MEDICINA LABORATORIAL
Da Prescrição à Interpretação Clínica
AUTOR
Rui Abrantes Pimentel
Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Internato Complementar de Patologia Clínica no Serviço de Patologia Clínica do Hospital de São José; Grau de Assistente Hospitalar de Patologia Clínica pelo Hospital Curry Cabral, EPE; Especialista em Patologia Clínica pela Ordem dos Médicos; Consultor de Patologia Clínica da Carreira Médica Hospitalar no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE – Unidade do Monte da Virgem; Responsável pela Coordenação do Controlo da Qualidade Analítica e pela Área Core Laboratorial no Dr. Joaquim Chaves, Laboratório de Análises Clínicas SA; Foi Diretor Técnico Substituto no Dr. Joaquim Chaves, Laboratório de Análises Clínicas SA; Esteve envolvido na atividade docente da cadeira de Farmaco logia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Foi convidado para fazer parte de vários grupos de trabalho.
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que foram, e muitos continuam a ser, os meus mestres, colegas e amigos, e que me têm acompanhado e acrescentado valor à minha formação pessoal, académica e profissional, em par ticular ao Doutor Joaquim Chaves pela confiança que sempre depositou em mim, pela sua amizade e por todas as oportunidades que me concedeu.
Ao Senhor Professor Doutor Joaquim Augusto da Silveira Sérgio, uma das minhas grandes referên cias como homem, profissional e, sobretudo, como amigo inestimável, sob cuja direção tive a honra e o privilégio de trabalhar. Agora, alguns anos depois, agradeço te pelo incentivo, entusiasmo e motivação que manifestaste pela divulgação deste trabalho, assim como pela generosidade com se disponibilizou e contribuiu para o tornar melhor na sua estrutura e na ordenação dos temas abordados.
PREFÁCIO
Sinto me honrado por ter sido escolhido para prefaciar este livro. Tive o privilégio de trabalhar lado a lado durante mais de 20 anos com o meu amigo Doutor Rui Pimentel. A sua dedicação à Medicina Laboratorial, a sua paixão pelo saber, o desejo de estar sempre atualizado e principalmente o prazer e a disponibilidade em partilhar o conhecimento são qualidades que o definem e que tomarei sempre como referencial.
Lembro me perfeitamente de ver, ao fim do dia, o Doutor Rui Pimentel a despedir se, carregado com uma quantidade apreciável de artigos, folhas ou livros, debaixo do braço, para se saciar em casa. É um profissional dedicado ao saber, que não hesita em perguntar a quem o rodeia quando alguma dúvida o atormenta.
O volume Medicina Laboratorial: Qualidade descreve três temas, com um impacto direto na qualidade dos resultados laboratoriais:
• Interferências analíticas;
• Validação e verificação de métodos;
• Controlo interno da qualidade;
As interferências analíticas são uma realidade constante em qualquer laboratório clínico. Saber reco nhecê las, distingui las, avaliar o seu impacto e, principalmente, adequar as ações corretivas em função da utilidade clínica dos analitos requer muitas vezes orientação e padronização, que nem sempre estão disponíveis. O leitor desta obra encontra aqui o conhecimento detalhado para que, em presença de inter ferências, possa compreender, interpretar e atuar em conformidade com o estado da arte.
A qualidade dos resultados obtidos em análises laboratoriais está diretamente ligada à metodologia analítica escolhida. A validação e a verificação de um método são os processos que garantem que os métodos analíticos selecionados sejam os mais adequados para os fins a que se destinam. No início deste capítulo, com um rigor assinalável, o autor descreve e enquadra os conceitos chave associados ao tema. De seguida, define bem a série de etapas recomendadas para a elaboração e execução de um ensaio ex perimental de validação ou verificação. A inclusão de fórmulas matemáticas e de tabelas complementa a informação necessária para todos os que realizam estas tarefas nos laboratórios clínicos.
