Anais Endis 2017 - volume 2

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ANAIS DO ENCONTRO NACIONAL DISCURSO, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE

MÍDIA E DEMOCRACIA volume 2 | número 2 | agosto de 2017


ANAIS DO ENCONTRO NACIONAL DISCURSO, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

Francisco Hudson Pereira da Silva REVISÃO

Os autores ANAIS DO ENCONTRO NACIONAL DISCURSO, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE é uma publicação anual do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Estratégias de Comunicação (NEPEC), vinculado à Universidade Federal do Piauí. CORPO EDITORIAL

Francisco Laerte Juvêncio Magalhães Francisco Hudson Pereira da Silva Pedro Júlio Santos de Oliveira Thalyta Cristine Arrais Furtado Thiago Ramos de Melo e-mail: nepec.ufpi@gmail.com CONSELHO CIENTÍFICO

Francisco Laerte Juvêncio Magalhães Lívia Fernanda Nery Viviane de Melo Resende João Benvindo Ribamar Jr. Cássio Miranda Maraísa Lopes AUTOR CORPORATIVO

Editora Universidade Federal do Piauí Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, s/n - Ininga, Teresina - PI, 64049-550 ISSN 2525-6033


SUMÁRIO

Apresentação  6 Linguagem, Cultura e Identidade Uma análise da representação da presidenta Dilma Rousseff na revista Isto É sob a ótica da Análise de Discurso Crítica  13 Atauan Soares de Queiroz, F. Cordélia Oliveira da Silva, Juliana de Freitas Dias e Viviane Cristina Vieira O extremo norte da Bahia e a situação de rua: a representação de agentes sociais em notícias  22 Carlos Henrique Alves dos Santos, Aline Souza Santos e Décio Bessa Situação de rua em Salvador e região metropolitana: representação de agentes sociais em notícias  30 Natália Penitente, Carlos Henrique Alves dos Santos e Décio Bessa Representação de agentes sociais em notícias sobre situação de rua no extremo sul da Bahia  39 Décio Bessa, Aline Souza Santos e Natália Penitente De ―O som ao redor‖ para ―Tea party à brasileira‖: coberturas midiáticas em confronto com grupos hegemônicos  48 Carlos Augusto de França Rocha Júnior Jornalismo de revista: uma proposta identitária da Revista Cidade Verde  57 Rosa Edite Rocha Os sentidos discursivos na prisão de ―Palestino‖ nos jornais impressos do Piauí  66 Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa e Orlando Maurício de Carvalho Berti A mídia impressa na legitimação dos movimentos culturais e suas produções de sentido: um estudo sobre o Coletivo Salve Rainha  76 Lorena Caldas e Rosa Edite Rocha Pelo ―sim‖, pelo ―não‖: a Câmara dos Deputados como ―palco midiático‖ do pedido de impeachment de Dilma Rousseff  85 Marina Farias e Cristiane Portela Os processos de construção da editoria de economia no O Dia e Meio Norte  94 Lisiane Mossmann


A luta pelo direito à universidade: uma análise de diferentes posições-sujeito  104 Gabriela de Almeida Furtado Prática cultural ou problema social? Discursos divergentes acerca da vaquejada no ambiente digital  111 Adriana Carvalho de Moura e Thiago Ramos Melo ―Evoluímos ou regredimos?‖: uma análise do discurso do Jornal Extra sobre linchamento  119 Aldenor da Silva Pimentel Dos folhetins à telenovela: a narrativa de Alencar e sua tranposição para a novela ―Essas mulheres‖  128 Lia Calaça Aguiar e Núbia de Andrade Viana Dados e estatísticas da Dengue, Zika e Chikungunya: análise de discursos sobre as epidemias nos jornais impressos teresinenses  137 Jéssica Araújo Libânio e Paulo Fernando de Carvalho Lopes Notas de rodapé: o acontecimento trabalhado na obra Notas sobre gaza, do quadrinista Joe Sacco  147 Daniel dos Santos Cunha Bela, recatada e do lar: um acontecimento discursivo  155 Vanessa Souza Rodrigues de Moraes Representações midiáticas de Teresina no programa radiofônico ―Painel da cidade‖  164 Isabela Naira Barbosa Rêgo e Janete de Páscoa Rodrigues ―Oi, fala!‖: uma análise discursiva na repercussão do caso da jornalista Fernanda Gentil no Twitter  173 Débora da Rocha Sousa, Joely da Rocha Sousa e Francisco Laerte Juvêncio Magalhães Discurso e Cultura Digital Luta livre nas mídias sociais digitais: conteúdos de fãs e empresas  183 Carlos Cesar Domingos do Amaral Minecraft, construindo subjetividades: o jogo Minecraft no Brasil como espaço da intersubjetividade  191 Gustavo Fortes Said e Antonio Áthyllas Lopes de Oliveira O discurso ambiental no webjornalismo piauiense: o caso dos três sites jornalísticos mais acessados do estado e sua quase mudez acerca de assuntos sobre meio ambiente  200 Orlando Maurício de Carvalho Berti e Samara Silva Leal Formações imaginárias na tessitura da conversação na web1  212 Elisiane Araújo dos Santos Frazão O portão fechado: o humor e a alteridade no #showdosatrasados do Enem  222 Victor Ribeiro Lages


