Inovação na Construção de Materiais Audiovisuais para a Compreensão do Oral
Autor
Direção
Índices 5
Sobre o Autor 13
Acrónimos e Siglas Utilizadas 15
Nota Prévia 17
Prefácio 19
Introdução 23
Capítulo 1 25
1. Quadro Evolutivo da Área de Desenvolvimento de Materiais Didáticos no Ensino e na Aprendizagem de Línguas Não Maternas 26
1.1 Investigação sobre o Desenvolvimento de Materiais Didáticos 27
1.2 Produção, Seleção e Avaliação dos Materiais Didáticos Segundo o Método Comunicativo 29
1.3 Constituição do Campo de Estudos do Desenvolvimento de Materiais Didáticos 32
1.4 Desfasamento dos Materiais Didáticos em Relação à Teoria: Consciência e Análise 36
1.5 Revalorização dos Materiais Áudio e a Emergência dos Materiais Digitais 47
1.6 Evolução do Corpo Teórico da Área do Desenvolvimento de Materiais Didáticos 50
1.7 Conceito de Material Didático: Novas Incursões e Tendências Atuais 52
Capítulo 2 59
2. Materiais Audiovisuais: Enquadramento Teórico 60
2.1 Questões Terminológicas: o Conceito de Audiovisual 60
2.2 Utilização do Vídeo no Ensino de Línguas 69
2.3 Materiais Audiovisuais nos Referenciais de Ensino de Línguas 80
Capítulo 3 89
3. Fundamentos Teóricos do Ensino e da Aprendizagem na Compreensão do Oral 90
3.1 Processo de Compreensão do Oral 90
3.2 Fases do Ensino e da Aprendizagem na Compreensão do Oral 104
Capítulo 4 113
4. Contributos da Área da Aprendizagem de Línguas Assistida por Computador para a Investigação e o Ensino da Compreensão do Oral 114
4.1 Aprendizagem de Línguas Assistida por Computador e Desenvolvimento da Compreensão do Oral 114
Capítulo 5 125
5. Metodologia de Investigação 126
5.1 Opções Metodológicas 126
5.2 Procedimentos do Desenvolvimento dos Materiais Didáticos 127
Capítulo 6 139
6. Proposta de Materiais Didáticos Audiovisuais Digitais para o Desenvolvimento da Compreensão do Oral 140
6.1 Contextualização da Investigação 140
6.2 Apresentação da Plataforma Virtual de Aprendizagem Português à Vista 144
6.3 Contributo dos Aprendentes 149
6.4 Contributo dos Professores 158
6.5 Materiais Didáticos Audiovisuais Desenvolvidos para a Plataforma Português à Vista 168
Conclusão 225
Referências Bibliográficas 229
Sobre o Autor
João Paulo Pereira
Doutorado em Didática das Línguas – Multilinguismo e Educação para a Cidadania Global pela Universidade Aberta e Universidade Nova de Lisboa. É investigador integrado do CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Conta com uma vasta experiência de ensino, na Europa – tendo lecionado na Suíça, na Rede do Ensino Português no Estrangeiro –, em África – onde trabalhou como Agente da Cooperação na Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe – e na Ásia – com experiências de trabalho em Macau, nomeadamente no Instituto Português do Oriente e na Universidade de São José, instituição onde desenvolveu o projeto de investigação Português à Vista , que lhe valeu o Prémio Emília Amor de Investigação em Didática do Português, atribuído pela Associação de Professores de Português em 2023 (e que nesta obra se apresenta). Tem vários artigos científicos publicados, assim como materiais didáticos para o ensino do português como língua estrangeira. A par do ensino e da investigação, tem desenvolvido atividade na área da formação de professores.
