Manual de Urgências e Emergências (2ª Ed.)

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07/12/12

12:22

8cm x 21cm

Grupo

LIDEL

13,5cm x 21cm

20mm

É a todos os que dedicam uma parte significativa da sua vida profissional a esta atividade que o presente livro se dirige, orientado pelos grandes sintomas ou síndromes apresentados pelo doente na urgência, os quais são definidos com rigor e dos quais se parte para a estratégia diagnóstica que conduza à melhor atitude terapêutica. Este guia de consulta rápida procura servir os médicos de urgência, os internos que fazem urgência geral, os clínicos gerais e também os alunos dos últimos anos de Medicina.

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Nesta 2.ª edição revimos e atualizámos todos os capítulos, adicionámos uma introdução à organização do Serviço de Urgência, com ênfase especial para os critérios de triagem na admissão, aprofundámos o tópico da responsabilidade civil e criminal do médico no Serviço de Urgência, mantivémos o critério de as terapêuticas propostas serem práticas, detalhadas e exequíveis no nosso meio, de imediato ao alcance de todos vós.

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K

Esperamos que vos seja útil no processo tão delicado e frequentemente solitário da decisão clínica em situação de urgência.

URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS

O seu funcionamento deficiente pode paralisar todo o hospital, palco de grandes tensões e conflitos, onde a prática médica é mais vulnerável, o erro é mais fácil e o escrutínio da comunidade e dos media mais atento. Com o tempo, a Medicina de Urgência em todas as instituições tende a profissionalizar-se, as equipas ganham estrutura, com elementos fixos que lhe dedicam grande parte da sua atividade clínica.

Edição

Manual de

O Serviço de Urgência constitui o primeiro contacto com a estrutura assistencial de grande parte da população quando adoece, já que a extensa maioria dos internamentos hospitalares não são eletivos, mas sim com caráter de urgência. Este serviço assume, portanto, o papel de cartão de visita da instituição.

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2 .ª

Edição

MANUAL de URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS

M

Pedro Ponce: Diretor da Unidade de Cuidados Intensivos – Hospital CUF Infante Santo Nefrologista, Diretor Médico Nacional – Nephrocare Portugal

www.lidel.pt

www.lidel.pt

Pedro Ponce

Meio século de saber

8cm x 21cm

2 .ª

Líder em edições de medicina

C

13,5cm x 21cm

ISBN 978-972-757-861-0

9 789727 578610

MANUAL

URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS de

Coordenação:

Guia de consulta rápida indispensável no Serviço de Urgência Textos claros, objetivos e de fácil consulta Fundamental para a melhor decisão clínica

Pedro Ponce

Cardiologia Nefrologia e Hipertensão Pneumologia Medicina Intensiva Neurologia Reumatologia Gastrenterologia Endocrinologia Hematologia e Oncologia Dermatologia Infecciologia Outras Patologias

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. .. ..

Protocolo de triagem de Manchester Ressuscitação cardiorrespiratória Choque Crise hipertensiva Dor torácica Síndromes coronárias agudas Arritmias Insuficiência cardíaca Dispneia Exacerbações de asma brônquica Pneumonia adquirida na comunidade DPOC agudizada Tromboembolismo pulmonar Hemoptises Pneumotórax Choque anafilático e edema angioneurótico Ventilação não invasiva Lesões por imersão e quase afogamento Cefaleias Epilepsia e crises convulsivas Síncope Coma Acidente vascular cerebral (via verde AVC) Hemorragia subaracnoídea Síndrome meníngea Falta de força nos membros Delírio e crises psicóticas agudas Anemia aguda hipovolémica – estratégia transfusional Perturbações da hemostase Dor abdominal aguda não traumática Pancreatite aguda Hemorragia digestiva aguda Icterícia Insuficiência hepática descompensada Lombalgia aguda Edemas generalizados Lesão renal aguda Queixas urinárias Alterações iónicas Escroto agudo Complicações agudas da diabetes Abordagem geral do politraumatizado Traumatismos cranioencefálicos; vertebromedular; torácico; abdominal; da bacia e região pélvica; dos membros Queimaduras Dor aguda, ansiedade e agitação Intoxicações agudas Dor nos membros Mordeduras e picadas Hemorragias em ginecologia Valorização da febre Urgências em otorrinolaringologia Queixas estomatológicas agudas Urgências em oftalmologia Erupções cutâneas Pequena cirurgia Responsabilidade profissional do médico e da instituição Manejo do doente litigante ou agressivo


Índice Lista de Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XIII

1. Protocolo de Triagem de Manchester – a gestão de risco como missão do serviço de urgência . . . . . . . . . . . . . .

1

2. Ressuscitação Cardiorrespiratória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

8

Paulo Freitas Pedro Ponce

3. Choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Pedro Ponce

4. Crise Hipertensiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Pedro Ponce

5. Dor Torácica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Lídia de Sousa, Pedro Matos, José Sousa Ramos

6. Síndromes Coronárias Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Duarte Cacela, Luís Bernardes, José Sousa Ramos

7. Arritmias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Sofia Almeida, Luís Brandão

8. Insuficiência Cardíaca Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Susana Robalo Martins, Susana Castela, Luís Moura de Oliveira

9. Dispneia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 J. Cepeda Ribeiro

10. Exacerbações de Asma Brônquica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 António Bugalho, J. Cepeda Ribeiro 11. Pneumonia Adquirida na Comunidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