Entre o acesso e a escuta: olhares exploratórios acerca das interações nas listas de comentários da fanpage do Jornal da Band  232 Rosane Martins de Jesus Caso Andressa Leão: a midiatização e a falha nos discursos elitizados  241 Flalrreta Alves dos Santos Moura Fé e Sávia Lorena Barreto de Carvalho Sousa A apropriação das tecnologias digitais no telejornalismo: observando o emprego da convergência nas mudanças do Jornal Nacional  249 Denise Freitas de Deus Soares, Jacqueline Lima Dourado e Juliana Fernandes Teixeira Jornalismo online no interior do Piauí: análise das ferramentas de hipertextualidade, interatividade e multimidialidade  257 Jucelma Sales de Brito, Fabrícia Santos da Cruz Lima, Karleusa da Costa Liborio e Mayara Sousa Ferreira #instafitness: estudo das expressões de afetividade por meio das interações na plataforma Instagram do perfil de Gracyanne Barbosa  266 Fernanda Araújo Fortes Vilanova e Lívia Fernanda Nery da Silva ―Ninguém segura o gordinho‖: Guiguibashow na internet  277 Marta Maria Azevedo Queiroz e Flalrreta Alves dos Santos Moura Fé Decodificando o digital: a releitura de games por seus jogadores como proposta de ação pedagógica1  286 Antonio Áthyllas Lopes de Oliveira e Gustavo Fortes Said Da banca para o Facebook: os comentários de leitores em postagens da primeira página de três jornais brasileiros  293 Jordana Fonseca Barros Por um lançar de olhos dialógico: análise discursiva no Grupo Eper -Todos Perguntam,em publicações do Facebook  302 Iara Silva de Souza e José Magno de Sousa Vieira Recepção midiática: a subjetividade na recepção e a mensagem publicitária  310 Domingos de Sousa Machado



APRESENTAÇÃO

O II Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade foi promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Estratégias da Comunicação (NEPEC - PI), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí, com apoio do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Análise do Discurso (NEPAD) e aconteceu entre os dias 26 e 28 de abril de 2017, no Centro de Ciências da Educação – CCE situado no campus Petrônio Portela - UFPI, na cidade de Teresina, Piauí. O evento teve como temática Mídia e Democracia, visando estimular o debate acadêmico científico entre estudantes, professores, pesquisadores e profissionais de comunicação e áreas afins. Dessa forma, pretendeu ampliar as discussões acerca dos estudos da linguagem a partir da difusão de trabalhos relacionados a essa temática, buscando, assim, inserir o Piauí no circuito de eventos relacionados à pesquisa sobre discursos. O II ENDIS abriu portas para pesquisadores das áreas de Comunicação, Estudos da Linguagem, Filosofia, História, Antropologia, Sociologia que atuam no campo de estudos sobre discurso, identidade e subjetividade. O evento contou, na edição de 2017, com seis eixos temáticos (grupos de trabalhos), além de oferecer minicursos, oficinas e palestras, que oportunizaram ao participante a produção de conhecimento interdisciplinar e a troca de experiência acadêmicas e culturais. Assim, os Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade apresenta o resultado das pesquisas apresentadas em forma de comunicação, resultado das investigações de pesquisadores e alunos, brasileiros e estrangeiros, que atuam nas áreas acima mencionadas, versando em pesquisa teórica e/ou empírica que trataram da temática do evento. Corpo Editorial

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UMA ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF NA REVISTA ISTO É SOB A ÓTICA DA ANÁLISE 1 DE DISCURSO CRÍTICA Atauan Soares de Queiroz2 F. Cordélia Oliveira da Silva3 Juliana de Freitas Dias Viviane Cristina Vieira RESUMO Ancorado nos pressupostos teóricos da Análise de Discurso Crítica (ADC), este artigo tem como objetivo analisar a maneira como a mídia impressa de informação semanal, mais especificamente a edição n. 2417 da revista Isto É, de circulação nacional, representa a presidenta Dilma Rousseff, com vistas ao exercício da manipulação do público leitor. Para isso, foram exploradas, em uma perspectiva dialética, a categoria representacional da interdiscursividade, de acordo com Fairclough (2003), e a noção de manipulação proposta por Van Dijk (2015). A análise dos dados aponta que a representação de Dilma Rousseff na reportagem da revista Isto É é orientada por um viés, predominantemente, negativo. Com o intuito de comprovar publicamente que a referida presidenta está ―louca‖ e, portanto, faz jus ao impeachment, a Isto É arrola vozes e discursos de diferentes campos do saber para abonar suas declarações. No entanto, as avaliações e os julgamentos são sempre tecidos pelos próprios repórteres ou por atores sociais não especificados, que se colocam na condição de sujeitos autorizados para isso. Palavras-chave: Análise de Discurso; Dilma; Mídia; Manipulação.

