LUIS ATHOUGUIA
LUIS ATHOUGUIA COMENTÁRIOS E CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUA PINTURA
ARTUR CRUZEIRO SEIXAS - Lisboa, 1995 IN CATÁLOGO GALERIA SÃO MAMEDE Há por certo uma grave crise na pintura, como a há na política. Muita gente pinta para ganhar dinheiro; e, outros haverá que estão convencidos que as coisas corriqueiras que fazem estão perto da genialidade. Mas de facto NOVO há realmente muito pouco – ou é novo, este tão prolongado e tão dolorosamente evidente NÃO HAVER, reflexo de uma crise das mais excepcionais da história, que não permite qualquer hipótese de amanhã. A Bósnia, a SIDA, a droga, ou o metropolitano de Tóquio são horrores do nosso dia a dia; mas mesmo sem se ser parvamente optimista, se torna evidente que o mundo não vai acabar, que ao fim do túnel a luz vai irromper – com que intensidade e quando e com que exigências, é que ninguém pode prever. Entretanto encontra-se gente que pinta ainda fora dos circuitos da celebridade real ou fictícia, e seria sobre estes que eu gostaria de escrever, mas é sobre os que das mil e uma maneiras possíveis já atingiram a celebridade, que insistentemente se escreve e reescreve. O Luís Athouguia quis mostrar-me a sua pintura; trata-se de pedaços de sonho, jardins para os nossos olhos passearem, lembranças obscuras, iluminações intermitentes, palavras tresmalhadas, janelas da sua alma, a sua natural respiração. É evidente que esta minha linguagem não é a que se adequa à circunstância de um prefácio. E de resto quem, sem algum risco, pode entre milhões de pretendentes eleger hoje um único? Por isso se diz de uma qualquer pintura aquilo que se podia dizer de uma qualquer outra. Quanto a mim, é nada sabendo, que tento apresentar este pintor à vossa sensibilidade. Sempre agradecerei, entre as coisas mais belas que me aconteceram, o ter sido das primeiras vozes a referir o Raul Perez, a Paula Rego, o Mário Botas ou o Manuel Amado. A eles o agradeço, pois de forma tão excelente, souberam confirmar a cegueira da minha paixão. A pintura do Luís é encontro e desencontro, é uma certa dose de solidão, é um eco, uma ténue ponte, a luz da madrugada, o discreto marulhar da água na secura da paisagem, a fronteira entre o ontem e o hoje, um projecto de viagem. A verdade é que já não há coluna gótica que não tenha a sua motorizada, como se fossem irmãos de sangue, ou mesmo amantes. E
Athouguia na exposição na São Mamede (1995)
reconhecido está, que os nossos pés são sempre terra estrangeira. Por vezes naquilo que o Luís guarda em pastas, e por certo aparecerá noutras exposições suas, há momentos exaltantes, como o da beleza dos seus desenhos de 1985, que são manuelinos como alguns desenhos do Areal, e pedem um editor que infelizmente por agora não temos. Sei lá o que vai acontecer a esta pintura amanhã? Mas hoje, não posso deixar de homenagear nela gente que é desconhecida, e deveria ser conhecida. Quero referir as quatro paredes deste atelier onde há pintura de familiares do Luís, que por estranha maquinação do meio ou da estória não nos foi mostrada ainda. No Luís cumpriu talvez, essa pintura, uma parte da sua missão. É evidente que isto não é um prefácio, que não o sei fazer, e que me vanglorio disso. Sensatamente quando do nosso encontro, disse-lhe que não contasse comigo para prefaciar esta sua primeira exposição individual em Lisboa, mas regressado a minha casa foi-me impossível manter esta prudente intenção, e aqui lhe deixo este abraço algo amargo, de que me desculpo. Não posso deixar de lhe pedir, ou de lhe exigir, sempre mais liberdade e invenção; mas o mais difícil é saber ir até onde a liberdade e a invenção não nos escravizem. Se o ter-me pedido algumas palavras me dá algum direito, tomo-o para lhe pedir que não tenha pressa de ser reconhecido, e que não vista a sua pintura à última moda de Paris ou NovaYorque. Quantos anos esperou Picasso para ser mostrado em museu? Pois hoje mal terminado o quadro, há logo quem vá bater apressadamente à porta do museu, o que não posso deixar de interpretar como o fim lamentável de todo o impulso revolucionário.
CARLOS-ANTERO FERREIRA Vila do Conde 2013 Poeta, Académico, Professor Catedrático FAUL PEQUENO ENSAIO PARA LUÍS ATHOUGUIA LUÍS ATHOUGUIA chega de Cascais, sua pátria, a Vila do Conde, que nos calores luminosos de Julho se olha e refresca, na esteira das águas do Ave a seus pés. No Auditório Municipal inaugura-se a sua nova Exposição - “Cenografias com Feitiço”. É uma dádiva. É uma dádiva e uma festa. Sim, uma festa! Pagã ou como queiram, invocadora de todos os inícios e todos os fins, acedendo a todos os ritos e aos limites do apreensível e do inteligível. As obras de Athouguia confrontam-se, pelos argumentos consistentes da abstracção, com o universo visível das formas e das cores, tal qual as vemos por toda a nossa volta, nos seres e nas coisas da breve passagem. É assim mesmo! Imperador do império da cor e das formas! Ei-lo já há muito a prodigalizar a oferta dos signos e dos símbolos que inventa ou recolhe no limbo dos sonhos: formas que ora se isolam, ciosas da sua original singularidade, ora se repetem e reinventam, se cruzam ou justapõem, formas que pressentimos a quererem derrubar as barreiras físicas das molduras, e invadir e iluminar o vazio do negro galáctico. Na Obra de Luís Athouguia, a aproximação à dimensão infinita da criação, desperta os sentidos e apela à nossa cumplicidade. O Pintor provoca-nos e solicita-nos para a descoberta do processo poético das suas invenções e reinvenções, exige a nossa visão mais atenta e o esforço da nossa leitura do jogo formal, múltiplo e de múltiplos significados, numa pintura de geografia magistralmente convulsa e atormentada, sabiamente disciplinada na ordem do fazer. Na orquestração da sua Obra, instala-se um léxico original, vigoroso e inconfundível, do abstraccionismo mais estreme, em que os lemas enfrentam a tragédia da sua própria inexistência, num texto cromático e formal que se sustenta da imponderabilidade de todos os mistérios, por ele sugeridos mas nunca revelados. As sínteses insondáveis da matéria e através dela, os excursos da alma. A consagração do imprevisto. A aparente negação da geometria reguladora dos gestos, num halo esplêndido de intemporalidade.
E tudo isto (e o mais que não sei dizer), evocando o espaço de epopeia a que Athouguia nos convoca, pelo ritual da cor que veste as formas da sua narrativa sublinhada de neologismos - cores originais do espectro, ora como intocadas, ora transfiguradas, que se isolam, se misturam e se recompõem, em acordes harmónicos ou em dissonâncias, assentes no domínio dos arquétipos culturais e na mestria gestual do exercício oficinal constante. Diagramas de fenómenos desconhecidos, as formas do vocabulário athouguiano organizam-se como crisálidas de um metamorfismo encantatório, de um oráculo revelador, de um rito impenetrável. A pintura de Luís Athouguia é lugar de visões oníricas, lugar de muitos cerimoniais, lugar iconográfico das abstracções das formas e dos conteúdos. Nela convergem alegorias, sugestões e alusões a uma escrita que se escreve por figurações no corpo do texto abstracto, no qual nos atrevemos a identificar (ou só entrever) pássaros, peixes, rostos ou máscaras deles, emblemas, signos, perífrases e paráfrases, silêncios marinhos, meias-luas, eflorescências e cristalizações orgânicas, um olho alado, um olho escorpião, um olho dinossauro, um olho alga… E valerá decerto o conselho para uma viagem de descoberta pelos títulos das obras de Athouguia: um repertório perturbador que abre uma janela toda, sobre o território poético - poético, sim senhor! - do processo criador do Artista, antes e depois das suas pinturas. Eis alguns desses títulos, transcritos sem razão de ordem, cronológica ou outra: Trajectória Indecifrável, Horizontes do Silêncio, Oficina de Símbolos, Outro Lado da Farsa, Cápsula Primordial, Serpente Telúrica, Sonhando até por Detrás dos Cântaros, Visão para ser Entregue a uma Rainha, Vértice do Feitiço, Horizons of the Silence: Dream or Tragedy of Humankind, Blow Up, Estruturas Sub-visíveis do Ser, Ornato de Antemundo Gestual, Totem de Sangue, Alerta Messiânico, Atlante Mediúnica… - títulos que são frestas iniciáticas e convidam a perscrutar, nos vieirianos “horizontes do tempo” em que vivemos, o universo esotérico e tão singular da criatividade de Athouguia, um universo muito pessoal, vigoroso, feito como que de fragmentos aleatórios do espaço cósmico e aliterações de um imaginário primordial o seu “Primordial Abstraccionism”. No final da tarde, o sol do poente marinho da foz do Ave, desliza suavemente para montante, sobre a manta tranquila do rio, e vem iluminar o rosto sorridente de José Régio - poeta do “Romance de Vila do Conde”, seu chão natal - que veio da eternidade para sabiamente conferir as “Cenografias do Feitiço”, de Luís Athouguia.
