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O que é a dependência alcOólica?

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Violeta da Cruz Nogueira, Inês Pereira, Joana Teixeira

▪ INTRODUÇÃO

No contexto da classificação dos problemas ligados ao álcool, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera três grandes categorias: o consumo de risco, o consumo nocivo e a dependência. Em relação a sistemas de classificação, a Classificação Internacional de Doenças, 11.ª edição (CID-11)1, define “uso nocivo de álcool” e “dependência de álcool” englobados por um único diagnóstico de “Perturbações Devidas ao Uso de Álcool”. Ao contrário da edição anterior da CID, o conceito de “consumo de risco” encontra-se presente no capítulo “Fatores que Influenciam o Estado de Saúde ou Contacto com Serviços de Saúde” e não no capítulo “Perturbações Mentais, Comportamentais ou do Neurodesenvolvimento”.

No Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 5.ª edição (DSM-5)2 , abuso e dependência de álcool correspondem aos subtipos ligeiro e moderado a grave da doença, respetivamente.

Vários conceitos têm sido usados para descrever tanto o consumo de álcool como os problemas relacionados com este consumo, evoluindo ao longo do tempo, de acordo com a conceptualização das dependências. Os mais úteis e consistentemente mais bem definidos são apresentados de seguida.

▪ CONSUMO DE RISCO

O conceito de “consumo de risco” (hazardous) foi introduzido em 1994 por Barbor et al . 3 Este termo é utilizado pela OMS pela importância que tem como conceito em Saúde Pública, não figurando no DSM-5. No entanto, foi recentemente incorporado na CID-11 no capítulo “Fatores que Influenciam o Estado de Saúde ou Contacto com Serviços de Saúde”.

Corresponde a um nível ou padrão de consumo, continuado ou ocasional, que pode vir a implicar dano físico ou mental no indivíduo se o consumo persistir.

A CID-11 define consumo de risco (hazardous alcohol use) como um padrão de uso de álcool que aumenta de forma apreciável o risco de consequências negativas mentais ou físicas (quer para o doente ou para os outros) de tal forma que necessita de atenção e acompanhamento por profissionais de saúde. Considera-se que este aumento de risco pode ser devido à frequência do uso de álcool ou à quantidade consumida numa dada ocasião, ou ainda devido a comportamentos de risco associados com o uso de álcool e/ou o seu contexto. O risco pode estar relacionado com efeitos a curto prazo e ainda com efeitos cumulativos a longo prazo na saúde mental e física ou a nível de funcionamento quotidiano.3 Quando o consumo tem um padrão ocasional, falamos em binge drinking. Por definição, é uma condição que não cumpre critérios de diagnóstico para perturbação de uso de álcool, apesar de ser considerado um fator de risco para a mesma.4 De realçar que a definição de “ bebida-padrão” varia internacionalmente e que, em Portugal5, a bebida-padrão é definida como uma bebida alcoólica que contém um volume de 10 g de álcool puro.

A definição da OMS6,7 de consumo de risco de álcool é a seguinte:

▪ Em mulheres, um consumo médio diário superior a 40 g de álcool;

▪ Em homens, um consumo médio diário superior a 60 g de álcool;

▪ Em padrão de binge drinking, em homens, um consumo ocasional de mais de cinco unidades (superior a 50 g de álcool) numa única ocasião;

▪ Em padrão de binge drinking, em mulheres, um consumo ocasional de quatro ou mais unidades (40 ou mais g de álcool) numa única ocasião.

A título de exemplo, um consumo superior a 40 g por dia duplica o risco de doença hepática (60% após dez anos), hipertensão arterial, neoplasias e morte violenta. Nas mulheres, o consumo superior a cerca de 20 g de etanol aumenta também o risco de doença hepática e neoplasia da mama.6

É igualmente desaconselhado o consumo de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, mulheres grávidas, pessoas que têm atividades de risco, ou que estão sob tratamentos com interações com o álcool, bem como o consumo de outras substâncias psicotrópicas. Considera-se como população de risco jovens, idosos, pessoas com antecedentes familiares de perturbação do uso de álcool e pessoas com doenças psiquiátricas ou não psiquiátricas coexistentes, cujo consumo de álcool constitui um fator de agravamento do prognóstico.8