Introdução

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este artigo, analisaremos a relação entre mídia e política, colocando em relevo os processos de representação. Para isso, exploraremos, em uma perspectiva dialética, a categoria representacional da interdiscursividade, de acordo com Fairclough (2003), e a noção de manipulação, proposta por Van Dijk (2015). De natureza qualitativa (BAUER & GASKELL, 2011; FLICK, 2009), operacionalizado por meio de pesquisa documental, o objetivo geral do artigo é analisar a maneira como a mídia impressa de informação semanal, mais especificamente a edição n. 2417 da revista Isto É, de circulação nacional, representa a presidenta Dilma Rousseff, com vistas ao exercício da manipulação. Faz-se necessário destacar que, neste trabalho, utilizaremos o termo ―presidenta‖ em consonância com a solicitação feita por Dilma Rousseff na mídia brasileira, assim que assumiu o governo, com a finalidade de marcar sua identidade de gênero. Na matéria a ser analisada, o termo utilizado pelos autores é ―presidente‖. Apesar do amplo debate que o uso do termo gerou ao ser grafado com a desinência de feminino, sendo do conhecimento de todos, a revista optou por utilizá-lo sem a marca de gênero. Entendemos que o apagamento do gênero no referido termo constitui uma estratégia linguístico-discursiva de deslegitimação por parte dessa mídia. Por isso, ao nos referirmos a Dilma Rousseff, utilizaremos o termo ―presidenta‖. Quando reproduzirmos passagens da matéria jornalística selecionada para análise, manteremos a grafia praticada pelos autores, ou seja, ―presidente‖. O artigo tem interesse em desenvolver reflexões sobre o processo de representação da presidenta Dilma Rousseff na mídia impressa, mediante a análise do(s) discurso(s) constante(s) na matéria veiculada pela 1

Trabalho apresentado no GT 3 - Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Doutorando em Linguística pela Universidade de Brasília. Brasília-DF. Endereço eletrônico: atauansoares@gmail.com 3 Professoras do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade de Brasília. Brasília-DF. Endereço eletrônico: ju.freitas.d@gmail.com / cordelia.prof@gmail.com / vivianecvieira2@gmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 13


revista em referência. A seguir, traremos noções básicas sobre o campo da Análise de Discurso Crítica, na vertente liderada por Fairclough, buscando integrá-las. Análise de Discurso Crítica: noções fundamentais A ADC é uma perspectiva teórica e metodológica que concebe a linguagem como parte irredutível da vida social, como forma de interação e instrumento de poder. Seu principal propósito é investigar os usos da linguagem nas instituições sociais e as relações existentes entre discurso, poder e ideologia, com foco em problemas sociais parcialmente discursivos (RESENDE & RAMALHO, 2006, 2011). O discurso é concebido pela ADC como um momento das práticas sociais, um modo de (inter)agir com o mundo e com os outros e como modo de representação e de identificação. É uma prática de significação do mundo construída numa relação dialética com as estruturas sociais, uma vez que constitui essas estruturas e é moldado por elas. Enquanto prática política e ideológica, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder (FAIRCLOUGH, 2001). A noção de crítica, por sua vez, segundo Fairclough (2001, p. 28), deve-se à postura engajada, ao comprometimento político, pois implica ―[...] mostrar conexões e causas que estão ocultas; implica também intervenção‖. É crítica porque, de acordo com Resende & Ramalho (2011, p. 36), se configura como abordagem relacional/dialética, ―[...] orientada para a compreensão dos modos como o discurso trabalha na prática social, especialmente no que se refere a seus efeitos em lutas hegemônicas‖. Segundo Fairclough (2003), o discurso figura de três principais formas na prática social: como gênero, ou seja, modos de (inter)agir discursivamente; em segundo lugar, figura nas representações, que são sempre partes das práticas sociais. Diferentes discursos podem representar a mesma área do mundo de diferentes perspectivas ou posições; por fim, discurso figura como estilo, pois atua conjuntamente com expressões corporais ao constituir modos particulares de ser, identidades sociais e autoidentidade. Esses conceitos podem operar como pontes entre disciplinas e teorias, estabelecendo o diálogo entre elas, como a ADC, a Linguística Sistêmico-Funcional e as Ciências Sociais. Neste artigo, exploraremos o significado representacional, abordando especificamente a categoria da interdiscursividade, que diz respeito aos discursos articulados no texto, bem como à maneira como são remixados com outros discursos. Apesar de envolver a hibridização de discursos, gêneros e estilos, normalmente, por meio da análise da interdiscursividade, investigam-se ―[...] discursos articulados em textos e suas conexões com lutas hegemônicas mais amplas‖. É uma categoria representacional, vinculada a formas específicas de representar o mundo (RESENDE & RAMALHO, 2011, p. 142). A interdiscursividade é uma característica dos gêneros discursivos, considerada por Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 13) como uma prática híbrida. O hibridismo não é uma questão de movimento de práticas ‗puras‘ para práticas híbridas – as pessoas estão sempre atuando com práticas que já são híbridas (como a mescla de linguagem acadêmica e informal no discurso político...) [...] O hibridismo como tal é inerente a todos os usos sociais da linguagem. Mas as circunstâncias sociais particulares criam graus particulares de estabilidade e durabilidade para articulações particulares, e potenciais particulares para a combinação de práticas de novas formas.