Nota Prévia
A s novas gerações têm uma relação cada vez mais acentuada e profunda com as tecnologias da comunicação e com o meio digital. A par deste cenário, os recursos para o ensino e a aprendizagem das línguas não só crescem, mas também ganham novas configurações, sendo possível desenvolver, de forma satisfatória e fora da imersão linguística, as capacidades de compreensão e produção da língua, em domínios diversificados de comunicação, incentivando não só o plurilinguismo, mas também a autonomia do próprio aprendente. É, neste contexto, que surge o estudo de João Paulo Pereira, um livro essencial nesta coleção. Com uma série de materiais didáticos audiovisuais, o livro apresenta unidades didáticas que se desenvolvem em etapas de escuta , sendo a compreensão do oral compreendida como um processo ativo de natureza sensorial e cognitiva.
Este estudo, ao integrar elementos de teorias recentes e estratégias para o sucesso auditivo, procura ir ao encontro das dificuldades que os textos orais representam para os aprendentes de português (língua não materna), sendo uma referência para todos os que lerem ou consultarem este livro.
Maria José Grosso
Diretora de Coleção
Nasceu o presente estudo e, subsequentemente, o livro da autoria de João Paulo Pereira, da necessidade de responder aos desafios que se colocam aos professores de Português como Língua Estrangeira num quadro comunicacional global, multilingue e pluricultural, com especial ênfase na área da compreensão do oral, em que se registam dificuldades particulares por parte dos aprendentes e escasseiam (ainda) propostas didáticas que lhes deem resposta.
Produto da investigação desenvolvida pelo autor no âmbito da sua tese de doutoramento em Didática das Línguas – Multilinguismo e Educação para a Cidadania Global, com especialização em Ensino do Português Língua Estrangeira (Universidade Nova de Lisboa e Universidade Aberta), esta reflexão sobre o desenvolvimento de recursos pedagógicos que otimizem a aprendizagem, sobretudo na perspetiva da aquisição das competências da compreensão do oral, resultou na criação de uma plataforma digital de materiais didáticos audiovisuais, Português à Vista (subsidiada pelo fundo do ensino superior do Governo da Regi ã o Administrativa Especial de Macau, no âmbito de um projeto da Universidade de São José).
A reflexão teórica, incorporando a revisão crítica da evolução do campo científico da produção de materiais didáticos, em que o autor destaca a importância do contributo de Brian Tomlinson, a partir da década de 1990, materializou-se, assim, num instrumento de trabalho acessível a todos, discentes e docentes envolvidos no processo de aprendizagem e ensino do português como língua estrangeira. Os princípios teóricos e metodológicos que presidiram à sua elaboração resultaram em propostas de trabalho cuja fundamentação e operacionalidade são extensivamente abordadas também no presente estudo.
Embora não seja especialista nesta área, tendo em conta o meu envolvimento, já de alguns anos, na dinâmica do ensino do português como língua estrangeira, destacaria três aspetos que me parecem particularmente interessantes nas propostas de Pereira oferecidas neste seu volume.
O primeiro prende-se com a relevância dada no estudo, e espelhada na plataforma Português à Vista , à dimensão metacognitiva no processo de aprendizagem da língua estrangeira. O processo de autorreflexão sobre o percurso de aprendizagem é parte intrínseca desse mesmo percurso e condição potenciadora da progressão do aprendente, sendo chamado a terreiro em todas as tarefas propostas na plataforma Português à Vista .
A insistência na importância da opção por estratégias que articulem esta componente metacognitiva prende-se com outro aspeto fundacional do estudo que subjaz a este livro. Além destas estratégias contribuírem, obviamente, para a autonomia do aprendente, a quem são concedidos os instrumentos que lhe permitem avaliar criticamente e, em certa medida, gerir ou controlar o seu processo de aprendizagem, a essa insistência subjaz a necessidade de se assumir, na proposição de estratégias e tarefas pedagógicas que enformem os recursos didáticos – uma intencionalidade particular. Essa intencionalidade surge crescentemente, como um imperativo da
conjuntura atual de entropia comunicativa, que domina a nossa sociedade global. O fenómeno da exponencialmente crescente desinformação faz nascer a necessidade do desenvolvimento de literacias multímodas, sendo o elemento linguístico apenas uma das componentes a trabalhar. As propostas de recursos didáticos no campo do ensino e da aprendizagem das línguas deverão, então, estar alinhadas com objetivos educativos, a que preside esse imperativo ético de desenvolver a consciência crítica, essencial para o apuramento dos processos de interpretação e produção de sentido exigidos por contextos comunicacionais complexos.