MANUEL DA SILVA RAMOS - Aveiro, 2009 Escritor UMA PINTURA RICA E ONÍRICA Fui ao atelier do Luís Athouguia na Parede num dia de Maio de intenso calor. No caminho, passámos os dois à beira das praias que inusitadamente regurgitavam de gente. Ainda não era Verão e já as pessoas se despiam num arrojo automático. A estranheza destas perturbações climáticas acabou no atelier do Luís Athouguia onde levei com um banho de frescura. Na realidade, o que vi naquela tarde, pastel e aguarelas, deixou-me mais vivo e cheio de esperança. O frescor dos sonhos vinha ao meu encontro. O grande poeta francês Gérard de Nerval, que viveu uma vida estranha mas muito coerente, disse antes de morrer: «Le rêve est une seconde vie» (O sonho é uma segunda vida). Há já muitos e muitos anos (precisamente desde a sua primeira exposição em 1983) que Luís Athouguia persegue esta via onírica para o seu bem e para o nosso. Mas nele, o sonho é genético. Nascido numa família de pintores, ele não faz mais que continuar essa tendência natural que conduz à mais emotiva das realizações artísticas – a beleza absoluta que transporta. Basta só vermos o inaudito quadro “Carnaval Quotidiano”, para ficarmos subjugados pelo poder mágico do pintor. Apoiando-se sobre umas cores soberbas, onde o real esforço parece despenhado (na realidade ele só está escondido), Athouguia obriga-nos a parar na vida. Tal é o choque pictórico que se materializa diante dos nossos olhos. Emoção e saber. Força criativa. Presença volantim que se renova. O espectador adquire todos os direitos importados. Max Ernst não está longe, mas o valor de Luís Athouguia não fica desmentido, pelo contrário, o pintor da Parede fica muito bem, independente e só, ao lado do pintor surrealista amigo de Breton. «Só gosto de considerar um quadro como uma janela; e a partir daí a minha única preocupação é de saber para onde é que ela dá» dizia André Breton. Não só o quadro “Carnaval Quotidiano”, mas todos os quadros onde reina o formidável pastel de Luís Athouguia, são janelas abertas para a emoção. São janelas que nos fazem ver vidas guilhotinadas mas que gozam de uma faculdade de locomoção desmesurada. São janelas essenciais que deixando para trás o quotidiano
Aveiro, Galeria da Capitania (2009)
Aveiro, Galeria da Capitania (2009)
Aveiro, Galeria da Capitania (2009)
mais prático se abrem a velozes mares de pensamento. São janelas incessantes que dão para montanhas movediças de sonhos. Não tenhamos medo de o dizer: o pastel substancial de Athouguia ilumina a nossa noite e traz-nos a pureza dos primitivos tempos em que podíamos tocar as estrelas com as mãos. Mostrando-se como um modo adjacente, e não secundário, em relação ao fantástico geral dos quadros de maior dimensão em pastel, as pequenas aguarelas de “Imaterialidades” são pequenos pensamentos elásticos. Maravilhas da filigrana dos sonhos. São materialidades esboroadas à maneira de André Masson e como este pintor que trabalhou com a areia nos seus quadros também Athouguia se arquetipa aqui numa posição criativa que esfacela o tempo minúsculo dos devaneios. Assim cada uma das suas pequenas aguarelas é um relógio de areia que nos paralisa. E nos faz sonhar. A chuva miudinha dos sonhos tranquilizadores. Assim são estes quadrozinhos. Poderosos tranquilizadores contra a austeridade do nosso mundo. Em resumo. Esta exposição de Luís Athouguia, “Dissonância Surreal”, que se dirige para o país do sal é um verdadeiro acontecimento num momento em que o mundo da pintura vive uma crise de valores e uma crise de críticos de pintura, num universo onde reina o artifício, o oportunismo, a mediocridade e, claro, a uniformização. Diga-se: ninguém actualmente em Portugal faz uma pintura destas. O Luís Athouguia é único e inclassificável não é surrealista nem deixa de ser quando afirma a sua reticência!) e é toda esta volúpia do sonho que faz a sua força. E também o seu equilíbrio. Agora que morreram o Mário Botas, o Cesariny, o Álvaro Lapa, resta-nos o Luís Athouguia para nos conduzir ao país onde os coelhos usam relógios de pulso e as meninas têm mais de dois seios no peito.
PAULO MORAIS-ALEXANDRE - Viana Castelo 2014 Doutor em Letras, especialidade de História da Arte ARTE COMO QUESTÃO
«Abstract artists tell their stories with shapes, color, edges, movement, and value - just like when one is painting a beautiful scene. The difference is, of course, there is no scene. The scene is within the artist. I often get asked, 'How do you know when you are done?' I am done when the story is told.» Gwen Fox
Luís Athouguia continua a produzir pintura de cavalete no momento em que um grande movimento nihilista, mas ao mesmo tempo um dos momentos mais regeneradores da Arte que recebeu o absurdo nome de Dada, está prestes a fazer cem anos e depois dos seus principais intérpretes terem declarado oficialmente que a Arte havia fenecido, a este respeito leia-se a fabulosa entrevista de Marcel Duchamp a Pierre Cabanne, titulada de Engenheiro do Tempo Perdido, onde este por um lado diz que perante a morte da Arte não faria sentido produzir, mas que posteriormente se verificaria ser uma mera bravata, na qual o próprio não acreditava, pelo que às escondidas havia sempre continuado a criar, fazendo assim uma última declaração post mortem onde renegava tudo o que havia afirmado, assumindo sim a imortalidade da Arte. Agora que os filhos do Dada são já nossos avós, será que ainda será relevante falar de Arte em geral e de Pintura, sobretudo a de cavalete, em particular? Sim! Não há dúvidas que sim e cada vez
e inconfundível de pintar, não como “receita”, não como uma fórmula que mereceu o reconhecimento do público e na qual estagnou, optando pela via do facilitismo, como infelizmente tantos fazem, mas antes como um desenvolvimento de um modo muito próprio de pintar. Assim, é muito fácil atribuir-lhe uma determinada autoria, de tal forma as suas pinturas são reconhecíveis através de um jogo cromático absolutamente próprio à linguagem da pintura a pastel onde, embora todo o espectro seja aplicado, há clara predominância dos vermelhos e azuis, bem como as suas construções espaciais densas de particulares geometrias, onde as linhas são modeladas de forma singularmente lírica, resultando composições muito equilibradas com uma luminosidade e um brilho emocionantes que remetem para realidades paralelas, onde a influência do sonho, do sonho do Pintor, é marcante e nós somos chamados a partilhar essa experiência onírica. Por fim, para melhor se compreender o que Luís Athouguia pinta e as histórias que nos conta, cruze-se o supracitado pensamento de Gwen Fox com a afirmação do mestre de Málaga, Pablo Picasso, que afirmava que «El arte abstracto no existe. Siempre tienes que empezar por algo. Después de eso puedes cambiar todos los trazos de realidad.» É apenas isso que é feito. Parece simples, não é…
AMÉRICO CARNEIRO - Viana do Castelo, 2015 Pintor MANIFESTAÇÕES FICCIONAIS
mais! Luís Athouguia e a sua obra podem perfeitamente servir de pretexto para tal. Efectivamente nos dias que correm, onde persistem experimentalismos perfeitamente esclerosados que já só espantam os burgueses mais distraídos, é fulcral debater uma coisa tão prosaica como a Pintura, algo que vai contra a espuma dos dias e que é de alguma forma inovadora. A aprendizagem de Luís Athouguia foi marcada por um grupo notável, mais do que professores, de mestres, onde pontuavam Lima de Freitas, João Vieira, Rafael Calado ou o importante pensador António Quadros, aliando de alguma forma à prática artística a necessária reflexão teórica, o que lhe permitiu lançar-se na experimentação plástica e marcar a diferença através das suas propostas tão próprias. Há efectivamente uma vontade artística muito específica que permite algo que nem sempre é habitual: as suas pinturas são facilmente identificáveis, ou seja, tem um modo muito próprio
A Pintura de Luís Athouguia eleva-nos ao patamar da ciência da arte pictórica e da “praxis” artística: Desde logo, pelo cuidado extremado posto na assunção das pesquisas ao nível da Estética e das suas regras universais, nas descobertas ao nível das estruturas (composição) e da dimensionalidade entrecruzada entre seus vários planos existenciais (materialidade), na observância atenta da Simbólica e do fluxo e refluxo dos símbolos (mitologia), na fluência discorrente dos diálogos plásticos das massas cromáticas e suas temperaturas (poética); No trabalho que privilegia a Mão, a Química, a Oficina do artista-criador e pensador, ao longo de um Tempo estranho que, até há poucos anos, parecia querer ditar a Morte de Deus e da História, e, consequentemente, o Fim do Homem como Ser Criado, dotado de Inspiração e de Ideais - E, assim, favorecida com um corpo ágil, vertiginosa e aberta como um vórtice perante os corpos (que não apenas os olhos) dos observadores-participantes, a Arte de Luís Athouguia é Vida e é, de novo…Pintura!
CARLOS-ANTERO FERREIRA Montijo 2015 Poeta, Académico, Professor Catedrático FAUL A SECRETA PINTURA - Para o Luís Athouguia
NO DIA PRIMEIRO O OLHO RECEBEU o esplendor original e tudo que mostrava ser fruto da criação: possuir forma e cor, enquanto as divindades nasciam inventadas de afluente maternidade em intrépidas sagas e imponderáveis alcovas de antiquíssimas mitologias. Mais tarde, mais tarde, os séculos e os milénios agenciariam, ― como se hoje fora, rigorosamente arrolar as existências e disciplinadamente organizar o património dos seres e das coisas, segundo normas e regras rígidas e severos critérios. Ninguém aliás se deu conta E ninguém ainda sabe, De quem foi a ideia original E a ordem para que assim se cumprisse! Na aurora mais que primitiva, de pé no cimo da Montanha, tendo na mão aberta e estendida o olho que recebera o esplendor primordial, e das nove Musas rodeado, um jovem cuja nudez uma leve túnica cobria, recebia a revelação de que toda a matéria terá forma e terá cor. Perante macia folha de papel de algodão e tendo nas mãos suaves pastéis, o mesmo jovem que uma leve túnica cobria havia de criar sem saber que o fazia, em magnífica desordem ― mas com sábia sabedoria! o léxico de todos os mistérios o inventário de todos os enigmas. No laboratório da secreta pintura, acumulam-se códigos e referências a rituais, sacrifícios, oferendas, oráculos, ficções de magia, oníricas visões, cintilações do cosmo, epopeias. Passeiam-se Orfeu e os argonautas, ciclopes e titãs, e os imortais, e os deuses dos ventos enlouquecidos, e as quatro idades e os dois hemisférios, e todos os engenhos, e antes de todos o Alfa e o Ómega, o infinito no finito,
Pássaros bisnaus insinuam-se pela gula dos incautos e nas funduras dos mares de Poseidon chocam-se fragmentos de coral e seres de todo inexplicáveis movimentam-se no silêncio pesado do tempo circular e um cometa ― ou será Pégaso? passa fora dos limites do quadro! Não é casual ou fortuito o fogo das forjas de Hefesto, e pela fome de imortalidade antagonizam-se e lutam os arquétipos, levantam-se tótemes, invocam-se as divindades. Há muito Epimeteu abriu a boceta de Pandora, mas com a esperança que ficou no fundo há-de redescobrir-se o perfume das flores e o fresco orvalho nas manhãs dos bosques ― mas atenção! que apesar das felizes dádivas das Ninfas, há lágrimas ocultas prontas a despenhar-se no abismo pelas faces lívidas de máscaras venezianas, enquanto o Pintor, das formas muitas universal inventor, e deveras prevenido do fatal exemplo de Babel pede de empréstimo a fundo perdido ― máxima ousadia! inspiração maior aos 22 capítulos do grande mural do Livro do Apocalipse, que o apóstolo João em Patmos escreveu.