O controlo interno de qualidade deve permitir a cada laboratório detetar o mais precocemente possível a presença de erros ou falhas, mitigar a sua gravidade e assegurar a utilidade clínica dos resul tados laboratoriais. A abrangência da sua aplicação, as fases da mesma, os modelos mais adequados a implementar, sem esquecer a sua aplicabilidade em função do risco para o doente, como recomendam as guidelines mais recentes, são o alvo deste capítulo. A descrição de um procedimento de controlo de qualidade interno, as métricas usadas e o seu cálculo, os critérios de aceitação dos valores obtidos e o uso do nível sigma como medida da qualidade de dos processos servirá certamente como base sólida de referência para todos os profissionais da Medicina Laboratorial.
O Doutor Rui Pimentel define se como um “curioso” nestas coisas do controlo da qualidade. Esta obra também é para todos os que têm curiosidade ou necessidade de alargar os conhecimentos no âmbito da qualidade em geral e do controlo de qualidade em particular, na Medicina Laboratorial.
Forte abraço,
José Coelho
Técnico de Análises Clínicas e Saúde Pública (TACSP) no Hospital das Forças Armadas
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APRESENTAÇÃO
O presente trabalho é, essencialmente, uma compilação modulada de boas práticas no âmbito da prescrição médica, de todas as fases do processo laboratorial (pré analítico, analítico e pós analítico) e da interpretação dos resultados analíticos. Baseia se na minha experiência clínica e laboratorial, que foi sendo adquirida e amadurecida ao longo de mais de quatro décadas, mais de metade das quais na Dr. Joaquim Chaves, Laboratório de Análises Clínicas, e nas evidências publicadas na literatura cientí fica das diversas especialidades médicas.
Aceitei o desafio proposto pelas minhas colegas e amigas, Catarina Rombo, Marina Pires e Rute Pereira, e pela minha mulher, Margarida Ponte, de publicar Medicina Laboratorial: Da Prescrição à Interpretação Clínica por estar convencido de que a partilha em todas as áreas do conhecimento, incluindo na Medicina Laboratorial, é uma janela de oportunidade imperdível, por permitir criar as condições necessárias para explicar a importância da relação entre a clínica e o laboratório, cujo diálo go entre pares deve ser permanente, assim como o significado de muitos sinais do âmbito da Patologia Clínica. Estou convicto de que esta obra constitui um importante contributo para melhorar a com preensão e o processo de interpretação dos resultados dos mensurandos prescritos, uma vez que é neles que se baseiam entre 60 e 70% das decisões médicas, que condicionam a qualidade de vida das pessoas e, muitas vezes, o seu tempo de sobrevida.
Revisitada a literatura médica publicada, quer em livros de texto, quer em artigos científicos, nacionais e internacionais, é evidente a existência de uma enorme lacuna, que se vem traduzindo pela insuficiência de articulação, de cooperação e de coordenação de esforços interdisciplinares. É patente, também, um afastamento cada vez maior entre o que é pretendido e tomado como necessidade por cada uma das especialidades médicas e cirúrgicas, e as limitações e potencialidades do estado da arte da Medicina Laboratorial, que importa conhecer e colmatar.
Só há uma Medicina. A Medicina como a Arte Maior de ajudar as pessoas a terem a melhor quali dade de vida (bem estar físico, psíquico e social) durante o máximo tempo possível.
No âmbito das interferências analíticas, validação de métodos e controlo da qualidade, Medicina Laboratorial: Da Prescrição à Interpretação Clínica faz uma abordagem alargada das condições poten ciais de interferência analítica, que constituem um dos fatores de risco mais importantes e com maior impacto negativo na utilidade clínica dos resultados laboratoriais, da sua classificação (endógenas e exógenas) e descrição, dos procedimentos recomendados para a sua deteção, identificação, avaliação da grandeza e minimização ou neutralização, assim como do processo de validação e de reporte de resultados.