O conceito de interdiscursividade enquanto prática híbrida é muito produtivo para analisar materiais semióticos contemporâneos, uma vez que as revistas, por exemplo, são constituídas não somente por diferentes linguagens, mas por diferentes discursos, que se mesclam, permitindo variadas interpretações por parte dos leitores ou orientando essas interpretações de maneira tendenciosa. Para realizar este estudo, no âmbito da ADC, três noções também são fundamentais: poder, identidade e manipulação, elementos que se imbricam e se relacionam dialeticamente nas práticas sociais. O poder é concebido pela ADC com base em duas óticas que se complementam: primeiro, em consonância com Foucault (2012), é compreendido como invisível e regulador. Em sua abordagem genealógica

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do sujeito moderno, Foucault põe em relevo o papel do poder disciplinar como profundamente regulador. Instituições como hospitais, prisões, escolas, são fortemente caracterizadas pela vigilância e pelo controle. Quanto mais organizado for o regime disciplinar institucional, mais o sujeito se policia, controla-se, isola-se, individualiza-se. Segundo, o poder é compreendido como forma de dominação, uma vez que estabelece relações causais entre as práticas sociais institucionais e as posições dos sujeitos na vida social. Para Van Dijk (2015), o poder social caracteriza as relações entre grupos, classes e atores sociais. O poder individual é menos relevante para as análises em ADC ao passo que as relações de poder e controle social manifestadas na interação social constituem importante objeto de interesse. Para o exercício efetivo do poder por meio do discurso, uma condição importante é o controle sobre a própria produção do discurso. Segundo Van Dijk (2015, p. 45), as empresas de comunicação de massa e seus proprietários, por exemplo, ―[...] controlam tanto as condições financeiras quanto as tecnológicas de produção de discurso‖. A produção dos discursos hegemônicos é controlada pelo que se pode chamar de elites simbólicas, tais como jornalistas, artistas, escritores, acadêmicos, diretores e outros grupos que exercem o poder com base no ―capital simbólico‖, determinando a agenda da discussão pública (BOURDIEU apud VAN DIJK, 2015, p. 45). Considerando o caráter transdisciplinar da ADC, para delinear a segunda noção – identidade -, em termos teóricos, é preciso estabelecer um diálogo com os estudos culturais críticos no contexto da pósmodernidade. Para Hall (2006), a concepção de identidade no mundo contemporâneo tem se apresentado de maneira muito distinta em relação às épocas anteriores. As velhas identidades entraram em declínio e o sujeito moderno passou a construir sua identidade por meio de processos complexos marcados pela fragmentação. Segundo Giddens (2002), três elementos importantes caracterizam a dinamicidade da vida moderna: a separação de tempo e espaço, os mecanismos de desencaixe e a reflexividade institucional. Consequentemente, a vida social e as identidades sociais são afetadas por esses elementos, em um processo dialético que envolve o local e o global. O eu se torna, assim, um ―projeto reflexivo‖ e sua identidade se caracteriza pelo caráter móvel. Para pesquisar as relações existentes entre mídia e política no contexto pós-moderno, com foco na representação de sujeitos públicos, a noção de identidade é central. Por meio dessa noção, torna-se possível investigar as manifestações de poder atreladas às relações sociais assimétricas que são mediadas pela linguagem em textos de circulação nacional. Os processos discursivos de representação estão interconectados às relações de poder, que perpassam as relações sociais nas mais diferentes instituições que integram a esfera pública, incluindo a mídia. Para finalizar, uma noção relevante para a análise de material semiótico midiático deve ser posta em relevo: a noção de manipulação. Segundo Van Dijk (2015, p. 234), a manipulação se desenvolve por meio da fala ou escrita, e é uma forma de interação que implica exercício de poder. Para o autor, essa noção não é a mesma utilizada pela física ou medicina, que está relacionada ao ato de mover objetos com as mãos, mas tem a ver com as formas comunicativas ou simbólicas de manipulação, ―[...] tal como os políticos ou a mídia manipulam seus eleitores e leitores‖, por meio de algum tipo de influência discursiva. A manipulação ocorre quando um manipulador exerce poder e controle sobre outras pessoas, geralmente contra a vontade delas. É um conceito que sempre apresenta uma conotação negativa, porque consiste em algum tipo de prática que viola as normas sociais. A manipulação envolve poder e dominação e implica ―[...] o exercício de uma forma de influência deslegitimada por meio do discurso: os manipuladores fazem os outros acreditarem ou fazerem coisas que são do interesse do manipulador, e contra os interesses do manipulados‖ (VAN DIJK, 2015, p. 234). De acordo com Van Dijk (2015), a influência ilegítima da manipulação também pode ser exercida por diferentes materiais semióticos, como fotos, imagens, filmes e outras mídias. Muitas das formas atuais de manipulação em textos se constituem pelo caráter multimodal. Se não fosse seu teor negativo, a manipulação poderia ser compreendida simplesmente como uma forma de persuasão. A diferença entre manipulação e persuasão está na posição ocupada pelos interlocutores. Na persuasão, os sujeitos são livres para acreditar no que quiserem e agir como desejarem. Na manipulação, Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 15