JOAN LLUÍS MONTANÉ - Madrid, 2005 Associação Internacional de Críticos de Arte DA PERCEPÇÃO Á FORMA, ONIRISMO E TRANSCENDÊNCIA A sua obra está dividida em duas vertentes: a geométrico-abstracta e a deliquescente, gestual. Na primeira desestrutura temáticas, realidades que se convertem em outras realidades que não têm necessariamente que ver com a real, em partes de um puzzle que muda a cada momento, mas mantém a sensualidade cromática, a força da divisão produzida pela introdução da cor negra, enquanto a sua outra produção artística é mais densa, deliquescente, desligada de estruturas formais, produto das suas elucubrações abstractas. A sua produção pictórica move-se entre mundos diferentes, um, o real, o que se nutre de referências directas, precisas, de uma realidade que não é a nossa mas que procede da que partilhamos, ainda que a desestruture, mediatize, avançando das essências que a conduzem, porque não lhe interessa a descrição, procurando outras inscrições procedentes do mundo onírico, do submundo dos interstícios da fenomenologia da própria variabilidade da existência. Tudo está sujeito a mudanças, não há virar de página, porque não existe o real estático, senão uma visão dinamizada da mesma, em que tudo é mudança e daí a presença de fragmentos, de realidades formais que nos conduzem a outras realidades inventadas, mentais, neuronais ou até procedentes de outros mundos. Não está neste mundo, mas num intermédio, entre a vigília e o sonho, a meio caminho entre a viagem astral e a proposta visceral de uma maneira de visionar a existência mais além das condicionantes biológicas. Esta sensação aumenta na sua obra mais abstracta, na qual tudo parece fluir, ser produto de circunstâncias e momentos que transformam cores, formas e conceitos, que viajam com a força da luz, que se desintegram e se voltam a integrar. Não há nada de estranho nisso, porque o importante não é o que se vislumbra, mas sim o que o artista quer dizer-nos. Quer dizer que a sua mensagem é complexa, quer comunicar muitas coisas, todavia não é transparente, mas sim produto da acção de diferentes energias que acedem e se ligam à sua própria infra-estrutura.
Exposição “Imponderáveis e Outros” - Cartaxo (2008)
No seu Atelier em Cascais (2006)
Quer, a todo o momento, propiciar uma reflexão em torno da realidade existente, dotar-nos de uma visão distinta, de um pensamento referente à própria vontade de ser transparente, lúcido, de veicular-se em linha com propósitos que se baseiam na profilaxia do sistema de geometria surreal abstracta que se encontra no cosmos da sua micro realidade. Ordenado, calculador, deixa fluir mas controla as energias, dirigindo-as aos objectivos plásticos que lhe interessam, procurando controlar o descontrolo das formas, incidindo nas possibilidades de expressão das linhas plasmáticas que interligam as energias que nutrem cores e formas. Visiona a realidade a partir dessa outra existência, fomentando a ideia de liberdade contida no onirismo da sua temática, baseada nos prolegómenos da sua vidência. Não está neste mundo, mas num intermédio, entre a vigília e o sonho, a meio caminho entre a viagem astral e a proposta visceral de uma maneira de visionar a existência mais estruturada em torno da fragmentação das partículas. RUI MATOSO - Torres Vedras, 2007 Gestor e Programador Cultural A GÉNESE DE UM MUNDO A HAVER A adolescência do fogo incendeia a solidão nua e respira a rosácea de um permanente limiar em que a lava se torna cristal e a agonia ..plácida volúpia. António Ramos Rosa
1. Nada parece ser tão óbvio e consensual como a metamorfose do trabalho de um artista. Ao longo da sua vida a obra transmuta-se em direcções por vezes inesperadas, novos materiais e suportes podem surgir trazendo consigo a possibilidade da descoberta de visões ainda inéditas. A produção artística de Luís Athouguia não é alheia a esta transformação vital, mesmo enquanto perduram os materiais ou as técnicas que a suportam. Mantendo-se numa rigorosa, mas dupla, fidelidade ao pastel seco e à aguarela, as mutações plásticas do seu trabalho são suficientemente visíveis e, vêm percorrendo uma subtil viagem da forma sobre a superfície áspera do papel.
Exposição com o grupo Internacional Colectivo Cillero, Madrid 2007
Como no caminhar cujo destino ainda se desconhece, a obra de Athouguia move-se naturalmente por si mesma, entregue a um saberfazer manual e quotidiano. Mas é só a partir de uma perspectiva abrangente da sua produção – desenho e pintura – que se torna possível observar essa deslocação do traço, que nasce com um registo mais abstracto e orgânico, para se inscrever agora – nas mais recentes pinturas – como representação e narrativa. 2. A fase actual da obra de Athouguia alterou radicalmente as regras da relação com o observador, a comunicação metafórica tornou-se um imperativo quando antes era apenas mera hipótese. Estas pinturas exigem uma forma peculiar de interacção simbólica e lúdica, propondo-nos cenários para todas as encenações que conseguirmos manter entre os personagens que nelas habitam. Em contraponto com os trabalhos mais antigos e viscerais, onde a imagem provinha de um gesto informal (sem objectivos premeditados de representação ou figuração), a produção actual faz uso de uma linguagem plástica elaborada, com uma sintaxe e uma semântica bem desenvolvidas e muito específicas. Há mesmo um repertório de figuras, de símbolos ou de acções que vão sendo manipulados de forma persistente, fazendo e refazendo múltiplas ficções em torno daquilo que parece ser uma única mitologia. E se há mitologia é porque há mundo, mundo metaforicamente transfigurado em visão. Ou seja, aquilo que de fundamental Luís Athouguia nos propõe é a partilha da sua mundividência, da sua concepção estética do cosmos, apresentada e fragmentada em cada obra materializada a pastel seco sobre papel. Se numa etapa anterior o artista nos propunha um acesso à sua obra recorrendo quase exclusivamente a um virtuosismo retiniano e alucinatório, desenhando ou pintando num registo que me atrevo a designar como abstraccionismoorgânico (visceral-vegetal), solicitando do observador pouco mais do que o olhar atento, actualmente algo mais está em jogo. 3. Se admitirmos então como natural a metamorfose plástica da obra, podemos também aceitar a mudança operada no artista da ideia de
arte, da sua arte. É possível passar de uma crença baseada na suposta beleza visual da obra – as cores, as formas, as texturas que exprimiriam as emoções do artista –, ou na beleza convulsiva se quisermos atender aos predicados de origem surrealista, para uma compreensão onde se inclua ainda uma dimensão cognitiva, e consequentemente, uma tarefa de interpretação. Nesse caso, compreender uma obra de arte é interpretá-la tão correctamente quanto possível, perceber que ela é portadora de uma determinada organização do mundo. Esta corresponderia a uma perspectiva não apenas experiencial da emoção estética mas também cognitivista da arte. O que estes novos trabalhos de Athouguia trazem a campo é essa inaudita possibilidade, a possibilidade de, através de um sistema simbólico próprio, o observador poder desenvolver por si uma teia de conexões entre os diversos elementos simbólicos pertencentes a um mesmo alfabeto pictórico (sistema) relativamente decifrável. Qualquer sistema simbólico consiste num conjunto de símbolos que interagem entre si, a que podemos também chamar esquema, e numa função simbolizante do símbolo que é a que permite identificar o seu referente. Apesar de a manipulação de símbolos não ser exclusivo das artes – a ciência também os usa em abundância –, a história da arte é fecunda no uso de esquemas simbólicos, designadamente no período maneirista e barroco (anagramas, emblemas, alegorias), estando bem patente na obra gráfica e no desenho de alguns dos maiores mestres, cujos elementos referentes constituíam uma segunda leitura, hermética, das obras. No caso de Luís Athouguia, a simbologia utilizada é constante e idêntica, daí a certeza de estarmos perante um sistema, ou se se preferir, um alfabeto. Alguns desses caracteres (figuras) são facilmente identificáveis: o cedro, a escada (degraus), montanhas, o homem, o peixe ou a seta, formam, em cada pintura, uma rede de significados interdependentes, um horizonte onde se desenrola um jogo – ou vários jogos – entre as figurassímbolo, suscitando micro-narrativas de índole mitológica: a génese de um mundo a haver. Há, portanto, muitos sistemas simbólicos diferentes, cujas convenções internas são a chave que nos fornece a identificação daquilo que é representado. Como as convenções (regras) não nos são fornecidas a priori, surge normalmente o