©  Lidel – edições

técnicas

J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho

12. DPOC Agudizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

J. Cepeda Ribeiro

13. Tromboembolismo Pulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

Pedro Ponce

14. Hemoptises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho


VI Manual de Urgências e Emergências

15. Pneumotórax . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho

16. Choque Anafilático e Edema Angioneurótico . . . . . . . . . . . . 78

David de Paiva

17. Ventilação Não Invasiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

Pedro Póvoa

18. Lesões por Imersão ou Quase Afogamento . . . . . . . . . . . . . 89 Pedro Ponce 19. Cefaleias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Fernando Pita 20. Epilepsia e Crises Convulsivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

J. C. Bandeira Costa

21. Síncope . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

Pedro Ponce

22. Coma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

António Vasco Salgado

23. Acidente Vascular Cerebral (Via Verde AVC) . . . . . . . . . . . . . 111

José M. Ferro, Teresa Pinho e Melo

24. Hemorragia Subaracnoídea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

José M. Ferro

25. Síndrome Meníngea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

António Vasco Salgado

26. Falta de Força nos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

Fernando Pita

27. Delírio e Crises Psicóticas Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

Pedro Ponce

28. Anemia Aguda Hipovolémica – estratégia transfusional . . . . 137

João Travassos

29. Perturbações da Hemostase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

João Travassos

30. Dor Abdominal Aguda Não Traumática . . . . . . . . . . . . . . . . 150

Paulo Costa, Cristina Sousa Costa

31. Pancreatite Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157

Patrícia Lages, Paulo Costa

32. Hemorragia Digestiva Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

Manuel Liberato, Jorge Canena


Índice VII

33. Icterícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173

João Cruz

34. Insuficiência Hepática Descompensada . . . . . . . . . . . . . . . . 176

João Cruz

35. Lombalgia Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Cabrita Carneiro

36. Edemas Generalizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191

Pedro Ponce

37. Lesão Renal Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

Pedro Ponce

38. Queixas Urinárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205

Pedro Ponce

39. Alterações Iónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209

Pedro Ponce

40. Escroto Agudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

Cabrita Carneiro

41. Complicações Agudas da Diabetes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228

Pedro Ponce

42. Abordagem Geral do Politraumatizado . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

Pedro Moniz Pereira, Renato Bessa de Melo

43. Traumatismo Cranioencefálico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248

Bruno Santiago, Manuel Cunha e Sá

44. Traumatismo Vertebromedular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254

João Levy Melancia

45. Traumatismo Torácico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258

Cristina Rodrigues, Pedro Moniz Pereira

46. Traumatismo Abdominal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266

Carlos Luz, Pedro Moniz Pereira

47. Traumatismo da Bacia e Região Pélvica . . . . . . . . . . . . . . . . 274 técnicas

Fernando Ferreira, Pedro Moniz Pereira

48. Traumatismo dos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279

©  Lidel – edições

49. Queimaduras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285

Susana Onofre, Pedro Moniz Pereira Célio Antunes, Elisabete Sousa

50. Dor Aguda, Ansiedade e Agitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298

Pedro Ponce


VIII Manual de Urgências e Emergências

51. Intoxicações Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301

Fátima Rato

52. Dor nos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 310

David de Paiva

53. Mordeduras e Picadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313

Fernando Barros

54. Hemorragias em Ginecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318

Conceição Telhado

55. Valorização da Febre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 Luís Caldeira 56. Urgências em Otorrinolaringologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328 Cristina Caroça, João Vieira Almeida, Pedro Gonçalves Henriques, Sílvia Paulino Pereira, João Paço

57. Queixas Estomatológicas Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

António Vasconcelos Tavares

58. Urgências em Oftalmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355

Eduardo G. Fernandes, Nelvia M. Donaire

59. Erupções Cutâneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364

F. Menezes Brandão

60. Pequena Cirurgia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374

Patrícia Lages, Paulo Costa

61. Responsabilidade Profissional do Médico e da Instituição . . . . 379

Pedro Ponce, Raquel Martins

62. Manejo do Doente Litigante ou Agressivo . . . . . . . . . . . . . . . 385

Pedro Ponce

Índice Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389


capítulo

30

Dor Abdominal Agudaaguda Não Traumática Hemorragia digestiva

Paulo Costa, Cristina Sousa Costa

DEFINIÇÃO A dor abdominal aguda intensa, que surge em plena saúde e que dura mais de 6 horas, é geralmente causada por doenças de natureza cirúrgica. O conceito de dor abdominal aguda (DAA) não traumática, isto é, a dor abdominal não diagnosticada e com menos de uma semana de duração, está geralmente associada à representação e implicações do abdómen agudo e da cirurgia de urgência. Este longo espaço de tempo que, tradicionalmente, sempre foi enquadrado no conceito de DAA (1 semana), pode, com a utilização cada vez mais acessível das modernas e eficazes tecnologias de imagem e de bioquímica, parecer quase obsoleto; mas a nossa prática, num hospital de fim de linha e com grande volume de patologia de urgência, suporta ainda a sua manutenção na definição do conceito, por nos vermos, não raramente, confrontados com quadros muito arrastados de DAA. Na urgência dum hospital central a incidência de patologias que se expressam por DAA não é sobreponível à verificada noutros ambientes de diagnóstico (consultório, centro de saúde, hospital primário). Quanto mais próximo das populações se encontra o centro de atendimento, maior será a tendência para que o médico seja consultado por dores abdominais que se relacionam mais com as indisposições quotidianas e doenças médicas, do que com os quadros que requerem tratamento cirúrgico urgente (Tabela 30.1). Tabela 30.1 Diagnósticos mais comuns nos doentes com dor abdominal. Diagnóstico DAA não específica/não diagnosticada Náuseas/vómitos Cistite Colecistite aguda /cólica biliar Gastrite Pancreatite Doença inflamatória pélvica Obstipação Musculosquelética Cólica renal Quisto do ovário Dismenorreia Oclusão intestinal Úlcera péptica Origem cardíaca Hérnia encarcerada/estrangulada Pielonefrite Apendicite aguda Vaginite/cervicite

Percentagem 31,0 9,8 6,7 6,6 5,3 3,9 3,4 3,3 2,9 2,8 1,9 1,9 1,6 1,5 1,5 1,4 1,4 1,4 1,3

Adaptado de Blackmore e Avey.