os sujeitos ocupam papel passivo, uma vez que se constituem como vítimas dos processos de manipulação (VAN DIJK, 2015). Com base nessas noções, torna-se possível realizar uma análise mais coerente e aprofundada sobre os processos de representação na mídia. Mídia e política: o caso da revista Isto É No contexto pós-moderno, as relações entre Mídia e Política se acentuam. O que antes era objeto estrito do campo político hoje se estende a outros campos, como o midiático. Tal processo faz surgir novas formas de os sujeitos se relacionarem com a política e com a vida social. O impacto do discurso midiático no cotidiano tem-se tornado cada vez mais profundo se considerarmos seu alcance de circulação. Além disso, a mídia passou a exercer outras funções sociais, não apenas propagando a informação, mas influenciando decisivamente os processos de identificação dos sujeitos em relação a determinadas práticas, ideologias e comportamentos. Jornais televisivos e impressos, revistas e diários eletrônicos têm exercido influência crucial não somente na maneira como os sujeitos se relacionam com o campo político, mas também na forma como as autoridades políticas são vistas/percebidas/avaliadas pela população. A mídia se constitui, assim, um ―[...] palco de intensa luta política, de interesses e controle‖ (GOMES, 2011, p. 12). Além disso, políticos, assessores, sindicalistas, cônjuges, filhos, subordinados e até mesmo anônimos se tornam, para as instituições midiáticas pós-modernas, fonte de informação para promover o enaltecimento ou a difamação de importantes figuras políticas. É preciso reconhecer também que a mídia passou a funcionar como o canal mais importante entre a política e a população, orientando-se por uma lógica na qual a tônica são os interesses pessoais e partidários, os quais alimentam os sistemas políticos hegemônicos dominantes. A suposta neutralidade cedeu lugar ao discurso tendencioso que já não aparece mais sob o signo da sutileza. Concordando com Spink & Spink (2006 apud GOMES, 2011), percebe-se, dessa forma, que a mídia não é boa ou ruim, neutra ou parcial, mas substancialmente contraditória, assim como qualquer rede de práticas sociais. A mídia, cuja função social precípua é fornecer serviços à população por meio da informação, quando o assunto é política, passa a exercer outros papéis, atendendo a interesses de políticos e partidos. Além disso, o público-alvo também decide pela agenda das instituições midiáticas, determinando o que será veiculado bem como a maneira como será veiculado. Para atender a esses diversos interesses, as instituições midiáticas mobilizam diferentes estratégias discursivas como, por exemplo, a seleção de vozes e discursos especializados para a criação da identidade social de políticos, quase sempre seguindo uma lógica dual: promover ou destruir. Neste texto, analisaremos a maneira como a revista Isto É representa a presidenta Dilma, partindo do que Fairclough (1995) denomina de ―ordem do discurso político midiatizado‖. Por meio da categoria da interdiscursividade, observaremos como a presidenta é representada na matéria ―Uma presidente fora de si‖, da autoria de Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco. Em suma, constata-se que os discursos de diferentes campos, especialmente o psiquiátrico, o militar e o da história, arrolados pela matéria em referência, são articulados com a finalidade de manipular o público leitor e de comprovar, publicamente, que a presidenta Dilma, no período pré-impeachment, está, supostamente, ―louca‖. A Isto É, de circulação nacional, é reconhecida em todo território como revista elitista e tendenciosa que favorece políticos e partidos conservadores, integrando, juntamente com as revistas Veja e Época, os jornais Folha de São Paulo, Estadão e O Globo, e a grande maioria das emissoras de televisão, especialmente a Rede Globo, a mídia hegemônica brasileira. Desde o período em que se iniciou o primeiro mandato do ex-presidente Lula, a revista Isto É tem produzido matérias de forte inclinação político-ideológica, com o intuito de difamar o governo de esquerda e, provocar, como consequência, o rechaço dos eleitores em relação ao partido. No governo de Dilma Rousseff, tal posicionamento se acentuou, em especial no último mandato, período em que ocorreram as eleições presidenciais. Seguindo essa orientação ideológica, ao longo dos anos, a Isto É foi construindo uma 16 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