Na segunda parte deste trabalho, no âmbito da validação de métodos, são caracterizados conceitos tão importantes como os de validação e verificação, de rastreabilidade, de padronização e harmoniza ção, de enviesamento (bias) e de comutabilidade, é abordado e contextualizado o complexo processo de gestão do risco e são descritos os ensaios experimentais recomendados, assim como os critérios de aceitação aplicáveis aos métodos quantitativos e qualitativos, para poderem ser utilizados no trabalho de rotina.
Na última parte, no âmbito do controlo interno da qualidade analítica, são descritos e caracteri zados, em função do nível de risco, o processo pré analítico, analítico e pós analítico, nos quais se incluem os protocolos, os procedimentos e as métricas mais importantes, que visam avaliar de forma dinâmica a sua eficácia na identificação de vulnerabilidades e na deteção precoce de erros ou de falhas, e assegurar a utilidade clínica dos resultados laboratoriais.
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INTRODUÇÃO
Os médicos recorrem às análises clínicas para efetuar diagnósticos, estratificar o risco de morbilida de e de mortalidade, identificar recaídas ou recorrências, e monitorizar a evolução clínica e a resposta ao tratamento de diversas entidades nosológicas, assim como para despistar a sua presença em indiví duos aparentemente saudáveis.
A principal responsabilidade da Medicina Laboratorial é contribuir para melhorar de forma consis tente a qualidade de vida das pessoas (estado de completo bem estar físico, psíquico e social) durante o máximo tempo possível, devendo para isso garantir que, de forma sustentada, todos os resultados reportados se caracterizem pelos seguintes aspetos:
• Não estejam comprometidos por enviesamentos inaceitáveis em relação ao valor real (in vivo);
• Sejam clinicamente úteis para permitir a tomada de decisões médicas mais adequadas;
• Sejam reportados em tempo útil.
Tem sido evidenciado que até 25% dos erros de avaliação clínica relacionados com resultados la boratoriais afetam o processo de decisão médica, tendo como consequência atrasos na prestação dos cuidados de saúde mais adequados em tempo útil.
A caracterização da variabilidade fisiológica, fisiopatológica e iatrogénica, e a identificação e moni torização da variabilidade que decorre do processo analítico, assim como a garantia de que se mantêm dentro de limites clinicamente aceitáveis, são fundamentais. Só assim as informações veiculadas pelos resultados reportados não induzem os clínicos prescritores a cometer erros de julgamento em relação a um diagnóstico, prognóstico (estratificação do risco) ou tratamento e, com isso, diminuir a qualidade de vida dos pacientes.
A variabilidade dos resultados laboratoriais está relacionada com diversos fatores e condições, dos quais se destacam, de acordo com a sua origem, os seguintes:
• A variabilidade biológica intraindividual específica de cada mensurando (equilíbrio homeostático);
• As alterações do estado de saúde dos indivíduos (variabilidade fisiopatológica);
• As alterações decorrentes de atos ou de intervenções no âmbito da terapêutica ou do diagnóstico (variabilidades iatrogénicas);
• O processo pré‑analítico, analítico e pós‑analítico, designadamente a competência dos profissio nais envolvidos (fatores humanos) e a qualidade do desempenho dos diferentes procedimentos de medida e ensaios instalados no laboratório (exemplos: precisão e exatidão próprias do método, intervalo de medição e linearidade, limites de deteção e especificidade analítica);
• A estabilidade dos mensurandos (analitos e parâmetros) nas amostras biológicas em função das suas características, da preparação pré‑analítica efetuada e das condições de colheita, de conserva ção e do seu processamento;
• As interferências analíticas positivas ou negativas que se traduzem pela diferença entre o resultado obtido e o seu valor real (in vivo).