Estas dores abdominais agudas não específicas são a causa mais frequente de dor abdominal que surge em plena saúde e o diagnóstico diferencial, entre estas situações de dor não específica e abdómen agudo, continua a ser o grande desafio para os médicos que fazem urgência “à porta” das unidades de saúde.


Dor Abdominal Aguda Não Traumática 151

As etiologias de DAA que atualmente motivam com maior frequência o internamento em cirurgia, para intervenção urgente ou para tratamento e observação numa perspetiva de vigilância apertada, são: colecistite aguda, diverticulite aguda, pancreatite aguda metalitiásica, apendicite aguda, oclusão intestinal, perfuração gastroduodenal, patologia aguda associada aos tumores abdominais e doença inflamatória pélvica.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA A semiologia da dor abdominal permite geralmente selecionar um pequeno número de doenças que com grande verosimilhança são as implicáveis como etiologia mais provável. Na Figura 30.1 A. refere-se a DAA nos quadrantes superiores e as suas causas mais prováveis (colecistite aguda, cólica biliar, pancreatite aguda, úlcera péptica). Na Figura 30.1 B. apresentamos as causas de DAA na fossa ilíaca direita e pélvis (apendicite aguda, doença inflamatória pélvica, cistite). Na Figura 30.1 C. representamos as causas mais frequentes de DAA no flanco e fossa ilíaca esquerdos (diverticulite aguda, perfuração de tumor do cólon, cólica renal). A. DAA nos quadrantes superiores “Cólica” biliar

B. DAA na fossa ilíaca direita e pélvis

C. DAA no flanco e fossa ilíaca esquerda

“Facada”

Diverticulite vs. Tumor perfurado “Cinturão”

Apendicite

Apendicite vs. DIP

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técnicas

Figura 30.1 Localização e tipo de dor dos quadros mais comuns de DAA.

A DAA associada a oclusão intestinal (estrangulamento de hérnia evidente ou “oculta”, bridas, tumores) e a DAA de patologias vasculares (doença aneurismática e doença embólica da aorta e ramos viscerais, com isquemia de órgão) e outras causas, em doentes com neoplasias, imunodeprimidos e nos velhos, têm vindo a aumentar a incidência nos últimos anos. A sua expressão na parede abdominal está associada à topografia dos órgãos em causa. A elaboração cuidada da história clínica é crucial no doente com dor abdominal, nomeadamente a existência de doenças prévias como a diabetes ou a esquizofrenia. A toma de medicamentos como os anti-inflamatórios ou antibióticos pode alterar o curso das doenças modificando a sua apresentação clínica. A caracterização minuciosa da dor, nos seus diversos aspetos, é geralmente fundamental para formular hipóteses de diagnóstico e selecionar as avaliações complementares adequadas. Características da DAA a considerar: Localização e irradiação – como referimos as principais e mais frequentes causas de DAA podem agrupar-se de acordo com a localização. Na Figura 30.1 A. procurámos relacionar a localização com o tipo de dor ou a sua irradiação, quando estes aspetos são indicativos do diagnóstico das entidades mais frequentes. Início e progressão da dor – a forma como surge a dor, bem como a sequência do aparecimento dos sintomas acompanhantes, são importantes na diferenciação diagnóstica. Geralmente a dor que precede os vómitos é sugestiva de uma etiologia cirúrgica, enquanto o inverso está mais tipicamente associado a uma condição não cirúr-