Athouguia e Fernando Grade na Galeria de Arruda dos Vinhos (1999)
Arruda dos Vinhos (1999)
problema da interpretação dos códigos subentendidos em cada símbolo ou sistema. A única solução passa pela aprendizagem, pela iniciação em determinado contexto cultural, científico ou artístico. Daí que, em obras com estas características, sejam sempre úteis todas as pistas deixadas pelo autor, e uma das mais importantes é sem dúvida o título dado à obra. Através de uma operação de nomeação é possível accionar a dimensão poética do símbolo-palavra, cujas características funcionais acrescem às do símbolopintura, permitindo assim uma melhor, mais completa, aproximação ao enigma do objecto artístico colocado diante do olhar. Na pintura cujo título é “limiar de fenómeno” (2005) a denominação presta-se a conferir uma característica temporal à acção representada, uma suspensão na duração do tempo – um limiar para um acontecimento prestes a ocorrer –, a partir desse momento todo um imaginário de tipo apocalíptico (como sinal do fim dos tempos ou da revelação eminente) é convocado para engendrar um lugar virtual destinado aos elementos figurados que constituem a pintura em si. Este é apenas um exemplo de como a metáfora escrita pode contribuir para a tarefa de decifração que o observador/investigador terá de enfrentar em cada um dos cenários propostos pelo artista. FERNANDO GRADE - Seixal, 2000 O FUNDO DO MAR PERTENCE AOS FUNDOS DO UNIVERSO. Há muitos anos, em Amsterdam, no Dam, travei conhecimento com um casal exótico (ele mulato do Senegal; ela - francesa de Ardennes). Aqueles dois e eu éramos, ao tempo, balzaquianos, mas por baixo, ou seja, idades de 30 e pouco, e falávamos em Francês sobre pintura e seus arredores. A rapariga chamava-se Francine, nunca esqueci; o senegalês, cujo nome não me lembro, era de Dakar, isso fixei. O jovem pretendia ganhar a Holanda em arte, tinha cabelos esbaforidos de hippy e, no bolso, uma mancheia de travel-cheques do papá africano. Soba do mundo. O jovem viageiro mostrou-me alguns desenhos e aguarelas, e eu disse-lhe:
Eduardo Nascimento, Jorge Carreira, L A, Jorge Andrade, M. Fazenda Júri do Prémio Artur Bual (2007)
Com o escultor Nuno Vasa numa exposição conjunta (2000)
- Tu trabalhas pouco. O trabalho é o centro do universo! Não há pintor sem trabalho, manual ou mental. E ter os olhos abertos para. Por antinomia, lembrei-me do que vou dizer a seguir. O camarada d'artes Luís Athouguia apresenta-se como um trabalhador emérito. Procura. Impõe-se na luta pela forma. A pintura requer a aquisição de uma gramática pessoal. Mas quero fazer alguma história, começando por alfa. A primeira presença (quer individual quer colectivamente) de L. Athouguia, no concelho do Seixal, denota, da parte do Autor, as mesmas preocupações estético-espaciais que norteiam, desde o início da actividade, a sua obra plástica. Nascido em Cascais, no ano de 1953, L.A. começa a expor 30 anos depois. Reconhece-se que a linguagem esgrimida não tem sofrido sobressaltos ou abanões, porquanto, descoberto o trajecto próprio, gravitando numa zona de luz e sombra, de facto, peculiar e brandindo um entendimento transformista do acto estético, jamais Athouguia desmanchou esse equilíbrio formalista e vivencial, esse modo incomum de dispor os matizes no plano. Tais pinturas, muitas vezes soberbas, constroem-se no doseamento das cores, na interacção, tudo é conseguido a pulso, já que existe um labor muito consistente. Não existe presença humana, memórias de casas ou de corpos glorificados ou destruídos nos suportes de L.A. Tudo acontece (ufano ou soturno, embruxado ou luminar) nas profundezas do mundo marinho ou nos espaços siderais em fora, mormente nestes últimos referentes onde através dos quais - mais milhão ou menos milhão de anos a matéria irá cansar-se de criar, perderá eficácia e vai regressar ao ponto zero e quedo e misteriosamente pacato de que saiu. Para depois, decerto – decerto? - voltar a explodir... A linguagem do Autor serpenteia à volta e no âmago de uma meada cromática de matrizes fascinantes onde a luz (do étimo latino luce) é rainha, não consorte, não de par de cama, mas rainha-mor; trata-se de uma luz vivaz, que já fecundou o pó, pô-lo a caminho, rumo à pátria da
água. Abeiramo-nos, afirmativamente, de um sonho com maiúscula, mas, para lá da construção desse habitat onírico, descortina-se um adestramento superconseguido na combinatória das cores, que são fixadas ou impostas ao suporte impelidas pela força táctil das mãos. Porque é pintura a pastel seco. Daí que o modus faciendi nunca passe pela utilização de pincéis ou trinchas ou outros utensílios. A mão dá a cor e confere a dimensão desmedida. O espaço, mesmo pictórico preenchido no todo, respira sempre. Em termos judicativos, isso satisfaz-me muito. Por opção pessoal, agradame imenso, ou não fosse eu adepto da espacialidade, ou não fosse o autor destas linhas um dos fundadores (1964-1965) do Movimento Desintegracionista Português. A verdade é que a mão à solta significa trabalho. Perseverança. Arte. "...golpe de asa", parafraseando o genial poeta e suicida Mário de Sá-Carneiro. Foi o esforço e foi o trabalho que agigantaram o macaco e fizeram-no ascender a homem. Ao longo de muitas, muitíssimas eras. Os pintores vivem especialmente dos olhos e das técnicas pessoais que tenham conseguido desenvolver. Este paradigma constitui o cerne da estilística de Athouguia. Porque as boas intenções não bastam. Os conteúdos têm sido sempre os mesmos ao longo da História. Os autores originais são os que conseguem contar de jeito novo as histórias/estórias velhas. Luís Athouguia afigura-se-nos ser um artista renovado, com uma pulsão encantatória nos objectos visuais que desvenda. Acaba, outrossim, por mostrar-se cénica a sua proposta; em definitivo, situada entre um diapasão de ruptura e o gosto lavado que a Arte assumida no tempo confere, desde os Gregos (de notável qualidade de pensamento, mas profundamente ignorantes...) até ao signo dos foguetões sábios, dos beijos cibernautas e dos corações feitos de lata e arames.
No Universo de Cor de Luís Athouguia, essa investigação, deixa em suspenso os planos os contornos e as texturas para substancializar uma atmosfera de luz e cor, onde a profundidade, a superfície, o interior e o exterior se embrenham em reciprocidade total, concebendo um local esvaziado, um vácuo que cria no observador a sensação de vertigem ou de abismo. Um dia, Sir Walter Rayleigh disse: "O Homem não pode dar uma razão para que a relva seja verde e não vermelha ou de outra qualquer cor." É isso que Luís Athouguia nos transmite, circunscrevendo-nos a esses locais sem que para isso nos tenha de prescrever nada cumprindo o livre arbítrio. Bem Haja! PAULO MACHADO DE JESUS - Lisboa, 2006 CATÁLOGO DE PONTE DE SOR SOBRE O PINTOR LUIS ATHOUGUIA Conheci o Luís, há mais de vinte anos através de amigos comuns e desenvolveu-se o nosso convívio numa amizade que se entreteceu ao mesmo tempo que eu aprendia a conhecer e admirar a obra do pintor que ele também é. A pouco e pouco foi ganhando lugar a importância do pintor de tal forma que o que escrevi em 1997 continua, talvez com mais força, a ser verdade hoje. Relembro o que então escrevi sobre ele: "LUIS ATHOUGUIA é um Esteta e um Pintor. A ordem destes termos é impossível de definir pois a Estética confunde-se, na sua vida, com uma Ética cavalheiresca que rege todos os seus gestos, a sua postura perante a vida, perante a Arte, perante os privilegiados que o podem contar como Amigo. A pintura vive-a como quem precisa dela para respirar: vive com ela, vive para ela, vive nela." Herdeiro de uma família tradicional e ligada às artes, os Athouguia (Pinto Basto), ele é bem o reflexo desse húmus familiar de tradição aliada à modernidade. Tradição nutrida na família mas da qual ele, o artista, se liberta e, como um alquimista, transmuta nas visões que nos oferece, parecendo dizer-nos com um sorriso fraternal: tomem-nas, procurem nos meus devaneios os sinais dos vossos sonhos, nos caminhos da minha
MARGARIDA RUAS GIL COSTA - Lisboa, 2006 IN CATÁLOGO MUSEU DA ÀGUA Arte é uma investigação sobre instantes, acontecimentos e encontros a partir da circunscrição do espaço. É a memória da passagem do tempo e dos limites em que esse tempo acontece - morte e nascimento, princípio e fim.