Antes de ser tomada uma decisão perante resultados laboratoriais anormais ou discordantes, seja através da história clínica, epidemiológica ou ambas, seja através de critérios interparamétricos, ou seja através dos resultados obtidos em colheitas anteriores, é importante que o processo de interpretação, tanto a nível laboratorial como clínico, permita determinar se estão relacionados com o estado de
XVI Medicina Laboratorial: Qualidade
saúde dos pacientes ou se são resultantes de variáveis pré analíticas, analíticas ou pós analíticas, nas quais se incluem as interferências.
O impacto negativo que os resultados incorretos podem ter para os pacientes está relacionado com os seguintes fatores:
• Estado de saúde e características das patologias que o condicionam;
• Sensibilidade e especificidade diagnósticas (valor semiológico) dos mensurandos objeto de aná lise;
• Grandeza da diferença entre o resultado reportado e o seu valor real (in vivo);
• Competência e experiência, quer dos profissionais do laboratório, quer dos médicos prescritores, em identificar e lidar com este tipo de resultados, visando minimizar a gravidade do dano.
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1 DEFINIÇÃO E ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL
A análise cuidada de toda a informação pu blicada permitiu confirmar não só a dimensão multidisciplinar e a enorme complexidade dos problemas e desafios postos pelas interferên cias analíticas, mas também a sua importância clínico‑laboratorial, por constituírem um dos fa tores de risco mais importantes de variabilidade e enviesamento dos resultados não relacionados com o estado de saúde dos pacientes e que têm maior impacto nas decisões clínicas.
A gestão mais eficiente e eficaz do fenómeno da interferência, tanto na vertente preventiva como na corretiva, deve abranger todas as fases do processo extra‑analítico e analítico, e envolver todos os intervenientes, designadamente os mé dicos prescritores, os pacientes e a maioria dos grupos profissionais do laboratório, num proces so dinâmico de participação ativa e de diálogo permanente entre todos os intervenientes.
Numa perspetiva abrangente, uma interferên cia é definida como o efeito de um fator ou de uma substância diferente do mensurando que está pre sente na mesma amostra biológica ou na mistura reativa. A interferência causa, num determinado procedimento analítico de medida (qualitativo ou quantitativo), um desvio significativo do resultado em relação ao seu valor real (bias) ou que, mesmo que a diferença não seja significativa, possa con tribuir para uma interpretação clínica enviesada por refletir, por exemplo, uma situação iatrogéni ca bem identificada e de ocorrência previsível, na maior parte das vezes transitória e sem significado patológico relevante.
A International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC, 1989) definiu “substância interferente” como aquela que produz, num de terminado sistema analítico, um erro sistemático (ES) significativo que, nos ensaios quantitativos, é superior ao desvio‑padrão próprio do método (SDpm) multiplicado pelo fator correspondente ao intervalo de confiança (IC) de 99,86% (corres ponde a 3 SDpm). No âmbito dos ensaios quan
titativos de Química Clínica, Fuentes‑Arderiu e Fraser C.G. (1991) consideram significativos, para cada um dos mensurados, valores do ES atribuído às interferências ≥ |coeficiente de va riação biológica (Cvb%) intraindividual – [1,96 x Cv%pm [coeficiente de variação (imprecisão)] + bias%pm)]|.
Além de todas as ações preventivas imple mentadas no âmbito da fase pré‑analítica, os la boratórios devem elaborar um protocolo interno praticável e eficaz que permita, no processo ana lítico e pós‑analítico (validação dos resultados), detetar, identificar e avaliar o impacto das inter ferências nos resultados obtidos com os proce dimentos de medida instalados, visando evitar a sua ocorrência ou minimizar as suas consequên cias. A eficácia dos procedimentos implementa dos é tanto maior quanto mais adequados forem e melhor se adaptarem aos fatores que caracteri zam as interferências analíticas, designadamente no que diz respeito à sua natureza, origem, efeito e dependência do mensurando, do procedimento de medida ou de ambos:
• Natureza (mecanismo de ação): física, quí mica ou ambas;
• Origem: endógena ou exógena;
• Efeito: ocorrência in vivo, in vitro ou, mais raramente, nos dois em simultâneo;
• Dependência (dependentes ou independen tes dos seguintes fatores):
– Concentração, atividade ou proprieda des do mensurando ou dos seus produ tos metabólicos, assim como do grau de envolvimento no mecanismo ou processo de interferência;
– Procedimento de medida: princípio físico ‑químico, configuração e características dos seus reagentes (exemplo: especificidade).
