A Arte de Construir o Futuro_9789896931841

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Livro baseado na Ciência Psicológica

A ARTE DE

CONSTRUIR O FUTURO

Guia para promover oseu autocuidado na profissão

Margarida Gaspar de Matos

Gina Tomé

Marina Carvalho

Tânia Gaspar

Burnout

Bem-estar

Trabalho e Lazer

Ambientes de trabalho saudáveis

Flexibilidade psicológica

15. A Procura de um Significado para a Vida ......................

16. Refletir sobre os Profissionais que somos com o Modelo DNA-V ..............................................................

17. Colecionar “Bons Momentos” .........................................

Para os profissionais de saúde mental que queiram usar

Prefácio

Estes quatro livros, sob o título genérico A Arte de Viver, são a coleção que nos faltava. O atual livro, A Arte de Construir o Futuro: Guia para promover o seu autocuidado na profissão, ensina-nos como ultrapassar a distância, a motivação ou a oposição, como a felicidade é feita de relações e empatia. E dirige-se a NÓS, que cuidamos “de pessoas”, pequenas e grandes, com a preocupação da nossa saúde e bem-estar.

Os nossos avós viveram guerras mundiais e cresceram num tempo em que se produzia para as necessidades diárias, se vivia feliz com pouco, e conseguir pequenas coisas era uma fonte de prazer inigualável. Os professores eram-no por vocação e os médicos por sacerdócio.

Na segunda metade do século xx, o fim da guerra na Europa e o surgimento de novas tecnologias fizeram-nos pensar que o controlo de quase tudo era obra humana e inalienável. A pandemia e uma nova guerra na Europa foi, e é, um choque frontal.

Os confinamentos afastaram-nos, as relações alimentadas pelas redes sociais mataram a empatia, geraram fadiga de compaixão, a sociedade moderna produz exageradamente e a abundância devidamente publicitada gerou um consumismo agravado pelos media e depois pelas redes sociais.

O desejo do que ainda não temos é maior do que a felicidade do que já conseguimos! Choramos? Queixamo-nos? Apontamos desilusões e frustrações a terceiros? Perdemos o prazer em educar ou cuidar? Sentimo-nos cansados, mal-amados, incompreendidos? Afetados por tudo isto?

Não, reaprendemos a ser felizes e a ser pilar da felicidade de quem cuidamos, família, alunos, doentes.

E é o que este livro nos ensina. Ajudar a cumprir o nosso potencial através de Teorias de Aprendizagem (Aceitação, Compromisso e Contexto), reflexão sobre nós próprios e compreensão das situações sob diversas perspetivas.

No texto, sucedem-se práticas que nos convidam a uma autoanálise através de exercícios e pequenos compromissos de melhoria. Ou nos apontam “seguir o caminho do meio” nas relações interpessoais ou ainda nos estimulam a descobrir a serendipidade, pequenos tesouros no meio da diversidade.

Mas também há práticas intergeracionais, para jovens e idosos, facilitadoras de compreensão mútua e cooperação. A arte de se entusiasmar, de gostar da companhia de outros e lhes querer agradar. E ainda a conciliação entre trabalho, família e lazer, e a aquisição de competências como simpatia, empatia e compaixão.

O livro interroga “O que nos marcou? O professor-maravilha, a escola fantástica?”, no sentido de que os modelos valem mais do que as palavras.

William Chasse, professor universitário nos Estados Unidos, dizia que os estudantes esquecem em duas semanas a matéria que lhes foi ensinada, mas lembram o tipo de professor para o resto da vida.

Como refere João Lobo Antunes em Ouvir com Outros Olhos (Gradiva, 2015): “... não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão”, a profissão… aprende-se… por modelos, que se definem por qualidades que incluem compaixão, sentido de humor, integridade, aptidões como a capacidade de explicar, com clareza e de forma não intimidante, assuntos complexos…

Aprendizagem facilitada por este livro, que nos ensina a cuidar de nós para ter a capacidade de cuidar dos outros.