Em Ponte de Sor, com Paulo Machado de Jesus e os Autarcas (2006)
liberdade os vossos próprios sinais. O pastel é o meio privilegiado da sua expressão plástica. Difícil e moroso tem pouca tradição na pintura portuguesa. Assim LUIS ATHOUGUIA cultiva esta técnica como um artista mas também como um artesão, como um antigo mestre de Ofício, trabalhando diariamente na sua oficina-atelier, sempre limpa e arrumada, sempre pronta, como uma taça, a recolher, com a alegria que transparece na sua obra, o néctar da inspiração. Das vibrações ora viscerais ora minerais que habitavam nas suas obras da década de noventa, LUIS ATHOUGUIA fez nascer paisagens novas, construídas com recurso a símbolos antigos que parecem, e insistem, em querer viver de novo em lugares ora oníricos, ora num mundo próprio, em algum outro lado de um qualquer espelho, luminoso e feliz, onde aos símbolos se juntam manchas de cores, com vida própria, criando espaço e volume em matizes de luz, característica tão própria da sua obra. Em 2005 ajudei-o a receber no seu estúdio um grupo de amigos do Colégio Washington & Lee, Universidade da Virgínia. Eles viveram a surpresa do encontro com a funcionalidade e luminosidade de uma oficina-atelier, sem dúvida a mais limpa e arrumada que já tinham visto. Curiosamente na Internet, na página da Washington & Lee, a viagem desse grupo americano era anunciada descrevendo Portugal como "Europe's hidden jewel" (a jóia oculta da Europa). Parafraseando os seus admiradores americanos eu classificaria a arte de LUIS ATHOUGUIA, sem dúvida, como uma jóia, felizmente cada vez menos oculta, da pintura portuguesa contemporânea. MANUEL RODRIGUES VAZ - Lisboa, 2004 LUÍS ATHOUGUIA: PAISAGENS DE ALMA Tendo surgido logo no começo da sua obra com um discurso que parte de uma necessidade que começa e termina com o quadro,
Com Rodrigues Vaz na Galeria dos CTT - Correios, em Lisboa (2002)
em que as emoções não só passam pelo crivo da pintura, mas também dimanam dela, convertendo a sua obra numa causa, Luís Athouguia prossegue num território pictural muito pessoal, inequivocamente singular, intensificando cada vez mais as razões que o levam à verbalização tanto de objectivos como de instantes transitórios inerentes ao processo da pintura. À medida que a sua obra se vai desenvolvendo, é crescentemente nítido que parece que esteve todos estes anos anteriores à procura do seu lugar no mundo, tentando adaptarnos às suas idiossincrasias, ao mesmo tempo que, como se de terra profunda se tratasse, a pele que percebemos da sua obra houvesse sido lavrada, preparada, semeando a extensão de emoções sobre a qual hoje se pintam os canais de um argumento sensitivo sobre o suporte de uma dimensão que conhecemos. A pintura de Luís Athouguia faz-se levantar, deste modo, a si mesma, deixando o fundo como linha de um horizonte que alivia esteticamente outras esferas de continuidade objectual. Objectual na medida em que, dentro do mesmo estrato, a intenção do artista concilia com a nossa percepção os diferentes planos. Tendo evoluído nos últimos anos para uma depuração cada vez mais carnal, a sua obra é cada vez mais pintura e sempre o será, os esquemas é que variaram. Vão deixando, no entanto, canais que animam o surgimento de elementos com corpo, plasmando através de manchas lineares e em ricas entoações cromáticas as inquietudes do mundo moderno. Expressionismo, geometrismo, colorismo; mediante eles o pintor propõe espaços plásticos nos quais junta o reflexivo e o poético e intuitivo, o geometrismo e rigor e o lirismo. As suas imagens pictóricas delineiam sobretudo uma unificação de formas, uma acumulação de traços/manchas de cor em distintas direcções, organizados de forma aparentemente aleatória, em vertical, horizontal, diagonal, numa reconstrução plástica e reflexiva do plano. O primeiro traço é o que marca a pauta à conformação do resto das manchas de cor, e a repetição e o horror ao vácuo é o resultado de construções abstractas que para o artista são algo também real, uma existência com todas as suas contradições e ambivalências.
Torres Vedras, Galeria Municipal (2007)
Nas suas elaborações plásticas, Luís Athouguia utiliza diferentes formatos e, a partir daí, adapta umas formas que se vão criando e transformando em visões plenas de dinamismo, caos, serenidade, força, negação ou afirmação... segundo a direcção do núcleo inicial, sobrepondo e confrontando cores distintas, criando velaturas e zonas opacas, iluminando e sombreando, jogando, enfim, com o elemento plástico e com todos os seus efeitos, isto é, manifestando o duplo aspecto da liberdade e da dimensão espiritual da cor e da abstracção. De certo modo as suas composições são estados de alma, ou por outro, paisagens de alma, sintetizando o real ao convertê-lo em linhas e planos, dois elementos essenciais que são suficientes para dizer tudo. Ou, o que é o mesmo, optando pela representação do universal submetendo o detalhe ao conjunto e desterrando toda a particularidade individual, mas sem deixar, no entanto, de preservar nas suas pinturas o lirismo, o espírito expressivo do interior.
Seguro do seu ofício, na obra de Luís Athouguia, não se localizam vestígios de submissão a aventuras inconsequentes, e com lugar de crescente destaque nas artes plásticas portuguesas, o seu trabalho, originário de profunda reflexão, fertiliza-se por força de um quotidiano artístico rigoroso, pairando sobre a sua criação aquela dimensão lírica e melancólica que só um artista subtil como Athouguia tem a graça e o poder de ostentar. Porém, se o artista é soberano sobre a sua obra, haverá, por certo, quem veja/invente, nas suas superfícies, um pouco de paisagens, de ruínas, de vegetais e mares. Antes, porém, o universo do artista prevalece. Luís Athouguia, apresenta-nos esse seu universo criativo onde se destaca a capacidade técnica e o talento de um bom artista da contemporaneidade portuguesa. Pintor das formas e da cor mostra-nos num clima alegórico, a sensibilidade crítica e pureza técnica. Sem grandes detalhes, ele recria os seus sonhos, com uma perfeita harmonia das cores e
ÁLVARO LOBATO FARIA, Lisboa, 2003 IN CATÁLOGO GALERIA MAC Uma rígida e estruturada disciplina, formaliza e geometriza a sua arte. No domínio da suavidade cromática, contrasta e harmoniza o intelecto do emotivo. Sentir a sua arte, é sentir o equilíbrio do movimento a sensatez da vida, o optimismo no amanhã, retratados linha por linha, forma por forma, cor por cor, nos seus desenhos figurativos esquemáticos, como também no abstracto geometrizado. Foi o que senti ao observar pela primeira vez a pintura de Luís Athouguia, comoveram-me as pulsações tensas, contidas, redutoramente serenas, que emanavam da sua obra. A matéria que ao mesmo tempo anunciava a sua substância secreta que despejava em torno de si próprio, os efeitos multiplicadores da sua linguagem. O límpido cromatismo de um universo cujo porvir da sua gramática se ajustava a novos conceitos, construía e desfazia ícones, mitos, sob o jugo de irrestrita fidelidade a uma certa sintaxe geométrica, atrás da qual se escondiam labirintos lógicos, previstos pelo artista.
Exposição no Museu da Água
sobriedade nos encantamentos que revela. Faz-nos parceiros de tanta beleza que cria, levando-nos ao mundo das fantasias que busca na incessante faina de criador, traduzindo assim, toda a sua autenticidade, nos trabalhos que nos apresenta. Há um lugar especial para artistas como Athouguia, que através de percepções do quotidiano, daquilo que parece vulgar, sabe tocar a sensibilidade alheia. O pintor coloca-se entre os bons coloristas, com bastante talento realiza a sua obra, provando que sabe bem caminhar nas artes a que se dedica, e nisso tem e dá prazer. É por esta razão que a obra de Luís Athouguia nos surpreende e anima, na unidade da força que habita nas suas cores, a necessária sobriedade das suas composições em que a pintura assume toda a sua razão de ser de uma profunda poesia num acto criador contemporâneo. Pintura despojada, sintética e envolvente. E cada vez mais pintura. PINTURA SÓ.
JOSÉ NETO - Lisboa, 2009 IN CATÁLOGO “UNIVERSO RECONFIGURADO” CENTRO CULTURAL EQUUSPOLIS GOLEGÃ
Bem poderia eu vir - uma vez mais - referir o onirismo imanente ao fazer deste autor, mas como entendo que cada artista tem direito ao seu estilo próprio - advindo da sua identidade única e irrepetível - não o farei, pois tal seria redundante, repressivo da liberdade criativa e insuficiente para abarcar o autêntico alcance da peculiaridade do seu grafismo e mensagem. É que a sua “representação” é bem mais profunda (no tempo e no espaço) que o teor do sonho, da vigília, do transe, ou mesmo do êxtase, e está muito para além do alcance da Psicanálise, da História, ou mesmo da Ciência. Isto porque os conteúdos aprofundados são aqueles da consciência – em si. Numa condição superior a qualquer sonho, imaginação ou alucinação, a consciência recriadora deste autor aprofunda a leitura e codificação de anagramas de memória, circulantes - em potência na nossa genética. Esta recuperação dá-se - em acto - pela fusão dos materiais empregues. Técnica pela qual resulta um trabalho recriador da densa superfície da experiência telúrica. Transmitida esta sensação à percepção, a apercepção é forçada a regredir até um tempo não-linear, no qual ainda não se fazia sentir a influência psicológica (humana) de um inconsciente colectivo. Aí, Homem e animal ainda partilhavam uma posição similar no desenrolamento da realidade e coexistiam no mesmo patíbulo amoral dos valores simbólicos.
Por entre as fendas dinâmicas de uma exuberante realidade pré-mítica Luís Athouguia criou um código próprio pelo qual exprime a harmonia de um jogo entre opostos. Se por um lado existe a surpresa do espanto provocada pelo encontro entre rectas - na sua resultante triangular -, por outro, insinua-se uma ordem de pacificação sinusoidal. Se por um lado o ângulo recto insinua certeza, por outro, tal rigidez é amenizada através da tolerante presença da forma circular. Se por um lado o “Ser” antropo/animal (quase sempre presente a azul) constitui a sua realidade, pela forma ondulante com que a sua língua profere as potências ordenadoras das formas, por outro, o equilíbrio da sua acção manifesta-se sob o assomar do “Olho do Cosmos”. Em suma, a razão evanescente da geometria equilibra-se com a intuição do perene des-contorno da cor. Sem pudor e sem favor afirmo: Luís Athouguia recria em suporte ideogramas da consciência universal, os quais reflectem (fazendonos reflectir acerca d) o desejo radical a todo e qualquer ser existente, i.é., o querer saber na Natureza e o sentir do mais alto apelo Cósmico.