152 Manual de Urgências e Emergências

gica. O tipo de dor também é orientador da etiologia: a dor violenta, explosiva de uma perfuração de víscera oca ou de um acidente vascular é totalmente diferente da dor que aumenta gradualmente, própria de uma lesão inflamatória. Tipo/natureza da dor – a dor é contínua e persistente ou intermitente e espasmódica? A dor da inflamação e da irritação peritoneal é contínua, enquanto a dor com ciclos de luta/exaustão metabólica dos órgãos ocos, com acrescida dificuldade de propulsão peristáltica, como na oclusão intestinal, na litíase biliar e renal, é intermitente. Por exemplo, na apendicite aguda, quando a dor se localiza na fossa ilíaca direita os doentes deixam de referir abrandamento ou remissão da dor. Sintomas acompanhantes – febre, anorexia, astenia, vómitos, alterações do trânsito intestinal, alterações geniturinárias. A anorexia, a febre e os vómitos são diretamente proporcionais à extensão da irritação peritoneal, embora a sua ausência não exclua a existência de uma patologia intraperitoneal. Fatores desencadeantes, de alívio ou agravamento – se cuidadosamente pesquisados fornecem as pistas fundamentais para a compreensão do doente e estes devem ser especificamente interrogados tendo em conta a localização, o tipo de dor e as suas etiologias mais prováveis. Após colher a anamnese devem formular-se as hipóteses de diagnóstico e avaliar o sofrimento e urgência do doente. No exame objetivo, tempo fundamental da avaliação clínica, devem procurar-se sinais que consubstanciem ou refutem as formulações derivadas da anamnese e não fazer encenações teatrais, desprovidas de intenção e comprometimento com o diagnóstico e suas consequências, pois uma primeira observação mal conduzida, agravando o sofrimento do doente, prejudica observações subsequentes. A observação geral do doente não pode ser secundarizada em relação à observação abdominal, pois a tentativa de chegar a um diagnóstico observando apenas a parte em detrimento do todo é uma das principais causas de erro diagnóstico, por omissão ou por excesso. Deve incluir o estado de consciência, temperatura, frequência respiratória e saturação periférica de O2, tensão arterial, frequência cardíaca e ritmo – a taquicardia é praticamente uma constante na peritonite avançada, o súbito aumento da frequência cardíaca pode ser a primeira evidência da necessidade de uma intervenção cirúrgica. A sequência da realização dos tempos semiológicos da observação abdominal que aconselhamos, na DAA, é a seguinte: Inspeção – pele (distribuição pilosa, presença de cicatrizes ou estrias, alterações localizadas ou gerais da cor, existência de circulação colateral), umbigo (contornos e localização, presença de hérnia umbilical), contornos do abdómen (plano vs. distendido, simetria), peristalse visível (movimentos de reptação), pulsatibilidade. Auscultação – sugere-se a sua realização antes da percursão e palpação, uma vez que estas podem alterar a frequência dos movimentos peristálticos. Deve assinalar-se a ausência de ruídos hidroaéreos, ou o seu aumento e o timbre (metálico aquando de oclusão mecânica na “fase de luta”). Percussão – a ausência da submacicez hepática pode ser diagnóstica de pneumoperitoneu. Palpação – a palpação de um abdómen doloroso deve ser cuidadosa. É fundamental a colaboração do doente que já está suficientemente desgastado com a moléstia abdominal e que espera um alívio rápido. É importante deixar a zona afetada para o final, de forma a não induzir tensão em todo o abdómen que impossibilita o exame.


Dor Abdominal Aguda Não Traumática 153

O conceito de reação peritoneal, tradução clínica de inflamação ou infeção do peritoneu parietal, é um dos fundamentos da caracterização da DAA mais conotados com a atuação dos cirurgiões. Para determinar o diagnóstico de reação peritoneal, o doente e o observador têm que funcionar em “conjugação de intenções”, isto é, o doente não pode ser uma “barriga a palpar”, nem o observador pode ser uma “mão com pressa” de chamar alguém para decidir, antes de ter explicado ao doente que a sua observação será tanto mais correta quanto maior for a colaboração conseguida, e que desta afinação resulta a eficácia das decisões diagnósticas e da celeridade do tratamento. Os critérios para considerar a presença de reação peritoneal são os que apresentamos de seguida e são estes “detalhes” que devem ser procurados na observação de um doente com suspeita de abdómen agudo: Hipomobilidade abdominal. Aumento ou assimetria involuntária do tónus muscular (contratura → rigidez). Aumento da dor à descompressão, ou à percussão ou com a tosse. Ventre em tábua (contração involuntária dos músculos abdominais, não ultrapassável pela palpação). As implicações de considerar que um doente tem reação peritoneal, no contexto de abdómen agudo, são importantes para a ação do médico que faz este diagnóstico, pois este estado clínico traduz geralmente uma patologia com tratamento cirúrgico urgente, se forem excluídas as peritonites primárias (imunodeprimidos e outros). Não raramente os doentes são observados após um período prolongado de doença, tendo o organismo circunscrito o processo inflamatório/infecioso pela formação de um abcesso. Nestas circunstâncias a palpação abdominal revela um empastamento (plastron – por exemplo, pericolecistite aguda) ou mesmo uma massa dolorosa, geralmente não muito dura e de limites mal definidos (abcesso – por exemplo, periapendicular, pericólico nas diverticulites perfuradas). Pesquisa dos pontos herniários – os principais pontos fracos da parede abdominal (umbilical, inguinocrurais e eventrações) devem ser cuidadosamente observados para excluir a possibilidade de encarceramento/estrangulamento herniário. Toque retal/vaginal – a presença de preenchimento, dor nos fundos de saco de Douglas corrobora o diagnóstico de inflamação/infeção peritoneal e influencia a decisão terapêutica no sentido da cirurgia. No diagnóstico de doença inflamatória pélvica a dor à mobilização do útero e o preenchimento dos fundos de saco são elementos semiológicos discriminativos.

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técnicas

CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA Os procedimentos complementares para a confirmação da etiologia da DAA estão hoje relativamente padronizados, mas a conduta terapêutica, designadamente a necessidade e oportunidade de uma intervenção cirúrgica urgente, não depende exclusivamente dos valores laboratoriais ou das imagens, são uma decisão clínica, sustentada, ou não, por estes meios complementares. “Overreliance on laboratory tests and radiological evaluations will very often mislead the clinician, especially if the history and the physical examination are less than diligent and complete” in Silen, Cope's early diagnosis of the acute abdomen (2000). A sequência dos exames a realizar deve ter em consideração a localização/tipo de dor e os quadros clínicos mais frequentemente associados a eles.


