecendo a consolidação de uma cidadania sociotécnica, na qual se ressignifiquem os sentidos dos termos “exclusão” e “inclusão” social (LINSINGEN; CORRÊA, 2015). Nos debates acerca do uso de termos como “inclusão social” e “exclusão social”, considera-se que eles seriam termos eurocêntricos, que não teriam razão de ser utilizados para estudos em sociedades subalternizadas, que não conheceram a plena integração social (MTE, 2007). Desse modo, ao abordarmos tecnologias sociais e cidadania sociotécnica, optamos por utilizar o termo “vulnerabilidade social”, para buscar apreender o dinamismo dos processos de desigualdade de maneira mais ampla, considerando a existência de zonas de vulnerabilidade, com tendência à precarização e às diferentes estruturas de oportunidades existentes no Sul global, tanto no Brasil quanto em TimorLeste. Portanto, no contexto teórico e metodológico da ecologia de saberes, consideramos o desenvolvimento de tecnologias sociais em perspectiva crítica, como uma possibilidade de assunção de autoria nas quais temas em ciências e tecnologias sejam compreendidos, e atuem, como fatores dinâmicos de desenvolvimentos sociais e econômicos so-

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lidários, éticos, inclusivos e contextualizados. Autoria, que visa conscientização da vulnerabilidade social circundante, não silencia conflitos, tensões, contradições, lutas e resistências, pois que são elementos constitutivos de uma cidadania sociotécnica crítica, solidária e responsável.

Experiências, materialidades e perspectivas Tendo em vista nossas vivências colaborativas em Timor-Leste, sobretudo, compreendemos tecnologias sociais como autocríticas, em relação à produção de conhecimentos. Por isso, não produzimos conhecimentos sobre os coletivos (perspectiva de silenciamento, assistencialismo e subalternização), mas produzimos conhecimentos com os coletivos (mobilização para autoria e emancipação). Pois, não haveria, nessas colaborações, uma equação na qual Timor-Leste acrescentaria conhecimentos tradicionais e o Brasil adicionaria ciências e tecnologias. Longe dessa perspectiva assistencialista e reducionista das cooperações bilaterais estabelecidas, consideramos um recorte, a partir de conhecimentos tradicionais timorenses, como meio de diálogo entre conhecimentos, e não como finalidade das relações. Fato é que a produção científica e tecnológica timorense contemporânea está documentada, como pode ser verificado, por exemplo, nos estudos de Correia (2018), que examinou a produção de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), em Díli, na atualidade. Ao categorizar, documentar e analisar processos envolvidos com RSU, o autor relacionou aspectos ambientais, sociopolíticos, econômicos e educacionais nas estratégias de gestão e tratamentos adotados no contexto. Denúncia e anúncio fizeram parte da pesquisa que intencionou um sistema de gestão de RSU mais adequado ao local. Contudo, para além do exame de conhecimentos científicos e tecnológicos, produzidos atualmente em Timor-Leste, o foco de nossa discussão, nesse momento, é a articulação em torno de conhecimentos tradicionais, tendo em vista tecnologias sociais.