O terceiro aspeto que gostaria de assinalar decorre da intencionalidade anteriormente referida, que preside ao processo de produção de materiais e à determinação das estratégias de ensino: a relevância dada a tudo o que se prenda à esfera das manifestações culturais (no campo da música, festivais, gastronomia, produções teatrais, de cinema, artes visuais…) – de que sublinho a importância atribuída ao uso do texto literário –, de procedências várias. Nesse aspeto, a plataforma Português à Vista , de que se analisa a estrutura e as funcionalidades no presente estudo, é um verdadeiro manancial de propostas de uso didático de produções várias, no campo do audiovisual, com origem nos espaços da lusofonia, sempre na perspetiva de abertura e diálogo entre culturas diversas. A promoção de uma atitude crítica face ao conhecimento e de uma alargada consciência cultural e intercultural é sustentada na análise das abordagens teóricas e metodológicas de que se faz este livro, e subjaz também às propostas de trabalho de ordem prática que o integram.
Para terminar, direi que esta investigação examina criticamente a evolução das teorias de aquisição da compreensão do oral de uma língua estrangeira e das metodologias e abordagens preconizadas para o ensino dessa competência, assim como alguns dos mais recentes modelos de exploração didática de recursos audiovisuais e os resultados da investigação da aprendizagem de línguas assistida por computador. A fechar o seu percurso de reflexão teórica e da revisão crítica da literatura, bem como de análise da utilização dos recursos em obra na plataforma Português à Vista, o autor junta, às conclusões propostas, questões que são um repto à continuação desta linha de investigação (sobre a eficácia da utilização de certas ferramentas tecnológicas ou o uso dos algoritmos no processo de aprendizagem de outras línguas, por exemplo). No entanto, o que avulta neste estudo exemplar, em termos de reflexão e integração teórica de várias propostas, das metodologias seguidas e da análise crítica de processos e propostas, será, parece-me, a orientação humanista que preside a esta abordagem. Em consonância com um autor como Brian Tomlinson, também o enfoque de João Paulo Pereira se coloca sob a égide de um apelo ao imperativo de humanizar os materiais de ensino da língua, no sentido de potenciar a eficácia do processo de aprendizagem e de contribuir, por esta via, para a formação de cidadãos ativos e criticamente aptos a gerir os processos de produção do conhecimento que determinam a nossa vida e a evolução do nosso mundo. Na verdade, a investigação de João Paulo Pereira, que se materializou no livro que se apresenta e na plataforma Português à Vista, é apenas parte de um processo que já tem um tempo de compromisso com a partilha de um saber que se faz da atenção
ao outro e da contribuição para a educação para a promoção de uma consciência empática, aberta e tolerante, que se constrói na escuta do outro e na compreensão e respeito pela sua identidade. Assim o atesta o seu percurso como professor, que o levou de vários países da Europa até África e, mais recentemente, à Ásia. Devo também dizer que foi um privilégio, para mim, ser sua colega em Macau, onde foi um pilar fundamental da equipa então constituída numa das suas universidades, pela sua integridade, compromisso com o saber e espírito de colaboração.
Que este livro seja mais um momento frutífero, pelo diálogo a que se abre na sua esfera, num percurso consistente, solidamente alicerçado na reflexão teórica e modelado pela procura de soluções práticas e eficazes, de clara inspiração humanista.