Maria do Céu Machado Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. ©

Introdução

A Arte de Viver no século xxi é uma série de quatro livros que começa com um livro mais geral baseado nos princípios da Terapia de Aceitação e Compromisso (do inglês, Acceptance and Commitement Therapy [ACT]), ideias desenvolvidas por Hayes, um psicólogo e académico americano de quem falaremos bastante, e inserida na chamada terceira geração das Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCC). O propósito é apresentar estes princípios (primeiro livro) e refletir no que estes podem ajudar os pais e educadores (o segundo livro), no que estes podem ajudar os profissionais (livro atual) e, por fim, (último livro, no prelo), no que estes podem ajudar os próprios adolescentes e jovens adultos.

Tal como apresentado nos dois primeiros livros, vamos começar por relembrar a história que deu origem ao livro: Epicteto foi um escravo, filho de uma escrava, que se tornou num conceituado filósofo no Império Romano. Nasceu pelo ano 55 d.C. e deixou-nos A Arte de Viver, traduzida em português por Carlos de Jesus. O livro de Epicteto estende-se ao longo de 53 secções de “um livrinho para se ter sempre à mão” como foi chamado no século II por um outro filósofo. Esta obra serviu de inspiração para esta nossa coleção, situando-a no nosso século e nas nossas circunstâncias, levando os/as leitores/as numa viagem ao longo de três reflexões, baseadas na Ciência e na Existência no nosso tempo:

1 – Quem somos, o que valorizamos e o que fazemos.

2 – Distanciar, aceitar, mudar e viver.

3 – Olhar para dentro e para fora de nós.

E assim nasceu a ideia desta coleção:

A Arte de Viver no Século xxi Composta por quatro livros que variam no público-alvo para que se destinam, mantendo o modelo narrativo: 1) para todos; 2) para pais e educadores; 3) para profissionais; 4) para jovens.

“Quatro livrinhos para se ter sempre à mão”, de leitura descomplicada, mas com fortes raízes na Ciência Psicológica do nosso tempo.

Pensámos este terceiro livro especialmente para os profissionais que partilham diariamente os aliciantes desafios de ajudar a construir futuros, o seu e os dos outros.

Este livro não é tanto para nos ajudar enquanto profissionais no dia a dia, mas sim para aumentar a nossa atenção sobre como nos cuidamos enquanto pessoas, assunto que tem uma enorme influência sobre o tipo de profissionais que poderemos ser. É um livro sobre nós, para nos ajudar a refletir sobre as pessoas que somos e sobre os nossos desafios profissionais, dando pistas para otimizarmos a vossa vida e aumentarmos as possibilidades de virmos a ser profissionais mais envolvidos, mais flexíveis, mais felizes e, como tal, aumentarmos o nosso impacto na nossa esfera pessoal e profissional.

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Do Percurso Escolar aos

Desafios Profissionais

Assim que entramos na escola, começam imediatamente as questões acerca do futuro: “O que queres ser quando fores crescido?”. E a partir daí começa uma busca pela profissão ideal, aquela que nos vai transformar na pessoa que sonhamos ser quando “formos crescidos”.

Escolher uma profissão é uma das decisões mais importantes que se faz ao longo da vida. É uma descoberta que se vai formando e transformando ao longo da infância, adolescência e fase adulta.

Ao longo da infância, apesar de não ser a área fundamental desta fase, os interesses pessoais começam a moldar-se. Percebemos que gostamos mais de estar com muitos colegas, ou estar mais sossegados, gostamos de falar muito, ou preferimos apenas ouvir, gostamos da natureza, ou mais da cidade. O autoconhecimento vai-se desenvolvendo à volta dos interesses pessoais e todas essas questões vão influenciar a decisão profissional no futuro.

A escolha da profissão não está apenas centrada no percurso pessoal e escolar, mas vai sendo modelada através das pequenas decisões que tomamos ao longo desse percurso.

Quem nunca pensou em ser professor? “Aquele que transmite conhecimento, que sabe tudo e tem todas as respostas”. Ou médico, “que ajuda a curar tudo e todos”, assim como enfermeiro, ou outro profissional de saúde, que ajuda as pessoas nos seus desafios de saúde psicológica ou física. Cedo fica claro que é preciso mais do que considerar a profissão “bonita e especial”, é preciso ter um perfil específico, que está associado não apenas a um momento particular da vida, mas aos interesses, valores, à relação com o próprio e com os outros e com a sociedade no geral.