EDUARDO NASCIMENTO - Amadora, 2002 IN CATÁLOGO GALERIA ARTUR BUAL MEMBRANA CIRCUNDANDO O OUTRO LADO DO SEGREDO Voltejas Luís, na membrana, o som e a luz, véu de lua marítima, oculta na respiração, espasmos penetrantes de crisálida a querer voar, pedaço de sol amamentado pelas raízes dos segredos. Danças que escondem o beijo da cor... Difusas, são as almas bebendo no centro da terra a firmeza da água, o rogo das raízes, o lodo fluindo no rio até ao oceano, ao aceno da espuma - corais finitos de marés. - Luz incidindo na membrana, escondendo a parte difusa do coração. Treme a visão no centro da luz, da rotação da esmeralda sob raios de mil sóis; as mãos que afagam a pele da água, o murmúrio central da gota deslizando sobre a textura da folha transparente. Passeias-te sobre a membrana uterina, volumetria da respiração - asas em formação da borboleta surgindo suave, sobre a primavera de um dia, num azul estonteante de fogo, protegidas pela sensação desfocada na atmosfera - vento quase visível no horizonte. (As tuas obras Luís são janelas com segredos, vindos do interior, onde os sonhos têm pedaços de seda – papiro, que um dia fez dançar ao som das esferas, no encontro da primeira respiração)
JOÃO ANÍBAL HENRIQUES, Estoril, 2012 IN CATÁLOGO CLUBE LITERÁRIO DO PORTO O SONHO DA ETERNIDADE EM LUÍS ATHOUGUIA Na obra de Luís Athouguia cruzam-se formas – quase disformes – e cores, marcando fronteiras entre os espaços que vão compondo os cenários fictícios que ele vai imaginando. Normalmente os seus quadros estão vazios. Não mostram caminhos, nem facultam direcções que nos permitam seguir viagem através dos terrenos bem cartografados onde nos parece que é seguro caminhar. Deixam escapar uns laivos de orientação, à laia de engodo para nos prender a atenção e nos fazer olhar ou… ver. As suas obras, serpenteando de forma imprecisa através dos trilhos que cruzam e recruzam o Mundo não podem ser descodificadas. Mantêm-se presas àqueles laivos mais pressentidos do que sentidos que formam o cenário dos sonhos. Ali, numa matéria de tal maneira ancestral que deixa transparecer os aromas sublimes dos tempos em que nasceram os nossos primeiros avós, perdemonos sempre, deleitando-nos com o prazer sem igual de percebermos que só dessa maneira podemos reencontrar o rumo certo. É difícil, senão impossível, descrever com exactidão a pintura de Luís Athouguia. Em primeiro lugar porque ele subverte por completo a lógica, o raciocínio e o pensamento da gens humana. Depois, porque ao distorcer a sua origem, nos impele em navegações que ultrapassam largamente as fronteiras do real, obrigando-nos a entrar em campos nos quais a matéria já não importa e onde os aromas, as cores e as formas mais não são do que ilusões efémeras que deixam para trás a realidade mais palpável. A maior parte dos artistas são génios. São-no porque interiorizam a capacidade quase esquizofrénica que traduz na tela ou no papel a nossa própria perspectiva acerca do Mundo real. Fazem-no com mestria e, quando de grandes mestres tratamos, sentimos que consagram numa só obra toda a multiplicidade de universos que carregam consigo todos os que com eles se vão deslumbrando.
Com Luís Athouguia é tudo ainda mais transcendente, superando de forma exponencial o substrato místico que na arte prevalece. A sua obra, transbordando sensibilidade onírica, aprofunda de forma inquietante os princípios mais singelos que dão forma à existência e ao quotidiano. Ao contrário dos outros, que oferecem uma eternidade fictícia que tolda a noção que temos da inultrapassável efemeridade da vida Humana, Athouguia sublinha esse carácter visceral do dia-a-dia e consagra nas suas obras o cunho imediatista, finito e frágil que nos envolve a todos por igual. Não existem meias-palavras na obra de Luís Athouguia. Nem palavras sequer. As linhas e as cores, transfiguradas em painéis que não esbatem o universo maravilhoso em que estamos mas que aguçam os pensamentos perdidos no meio dos nossos sonhos, são pontes efectivas que nos transportam até à verdadeira eternidade. Não aquela eternidade ilusória em que o fim não existe e em que os tempos se vão esticando até mais não… ele vai ao princípio, à matéria primordial, e é ali, naquele cadinho da alma, que encontra a verdade suprema e a totalidade do que não pode ser concebido… É preciso coragem para literalmente podermos mergulhar na obra dele. É fundamental que o façamos num estado de liberdade absoluto que geralmente só encontramos quando conciliamos o sono com o sonho e nos libertamos das amarras do real. Só assim podemos conceber e sentir os universos alternativos que os seus quadros nos trazem. É com essa forma subliminar, livres e atrozmente perdidos, que podemos conceber os caminhos novos que a sua obra nos propõe. Só dessa maneira, assumindo o carácter transitório do presente em que respiramos, o fechar dos ciclos passados em que suspirámos e antevendo alquimicamente as formas novas a que o futuro nos irá conduzir, podemos inverter as premissas do tempo e tornar-nos irresistivelmente imortais. É isso que nos oferece Luís Athouguia. A eternidade de onde viemos, onde estamos e onde ficaremos sempre. Mesmo que sejamos incapazes de o perceber!
JESÚS DÍAZ HERNÁNDEZ - Madrid, 2010 IN CATÁLOGO ACADEMIA DE LETRAS E ARTES REINADO DAS TRANSMUTAÇÕES Estamos ante uma nova exposição na brilhante trajectória de Luís Athouguia, uma nova exposição mas não mais uma, uma especial, é quiçá o culminar de uma forma de entender a pintura a partir de dois conceitos que se procuram, se cruzam e, por fim, se encontram: a busca permanente da cor e a acção simbólica dos objectos. Não é fácil conseguir esta fusão se não se tem clara a ideia da abstracção que se quer transmitir. Esta ideia é diáfana para Luís Athouguia desde o instante em que empunha o pastel. Quando olho demoradamente um quadro de Athouguia não posso deixar de pensar nas palavras de Claude Monet: O motivo é para mim absolutamente secundário; o que quero representar é o que existe entre o motivo e eu. A representação, a meu entender onírica, da sua pintura deixa entrever a existência de um mundo próprio, um mundo fechado à contaminação das sombras e um mundo aberto aos sentidos da luz. A procura permanente da cor mediatiza de forma radical a visão desse mundo, pois é fácil comprovar como a cor nos move a olhar de uma forma mais fluida, mais rotunda, os objectos que pululam pelo quadro. Objectos que não são senão uma mera representação de algo mais profundo que subjaz no seu interior e de que podemos aperceber-nos com assombrosa clareza. Dizia Schopenhauer que o mundo visível é mera aparência e que só adquire importância quando estamos conscientes de que através dele se expressa a verdade eterna. A pintura de Luís Athouguia mostra-nos a sua verdade eterna adornada de cor e submetida à experiência. Trata de exteriorizar uma ideia, depois de analisar o seu eu íntimo, dotando-a da capacidade de sugerir, de estabelecer correspondências entre os objectos e as sensações. Sente a necessidade de expressar uma realidade distinta do tangível e tende à espiritualidade. O símbolo converte-se no seu instrumento de comunicação decantando-se por figuras que transcendem o material e nos transportam a mundos ideais. É, indubitavelmente, uma obra que convida a observar e pensar. HUGO GUERREIRO - Estremoz, 2006 IN CATÁLOGO MUSEU MUNICIPAL DE ESTREMOZ FIGURAÇÃO ONÍRICA Depois de duas exposições de cerâmica, chegou a vez da pintura! Fomos agora à zona metropolitana de Lisboa "buscar" um pintor premiado e com obra feita. Falamos de Luis Athouguia. As obras deste pintor despertam o nosso imaginário, o nosso subconsciente, ao observarmos o fantástico, as zoomorfias sem nome, sem designação no mundo animal, daquelas que existem só porque o autor tem uma mente rica e
criativa... mas onde vai Luis Athouguia buscar aqueles bichos, aquelas formas geométricas, ou aquelas formas aparentemente sem paralelo no nosso mundo físico? Onde vai buscar aquelas cores, aquela disposição na folha? Certamente que aqui entra um subconsciente particularmente fértil... um subconsciente que "obriga" o autor a expressar-se desta forma, ou seja, pintando o que o subconsciente lhe dita! Ainda bem que Luís Athouguia encontrou esta forma, e não outra qualquer, de se expressar, permitindo assim, a nós, simples observadores, que fruamos o que o subconsciente, o que o seu imaginário lhe transmite. JOSÉ INÁCIO MARQUES EDUARDO - Lagoa, 2009 IN CATÁLOGO CONVENTO SÃO JOSÉ NARRATIVA VISIONÁRIA Luís Athouguia, passados alguns anos, está de volta à Sala de Exposições do Convento de S. José para nos propor novos desafios à nossa sensibilidade, com os fascinantes puzzles dos seus trabalhos. Este pintor é um criador que convida o espectador a fragmentar a ordem inicial e a descobrir insuspeitas coerências e subtis paradoxos na geometria abstracta de cada quadro. Sentimos em muitas obras de Athouguia um simbolismo totémico misterioso, ressonâncias atemporais que nos transportam para aquela essencial dimensão arquetípica, invisível, onírica onde a realidade visível tem as suas raízes. Esta exposição é uma oportunidade singular para nos olharmos a um espelho que não reflecte uma imagem, mas que nos permite transpor magicamente um portal para o desconhecido onde nos podemos conhecer melhor.