representação negativa do Partido dos Trabalhadores (PT) e, principalmente, da presidenta Dilma Rousseff, sempre associando o partido e a presidenta a práticas políticas antiéticas. Em 2016, com o intuito de obter adesão da população ao movimento pró-impeachment, as publicações por parte da referida revista se tornaram mais agressivas. Borrando cada vez mais as fronteiras entre público e privado, a Isto É veiculou diversas matérias relacionadas à vida profissional e pessoal da presidenta. A avaliação negativa acerca do desempenho da presidenta Dilma Rousseff quase sempre constituiu o foco desses textos, o que contribuiu para construir uma identidade social muito pouco positiva dela para o Brasil e para o mundo. Análise do discurso: interdiscursividade e manipulação Serão analisados, neste texto, alguns discursos presentes na matéria em referência. Compreendemos que o texto jornalístico como prática discursiva vinculada ao campo midiático, além de representar Dilma Rousseff, permite ao leitor diferentes interpretações sobre os fatos tratados. Apontaremos algumas formas de representação de Dilma Rousseff veiculadas pela mídia analisada, que seguem uma orientação argumentativa de deslegitimação. Dentre as variadas passagens que a representam, destacamos, inicialmente, as seguintes: (1) ―Uma presidente fora de si” (p. 31). (2) ―Bastidores do planalto nos últimos dias mostram que a iminência do afastamento fez com que Dilma perdesse o equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país‖ (p. 32). (3) ―A descompostura presidencial não escolhe vítima‖ (p. 34). (4) ―A mandatária está irascível, fora de si e mais agressiva do que nunca” (p. 34) (5) ―A maneira temperamental de lidar com as situações não é nova, embora tenha se agravado nas últimas semanas‖ (p. 37). Pode-se identificar, materializada nas escolhas linguísticas, a caracterização de um sujeito que está descontrolado, revelada, sobretudo, nos fragmentos ―fora de si‖, ―perdesse o equilíbrio e as condições emocionais‖, ―descompostura‖, ―irascível‖, ―mais agressiva do que nunca‖ e ―temperamental‖. Observase que Dilma Rousseff é representada não somente como um sujeito que perdeu o controle de si, mas que é também muito agressiva, tornando-se um inimigo público que precisa ser contido e que faz jus ao impeachment. A revista reforça, de forma tendenciosa, a imagem negativa de Dilma Rousseff, avaliando-a, ética e moralmente, como incapaz de governar o Brasil por meio da utilização de qualificadores pouco comuns ao discurso jornalístico e ao gênero reportagem. O texto se caracteriza mais pela narrativização com ênfase em julgamentos do que pela exposição. Para White (2005 apud Gomes 2011, p. 21), o julgamento é o ―campo de significados através dos quais construímos nossas posições em relação ao comportamento humano. Os julgamentos de sanção social têm a ver com a veracidade (quão sincero alguém é) e a propriedade (quão ético ele é)‖. Torna-se difícil saber o quão sincero e ético é o julgamento social presente na referida matéria, especialmente porque as avaliações baseiam-se em discursos de um ator social não especificado. A falta de especificação acontece principalmente por meio da utilização recorrente do artigo indefinido. É sempre ―Um integrante do primeiro escalão‖ que diz...; ―Um de seus assessores lembra...‖ (p. 36); ―Um presidente de uma instituição estatal foi chamado…‖ (p. 36); ―Um importante assessor palaciano‖… (p. 37). Dessa forma, o texto mais se aproxima do discurso presente em gêneros de entretenimento do que do jornalismo, não cumprindo sua função social precípua de meio de comunicação de massa. Além dessas passagens, verificamos que os autores arrolam discursos de diferentes campos para confirmar a ideia que foi defendida em toda a matéria: a de que a presidenta está ―louca‖. Na terceira página da reportagem, cita-se, de forma breve, o modelo clássico da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross que descreve os cinco estágios pelos quais as pessoas passam ao lidar com a perda da lucidez (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 17