As interferências nas quais os sinais analíticos são afetados por um mecanismo semelhante ao do mensurando têm uma amplitude do enviesa
Tabela 3.1 • Caracterização das interferências mais importantes relacionadas com a determinação do pH e da densidade
Mensurandos
pH (reflete o estado do equilíbrio ácidobase, a função tubular renal, o regime alimentar e os mecanismos de ação de diversos fármacos)
Interferentes (mecanismos/causas)
Amostra destapada, deixada à TA, não refrigerada (se tiver mais de 2 a 4 horas após a colheita) e/ou contaminada por secreções vaginais da região perineal ou balanoprepucial: perda de dióxido de carbono (CO2) e crescimento bacteriano (principalmente quando os valores da contagem bacteriana são ≥ 100/µL), que é responsável pela produção de amónia a partir da ureia (produtores de urease)
Falsos resultados Solução
Elevados
Densidade [correlacionase diretamente com a osmolalidade urinária (atividade iónica) e dá uma indicação importante sobre o estado de hidratação, além de refletir a capacidade de concentração dos túbulos renais]
Tempo de retenção vesical (< 4 horas) ou excesso de ingestão hídrica; pH ≥ 7,0
Cetoacidose diabética (ácido acetilacético), administração endovenosa de soluções de dextrano ou de contrastes iodados de imagiologia (refratómetros e dos urinómetros: até 1 semana depois da sua administração); proteinúria e glicosúria acentuadas
Diminuídos
Higiene genital e procedimento de colheita e de conservação adequados (tapar, proteger da luz e refrigerar)
Elevados
1.a urina da manhã, retenção vesical ≥ 4 horas ou procedimento correto para provocar a diurese; quando o pH é ≥ 7,0, o valor da densidade pode ser corrigido adicionando 5 milésimas ao valor obtido
Cetoacidose diabética; ao contrário dos refratómetros e dos urinómetros, as tiras reativas não sofrem interferência pela glicosúria ≥ 30 g/L, pela proteinúria > 1 g/dL, nem pelos produtos de contraste iodados usados na imagiologia
Tabela 3.2 • Caracterização das interferências mais importantes relacionadas com a determinação das esterases leucocitárias, os leucócitos, as bactérias e os nitritos
Mensurandos
Esterases leucocitárias (resultados diretamente relacionados com o número de granulócitos, sobretudo dos neutrófilos)
Interferentes (mecanismos/causas)
Falsos resultados
Tempo de retenção vesical (< 4 horas) ou excesso de ingestão hídrica
Não reativos ou diminuídos
Solução
1.a urina da manhã, retenção vesical (≥ 4 horas após a última micção) ou procedimento correto para provocar a diurese (continua)
As características mais importantes de cada uma das categorias dos sistemas de referência (cadeia de rastreabilidade metrológica) são as seguintes:
• Categoria 1:
– Os resultados são rastreáveis a uma unidade do sistema internacional (SI);
– O mensurando é uma substância pura com estrutura molecular e propriedades (características) físicoquímicas e biológicas bem definidas (existe uma definição clara da forma molecular clinicamente relevante);
– Esta categoria tem PMR e MRP (calibradores primários) disponíveis.