154 Manual de Urgências e Emergências

Testes

laboratoriais

Dos testes laboratoriais o hemograma, a PCR e a urina II são universalmente recomendados. A leucocitose e o aumento da PCR embora inespecíficas sugerem patologia com repercussão sistémica. Piúria, hematúria, glicosúria e cetonúria apontam para etiologias não cirúrgicas da dor abdominal. Em doentes com dor epigástrica ou no hipocôndrio direito aconselha-se o doseamento da amilase e lipase, bem como provas de função hepática e colestase, exceto nos casos de perfuração gástrica ou duodenal (ver Imagiologia). Deve ser realizado teste de gravidez em qualquer mulher em idade fértil – βHCG no sangue ou na urina, sobretudo nas dores dos quadrantes inferiores. Ionograma, glicemia, provas de função renal estão indicadas sempre que haja desidratação ou suspeita de falência renal, diabetes, acidose metabólica ou probabilidade de intervenção cirúrgica urgente. Nestas situações deve ponderar-se o interesse do estudo da coagulação.

Imagiologia Radiografia simples do abdómen É muito útil quando usada em suspeitas específicas: oclusão intestinal, invaginação, íleos e pneumoperitoneu (nestes casos a radiografia deverá ser realizada com o doente em pé ou sentado e visualizar as cúpulas diafragmáticas). Para além destes diagnósticos a radiografia simples é pouco útil, acrescentando pouca informação, pelo que não justifica a sua utilização por rotina na dor abdominal aguda, uma vez que poucos diagnósticos são alterados e o nível de confiança no diagnóstico dado por este exame é muito limitado.

Ecografia abdominal É um método barato, não ionizante e que é ideal para avaliar estruturas sólidas ou preenchidas por líquido. É especialmente útil na avaliação hepática, biliar, renal e ginecológica. Está limitada pela presença de gás intestinal ou pneumoperitoneu. Permite em grande parte dos casos confirmar uma apendicite ou diagnosticar a presença de líquido livre intra-abdominal, indicativo de patologia peritoneal. A utilização do Doppler permite ainda o diagnóstico de patologia vascular. Pode ainda ser terapêutica, permitindo a drenagem de abcessos, evitando intervenções cirúrgicas urgentes e permitindo cirurgia definitiva planeada.

Tomografia Permite imagens precisas, imagens axiais detalhadas e ainda reconstruções 3D. Não tem as limitações da ecografia, mas a dose de radiação é equivalente a 500 radiografias. Permite o diagnóstico de situações agudas, facultando a localização anatómica precisa da patologia, possibilitando uma planificação da cirurgia. Na Tabela 30.2 apresentamos a especificidade e sensibilidade destes diferentes métodos de imagem, na avaliação das patologias abdominais agudas mais frequentes. A sua acuidade deve ser ponderada para cada caso, com o intuito de evitar exames desnecessários e pouco esclarecedores, que acabam por conduzir a atrasos no tratamento.

Laparoscopia diagnóstica/terapêutica O recurso a esta técnica, embora necessite geralmente de anestesia geral para ser realizada com acuidade diagnóstica, é uma opção cada vez mais recomendada (principalmente nas mulheres com DAA nos quadrantes inferiores do abdómen).


capítulo

32

Hemorragia Digestiva Aguda

Manuel Liberato, Jorge Canena

DEFINIÇÃO Perda de sangue tendo como origem o tubo digestivo. Classicamente as hemorragias digestivas eram agrupadas, consoante a origem do sangue, em hemorragia digestiva alta (do esófago ao ângulo de Treitz) e hemorragia digestiva baixa (do ângulo de Treitz até ao reto). Com os avanços da endoscopia do intestino delgado (cápsula e enteroscopia de balão), e até de forma a obtermos uma mais racional metodologia diagnóstica e terapêutica, aceita-se, na atualidade, uma nova classificação: Hemorragia digestiva alta (HDA) com origem desde o esófago à ampola de Vater. Hemorragia digestiva média (HDM) com origem desde a ampola de Vater até à válvula ileocecal. Hemorragia digestiva baixa (HDB) quando o sangue é proveniente do cólon e reto. Outras duas formas de hemorragia utilizadas na nomenclatura são a hemorragia oculta que é uma forma de hemorragia que não é aparente para o doente, resultando de pequenas perdas de sangue, geralmente de forma crónica (manifestando-se por anemia ou por repercussão em órgãos hipoperfundidos) e não será tratada neste capítulo. Finalmente, existe a forma obscura que pode ser de natureza oculta ou por outro lado óbvia clinicamente e que significa que a causa da hemorragia não é determinada, forma esta de hemorragia que com o aumento da capacidade diagnóstica tem vindo a diminuir. Independentemente da forma de apresentação as linhas gerais de abordagem implicam: ÆÆ Confirmar o diagnóstico, estabilizar o doente e determinar a origem da hemorragia. ÆÆ Parar a hemorragia e eliminar, se possível, a causa. ÆÆ Prevenir a recidiva.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA A perda de sangue, aguda, proveniente do tubo digestivo, pode apresentar-se de três formas: Hematemese, que é definida como o vómito de sangue e que indica, habitualmente, tratar-se de uma hemorragia digestiva alta. Este sangue pode ser vermelho vivo ou de tonalidade escura, semelhante a café, e resulta da sua digestão gástrica. Melenas, que é a apresentação caracterizada por fezes de cor negra, semelhante ao alcatrão, pastosas e brilhantes, com cheiro intenso e desagradável. Não devem ser confundidas com a coloração negro-esverdeada das fezes pós-ingestão de ferro oral, nem com a coloração negra, não pastosa e de cheiro incaracterístico, das fezes após ingestão de compostos com bismuto. Hematoquézia, que se refere à emissão de sangue vivo/semidigerido pelo ânus. A apresentação clínica e os sintomas e sinais associados refletem a origem, a etiologia e o débito da hemorragia. Na admissão do doente, e antes de uma história clínica e exame físico que pretendam confirmar o diagnóstico e tentar estabelecer aqueles três pontos, é fundamental uma avaliação dos sinais vitais. O doente sem sintomas e com parâmetros vitais normais pode ser inquirido e investigado (análises, toque