JOÃO ANTERO FERREIRA - Lisboa, 1996 IN REVISTA OLÁ! JORNAL SEMANÁRIO O MERGULHO AO MICROMUNDO Pintura a pastel de imagens micro aumentadas para um mundo macro. Os símbolos do quotidiano utilizados de uma forma não conceptualista, o contraste cromático e lumínico, o jogo das formas, as ramificações capilares e a utilização das cores, as manchas de contornos enevoados, ajudam a construir a viagem ao interior do mundo. Luís Athouguia Desde pequeno que se refugiava no seu «canto» a desenhar, desenhar a eito, do retrato ao abstracto, sem qualquer objectivo definido. Desenhava para si, primeiro como uma brincadeira, depois como «hobby». Os amigos, aliás, já o conheciam por essa sua qualidade de estar sempre a desenhar: era num jardim, em casa dos amigos, nas festas, agarrado ao lápis e ao papel. E como não podia deixar de ser, Luís Athouguia diplomouse no IADE e, apesar de pintar há já vinte anos, apenas expõe há treze, consecutivos. A pintura surgiu como uma evolução natural do desenho, na mesma linha do traço e da mancha, o que o levou a optar desde muito cedo pelo pastel. Conhecidas minimamente as características do pastel, a sua preferência, entre o pastel de óleo e o pastel seco, recaiu sobre este. Não deixou de tomar contacto, nem tampouco de aprofundar a técnica da aguarela, do óleo ou do acrílico, durante o seu tempo de aluno no IADE, mas o material que continuou a melhor apreciar foi o pastel, pelas suas qualidades infindáveis. Mas, paralelamente ao desenho e à pintura, e também como «hobby» Luís Athouguia fez muita fotografia. Pormenores das pequenas coisas do quotidiano por que geralmente se passa e nem sequer se toma conhecimento da sua existência, da sua cor, da sua textura e, principalmente, da sua mensagem. São pormenores de tinta a cair duma qualquer parede, são ombreiras de uma porta, pedaços de um pneu, de um lenço ou de uma corda, são vidros partidos, papéis amontoados ou ferrugens arrastadas pelas águas. Entre o mundo descoberto pelo visor da sua máquina e a sua pintura existem muitos pontos em comum. São imagens macro de um universo microaumentadas para o macromundo. É o olhar para a coisa ínfima, para a coisa sem importância, emprestando-lhe a importância que as pessoas, normalmente, não lhe atribuem. A fotografia ajudou-o muito na leitura da sua pintura, a qual não é figurativa nem gestual, nem tampouco abstracta, embora um pouco abstractizante. O seu canto Um belíssimo atelier em pleno coração de Lisboa, e, ainda assim, isolado do ruído urbano e do ramerrão das horas de ponta. Na separação do
profano para o sagrado do seu atelier, uma entrada palaciana de assombrosa magnitude neo-realista. Lá dentro, uma «casa de bonecas» artesanal, construída pelo artista, transpirando a sua personalidade em cada peça de mobiliário, em cada objecto decorativo. A ambiência é de total calmaria, numa luz velada, propícia à meditação. Luís Athouguia gosta de pintar ao som da música, preferencialmente New Age. É a música que melhor o ajuda a uma libertação de espírito, criando um ambiente propício para que «aconteça qualquer coisa». Dentro deste estilo de música, varia a sonoridade dominante mais para o oriental, para o árabe, para o escocês ou para o americano, conforme o próprio estado de espírito em que se encontra. Gosta mais de pintar a partir do fim da tarde e pela noite dentro, não só por haver menos barulho, menos agentes exteriores como telefone e campainhas, mas por ser um horário mais propício ao fluxo que por ele passa, desligando-se dos seus problemas mundanos e pessoais. Para Luís Athouguia é imperioso pintar todos os dias, mesmo que não surja algo de especial. Entre o riscar e o traçar, e entre o manchar com o polegar e o observar, o pintor constrói um pouco mais de si. A procura Não procura retratar a humanidade em si, mas o que é exterior à humanidade. Sem querer ser muito ambicioso, procura tratar dos assuntos de Deus, o que transcende o quotidiano do ser humano. É, no fundo, uma outra dimensão, na qual utiliza muitos dos símbolos que compõem a comunicação e que fazem parte do dia-a-dia da humanidade, não como um fim, mas como um meio. Quando pinta, sente-se como condutor entre um emissor, no caso, uma entidade superior que, não sendo Deus, está um pouco em todos nós, e um receptor, neste caso, a tela ou o suporte. Ou seja, pinta uma vivência e um estado de espírito a que muitas vezes se chama «o outro lado». Cromaticamente, Luís Athouguia comanda conscientemente os trabalhos, escolhendo e aplicando as cores que sente melhor se ligarem ao que pinta, ora de tons quentes ora de tons frios, muitas vezes em contrastes não provocatórios. A sua pintura tem uma forte ligação com a luz, num jogo de contrastes claro/escuro, em que a luminosidade parece esconder-se atrás dos
primeiros planos, espreitando aqui e ali o momento certo para saltar ao nosso encontro. As manchas são separadas por contornos algo enevoados, aumentando a indefinição de objectividade. Se no início da sua pintura se notava uma ligação muito conceptualista de intenções no que respeita a simbologia e aos signos utilizados, com o evoluir natural da abordagem, a mensagem está mais liberta, sem necessidade de se evidenciar tanto. «É pintando muito que, por vezes, a «luz» nos toca, o que leva a que haja um percurso pictórico que não é necessariamente muito bom. Fazem parte dum lote de pequenos exercícios. É como a folha do escritor que vai para o lixo porque a frase não saiu com o impacto necessário». São os seus momentos, a sua vivência que fica ali registada. É como que pôr as coisas em ordem. O que está feito não é de todo a obra perfeita, e como o que Luís Athouguia procura é algo próximo da perfeição, tem de continuar a procurar, consciente de que apenas foi dado mais um passo na direcção certa. «O que eu prefiro é aquilo que ainda não fiz». O seu percurso pictórico, olhando-o friamente, sugere como que um atravessar de uma densa floresta de cardos e espinhos, em que, com o passar do tempo, se vão dissipando, como que se aproximando de uma clareira, de uma paisagem tranquila, mas não bucólica. Algumas das suas telas são autênticos vitrais pictóricos, onde se chega quase a adivinhar o que se esconde lá fora. Outras são olhares microscópicos com o olho nu da alma. Outras ainda são rápidas espreitadelas para o interior do além, em que a força das imagens permite um registo marcante. VICENTE BORGES DE SOUSA - 1993 EXPOSIÇÃO S. MIGUEL SÃO VICENTE - AÇORES Conheço e, de há muitos anos, aprecio profundamente a criação artística de Luís Athouguia. É óbvio que, ao longo destes dez ou doze anos, a expressão plástica tem vindo a apurar-se, a sua acuidade visual a tornar-se sempre mais e
mais precisa. Porém, o fascínio pela mensagem da linguagem estética mantém-se intacto. É que o discurso permanece coeso e íntegro, perseguindo, hoje como ontem, uma verdade continuamente revelada. No desenho, as paisagens são as do tempo ilimitado. São peregrinações vagabundas por paragens oníricas, erótico-sentimentais, um fascínio quase obsessivo pela fuga curvilínea remetendo para uma espacialidade deliberadamente interminável. O desenho de Luís Athouguia é a revelação do discurso mais íntimo, enunciando-se pela mão que vai despindo a nudez das folhas em branco; À espera do gesto que as preencha. E, assim, a grandeza solitária das paisagens interiores veste-se de formas caprichosas, que a luxúria prodigiosa da sensibilidade e da imaginação vai criando um pouco em cada dia, um pouco em cada obra.
JOSÉ BÍVAR - Belamandil, 1994 IN CATÁLOGO CONVENTO DE CRISTO Luís Athouguia é antes de mais um esteta, só depois pintor designer ou fotógrafo. No íntimo do seu trabalho há um sentido de uma elegância dandy, onde o mínimo gesto reflecte como que uma religião pessoal de saudável cepticismo, e frágil equilíbrio no traço que descreve o frisson da própria vertigem da sua vida, e num eterno renascer para o quotidiano exercício da meditação, como no gestualismo zen, orientalismo que herdou por linhagem e que defende com a nobreza do nosso mais glorioso passado, evocando no simbolismo dos seus sábios traços, a memória das góticas miragens do manuelino, na busca dessas Índias espirituais, onde em vórtices de luz se vislumbra a esperança de uma redenção que em cada desenho é assim tentada no retiro intimista da nossa tão lusa saudade. Vagueando intemporal nos desígnios do destino sem direcção que não seja a busca de um SER maior. Desta forma constrói Luís Athouguia a sua obra que é a de um Português Universal, na hora em que Portugal pela voz profética de Pessoa irá cumprir-se.
PEDRO RODRIGUES - Lisboa, 2005
O primeiro impacte é o da cor. Sem se perder em lugares-comuns, Luís Athouguia pratica um jogo abstracto de contrastes que convidam o observador a demorar o olhar sobre as formas que povoam as suas obras. Nesta altura apercebemonos que por entre elementos quase geométricos, que à primeira vista surgiam como que aleatórios, existe uma lógica muito pessoal e particular. Aos poucos entrevê-se quase que uma história na forma como diferentes elementos se conjugam num palco de alusões. E assim, gradualmente, o observador torna-se parte da imagem ao envolver-se na sua interpretação. Nada é dado, mas também nada é escondido. Luís Athouguia nasceu em Cascais durante o ano de 1953. Formou-se no IADE e a sua primeira exposição (colectiva) data de 1983 na Galeria Metrópole, em Lisboa. Conta actualmente com mais de duzentas exposições individuais e colectivas em vários países, entre eles Espanha, Alemanha, Brasil e Argentina. No seu currículo constam também trabalhos de ilustração literária e alguns projectos de arquitectura. A sua obra explora um universo pessoal seguindo uma linguagem estética própria que se desenvolve de forma segura, sem por isso se impor. São apenas feitas sugestões e alegorias, sendo quem observa convidado a uma interpretação de elementos nunca dispersos, nunca perdidos em pretensões de sobriedade. A imagética de Athouguia desenvolve-se antes sobre um jogo Dionisíaco de cor e formas que comunicam não através de uma suposta racionalidade mas expondo desejos, impressões e sentimentos. As cores opacas dançam através de todo o espectro, conferindo vivacidade a uma tela que se divide em diferentes planos. Estes preenchem sempre o olho do observador mas nunca surgem como sobrepovoados ou confusos. A cada forma e elemento é conferido o seu espaço, numa construção orgânica que nasce, respira e estremece sem por isso exigir. Alguns dos elementos que povoam estes diferentes palcos repetem-se em várias instâncias da sua obra, sendo por isso talvez parte da chave que permitirá entender a estética no surrealismo de Athouguia. A descodificação da obra, no entanto, nunca estará completa. Essa é, afinal, uma das características da arte como suporte de comunicação – existe sempre um "algo mais" para descobrir, uma nova perspectiva, um novo olhar. Athouguia dá-nos parte do seu existir interior deixando entrever uma imaginação nunca restringida pela realidade mas funcionando sempre em paralelo a uma perspectiva muito particular desta.