• Categoria 2: os resultados são rastreáveis a um PMR convencional internacional, não primário, e a um material de referência (calibrador) internacional definido por convenção ou por consenso, sem rastreabilidade metrológica a uma unidade SI;
• Categoria 3: os resultados são rastreáveis a PMR convencionais internacionais, não primários, definidos por convenção ou por consenso – calibradores com matriz homogénea [exemplos: CK, LDH e ASAT pela IFCC; eritrócitos e leucócitos pelo International Council for Standardization in Haematology (ICSH)], mas não existe um calibrador convencional internacional, nem rastreabilidade a uma unidade do SI;
• Categoria 4:
– Os resultados são rastreáveis a um calibrador convencional internacional (matriz homogénea), mas não existe PMR, nem rastreabilidade metrológica a SI;
– O MR é definido por convenção ou por consenso e os valoresalvo são atribuídos em unidades que não fazem parte do SI como, por exemplo, arbitrárias internacionais tais como as que são definidas pelos padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS);
– Esta categoria tem disponível mais do que um MR. Muitos deles não têm a sua comutabilidade validada para as amostras nativas processadas pelos diferentes métodos, dando origem, para o mesmo mensurando, a resultados não harmonizados (não
comparáveis). Além disso, apresentam, frequentemente, diferenças significativas na sua constituição, designadamente das quantidades relativas das espécies ou formas moleculares (isoformas) que o mensurando pode apresentar nas amostras biológicas [exemplos: TnI, hCG, hPRL e hormona tirotrófica (hTSH)], e variações nas características da matriz entre os diferentes lotes, que estão na base da inconsistência dos valoresalvo atribuídos e das diferenças da sua comutabilidade com as amostras nativas. A harmonização pode continuar a não ser possível para alguns mensurandos, até que a sua forma molecular considerada clinicamente relevante seja claramente definida e identificada;
– A especificidade analítica dos procedimentos de medida de rotina pode ser influenciada pela presença quer de substâncias interferentes quer de formas moleculares diferentes daquelas para as quais o método foi projetado (exemplo: diferenças entre a especificidade do sistema de anticorpos utilizados pelos vários fabricantes para diferentes epitopos do mensurando que se propõem a determinar);
– Faz parte deste grupo de MR o ERM (European Reference Material)DA470k/ IFCC para as proteínas séricas, que corresponde ao antigo CRM470 (certified refe rence material 470).
• Categoria 5: os resultados são rastreáveis apenas ao procedimento de medida de um determinado fabricante e não existe PMR nem MR (calibrador) convencionais internacionais disponíveis, nem rastreabilidade metrológica do SI.
4. PADRONIZAÇÃO E HARMONIZAÇÃO
A padronização é um processo regulamentar vertical que permite que os resultados de um determinado mensurando sejam matematicamente equivalentes entre os diferentes procedimentos de medida, cuja calibração é rastreável a um sistema de referência hierarquicamente superior (PRM ou MRC primários ou secundários).
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cimento da comunicação e da consulta), devem ser considerados o contexto externo e interno da organização, incluindo o comportamento humano e os fatores socioculturais (ambiente em que a organização desenvolve a sua atividade) – ver Caixa 7.2.