Hemorragia Digestiva Aguda 165

retal, aspiração nasogástrica) na urgência/consulta até se decidir pelo internamento caso o diagnóstico se confirme. Por outro lado, doente que apresente história de sintomas neurovegetativos (lipotimia, sudação, palpitações) e que tenha taquicardia e hipotensão postural perdeu entre 10 a 20% do seu volume intravascular e deve ser internado de imediato para início de estabilização; finalmente, doente que se apresente em choque perdeu mais de 20% do seu volume intravascular e a prioridade máxima é a sua ressuscitação hemodinâmica.

CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA Consoante a gravidade da hemorragia e do tipo de estabilidade hemodinâmica necessária, a história inicial e o exame objetivos são iniciados, quer para confirmar o diagnóstico (quando ele é duvidoso), quer para uma possível orientação para o local e causa da hemorragia.

História

e exame objetivo

A idade é um elemento importante já que, com o envelhecimento, podem surgir causas de hemorragia mais frequentes no idoso (divertículos, colite isquémica, neoplasia). Devem ser investigados episódios anteriores, esclarecidos ou não, já que a probabilidade de a causa ser a mesma é relevante. O consumo de aspirina ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) é importante, pois sugere a existência de lesões gastroduodenais como causa de hemorragia. De igual modo o consumo de anticoagulantes como a varfarina é fundamental ser questionado já que frequentemente pode desencadear hemorragia a partir de lesões já conhecidas. O exame objetivo pode pôr em evidência quer sinais de hipertensão portal, quer estigmas de cirrose que sugerem a rutura de varizes como causa da hemorragia. Hematemeses e melenas são os sinais e sintomas mais frequentes de hemorragia aguda. As melenas podem surgir com perdas na ordem dos 50 a 100 ml, embora valores até 100 ml possam, ocasionalmente, ser silenciosos. Uma hematemese está, geralmente, associada a uma HDA e a perdas pelo tubo digestivo alto importantes, embora um único episódio de hematemese possa não ser tão relevante, em especial se não for acompanhado de melenas. Uma hematoquézia significa, mais frequentemente, uma perda de sangue oriunda do reto e cólon; contudo, doente que se apresente com hematoquézias abundantes e franca instabilidade hemodinâmica pode ter uma HDA e isso deve estar sempre presente na cabeça do clínico.

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técnicas

Avaliação

laboratorial

Os valores de hemoglobina e hematócritos, determinados pouco tempo depois do início da hemorragia, não refletem, com exatidão, as perdas sanguíneas e isto pode levar à desvalorização do episódio num doente com pequenas descidas do hematócrito. Isto acontece porque o reequilíbrio entre os espaços intravascular e extravascular, com a consequente hemodiluição, pode levar entre 24 a 72 horas. Os valores da ureia podem estar moderadamente elevados, e em clara desproporção com a creatinina em doentes com HDA. Este aumento resulta do catabolismo das proteínas séricas pelas bactérias intestinais e sua consequente absorção intestinal. Apesar de a sua sensibilidade ser variável, o seu aumento é sugestivo de a causa de hemorragia ser no tubo digestivo alto.

Localização

clínica da hemorragia

O primeiro elemento no diagnóstico é a forma de apresentação. Uma hematemese, independentemente do volume e estabilidade hemodinâmica, significa tratar-se de uma


166 Manual de Urgências e Emergências

hemorragia digestiva alta. As melenas significam que o sangue permaneceu no tubo digestivo um período de tempo suficientemente prolongado, resultando geralmente de perdas no tubo digestivo alto. Contudo hemorragia de pequeno volume no intestino delgado distal ou mesmo no cólon ascendente podem, ocasionalmente, não causar hematoquézia, mas sim melenas e o clínico deve ter sempre isso em conta. Como vimos anteriormente, doentes que se apresentam com hematoquézia e franca instabilidade hemodinâmica podem ter uma hemorragia digestiva alta e não uma hemorragia digestiva baixa, como seria de esperar. Um elemento frequentemente usado no diagnóstico para auxiliar na origem e volume da hemorragia é a aspiração nasogástrica (ANG). Um aspirado com sangue confirma tratar-se de uma HDA, sendo os falsos positivos raros e podendo estar associados ao traumatismo. Por outro lado, a ANG não é um método muito fiável para avaliar a atividade da hemorragia (sensibilidades entre os 70 a 80% e especificidades entres os 50 a 60%), sendo o método mais fiável o recurso aos sinais vitais. Neste contexto, um aspirado de sangue vivo pode apenas significar uma hemorragia recente e não necessariamente ativa. Por outro lado, uma ANG sem sangue, apesar de sugerir que a causa de hemorragia é média ou baixa não é absolutamente segura, podendo tratar-se de uma hemorragia bulbar com um piloro continente. Existem mesmo séries em que doentes com aspirado com bílis tinham sangrado de lesões gástricas e/ou bulbares. Por outro lado, e como vimos em doente que se apresente com hematoquézia e franca instabilidade hemodinâmica, existe sempre a hipótese de a causa de hemorragia estar sediada no tubo digestivo alto e nestes casos a colocação de uma sonda nasogástrica é adequada. Existem situações duvidosas como por exemplo doente que refere uma eventual hematemese ou uma eventual melena. Uma ANG sem vestígios de sangue, um toque retal sem evidência de melenas e análises normais com ureia normal, tornam o diagnóstico muito improvável e o doente pode ser seguido em ambulatório. Finalmente, não existe qualquer evidência que a ANG altere o desenlance final do episódio hemorrágico.