O que é considerado ideal pode não ser o real, aquilo que se alcança ou que se enquadra no perfil pessoal. O percurso escolar auxilia a ajustar o ideal e o real. O ajuste entre o ideal e o real pode ocorrer ao longo de toda a vida. A escolha da profissão deixou de ser, há muito tempo, uma escolha definitiva, feita geralmente no 9.º ano quando se é confrontado com a primeira das decisões relativamente ao futuro profissional, a área de estudos a seguir no secundário.

A História de Pigmalião16

“Pigmalião conheceu a mulher perfeita. As formas do corpo e a suavidade da sua face complementavam-se e eram totalmente harmoniosas. Não havia nela nenhuma curva tão pronunciada que a tornasse exagerada nem tão subtil que a (continua)

16 Levenfus & Soares (2015).

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Jovens em Início de Carreira

A entrada e desenvolvimento de carreira nos jovens é muito importante numa perspetiva desenvolvimental, uma vez que facilita o processo de autonomização. Os jovens encontram diversas barreiras na entrada no mercado de trabalho, desde logo a falta de experiência profissional, os baixos salários e a instabilidade laboral.

O mundo profissional tende a ser caracterizado, atualmente, por trabalhos temporários e projetos desenvolvidos em tempo limitado, insegurança no emprego, maior competição no mercado laboral e trajetórias profissionais fragmentadas, os profissionais de educação e de saúde não são exceção. Devido a estes fatores, os jovens têm dificuldades em encontrar trabalho, ou estabilidade no trabalho, e têm atrasos consideráveis em iniciar o primeiro trabalho.

Em 2023, a Eurofound destacou várias tendências-chave no desemprego e na participação no mercado de trabalho em toda a Europa. Uma tónica significativa foi colocada no desemprego dos jovens, em particular no grupo referido como jovens NEET (jovens que não trabalham, não estudam, nem seguem qualquer formação). A taxa de NEET na União Europeia atingiu um mínimo histórico de 11,2% em 2023, continuando uma tendência positiva após a pandemia de

Segundo o Eurofound existem oito desafios relacionados com o desemprego na União Europeia que estão diretamente relacionados com o trabalho precário:

• Flexibilização: a percentagem de empregos atípicos aumentou, como por exemplo, part-time, contratos temporários, trabalho não declarado e trabalho ocasional;

• Part-time: horários reduzidos que estão frequentemente associados a dificuldades de subsistência e os trabalhadores em part-time estão sub-representados;

• Contratos temporários: apesar de não haver alterações na percentagem global de trabalhadores com contratos temporários entre 2008 e 2018, foi registado um aumento no uso deste tipo de contrato, principalmente para os novos trabalhadores.

• Trabalho por conta própria: embora, na maioria dos casos, o trabalho por conta própria seja voluntário, um quarto destes trabalhadores pode ser descrito como precário. Em 2108, 17% dos trabalhadores por conta própria revelaram vulnerabilidade e precariedade;

• Polarização: entre 2008 e 2018 houve uma polarização crescente, uma vez que houve um aumento das taxas de emprego com salários mais elevados, mas também com salários mais baixos. No entanto, o crescimento foi menor nos empregos com rendimentos de nível médio;

• Aumento da insegurança: uma elevada percentagem de trabalhadores temporários e em part-time não tem acesso a um conjunto de prestações sociais. Durante o período observado foi registado um aumento da percentagem de trabalhadores em risco de pobreza. Os jovens, as mulheres, as pessoas pouco qualificadas, assim como os imigrantes e pessoas com algum tipo de deficiência © PACTOR

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Trabalhar com e para os Outros

Há profissionais que estão em constante contacto com outras pessoas, fazendo parte das suas competências saber lidar com os outros. É sabido que o comportamento humano não é algo que se possa prever, cada um é influenciado por diversos fatores internos e externos que nos tornam nas pessoas que somos, mais ou menos simpáticas, mais ou menos socialmente competentes.

Ao escolher a área profissional deve-se estar consciente de que todos são diferentes, têm dias bons e maus, inclusive os profissionais.

Lidar com os outros requer estar consciente das próprias limitações e do que está a dificultar e a fazer emergir os sentimentos negativos que impedem a simpatia e a empatia.

Estar consciente é ser capaz de PARAR e OBSERVAR quando uma situação ativa sentimentos negativos ou um estado de

Dicas

para promover

ESCUTA EMPÁTICA

• Evitar distrações

Quando estiver a falar com alguém evite distrações, não olhe para o seu telemóvel, por exemplo, não se distraia com o que está a acontecer ao seu redor, foque-se na conversa.

