Janela d'Almas

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Nuno Filipe Bem Meca (Borda d´Água) nasceu em Leamington, no Canadá (Ontário), em 1977. Neto de pescadores, veio viver para a Nazaré aos 10 anos. Fez o Curso de Decoração do Vidro na Escola Profissional e Artística da Marinha Grande, onde posteriormente foi formador de lapidação e vitral. Frequentou também o Curso Superior de Artes Plásticas na Escola Superior Tecnológica de Gestão, Arte e Design das Caldas da Rainha. Expôs, pela primeira vez, no Salão de Turismo da Nazaré em 1997, tintas da china, óleos e aguarelas. Como vitralista desenvolveu ainda diversos trabalhos.

Este é um livro sobre a Nazaré.

Ja n ela d’A lma s

C

8mm

15,5cm x 21xm

Do casario alcantilado ao porto-de-abrigo.

15,5cm x 21xm

8cm x 21xm

Carlos Braz Saraiva

Ja nela d ‘ Al m a s

Dos pescadores temerários e das mulheres resolutas. Dos putos. Das crencas. , De amores e de ódios.

ISBN 978-989-752-154-6

9 789897 521546

Ilustrações de

Nuno Meca

Carlos Braz Saraiva

Mas també m de esperancas. ,

www.lidel.pt

8cm x 21xm


Prefรกcio


A

o decidir-se pela segunda edição de Janela d’Almas, Carlos Braz Saraiva reabre as portadas da sua imaginação criadora, da sua sensibilidade feita de um encontro permanente entre razão e emoção, e convida-nos a vermos passar figuras e factos, que desenha tão bem como antes faziam, ao entardecer, em traço de mexerico, as senhoras da terra, debruçadas à janela para «ver quem passa». Escancarada agora, a sua «Janela» vai, porém, mais longe, e abre-se também para que nós, leitores, olhemos para dentro e sintamos aí a «Alma» que resta do exterior e que habita, inteira, o espírito e o punho do escritor. Para o prefaciador da primeira hora regressam, peregrinando entre outros, o Ti Chico da Felismina, o Homem da Cana, a Mulher do Lenço Preto, a Menina de Cabelos Cor de Fogo e, com eles, volta a memória da primeira escrita chamando o «ramalhete de crónicas do interior das quais saem figuras de uma riqueza invulgar, moldadas pelo autor em apontamentos de ternura autêntica, bem reveladores do seu envolvimento com as pessoas que serviram de modelo para a obra de ficção que nos propõe». O texto repete-se. A obra, não. Esta termina no seu tempo de escrita, tempo que lhe acrescenta, naturalmente, dimensão compreensiva. Mas o tempo é também, sempre, o tempo do leitor; e o leitor é, ele também, produto do tem9


po. Do seu tempo. Leitor que, assim, é outro hoje, e que, por isso, faz outra a mesma obra, mal ela salta da repetição da escrita para a leitura que se renova e a torna diferente. O que representa hoje a silhueta do Vagabundo de «cigarrito fumado sem mãos, pendurado no lábio por artes de equilíbrio surpreen‑ dentemente exímias, num aproveitar de beatas longas cedo despojadas pela maralha»? Na memória dos de agora onde pára o Vaga‑ bundo? Que outras obras inspirou ele? Que sucessor deixou neste vai-e-vem de marés, que ora ameigam, ora matam? Perguntas da Alma, a rasgarem Janelas, como estas, de Carlos Braz Saraiva. Enquanto isso, em fundo, assistindo à transfiguração da obra, ansiando pelo traço do caminho que a espera, ergue-se a figura do autor, de quem haverá que continuar a dizer-se, como no prefácio de outro tempo: «Era uma vez um médico… Colhido nas voltas da paixão que o mar faz rebentar nas areias da Nazaré, aí se deu ao naufrágio, dei‑ xando que as gentes o engolissem num abraço definitivo que, todavia, só é dado a quem se apresenta com peito capaz de se afogar em tanta alma». Coimbra, Junho de 2015

Álvaro Laborinho Lúcio

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A Mulher do Lenรงo Preto


E aí vem o saco pela areia acima, por entre gritos e o derradeiro esforço das mulheres, dos homens, do pequeno que mal chega à corda, já entregue às mãos rudes que o hão­‑de afeiçoar, da rapariga com o filho seguro pelo xaile e do velho desdentado, que já não pode mais e que enterra os pés na areia – três figuras para um grupo de trabalho, todas três dobradas a arrastar a mesma cruz da vida. in Os Pescadores, Raul Brandão