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As discussões sobre produção de conhecimentos, provocadas por Boaventura de Sousa Santos, sobretudo em obras como “Um discurso sobre as ciências”, “Conhecimento Prudente para uma Vida Decente” e “Epistemologias do Sul”, serviram de inspiração teórica e metodológica em nossas cooperações com Timor-Leste. A ecologia de saberes parece-nos pontuar a necessidade de debatermos sobre a equidade entre os tipos de conhecimentos produzidos, sem desfavorecer conhecimentos científicos e tecnológicos, que, inegavelmente, atuam em muitos sentidos na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos, e fazer perceber que não é necessário abdicar dos conhecimentos locais, nativos, tradicionais, das artes e filosófico, para aceitar criticamente as ciências. Na perspectiva de diálogo entre a ecologia de saberes e os estudos CTS latino-americanos educacionais, construímos um caminho possível, para desenvolvimento de tecnologias sociais, tendo em vista uma cidadania sociotécnica crítica, solidária e responsável, que valorize a autoridade analítica dos sujeitos, mobilize para a autoria e para a emancipação. Tal intenção não foi estritamente teórica, pois que atuamos em cooperação com parte do coletivo docente e discente timorense44. Uma materialidade dessa cooperação fica evidente nos trabalhos de Correia (2015), nos quais o autor resgata conhecimentos ancestrais produzidos em Timor-Leste e os articula com o ensino de Ciências na UNTL, atualmente. O autor procura valorizar, nos currículos formais de ensino de Ciências e Tecnologias, os conhecimentos tradicionais sistematizados de forma oral, entre as gerações. Um exemplo das práticas pedagógicas do autor pode ser verificado nos seus projetos de ensino e pesquisa, sobre articulações entre conhecimentos científicos, tecnológicos e tradicionais, em Timor-Leste, no que diz respeito a processos de extração artesanal do sal de cozinha, conforme figura 1, e de produção do tua-sabo (bebida alcoólica derivada de palmeiras), conforme figura 2, abaixo. 44

Verificar tecnologias sociais desenvolvidas atualmente em Timor-Leste, em Urban (2020).

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Figura 1. Processo artesanal de extração do sal

Fonte: Correia (2015) Figura 2. Produção de bebida alcoólica proveniente de palmeira

Fonte: Correia (2015)

Ao articular processos ancestrais com as experiências vivenciadas por discentes, em suas aulas de Ciências na UNTL, Correia (2015) demonstra preocupação com abordagens educacionais CTS críticas não


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deterministas, nas quais “se vislumbrem superar visões limitantes das inter-relações entre os diferentes conhecimentos, as várias possibilidades técnicas e os mais diversos coletivos” (CORREIA, 2015, p. 134). É a materialidade da ecologia de saberes em ação. Temos a produção de conhecimentos em diálogo, tendo em vista processos educacionais sensíveis aos contextos locais e mobilizados para a transformação social. Participar dessas articulações na UNTL, nos levou a alguns encaminhamentos reflexivos, tendo em vista nossas próprias condições de produção de conhecimentos, no Brasil, na época. Há um longo caminho a ser percorrido pelo Sul global, sobretudo no momento em que o mundo passa por uma pandemia, e o Brasil, após o golpe de 2016, vivencia limitações sociopolíticas nas quais instituições democráticas, direitos civis, políticos e sociais garantidos por lei são atacados diretamente. Tanto no Brasil quanto em Timor-Leste, vivemos momentos desafiadores nos quais o neoliberalismo opera em uma necropolítica45 (MBEMBE, 2018), que gerencia condições mortíferas e produz a morte, como modo de “administrar” o mundo. Como destacado na epígrafe “os povos e nacionalidades demandam o exercício pleno da democracia”, entretanto, e por isso mesmo, resta-nos buscar maneiras de possibilitar formações (no Brasil e em Timor-Leste) para maior inserção social dos sujeitos, nas lutas por garantias de direitos. Inserção que permita mobilizações, para participação em processos de tomadas de decisões conscientes, e negociadas em assuntos que envolvam produção de conhecimentos, em âmbito educacional. Mesmo que as realidades se mostrem adversas, continuamos a acreditar na construção dialógica e colaborativa de uma educação CTS crítica, responsável e solidária, como um campo de formação autoral para lutas políticas, com possibilidades da efetiva transformação social do Sul global. Transformações nas quais a cidadania sociotécnica seja Em referência ao uso do poder social e político para decretar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer; ou seja, na distribuição desigual da oportunidade de viver e morrer no sistema capitalista atual. 45

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um ponto de partida e não de chegada, que tecnologias sociais sejam materialidades nas quais as contradições apareçam e sejam discutidas, que sejam um mote para mobilização democrática permanente dos sujeitos, frente aos desafios atuais e futuros.

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