• Demonstrar interesse

Demonstre interesse genuíno pelo que o outro está a dizer. Faça questões para encorajar a conversa, mantenha uma linguagem não verbal que demonstre interesse.

• Utilizar estratégias de escuta ativa

Faça pequenos resumos do que está a ouvir, para demonstrar que está atento.

• Evitar julgamentos e conselhos prematuros

Resista à “tentação” de dar conselhos baseados na sua própria experiência, ou fazer julgamentos imediatos. Oiça atentamente e concentre-se em compreender a perspetiva do outro.

• Ser paciente

Evite interromper ou apressar a conversa. Se não tem tempo, deixe a conversa para outra ocasião.

• Dar feedback

Dar feedback não significa dar dicas que podem não ser úteis, mas interagir com a outra pessoa, perguntar quando não compreendeu algo, fazer resumos, entre outras interações.

11 Burnout

Quantas vezes já acordou e pensou que não conseguia ir trabalhar? Quantas vezes chega ao fim do dia de trabalho “sem bateria” para as outras tarefas que ainda tem de fazer, em casa ou com a família?

Quantas vezes fica a trabalhar até mais tarde, ou trabalha a um ritmo mais acelerado, para terminar tarefas? Quantas vezes deu por si a pensar que aquela reunião era desnecessária e poderia ter rentabilizado o tempo com outras tarefas?

Quantas vezes sentiu que já ultrapassou os limites (várias vezes)? Quantas vezes já pensou em deixar o seu trabalho e dedicar-se a outra área?

Estes podem ser alguns dos sinais de burnout, um problema de saúde cada vez mais frequente, apesar de apenas ter sido reconhecido nos últimos anos pela Organização Mundial de Saúde. O burnout caracteriza-se por um estado de exaustão, que pode ser físico e/ou emocional, associado ao emprego (embora possa ocorrer noutras áreas da vida) como resultado da exposição prolongada a fontes de stresse no local de trabalho quando a pessoa percebe que as exigências (internas e

Como podemos, através de estratégias individuais, prevenir o burnout?

Existem, seguramente, várias respostas para esta questão, com base nas diferentes perspetivas teóricas no âmbito da Psicologia.

No caso dos locais de trabalho, há fatores que dependem da pessoa e fatores que não estão sob o controlo, parcial ou total, da pessoa (por exemplo, a comunicação, a estrutura ou a cultura da organização). Se pensar no seu caso em particular, o que depende de si?

NA PRÁTICA

Pensando no seu trabalho, registe:

O que depende totalmente de mim?

O que depende parcialmente de mim?

O que não depende de mim?

Para este exercício pode usar o ANEXO 22, disponibilizado no fim do livro.

É possível concluir que a maior parte das situações que geram stresse não estão sob o seu controlo? O que depende efetivamente de si? Partindo desta premissa, que estratégias práticas podem ajudar a prevenir o burnout?

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Autocuidado

Como já foi referido ao longo deste livro, são várias as áreas em que os seus profissionais são sinalizados como população de risco para o desenvolvimento de problemáticas associadas à saúde mental. Existem diversos fatores que estão associados a este risco, alguns desses fatores já aqui foram descritos, mas convém relembrar que o século xxi traz diversos desafios profissionais e pessoais que aumentam o stresse dos profissionais. As rápidas mudanças na sociedade exigem cada vez mais dedicação e atualização constante de competências profissionais e socioemocionais. O elevado nível de stresse associado às múltiplas tarefas dos profissionais e os desafios inerentes à profissão são fatores apontados como determinantes para aumento dos problemas com a saúde mental.

Profissionais que estão sob stresse ou esgotamento têm dificuldade em manter a motivação, agir de forma eficaz, fornecer respostas adequadas e tomar decisões corretas, o que muitas vezes não corresponde às suas expetativas e pode levar ao desenvolvimento de sentimentos de incapacidade.

Profissionais sob stresse ou esgotamento têm, frequentemente, dificuldade em atender às necessidades dos outros.

NA PRÁTICA ANEXO 10

Situação profissional

Descreva a situação. Onde, com quem, como, porquê, responsabilidades e valores em jogo.

Aplique o ponto de vista do outro.

Reflita se é possível trabalhar para uma convergência.

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