A psicoeducação eficaz sobre o consumo, com recomendações claras e concisas, orientadas para a redução do mesmo, pode ser benéfica.

epidemiOlOgia dO cOnsumO de álcOOl e O seu impactO na saúde

Ana Vieira da Silva

▪ INTRODUÇÃO

O álcool é a substância psicoativa mais consumida no mundo. O seu consumo está presente em muitas práticas culturais, religiosas e sociais e proporciona a perceção de prazer para muitos consumidores. Associa-se também ao desprazer e ao sofrimento, pelas doenças que provoca, a violência que desencadeia e as lesões que causa.1,2

O consumo de álcool está associado a mais de 200 doenças e condições de saúde, numa variabilidade que engloba doenças crónicas não transmissíveis, doenças transmissíveis e lesões (intencionais ou não).

Apesar de ser um dos principais fatores de risco evitáveis para a carga de doença, com impactos substanciais não só para os consumidores mas também para a sociedade em geral, o consumo de álcool contribui significativamente para as diferenças de mortalidade, carga de doença e esperança de vida entre países e regiões do mundo.2-4

A epidemiologia dedica-se ao estudo do consumo de álcool e das suas consequências para a saúde, procurando a melhoria da qualidade das fontes de recolha de dados e das estimativas sobre o consumo, bem como das estimativas da carga de doenças atribuíveis ao álcool, de forma a poder intervir na prevenção do consumo e no tratamento das perturbações de uso de álcool. Serve também de suporte para a definição das políticas públicas nesta área.5

▪ CONSUMO DE ÁLCOOL NO MUNDO

Em 2016, o consumo per capita de álcool puro na população mundial com 15 ou mais anos foi de 6,4 l, valor que se manteve inalterável desde 2010, após um crescimento substancial ocorrido desde 2005, quando o valor era de 5,5 l.1

Existem diferenças ao nível das regiões da Organização Mundial da Saúde (OMS) (africana, das américas, do mediterrâneo oriental, europeia,

Álcool – Teoria e Clínica do sudoeste da Ásia, do pacífico ocidental), com os consumos mais elevados a ocorrerem na região europeia, com 9,8 l, e os mais baixos na região do mediterrâneo oriental, com um valor de 0,6 l.1

Adicionalmente, verificam-se variações entre os países que constituem cada região, em resultado de interações complexas que incluem fatores sociodemográficos (género e idade), normas culturais e religiosas, níveis de desenvolvimento socioeconómico, prevalência das taxas de abstinentes e tipos de bebidas alcoólicas preferidas.

Apesar de o consumo de álcool ocorrer em todo o mundo, a maioria da população mundial não consome álcool. Dados de 2016 referem que 57% da população mundial com 15 ou mais anos não consumiu álcool nos 12 meses anteriores e que 44,5% nunca consumiu álcool ao longo da vida.1

Somente em três regiões da OMS o álcool é consumido por mais de metade da sua população adulta – região europeia (59,9%), região das américas (54,1%) e região do pacífico ocidental (53,8%).

O consumo de álcool nos países da União Europeia é quase o dobro do consumo mundial (6,4 l), situando-se nos 11,3 l de álcool puro per capita em adulto, compreendendo 9,9 l de álcool puro registado e 1,4 l de álcool puro não registado. Se considerarmos apenas os consumos em consumidores correntes, os valores sobem para 17,2 l, sendo de 23,8 l para o género masculino e 8,3 l para o género feminino.1,6

▪ CONSUMO DE ÁLCOOL EM PORTUGAL

Segundo as estimativas do Global Information System on Alcohol and Health para 2016, e atualizadas em 2018, em Portugal, o consumo per capita de álcool puro na população de 15 e mais anos foi de 12,3 l, representando uma diminuição face a 2010 (13,5 l). Este valor compreende o consumo de álcool registado (10,6 l) e não registado (estimado em 2,1 l). Por géneros, verifica-se que o consumo no género masculino foi de 20,5 l e no género feminino de 5,1 l.1,7,8

A população de abstinentes no ano anterior (2015) foi estimada em 30,8%, sendo 18,4% no género masculino e 41,7% no género feminino.1

O consumo per capita de álcool puro por consumidor foi estimado em 17,8 l (25,1 l no género masculino e 8,7 l no género feminino), o que corresponde a uma ingestão média diária de 38,4 g.7,8

Capítulo 5

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