Vera Borges Professora Associada da Universidade da Cidade de Macau
A necessidade de acompanhar e dar resposta, do ponto de vista educativo, às exigências do ambiente comunicacional global é dos maiores desafios que se levantam ao professor de Português como Língua Não Materna (LNM)1. Os avanços tecnológicos, que se acentuaram a partir da primeira década do século xxi, alteraram profundamente as lógicas de consumo e produção da informação. A forma como atualmente acedemos à informação, comunicamos e nos relacionamos passou a fazer-se através de dispositivos interconectados numa lógica de rede, na base do modelo comunicativo vigente e que moldou as nossas sociedades 2. Os consumidores tornaram-se, ao mesmo tempo, produtores de informação, surgindo o conceito de utilizador (Goldstein & Driver, 2015). Emergiram formas digitais de representação do discurso, compósitas em termos dos elementos que as compõem, com a possibilidade de reconfiguração e de (re)mistura, levantando novas e importantes questões, como as relacionadas com a autoria e autenticidade dos textos, na base de um dos principais problemas das nossas democracias, a desinformação. Assistimos, portanto, a uma complexificação do ambiente digital, que continua em constante e dinâmica evolução e exige, além da capacidade de descodificar mensagens textuais, a aquisição de novas literacias, associadas ao conhecimento e ao domínio de ferramentas de comunicação e de formas digitais de representação do discurso.
Levantam -se, pois, ao professor de LNM problemas concretos no ensino e na aprendizagem associados à compreensão dos textos que fazem parte da paisagem digital. A acrescer a estes problemas estão as grandes dificuldades que os aprendentes manifestam em relação à competência da compreensão do oral e à falta de recursos educativos audiovisuais, especialmente para os níveis de proficiência linguística A1, A2 e B1 (não só nos manuais escolares, mas também em relação a outros tipos de materiais didáticos).
Foi para dar resposta a estas necessidades que realizámos o projeto descrito neste livro, o qual resultou na criação de uma plataforma digital de materiais didáticos audiovisuais, a que se deu o nome de Português à Vista . Pretendemos, assim, contribuir para o desenvolvimento e atualização da área do ensino e da aprendizagem da compreensão do oral do português como LNM. De referir que este trabalho foi feito no âmbito de um projeto de investigação levado a cabo na Universidade de São José (USJ), com financiamento do fundo do ensino superior do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). O mesmo extravasa, no entanto, as fronteiras da RAEM, não só pelo acesso à plataforma, que se mantém universal e gratuito, mas também pela representatividade dos conteúdos audiovisuais, que abrangem os vários países e regiões onde o português tem o estatuto de língua oficial. Assim, daremos conta, neste trabalho, das várias fases de desenvolvimento do projeto de investigação, que culminou na criação da referida plataforma, programada de raiz por uma empresa portuguesa de desenvolvimento de soluções tecnológicas.
1 O conceito de LNM, que faremos corresponder a Língua Segunda e a Língua Estrangeira.
2 Castells (2010) refere que a ordem comunicativa global em que vivemos, assente em dispositivos tecnológicos interconectados numa lógica de rede, constitui “the new social morphology of our societies” (p. 500).
Interessa-nos, sobretudo, apresentar os princípios e modelos que subjazem à construção dos materiais didáticos audiovisuais que a integram. Estes espelham, como veremos, uma reflexão aprofundada sobre as causas que levam a que a compreensão do oral seja uma das competências de mais difícil aquisição. Foram adotadas as abordagens mais recentes que dão grande destaque às atividades provenientes da abordagem metacognitiva (ainda praticamente ausente dos materiais didáticos existentes nesta área), refletindo igualmente a evolução dos modelos de exploração didática do vídeo e os resultados da investigação da área da aprendizagem de línguas assistida por computador, no que toca ao ensino e à aprendizagem da compreensão do oral, área essa que tem conhecido um grande desenvolvimento.