ZEFERINO SILVA, Lisboa, 2003 IN CATÁLOGO GALERIA MAC Imagens de grande impacto visual, que apesar de abstractas evocam um acontecimento onde a dimensão palpável do real, num gesto de silenciosa paixão, nos transporta à contemplação, retrata memórias, encarna desejos. O nosso olhar passeia pelos seus quadros e o prazer é permanentemente revigorado pelo rigor técnico, um domínio da matéria, uma invenção de claridades e transparências marcadas em acordes rítmicos de cor e luz, reflexo da paixão mútua entre o artista e o cromatismo, a iconografia e riqueza vocabular da sua pintura de uma real qualidade criativa. Há duas décadas que Athouguia se dedica a construir pinturas, investigando os elementos integradores de uma linguagem pictórica muito própria. As suas obras mostram exercícios de criação cromática, dos quais uns derivam de sistemas de aprendizagem e outros, da criatividade emotiva do artista face à pintura que configuram o empenho, o ensaio e a vontade de Athouguia penetrar na intimidade da cor e, naturalmente, da luz que revelam aos nossos olhos. A pintura de Luís Athouguia é pois de um lirismo moderno, porque tem a beleza e toques de convulsões emocionais próprios da actualidade.
DESIDÉRIO MURCHO - Ouro Preto, Brasil 2009 IN CATÁLOGO FUTURO Conheci a pintura de Luís Athouguia em 2003, quando procurava ilustrações adequadas para o meu manual de filosofia do ensino secundário intitulado A Arte de Pensar. Especificamente, tratava-se de ilustrar um capítulo sobre lógica. Poder-se-á pensar que é difícil ilustrar um capítulo de lógica formal, mas isso não é verdade; a dificuldade é encontrar ilustrações que sejam, a um tempo, informativas e elegantes. Apesar de ser comum pensar que a lógica pertence ao lado frio da razão ao passo que a arte, especificamente a pintura, pertence ao lado do fogoso da emoção, este dualismo primário e irreflectido não corresponde à realidade. E Athouguia é um dos muitos artistas que o provam: a sua pintura manifesta esse entrelaçamento da razão e da inteligência com a emoção e a intuição que faz da arte mais do que mera decoração de interiores emocionais. A obra de Athouguia que escolhi chama-se “Formulário de Símbolos” e tem a data de 2002. Infelizmente, nunca pude apreciar senão as suas reproduções electrónicas. Mas mesmo em reproduções o “Formulário de Símbolos” impressionou-me pela força das cores primárias e pela carnalidade das formas distorcidas. E o título escolhido não podia ser mais indicado: a lógica, como a pintura e as restantes artes, faz um trabalho intenso com símbolos, mas nem a lógica nem as artes se reduzem a meros formulários de símbolos. Estes são ao invés usados porque nos falam de muitas coisas — e podem obviamente falar-nos de tudo, incluindo de outros símbolos. A pintura de Athouguia tem algumas analogias com a lógica formal. Como na lógica formal, Athouguia usa um número relativamente restrito de elementos. A sua paleta é principalmente feita de vermelhos, verdes e amarelos, alguns tons de azul e preto. Na sua geometria inclui também relativamente poucas variações: círculos e formas parcialmente triangulares e parcialmente angulares. Como na lógica, obtém-se um grande poder expressivo partindo de poucos elementos atómicos. Ao contrário da lógica, porém, eu nada tenho para ensinar sobre pintura. O melhor mesmo é ver a obra de Luís Athouguia e deixá-la falar por si.
FERNANDO GRADE - Oeiras, 1999 IN CATÁLOGO DE ARRUDA DOS VINHOS O QUE SE DEIXA SUGERIDO VALE MAIS "Dizer de mais", em Arte, é mau. Portanto: minimiza. Sendo a linguagem estética o produto de um esforço oficinal ou de um requinte pessoal e (mormente) de um imaginário transformista – assim interessa mais a maneira como se diz, importa mais o que se sugere do que o que se julga ter sido dito, em suma, "o que se diz". É óbvio que – esclarecido este ponto de fulcro – o significante impõe-se ao significado. Também com Athouguia isso acontece. A escrita pictural de Luís Athouguia desenvolve-se com base numa sugerência cromática e neo-romântica, não raro com tons de feitiço, cores sirénicas, onde os pastéis muito bem doseados e esgrimidos organizam-se a partir de um núcleo que acaba por ser sui generis. Sublinho, paradigmaticamente, a obra "Silêncio gritante", com o tono voraz do amarelo e do preto a orientar toda a modulagem. O mesmo se passa noutras obras datadas do ano transacto. Com efeito, a ocupação do espaço depende do modo como se explicita o centro do quadro, o suporte, o núcleo irradiador. Nos trabalhos de 1999 vislumbrase uma ruptura radical com o pressuposto enunciado, a linguagem tem menos carga onírica e chega a enredar-se na criação de objectos de referência pós-surreal; é o caso do misterioso e sedutor "Aventura da flor proibida" e, dentro do mesmo teor anti-onírico, o "Triunfo do delírio". Mas onde a propensão e capacidade criadoras de L.A. rasgam mais fundo afigura-se-nos ser no quadro "Busto quebrando horizontes", a todos os títulos sensitivo; aqui a procura assume-se mais demolidoramente nova, sem quaisquer concessões ao olhar comum. No que concerne às pequenas peças – acrílicos sobre papel – o modus faciendi do Autor é outro, menos correntio na sua estilística. Finalmente, trata-se de uma mostra que merece ser vista, descodificada e fruída com todo o empenho crítico e adesão. Ou o mundo não estivesse nos olhos.
COMENTÁRIOS EM PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS MANUELA GONZAGA, 1996 IN O SEMANÁRIO São paisagens oníricas, que tomam a luz como ponto de referência, e que revelam, em contornos definidos por uma geografia circular, grutas, correntes marinhas, naves, colunas, numa plasticidade orgânica onde, inesperadamente, encontramos símbolos ocultos, ou em flagrante evidência.
JOSÉ ELISEU, 1999 IN DIÁRIO DO SUL A pintura de Athouguia é-nos dada por uma subtileza de traço notável, numa leveza a roçar o deslumbramento, onde a luz se espalha em cambiantes vários de cores aveludadas, criteriosamente escolhidas numa harmonia perfeita, equilibrada, onde o sensual muitas vezes desperta e parece espreitar por entre as rotas curvilíneas extraídas de uma mole imensa de todos os valores abstractos.
FRANCISCO ARROYO CEBALLOS, 2004 IN REVISTA AIRES DE CÓRDOBA LUÍS ATHOUGUIA. O TRATAMENTO DA COR E AS FORMAS De sua obra pode destacar-se o amplo desdobramento colorista que o identifica, e os fortes contrastes entre tonalidades vivas de textura aveludada e serena. Um marcado gosto pela oposição de elementos lineares, quase geométricos, diferenciados claramente por traços de cor negra que configuram o eixo central, os quais dão sentido, forma e direccionalidade a todo o seu trabalho. Elementos figurativos que configuram a estrutura do núcleo labiríntico no qual o Luís aglutina as suas temáticas, os seus sentimentos entrelaçados, sobre o meio social; É esta visão, a um tempo optimista e animada, que agrada e inunda quem se detém no seu caminho e contempla imperturbavelmente os seus quadros. Recreações ou paisagens de sonho, ambientes que embriagam calmos e cheios de um exuberante lirismo harmónico.
IN O DIABO, 2001 Uma viagem pelo sonho, onde Athouguia fará reviver as suas paisagens abstractas num passeio de matizes que remetem para imaginários neoromânticos.
Um discurso onírico que carece sempre de reflexão e interpretação perante a obra e na memória visual… Que é cativada pelas cromias conseguidas face à técnica apurada que o autor, no desenvolver da sua actividade, consegue e multiplica com prodigiosa sensibilidade, ora tirando parte do fascínio das curvas, remetendo para o infinito, ora canibalizando paisagens interiores numa luxuriante tentação entre cor e forma. Vitrais opacos que revelam jogos de contrastes, reflexos e particularidades a que o espectador passa a compelido cúmplice face ao efeito quase hipnótico conseguido.
IN REVISTA CASA & JARDIM, 2005 Mercê do comprometimento total à sua arte, a pintura, o artista tem vindo a definir-se, tanto pelo amadurecimento da sua técnica, como pela configuração marcadamente particular que consegue estampar nos seus trabalhos. Essa aquisição, em excelência de matéria, em sensibilidade plástica, foi-se tornando notada nas inúmeras apresentações em que já participou. Todo o seu trabalho é como uma caligrafia do espírito, transmissão directa de impulsos, de reflexões, de sentimentos que, a pouco e pouco, se transformam em matéria, em forma, em pensamento plástico. No fulcro desta exposição (Galeria Pepper’s, 2005, Caldas da Rainha), as suas atmosferas perturbantes e sentidas, são como uma luz fervente, que dá vida para lá do sonho, uma lógica do abstracto íntima e silenciosa.
MARIA ADELAIDE MARQUES TEIXEIRA, 2014 Presidente da Câmara Municipal de Portalegre As suas obras, com traços e cores marcantes e poderosas, estão imbuídas de um imaginário e de um surrealismo, que mais do que pesadelos e sonhos Jungianos e Dalinianos, se entrecruzam com a obra majestosa e naturalística de pintores como Wilfredo Lam (e a sua mítica “Selva”), e os operáticos quadros de Henri Rousseau, o criador de universos magníficos e estranhos, que representam lugares exóticos e fantasiosos, cheios de cores, animais e portentos, sem nunca ter saído da sua França natal. Nos quadros de Luís Athouguia, os motivos são predominantemente animais e vegetais, incorporando também objetos inesperados, como OVNIS, símbolos da paz e olhos humanos, que parecem saídos da obra-prima do cinema surrealista, “Un Chien Andalou”, amálgamas de rostos, pedaços de selva, formas (semi) geométricas brancas, vermelhas, azuis e amarelas, que se combinam, como os grandes quadros de Kandinsky, para formar um caleidoscópio que nos faz girar e rodopiar consigo.