Localização

e confirmação da endoscopia por meios complementares de diagnóstico

Hoje em dia os exames endoscópicos (endoscopia digestiva alta, colonoscopia, enteroscopia por balão) são o meio de excelência da confirmação diagnóstica, estando associados ao seu potencial terapêutico. Outros exames que podem ser utilizados são a tomografia computorizada, a angiografia, a enteroscopia por cápsula, todos eles com particularidades e aplicabilidade de acordo com o tipo e localização da hemorragia. Estes diferentes exames irão ser abordados na terapêutica de forma a tornar a discussão mais racional.

TRATAMENTO Como vimos anteriormente a terapêutica de uma hemorragia digestiva aguda tem como objetivos parar a hemorragia e eliminar, se possível, a causa, bem como prevenir a recidiva. As principais formas de tratamento são a farmacológica, endoscópica, angiográfica e cirúrgica. Analisaremos, de seguida, as principais formas de hemorragia.

Hemorragia

digestiva alta aguda

Prognóstico Os doentes com esta situação apresentam um espectro clínico de gravidade variável desde um sangramento minor até uma hemorragia fulminante. Apesar de cerca de 75% dos doentes apresentarem episódios autolimitados e apenas necessitarem de medidas suporte, existe controvérsia sobre a melhor forma de estabelecer o prognóstico e selecionar doentes para unidades de cuidados intensivos ou para exames emergentes. As principais variáveis utilizadas no prognóstico são a causa de hemorragia, a


Hemorragia Digestiva Aguda 167

instabilidade hemodinâmica e a existência de comorbilidades. Diversos sistemas de pontuação (scores) têm emergido numa tentativa de estratificar os doentes, orientar eventual atitude (unidade de cuidados intensivos, endoscopia alta urgente, internamento, risco de recidiva, mortalidade, ou mesmo tratamento em ambulatório). O score mais popular é o de Rockall (Tabela 32.1) que engloba a idade, a estabilidade hemodinâmica, as comorbilidades e os achados da endoscopia digestiva alta (EDA). O score visa, sobretudo, a estratificação dos doentes em diferentes tipos de riscos e sua associação a probabilidade de recidiva e mortalidade (Tabela 32.2). Um outro score, frequentemente utilizado por não necessitar de EDA, é o de Blatchford (Quadro 32.1), baseado em variáveis simples como os valores de ureia, hemoglobina, pressão arterial sistólica e a existência ou não de melenas, lipotimia, insuficiência cardíaca e cirrose. Doentes com score de 0 eram considerados de baixo risco e podiam mesmo ter alta e ser avaliados em ambulatório. Contudo, o score é criticado pela sua baixa especificidade, à semelhança de outros, o que significa que o score identifica um número reduzido de doentes com hemorragia trivial e que não necessitariam de intervenção. Muitos clínicos não utilizam estes scores e baseiam a sua atitude e avaliação da gravidade da hemorragia na análise de variáveis conhecidas como a idade, o número de comorbilidades, choque ou franca instabilidade hemodinâmica na apresentação, número importante de unidades de concentrado de eritrócitos transfundidas, e dados da endoscopia como hemorragia variceal ou ativa. Por exemplo, um doente idoso, com insuficiência cardíaca e que se apresenta com hipotensão, deve ser admitido numa unidade de cuidados intensivos. Tabela 32.1 S core de gravidade numa hemorragia digestiva alta aguda de Rockall. Variável de risco Idade Choque Comorbilidade Diagnóstico Evidência de hemorragia

Score 0

Score 1

Score 2

Score 3

< 60

60-79

> 80

Pulso > 100 bpm

TA sistólica < 100

Insuficiência cardíaca: cardiopatia isquémica

Insuficiência renal; insuficiência hepática, metástases

Mallory-Weiss

Todos os outros

Neoplasia

Nenhuma

Hemorragia ativa, coágulo aderente, vaso visível

Adaptado de Rockall TA, Logan RF, Devlin HB, Northfield TC. “Risk assessment after acute upper gastrointestinal haemorrhage”. Gut 1996, 38 (3): 316–21.

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técnicas

Tabela 32.2 Estratificação de risco de doentes em termos de probabilidade de recidiva

e mortalidade após aplicação do score de Rockall.

Risco

Pontuação

Recidiva hemorrágica

Mortalidade

<2

4,3%

0,1%

Risco intermédio

3-4

14%

4,6%

Risco alto

5-11

37%

22%

Risco baixo

Adaptado de Rockall TA, Logan RF, Devlin HB, Northfield TC. “Risk assessment after acute upper gastrointestinal haemorrhage”. Gut 1996, 38 (3): 316–21.