Quanto à metodologia adotada, que também descreveremos, baseámo-nos em abordagens quantitativas e qualitativas, sendo utilizados instrumentos e técnicas que permitiram compreender problemáticas inerentes ao uso dos materiais audiovisuais e do ensino e da aprendizagem da compreensão do oral através destes por parte dos destinatários principais do projeto: os alunos e professores ligados à licenciatura em Estudos de Tradução Português-Chinês da USJ. Com os primeiros, foram realizadas discussões de grupo focal; com os segundos, entrevistas semidiretivas. No âmbito destas, foram ainda testados materiais didáticos dos vários níveis de proficiência linguística, testagem essa que foi essencial para, por um lado, validar o modelo didático criado e, por outro, fazer ajustamentos e melhorias em relação aos materiais e à própria plataforma, o que veio comprovar a importância de se testarem os materiais didáticos (algo que, como se sabe, não acontece na maior parte das vezes).
Importa ainda referir que, além da contextualização do estudo, da caracterização do público-alvo e dos contributos que este deu para a proposta de materiais desenvolvida – incluindo os resultados da testagem dos mesmos –, será apresentada a plataforma de aprendizagem, em termos de estrutura e funcionalidades. Entre estas conta-se, por exemplo, o acesso a uma consola estatística que calcula o desempenho do aprendente, levando em conta os resultados obtidos nas sequências didáticas e os registos dos níveis de ansiedade do diagrama de ansiedade presente no final das mesmas. Para o cálculo desse resultado foi criado um algoritmo – um elemento de inteligência artificial que confere a este trabalho um carácter inovador. Na parte final, serão dados a conhecer os materiais didáticos presentes na plataforma, a forma como se encontram organizados, a estrutura das sequências didáticas e os critérios de desenvolvimento destas (ficheiro PDF com capturas de ecrã das unidades apresentadas disponível para download em https://www.lidel.pt/pt/download-conteudos/). Será possível ver sequências didáticas completas criadas para vários temas e para cada um dos níveis de proficiência linguística. A informação completa sobre as cem sequências didáticas desenvolvidas para a plataforma pode ser consultada no Anexo deste trabalho, disponível também para download em https://www. lidel.pt/pt/download-conteudos/.
Acreditamos que estamos, assim, a contribuir para que os professores de português como LNM tomem decisões cientificamente informadas em relação à construção de materiais didáticos audiovisuais digitais, que têm uma preponderância cada vez maior no ambiente comunicacional global.
CAPÍTULO 1
Quadro Evolutivo da Área
de Desenvolvimento de Materiais
Didáticos no Ensino e na Aprendizagem de Línguas não Maternas
1. Quadro Evolutivo da ÁrEa dE dEsEnvolvimEnto dE matEriais
didÁticos no Ensino E na aprEndizagEm dE línguas não matErnas
Constituindo a finalidade deste trabalho a produção de materiais didáticos digitais com vista ao desenvolvimento da compreensão do oral de quem tem o português como língua não materna (LNM), começaremos por refletir sobre a importância do material didático no contexto do ensino e da aprendizagem de línguas, como se constituiu como área de investigação autónoma e de que forma, no quadro evolutivo traçado, os materiais áudio e audiovisuais se posicionaram em relação a outros, até assumirem o papel que têm nas redes de comunicação atuais, tornando fundamentais as destrezas e competências que vão para lá do domínio linguístico, nomeadamente através do desenvolvimento de competências literácitas que respondam aos desafios de discursos multimodais (Cortés et al. , 2018).
Em primeiro lugar, refira -se que os materiais didáticos constituem um elemento intrínseco do processo educativo, desempenhando um papel central no ensino e na aprendizagem de uma língua, que continua até este momento (Garton & Graves, 2014). A sua utilização, ao longo dos tempos, é testemunha da evolução dos suportes, decorrente dos avanços tecnológicos, assim como das teorias de aprendizagem e propostas pedagógicas que determinam as características e funções dos próprios materiais. Estamos, portanto, perante uma questão de grande complexidade, como revela a seguinte definição de “materiais para a aprendizagem de línguas”, de Tomlinson (2012), num artigo em que faz o estado da arte do desenvolvimento de materiais, e que serve, em grande parte, para este ponto de revisão da literatura:
“ ‘materials for language learning’ will be taken to be anything that can be used to facilitate the learning of a language, including coursebooks, videos, graded readers, flash cards, games, websites and mobile phone interactions, though, inevitably, much of the literature focuses on printed materials.” (p. 143)
A utilização de “ anything” é bem reveladora da complexidade referida, a que se junta a atenção e o interesse da investigação, maioritariamente, pelos materiais impressos, em detrimento dos não impressos, incluindo-se nestes últimos os materiais audiovisuais digitais que propomos criar, facto que justifica, em grande parte, a realização deste trabalho.