Segundo os autores da matéria, Dilma Rousseff estaria entre dois primeiros estágios: ―[...] além dos surtos de raiva, a presidenta, segundo relatos de seus auxiliares, apresenta uma espécie de negação da realidade‖ (p. 36). No entanto, o suposto diagnóstico não é assumido por nenhuma autoridade do campo. Os autores da matéria, jornalistas de profissão, colocam-se na posição discursiva de psiquiatras capazes de avaliar o quadro de sanidade mental de Dilma Rousseff. Assim como nas passagens anteriores, eles não abonam de forma clara e específica nenhuma das afirmações que fazem. Em seguida, na matéria, os autores trazem o discurso militar para analisar o desempenho de Dilma Rousseff. Depois de apresentarem a afirmação de que um líder é posto à prova exatamente em momentos de crise, os autores citam o depoimento de Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército prussiano, depois de aposentado, que consta em uma entrevista. Questionado sobre como se sentia como um general invicto e o mais bem-sucedido militar do século XIX, Moltke respondeu: ―Não se pode dizer que sou mais bemsucedido. Só se pode dizer isso de um grande general, quando ele foi testado na derrota e na retirada. Aí se mostram os grandes generais, os grandes líderes e os grandes estadistas‖. Segundo a Isto É, ―Dilma sucumbiu ao teste a que Moltke se refere‖, uma vez que ―[...] os surtos, os seguidos destemperos e a negação da realidade revelam uma presidenta completamente fora do eixo e incapaz de gerir o país‖. Por que trazer esse discurso para a matéria? Ora, o público-alvo da revista Isto É é constituído predominantemente por pessoas de classe média e alta que se identificam com o discurso conservador de direita. Ao arrolar o discurso militar, a revista indicia sua filiação a uma política conservadora e mais: atende aos interesses das referidas classes, manipulando-as cada vez mais. Além de tendenciosa, a revista publica exatamente o que os leitores querem ler. Para finalizar, nas duas últimas páginas, os autores trazem o discurso da história, mobilizando o caso de Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, conhecida popularmente como ―Maria I, a Louca‖, a primeira mulher a ocupar o trono de Portugal e a primeira rainha do Brasil. Segundo os autores, um psiquiatra observou que ―[...] os sintomas de sandice e de negação da realidade manifestados por Maria I se agravaram na medida em que ela era colocada sob forte pressão‖. Considerando seu estado médico, era necessário que ocorresse o seu impedimento, pois ―[...] quanto mais pressão, mais sua consciência se obnubilava‖. Reforça-se, assim, por meio da história de Maria I, a tese defendida na matéria. Dilma Rousseff também se encontra, coincidentemente, na mesma situação da personagem em referência. Logo, é necessário impedi-la. Ela não está mais em condições de governar o país. Os autores da matéria já estão prevendo o final da trajetória política da presidenta. Nas entrelinhas, é fácil captar a sugestão de que é preciso tomar uma atitude mais drástica em relação à presidenta, ou seja, realizar o impeachment. Temos, assim, no texto ―Uma presidente fora de si‖, um evidente exemplo de representação negativa de Dilma Rousseff, construído com base em discursos de diferentes campos, colocando-a na posição de inimigo público, de sujeito que não possui mais controle sobre seus atos e comportamentos. Arrolando o discurso psiquiátrico, militar e histórico, a matéria tenta construir uma imagem de mulher que perdeu ou está perdendo a sanidade mental, não sendo mais capaz de governar o país, e que, portanto, merece o impeachment. Percebemos, dessa forma, que o discurso polifônico construído pela revista a favor do impeachment está vinculado ao discurso da mídia hegemônica brasileira que se volta para a política conservadora de direita, servindo aos grupos dominantes com vistas à reprodução do seu poder e funcionando como dispositivo de manipulação. Segundo Van Dijk (2015), a manipulação é uma prática social ilegítima porque viola regras sociais gerais. É ilegítima porque serve aos interesses de um grupo, nesse caso, as elites majoritárias, as elites simbólicas, sendo contra os interesses da população, especialmente da população menos esclarecida e de baixo poder aquisitivo. Em suma, numa sociedade democrática, a manipulação é ilegítima porque reproduz ou pode reproduzir desigualdade. Na reportagem analisada, é possível identificar diferentes recursos de manipulação construídos por meio da estratégia global de autoapresentação positiva e outra-apresentação negativa, bastante típica em

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relatos tendenciosos. Como propõe Van Dijk (2015, p. 252), essa estratégia global pode ser aplicada nas estruturas de diferentes níveis do discurso. Constata-se que as estratégias presentes na matéria se voltam predominantemente para o Outro, nesse caso, Dilma Rousseff, em tom de depreciação. Na tentativa de sugerir imparcialidade, estratégia própria aos meios de comunicação de massa, a revista não se coloca na condição de instituição com imagem positiva. A preocupação é sempre em produzir uma representação negativa da presidenta, utilizando diferentes recursos de manipulação. Em ―Uma presidente fora de si‖, identificamos exatamente as mesmas estratégias de manipulação arroladas por Van Dijk (2015). Para exemplificar, construímos um quadro elencando tais estratégias e as respectivas passagens que as representam. No entanto, como já dito, exemplificaremos os itens no que diz respeito somente à representação negativa, nesse caso, de Dilma Rousseff. É importante ressaltar que algumas das passagens extraídas da matéria poderiam figurar em diferentes estratégias de manipulação. Estratégias de manipulação (Van Dijk, 2015, p. 252-253) Estratégias de interação gerais: - autoapresentação positiva; - outro-apresentação negativa. Macroato de fala indicando Nossos ―bons‖ atos e os ―maus‖ atos dos Outros; p. ex. acusação, defesa. Macroestruturas semânticas: seleção de tópicos: (des)enfatizar pontos negativos ou positivos sobre Nós/Eles. Atos de fala locais de discurso estabelecendo e sustentando atos de fala globais, p. ex. declarações que comprovem acusações. Significados locais de ações positivas/negativas Nossas/Deles: fornecer muitos/poucos detalhes; generalizar/ser específico; ser vago/preciso; ser explícito/implícito etc. Léxico: selecionar palavras positivas para Nós, palavras negativas para Eles.

Sintaxe local: orações ativas versus passivas, nominalizações; (des)enfatizar a agência, a responsabilidade positiva/negativa Nossa/Deles.