168 Manual de Urgências e Emergências

Quadro 32.1 Score de gravidade numa hemorragia digestiva alta aguda de Blatchford. Fator de Risco

Pontuação

Ureia (BUN) - mg/dl (mmol/l)

Fator de Risco

Pontuação

Pressão arterial sistólica – mmHg

≥ 18,2 e < 22,4 (≥ 6,5 e < 8,0)

2

100 a 109

1

≥ 22,4 e < 28,0 (≥ 8,0 e < 10,0)

3

90 a 99

2

≥ 28,0 e < 70,0 (≥ 10,0 e < 25,0)

4

< 90

3

≥ 70,0 (≥ 25)

6

Outros fatores de risco Pulso ≥ 100 bpm

1

≥ 12,0 e < 13,0

1

Apresentação com melenas

1

≥ 10,0 e < 12,0

3

Apresentação com lipotimia

2

< 10,0

6

Doença hepática crónica

2

Insuficiência cardíaca

2

Hemoglobina em homens – g/dl

Hemoglobina em mulheres – g/dl ≥ 10,0 e < 12,0

1

< 10,0

6

Adaptado de Blatchford O, et al. “A risk score to predict need for treatment for upper gastrointestinal haemorrhage”. Lancet October 14, 2000, 356:1318-21.

Diagnóstico específico e terapêutica O primeiro elemento é a avaliação e estabilização hemodinâmica do doente. Após isto o doente deve ser referenciado para EDA, uma vez que está provado que este exame, para além de ser o método de eleição para o diagnóstico (Quadro 32.2), permite terapêutica, o que altera o prognóstico e a mortalidade. Após a estabilização hemodinâmica e no grupo de doentes de risco a endoscopia deve ser feita o mais precocemente possível (no espaço de 3 a 6 horas). Existe alguma controvérsia nos tempos adequados para a realização de EDA e sobretudo na chamada endoscopia diferida, que é aquela que pode ser feita na manhã seguinte. Aceita-se que casos sem comorbilidades, ANG de sangue digerido ou limpa, ausência de instabilidade hemodinâmica, análises sem alterações particulares (ou se quisermos com scores de baixo risco) podem perfeitamente ser submetidos a endoscopia no dia seguinte. Devem ser tomadas medidas para a endoscopia alta ser feita em absoluta segurança, com o doente sedado (na presença de anestesista) e eventual entubação orotraqueal para doentes com suspeita de varizes ou hemorragias de alto débito. Antes da EDA devem tentar obter-se as melhores condições de visibilidade possível. Neste contexto, recomenda-se a lavagem, através da sonda nasogástrica, com água a uma temperatura normal e o recurso à eritromicina e.v. na dose de 250 mg, que serve de procinético. Por outro lado, aceita-se que todos os doentes com HDA devem ser submetidos a inibidores da bomba de protões (IBP) em infusão contínua até à realização de endoscopia. Recorre-se a um bolus inicial de 80 mg (omeprazole, pantoprazole ou esomeprazole), seguido de 8 mg/hora em infusão contínua. Esta medida, que eleva o pH gástrico para valores na ordem dos 6, parece fazer regredir a gravidade de lesões antes da endoscopia e deve ser implementada. Em doentes com estigmas de cirrose e probabilidade de sangrar de varizes deve associar-se aos IBP, a terlipressina e.v., em bolus, e.v. de 4 em 4 horas nas doses de 1 mg (< 50 kg), 1,5 mg (50-70 kg) e 2 mg (> 70 kg). Como dissemos a endoscopia permite o diagnóstico e a terapêutica, estando o seguimento do doente e a estratégia seguinte dependentes dos achados endoscópicos e do tipo de terapêutica efetuado. A


Hemorragia Digestiva Aguda 169

Figura 32.1 apresenta o algoritmo para a abordagem e terapêutica da HDA. Considera-se que o manuseamento inicial (estabilização hemodinâmica, eventual acolhimento em unidade de cuidados intensivos e terapêutica farmacológica instituída) pode e deve ser feito por internistas, mas a partir do momento da EDA a orientação do doente deve ser feita em conjunto pelo internista e pelo gastrenterologista, devendo este definir a necessidade ou não de contactar um cirurgião. Quadro 32.2 Causas de hemorragia digestiva alta aguda. Frequentes • Úlcera péptica • Varizes esofágicas • Síndrome de Mallory-Weiss • Gastropatia erosiva (erosões e hemorragias subepiteliais) Menos comuns • Esofagite • Angiodisplasias • Lesão de Dieulafoy • Gastropatia hipertensiva portal • Varizes gástricas • Neoplasia Raras • Hemobilia • Fístula aorto-entérica • Vasculites • Doença de Crohn

Hemorragia digestiva alta Avaliação clínica da gravidade da hemorragia Estabilização hemodinâmica IBP em perfusão+ Moderada a grave terlipressina se estigmas de cirrose Lavagem com água+eritromicina e.v.? Endoscopia alta urgente/emergente Úlcera péptica Úlcera base limpa Úlcera com (hemorragia/ Sem Tx endoscópica vaso visível/coágulo)

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técnicas

Passar IBP a oral Iniciar dieta

Varizes esofágicas Manter Tx com terlipressina 3-5 dias Tratamento endoscópico

Sem recidiva hemorrágica

Tx endoscópica Manter IBP em perfusão Sem recidiva hemorrágica

Tx da úlcera IBP/status Hp/AINEs

Tx = Terapêutica.

Recidiva hemorrágica

Outras lesões Dieulafoy/Mallory-Weiss/etc.

Sem Tratamento endoscópico

Prevenção de novo episódio: programa de laqueação + betabloqueante

Tratamento endoscópico

Sem recidiva hemorrágica

Recidiva hemorrágica

Repetir endoscopia Ponderar cirurgia

Endoscopia alta eletiva (ambulatória?)

Ligeira

Recidiva hemorrágica Tratamento endoscópico/ TIPS

Seguimento e Tx de acordo com a lesão

Tratamento endoscópico /cirurgia

Figura 32.1 Algoritmo diagnóstico e terapêutico de uma hemorragia digestiva alta aguda.


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