No entanto, a importância e a complexidade, referidas anteriormente, em torno da questão do desenvolvimento dos materiais didáticos para a aprendizagem da LNM não mereceram, senão em meados dos anos 90 do século xx , o reconhecimento devido, só então se constituindo como uma área de estudos académicos (Tomlinson, 2012). Tal não significa que não se tenha antes começado a preparar esse caminho, o qual importa agora percorrer para se compreender melhor que materiais se privilegiavam, a importância e o papel que tinham na aprendizagem de línguas e as perspetivas subjacentes à sua utilização.
Quadro Evolutivo da Área de Desenvolvimento de Materiais Didáticos no Ensino e na Aprendizagem de Línguas Não Maternas
1.1 i nv E stigação s obr E o d E s E nvolvim E nto d E m at E riais d id Á ticos
O caminho que levou à formação da área de desenvolvimento de materiais didáticos para a aprendizagem de uma LNM iniciou-se nos anos 70 do século xx . A maior parte da bibliografia que surgiu então pouco se debruçou, porém, sobre os materiais e o desenvolvimento destes, pondo-os na dependência de questões de índole metodológica: “… most references to material development came in books and articles on methodology, which exemplified methods and approaches by quoting extracts from coursebooks” (Tomlinson, 2012, p. 145). Quanto aos materiais audiovisuais, havia, já nessa época, a consciência da sua importância para o ensino de línguas. Veja-se, na Figura 1.1 (adaptada de Trim [1979, p. 8]), como esse tipo de materiais já estava integrado na vasta panóplia de recursos existentes. Além dos materiais impressos (manuais, livros de exercícios, panfletos, jornais, revistas, obras de ficção e de não ficção), aparecem também: realia (moedas, contas, bilhetes, objetos culturais), giz e quadro, papel e caneta, papel e tinta, bobinas, discos e gira-discos, cassetes e gravadores de cassetes, retroprojetores, filmes, slides e projetores de slides , videocassetes e leitores de videocassetes, programas e recetores de rádio e de televisão, monitores de vídeo, computadores e programas informáticos.
MÉDIA
Programas de rádio , televisão, jornais e r evistas
PANFLETOS
VIDEOCASSETE S
FILME S
DISCOS DE VINIL E CASSETE S D IAPOSITIVOS
LIVROS DE TESTES E EXAMES
R EALI A APRENDENTE
Bilhetes, moedas...
OBRAS DE FICÇÃO E NÃO FICÇÃO
CURSOS POR CORRESPONDÊNCIA
TRANSPARÊNCIAS
Figura 1.1 – Materiais didáticos para o ensino de línguas (Adaptado de Trim [1979, p. 8])
3.2.1 Ensino comportamentalista
A compreensão do oral mereceu pouca ou nenhuma atenção até finais da década de 60 do século xx , sendo vista como um processo passivo, sem qualquer papel na aprendizagem da língua (Usó-Juan & Martínez-Flor, 2006). Esta visão subsidiária da teoria comportamentalista de Skinner (1957) encarava a aprendizagem da língua como um processo mecânico assente no padrão estímulo-resposta. A compreensão do oral consistia na imitação e memorização de sons, assim como nas formas e estruturas gramaticais corretas. As atividades em aula passavam por realizar exercícios de identificação e consciência fonológica, identificar palavras-chave e passagens do texto, responder a questões para testar a compreensão do texto ou fazer ditados do mesmo (Vandergrift & Goh, 2012). Em termos de seleção do input , eram usados textos escritos, muito densos do ponto de vista lexical e gramatical, não se levando em conta as características intrínsecas da linguagem oral. Esta visão mecanicista do ensino, centrada unicamente no texto e nos seus aspetos linguísticos, mais do que na sua efetiva compreensão, não levava em conta, portanto, os aspetos cognitivos, que só seriam considerados posteriormente.