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E

ra uma vez uma mulher de lenço preto. A tarde de Verão prometia o habitual passeio à noitinha, onde os rapazolas de gel no cabelo e as catraias perfumadas se convocam para a cumplicidade dos gestos e dos olhares, a festa do encantamento. Curioso que é nessas alturas da passerelle na avenida que os pais se solidarizam, ia a dizer associam, aos saltos e tropelias dos putos que chupam os dedos lambuzados dos sorvetes mordidos enquanto o diabo esfrega um olho. Vão atrás, assim persistem na ilusão de que são donos dos filhos. Mas talvez estes passeios os devolvam às fantasias e às meninices que não tiveram, ou então sirva para exibirem uma superioridade de tempos de abastança. Quando interpelei o velhote, no meu deambular pela marginal, este soergueu­‑se do remendar atarefado da rede, puxou o barrete coçado por frios e calores, e meditou­‑se sobre o horizonte, para além das Berlengas e dos Farilhões. Não demorou muito que não avisasse, com aquele falar inconfundível meio a cantar, que uma borrasca vinha a caminho e o melhor era as pessoas aparelharem­‑se. E lá por uma outra vez senti que aquilo não era uma profecia mas antes o conhecimento de um marinheiro, no entendimento e na sabedoria que está para além dos livros. Estava, pois, vergado ao vaticínio seguro que certamente iria estragar o desfile vaidoso dos janotas dessa noite quando passou a 35


vendedeira do lenço preto na carroça. Logo acreditei que conseguira despachar todas as couves lombardas, pepinos, tomates, raminhos de salsa da horta. Pelo andamento do macho e pela hora assim me pareceu, não pela mímica ou pela postura. Triste, como sempre, curvada sem qualquer saudação, o lenço preto amarrado não deixava entrever o pescoço nem o cabelo. O que suscitava o espanto de como uma mulher dos cenourais vizinhos, entre a Pederneira e o Valado, não usava um outro lenço colorido, geométrico ou de escocês a condizer com as demais do monte. E, ao mesmo tempo, a estranheza de como nunca havia um brilho de júbilo pelo final da venda ou, já que não se antevê que possa sentir seja o que for, ao menos um gesto de satisfação pelo dever cumprido. Desse destino, mais que sacrifício, de continuar a venda da mãe que Deus haja. Ao outro dia, como sempre fazia desde menina e moça, pela madrugada, lá carregava a carroça com aquilo que o regadio dá e descia para o mercado, num atarefar de sisudez, sem qualquer sorriso que por algum instante se soltasse. Contida de tudo, ao menos um esbracejar, uma refilice, um qualquer grito, uma vergastada no macho. Mas não. Na verdade, eu acabava de saber que as dores de cima a baixo, da nuca às pernas, escondiam longos e secretos padecimentos. Com a vergonha quase vencida e fazendo um apelo à decifração, de modo a poupar pormenores que 36


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O Apanhador de Percebes


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O Jogador


Às vezes a minha vontade era deitar­‑me no chão e nunca mais me erguer. Se há inferno! Se depois do que eu tenho chorado ainda há inferno!... in Os Pescadores, Raul Brandão

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Índice Prefácio.................................................................................................... 7 Pórtico..................................................................................................... 11 O Pescador.............................................................................................. 15 A Peixeira................................................................................................ 25 A Mulher do Lenço Preto..................................................................... 33 O Apanhador de Percebes.................................................................... 41 O Vagabundo.......................................................................................... 49 O Menino do Balão Amarelo............................................................... 59 A Menina dos Cabelos Cor de Fogo................................................... 67 A Caixa de Fósforos.............................................................................. 75 O Homem de Samarra.......................................................................... 83 O Jogador................................................................................................ 91 Glossário................................................................................................. 99

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Nuno Filipe Bem Meca (Borda d´Água) nasceu em Leamington, no Canadá (Ontário), em 1977. Neto de pescadores, veio viver para a Nazaré aos 10 anos. Fez o Curso de Decoração do Vidro na Escola Profissional e Artística da Marinha Grande, onde posteriormente foi formador de lapidação e vitral. Frequentou também o Curso Superior de Artes Plásticas na Escola Superior Tecnológica de Gestão, Arte e Design das Caldas da Rainha. Expôs, pela primeira vez, no Salão de Turismo da Nazaré em 1997, tintas da china, óleos e aguarelas. Como vitralista desenvolveu ainda diversos trabalhos.

Este é um livro sobre a Nazaré.

Ja n ela d’A lma s

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8mm

15,5cm x 21xm

Do casario alcantilado ao porto-de-abrigo.

15,5cm x 21xm

8cm x 21xm

Carlos Braz Saraiva

Ja nela d ‘ Al m a s

Dos pescadores temerários e das mulheres resolutas. Dos putos. Das crencas. , De amores e de ódios.

ISBN 978-989-752-154-6

9 789897 521546

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Nuno Meca

Carlos Braz Saraiva

Mas també m de esperancas. ,

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8cm x 21xm


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