Caixa 7.2. Termos e definições
Fonte de risco (perigo, fator de risco ou fonte po tencial de dano): elemento que, por si só ou em combinação com outros, tem o potencial de origi nar o risco
Evento: ocorrência ou alteração de um conjunto particular de circunstâncias; pode ser uma fonte do risco; pode consistir em algo esperado que não ocorra ou algo que não é esperado, mas que ocor re; pode ter várias causas e várias consequências e pode afetar múltiplos objetivos
Risco: efeito da incerteza nos objetivos; é um des vio expresso frequentemente em termos de fontes de risco, eventos potenciais, suas consequências e a sua verosimilhança (frequência esperada); o NR pode ser expresso utilizando o modelo de dois ou de três fatores:
• Dois fatores: produto do nível de probabilidade ou de frequência de ocorrência dos erros ou fa lhas (NP) pelo da gravidade dos danos (NG); NR = NP x NG
• Três fatores: produto do nível de probabilida de ou de frequência de ocorrência dos erros ou falhas (NP) pelo da grandeza ou gravidade das consequências dos danos (NG) e pelo inverso da capacidade ou probabilidade de deteção do erro ou falha (ND); NR = NP x NG x ND
Consequência (dano): resultado de um evento que afeta objetivos (pode ser expresso qualitati va ou quantitativamente); impacto negativo, por exemplo, no âmbito clínico, financeiro, operacio nal, estratégico, recursos humanos, ambiental e/ou da reputação
Gravidade: medida das possíveis consequências negativas do dano
Verosimilhança: possibilidade ou probabilidade de algo ocorrer (frequência esperada)
Parte interessada (stakeholder): pessoa (paciente) ou organização que pode afetar, ser afetado ou sentir‑se afetado por uma decisão, atividade ou produto final (resultado)
Controlo: medida implementada que visa manter e/ou modificar o risco (inclui, mas não está limitado a qualquer processo, política, dispositivo, prática ou outras condições e/ou ações que mantenham e/ou modifiquem o risco)
7.1. prátIca da gestão do rIsco no ÂMbIto do laboratórIo clínIco
7.1.1. Generalidades
A gestão do risco é um processo abrangente, dinâmico e interativo de análise e de tomada de decisão quanto à implementação de medidas que visam minimizar os riscos identificados, mantendoos dentro de um nível aceitável sob o aspeto clínico e, secundariamente, organizacional e de reputação. Deve estar direcionada para identificar todos os eventos que possam comprometer a utilidade clínica dos resultados, envolvendo os seguintes aspetos:
• Identificar os perigos (vulnerabilidades) e os riscos (antecipar o que pode correr mal – erros ou falhas), as suas fontes (todas as fases do processo extraanalítico e analítico), respetivas causas e potenciais consequências (danos e gravidade), determinar as áreas de impacto e como podem afetar o sistema. Este processo deve ser feito de forma permanente, quer em relação aos fatores do contexto interno (processo analítico e extraanalítico), quer externo (exemplos: responsabilidade social, perceção dos utentes, exigências legais e requisitos regulamentares). No âmbito dos laboratórios clínicos, é importante identificar e caracterizar os pacientes/utentes quanto às necessidades e expectativas, assim como satisfazêlos no que diz respeito ao serviço prestado;
• Analisar o risco identificado (avaliação, estimativa e valorização). Este é um processo que permite compreender a natureza do risco e determinar o seu nível, estabelecer probabilidades de ocorrência perante a eficácia dos processos de controlo implementados, a sua aceitabilidade e a gravidade das suas consequências:
– Avaliar a frequência da ocorrência dos erros ou falhas que se podem materializar em danos;
– Avaliar as consequências e a gravidade dos efeitos causados por cada um dos erros ou falhas;
– Avaliar a capacidade de deteção dos erros ou falhas em tempo oportuno.