3.2.2 Abordagem cognitivista
N o final dos anos 60 do mesmo século, a compreensão do oral deixou de ser encarada como um processo mecanicista e passou a ser vista como um processo dinâmico de base cognitiva (Usó-Juan & Martínez-Flor, 2006), refletindo as teorias cognitivistas de Chomsky (1959), segundo as quais os seres humanos possuem uma capacidade inata que lhes permite manipular dados e formular hipóteses acerca da língua. Como consequência, a investigação começou a centrar-se nos processos cognitivos envolvidos na compreensão e surgiram novas abordagens didáticas, que passaram a considerar a compreensão do oral como um elemento central da aprendizagem da LNM. Foi o caso da Total Physical Response , uma abordagem proposta por Asher (1969) que consistia em expor o aprendente, primeiramente, a textos orais, tendo este, depois, através de indicações não verbais, de ser capaz de reconstruir oralmente o texto. Alguns anos depois, Krashen e Terrell (1983) apresentariam um outro modelo teórico, conhecido como Natural Approach, que estabelecia uma ordem natural de aquisição da língua, devendo o aprendente compreender primeiramente o que ouve antes de passar à fase da produção. No entanto, nenhuma das abordagens tinha em conta o tipo de interação, o papel do contexto ou a intencionalidade de quem ouve no processo de compreensão do oral. A consideração destes fatores verificar-se-ia, gradualmente, nos anos seguintes.
3.2.3 Método comunicativo
A s teorias pós-comportamentalistas seriam determinantes para o aparecimento das abordagens comunicativas, no início dos anos 70 do século xx . Os seus pressupostos teóricos, inicialmente propostos por Hymes (1972), assentavam na ideia de que a competência linguística está mais associada ao uso real da língua do que ao conhecimento gramatical da mesma. Esta foi a visão que presidiu ao Projeto de Línguas Vivas do Conselho da Europa , lançado na mesma altura, e que estabeleceu um modelo comunicativo para o aprendente adulto de LNM6.
Segundo esta metodologia, que ficou conhecida como Metodologia Comunicativa de Ensino de Línguas, e que inclui variantes como o Ensino por Tarefas, a compreensão do oral deve ser objeto da mesma atenção que as restantes competências linguísticas, tornando-se necessário, para o seu desenvolvimento, que o aprendente seja capaz de compreender o essencial ou identificar pormenores e fazer previsões ou inferências em relação ao que vai ouvir (Goh, 2008). No que respeita a materiais, os professores são encorajados a abandonar os textos escritos e a utilizar materiais que reflitam a “vida real”, como canções, filmes e diálogos gravados. É a partir destes textos autênticos que, ainda que de forma circunscrita, os aprendentes são chamados a realizar tarefas estruturadas em torno de um tema e desenhadas para promoverem a utilização funcional da língua. Igualmente importante nesta metodologia é o aparecimento das atividades de pré-audição, cujo objetivo é a ativação dos conhecimentos prévios do aprendente em relação ao tema para facilitar a compreensão nas atividades de audição subsequentes (Vandergrift & Goh, 2012).
No entanto, mesmo na metodologia comunicativa, o foco das aulas de compreensão do oral continua a ser a obtenção de um resultado ou produto final. Na prática, cada atividade é vista pelo aprendente como um teste às suas capacidades de compreensão. Este continua ainda sem saber como deve ouvir, de forma a aumentar os seus índices de compreensão (e a diminuir os de ansiedade), quer nas atividades em sala de aula, quer, sobretudo, no mundo exterior. Será a partir dos avanços operados, principalmente, no campo da psicologia cognitiva e da psicolinguística, em finais da década de 70 do século xx , que se caminhará nesse sentido.
3.2.4 Abordagem interacionista
N os finais dos anos 70 e princípios dos anos 80 do século xx , a compreensão do oral começa a ganhar mais relevância com a consideração de aspetos essenciais, como o seu carácter interativo, o contexto em que decorre a compreensão e o facto de que ouvir implica a construção de um sentido e de uma intencionalidade. Este último aspeto é particularmente importante e pode ser sintetizado nas palavras de Brown (1990): “In normal life we have reasons for listening, and interests
6 Este projeto viria a dar origem à elaboração de “níveis limiares” para o ensino de diferentes línguas, como o Threshold Level, em 1975, Un Niveau Seuil, em 1976, Un Nivel Umbral, em 1979, Kontaktschwelle, em 1989, e Livello Soglia, em 1981, os quais antecederam a publicação, em 1988, de Nível Limiar, destinado ao ensino e a aprendizagem do português como LNM (Casteleiro et al., 1988).
6.2 a pr E s E ntação da p lataforma v irtual d E a pr E ndizag E m português à vista11
N este ponto, apresentamos a estrutura e as múltiplas funcionalidades da plataforma de recursos didáticos audiovisuais para o ensino e a aprendizagem do português como LNM, Português à Vista , cuja página de entrada é reproduzida na Figura 6.1. Nela constam a informação sobre o projeto, a informação legal (política de privacidade, termos, financiamento, etc.), os princípios metodológicos e o acesso para registo ou entrada na plataforma.
Figura 6.1 – Página de entrada da plataforma Português à Vista. Fonte: Captura de ecrã no site Português à Vista . Disponível em: https://portuguesavista.fah.usj.edu.mo/
Em relação ao registo na plataforma, é possível criar contas de utilizador de aluno ou de professor (Figura 6.2). A conta de aluno pode ser associada a uma turma/ /um professor (validada pelo número de aluno), no caso de pertencer à USJ. Conforme referido, qualquer outro aprendente ou professor que não desta universidade podem também aceder à plataforma e criar a sua conta. Quanto ao registo do professor, há a possibilidade de lhe ser dada permissão como “Administrador”.
11 De referir que os links de acesso às várias áreas e unidades didáticas da plataforma Português à Vista, disponibilizados nas legendas das respetivas figuras, só serão acessíveis caso o utilizador tenha uma conta criada na plataforma (com exceção da página inicial do Português à Vista [https://portuguesavista.fah.usj.edu.mo/]).
Proposta de Materiais Didáticos Audiovisuais Digitais para o Desenvolvimento da Compreensão do Oral
Figura 6.2 – Página de inscrição na plataforma. Fonte: Captura de ecrã no site Português à Vista . Disponível em: https://portuguesavista.fah.usj.edu.mo/
Após o registo e a entrada na plataforma, professores e alunos têm então acesso a uma área comum onde encontram as unidades didáticas dispostas de forma sequencial (Figura 6.3). É possível aceder diretamente a estas também através da pesquisa ou filtragem por nível de proficiência linguística, por tema (ver Quadro 5.2, no qual se apresenta a listagem completa dos temas), por tag ou etiqueta, ou por marcação para lista de favoritos. Além disso, é possível ver as notificações (pedidos/ /resposta de contactos, novos exercícios disponíveis, correção necessária, correção disponível) e ter acesso à área privada para edição de dados (pessoais e de acesso) e preferências sobre notificações e acessos (por exemplo, para dar permissão a que o desempenho ou o próprio e‑mail sejam vistos pelos colegas).
Figura 6.3 – Área comum da plataforma (“Exercícios”). Fonte: Captura de ecrã no site Português à Vista . Disponível em: https://portuguesavista.com/exercicios