• 2.2 SD: considerase que a regra foi violada quando dois valores consecutivos (representados pelos pontos e pelos quadrados a amarelo nas figuras anexas) excedem no mesmo lado da média o limite de controlo correspondente a ±2 SDpm (> + 2 SDpm ou > – 2 SDpm):
– Valores do mesmo Nv do MC em duas SA seguidas (interséries) – ver Figura 9.2.;
+3DP
Média
3DP 03/12 04/12 05/12
Figura 9.2 • Violação da regra 2.2SD – interséries (imagem de uma carta de CIQ do Unity Real Time – Bio Rad)
– Valores dos 2 Nv do MC na mesma SA (intrassérie) – ver Figura 9.3.;
+3DP
Média
3DP 01/11 02/11 02/11
Figura 9.3 • Violação da regra 2.2SD – intrasérie (imagem de uma carta de CIQ do Unity Real Time – Bio Rad)
• 2 de 3.2 SD: considerase que a regra foi violada quando os valores de 2 dos 3 Nv (representados no evento de CQ da esquerda pelo quadrado verde e pelo ponto azul e pelo quadrado verde e pelo losango violeta no da direita) na mesma SA (intrassérie) excedem no mesmo lado da média o limite de controlo correspondente a ±2 SDpm (ver Figura 9.4);
+3DP
Média
3DP 22/01 23/01 23/01
Figura 9.4 • Violação da regra 2 de 3.2SD (imagem de uma carta de CIQ do Unity Real Time Bio Rad)
• R.4 SD: considerase que a regra foi violada quando, na mesma SA (intrassérie), um dos Nv excede a média mais 2 SDpm, e o outro excede a média menos 2 SDpm (range ou diferença é ≥ 4 SDpm) — ver Figura 9.5.;
Figura 9.5
+3DP
Média
3DP 21/07 21/07
• Violação da regra R.4SD (Imagem de uma carta de CIQ do Unity Real Time – Bio Rad)
• 10.X: considerase que a regra foi violada quando dez valores consecutivos, independentemente dos Nv utilizados (exemplo: podem ser de 1 único Nv em dez SA ou dos 2 Nv em cinco), estão do mesmo lado da média:
– Valores do mesmo Nv do MC em dez SA seguidas (interséries) – ver Figura 9.6.;
+3DP
Média
3DP
30/08 31/08 01/09 02/09 03/09 04/09 05/09 06/09 07/09 08/09
Figura 9.6 • Violação da regra 10.X como mesmo Nv de CQ (Imagem de uma carta de CIQ do Unity Real Time – Bio Rad)
– Valores dos 2 Nv do MC em cinco SA seguidas (interséries) – ver Figura 9.7.;
MEDICINA LABORATORIAL
Da Prescrição à Interpretação Clínica
Vol. 5
Esta coleção de 5 volumes apresenta as fases da prescrição médica, do processo laboratorial (pré-analítico, analítico e pós-analítico) e da interpretação dos resultados analíticos. É explicada e evidenciada a importância da relação entre a clínica e o laboratório, cujo diálogo entre pares deve ser permanente, e clarificado o significado de muitos sinais do âmbito da Patologia Clínica, que são representados e se traduzem nas diferentes formas como os resultados dos parâmetros laboratoriais prescritos podem ser reportados e devem ser interpretados.
Destina-se a internos e especialistas em Patologia Clínica; estudantes de Medicina; médicos de diversas especialidades que, na prática clínica diária, prescrevem análises clínicas e interpretam os seus resultados; estudantes e profissionais das áreas de Ciências Farmacêuticas, Ciências Biomédicas, Biologia e Bioquímica em formação e especialistas em Análises Clínicas; interessa também a técnicos de análises clínicas e saúde pública
Qualidade
O volume efetua uma abordagem alargada das condições potenciais de interferência analítica, que constituem um dos fatores de risco mais importantes e com maior impacto negativo na utilidade clínica dos resultados laboratoriais, e da sua natureza (classificação), e descreve os procedimentos recomendados para a sua deteção, identificação, avaliação da grandeza e minimização ou neutralização, assim como os relacionados com o processo de validação e de reporte de resultados. São, ainda, caracterizados conceitos tão importantes como os da verificação e da validação de métodos, da incerteza e do erro total, de rastreabilidade, de padronização e de harmonização, de enviesamento ( ) e de comutabilidade. É abordado e contextualizado o complexo processo de gestão do risco e são descritos os ensaios experimentais recomendados, assim como os critérios de aceitação aplicáveis aos métodos quantitativos e qualitativos, antes de serem utilizados no trabalho de rotina.
Por fim, no âmbito do controlo interno da qualidade analítica, são descritos e caracterizados, em função do nível de risco, o processo pré-analítico, analítico e pós-analítico, nos quais se incluem os protocolos, os procedimentos e as métricas mais importantes, que visam avaliar de forma dinâmica a sua eficácia na identificação de vulnerabilidades e na deteção precoce de erros ou de falhas, visando assegurar a utilidade clínica dos resultados laboratoriais. bias