Passagens extraídas da reportagem ―Uma presidente fora de si‖ [...] a iminência do afastamento fez com que Dilma perdesse o equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país (p. 32). [...] completamente fora de si, Dilma quebra móveis dentro do Palácio, grita com subordinados, xinga autoridades [...] (capa) Os alvos do destempero – a descompostura presidencial não escolhe vítima. Sobra pra todo mundo (p. 34). (Título de seção) Dilma repete Collor: alheia aos fatos (p. 37). (Título de seção) Segundo relatos, a mandatária está irascível, fora de si e mais agressiva do que nunca (p. 34). Cale sua boca. Você não entende disso. Só fala besteira. (p. 35) - suposta reprodução de fala da presidenta. Dilma teria, segundo o testemunho de um integrante do primeiro escalão do governo, avariado um móvel de seu gabinete, depois de emitir uma série de julgamento (p. 34). (vaguidão por não especificar o ator social que proferiu tal discurso). A maneira temperamental de lidar com as situações não é nova. (p. 37). ... militante travestida de presidente da República (p. 39). Não bastasse a repetição da retórica cretina da campanha eleitoral, a presidente disse... (p. 39). Dilma cobrou Cardoso (p. 38). A presidente tenta disfarçar... (p. 39). Dilma converteu... (p. 39). (Dilma é sempre colocada na condição de agente, protagonizando todos os atos reprováveis) A presidente se entope de calmantes desde a eclosão da crise (p. 33) – hipérbole.

Figuras retóricas: hipérboles versus eufemismos para significados positivos/negativos; metonímias e metáforas enfatizando propriedades negativas/positivas Nossas/Deles. Expressões: sonoras e visuais: enfatizar (volume alto etc.; Você não percebeu que não posso atrasar, seu m... ande fonte grande, em negrito etc.) significados logo com isso senão está no olho da rua – vociferou a positivos/negativos; ordem (primeiro, segundo; na parte presidente contra o motorista do veículo da Presidência (p. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 19


superior/inferior da positivos/negativos.

página

etc.);

significados 35). Você está maluco? Vai se f...! É a presidente que está aqui (no avião). O que está acontecendo? – esbravejou a presidente depois de enfrentar uma turbulência a bordo do avião presidencial (p. 35). Quadro 1 – Estratégias de Manipulação

Nas passagens extraídas da matéria, constata-se a utilização de diferentes estratégias de manipulação. Dilma Rousseff é representada como uma autoridade política que perdeu o controle do governo e de si, por isso precisa ser contida. A seleção lexical, a estrutura dos enunciados, os depoimentos, as declarações, enfim, as passagens, de maneira geral, são construídas com o intuito de comprovar a tese de que Dilma Rousseff está ―louca‖. O processo de manipulação se materializa no texto de maneira clara. Não há insinuações ou críticas sutis, mas ofensas declaradas. Não é a persuasão que governa o texto, mas a manipulação. Na reportagem analisada, por meio das passagens destacadas, verifica-se evidente manipulação por parte dessa mídia, uma vez que as informações veiculadas são tendenciosas, construídas com o propósito de levar o público leitor a pensar que Dilma Rousseff está ―louca‖, e a concordar, finalmente, com o processo de impeachment. Considerações finais A representação de Dilma Rousseff na reportagem da revista Isto É é orientada por um viés, predominantemente, negativo. Com o intuito de comprovar publicamente que a referida presidenta está ―louca‖ e, portanto, faz jus ao impeachment, a Isto É arrola vozes e discursos de diferentes campos do saber para abonar suas declarações. No entanto, as avaliações e os julgamentos são sempre tecidos pelos próprios repórteres ou por atores sociais não especificados, que se colocam na condição de sujeitos autorizados para isso. Reconhecemos que o papel do jornalista, em um governo democrático, é informar à população a situação política do país de maneira mais próxima do real, sem manipulação. O jornalista pode e deve exigir que os políticos façam o trabalho para o qual foram designados, colocando em evidência, nas publicações, os temas que mais preocupam os leitores. Para isso, o ideal é que arrolem uma diversidade de vozes, possibilitando ao leitor o contato com diferentes discursos, com vistas à produção de suas próprias interpretações de forma autônoma. No entanto, o que se vê na mídia hegemônica brasileira é um jornalismo tendencioso a favor das elites majoritárias e da política conservadora de direita, como foi possível constatar na reportagem analisada. As vozes e os discursos arrolados na matéria em referência, em vez de beneficiar o leitor, por meio do acesso a diferentes pontos de vista sobre o assunto, se voltam sempre para um mesmo sentido. Há, em verdade, uma pluralidade de vozes caracterizadas pela monossemia. Além disso, é importante observar que a representação negativa construída pela mídia impressa oculta um preconceito não somente em relação à presidenta Dilma, mas em relação à mulher de uma maneira geral. Nenhum outro presidente, na história do Brasil, foi tão ofendido publicamente quanto Dilma Rousseff. Difamação, xingamento e agressão verbal contra a presidenta povoaram diferentes matérias e discursos veiculados pela mídia, como se nota na reportagem analisada. Em suma, a política conservadora de direita no Brasil, composta predominantemente por homens, brancos, pertencentes às elites majoritárias, não aceita a mulher ocupando cargos mais altos. Nenhum presidente foi considerado ―louco‖ na história política do Brasil. Nem Fernando Collor de Mello, primeiro e único presidente brasileiro destituído do cargo por meio do processo de impeachment, foi tão insultado quanto Dilma Rousseff. Nenhuma matéria jornalística à época julgou-o louco ou o tratou de maneira

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tão pejorativa. Dessa forma, observamos que o preconceito e discriminação contra Dilma Rousseff realmente oculta ainda um preconceito maior: o preconceito contra a mulher. Referências BAUER, Martin & GASKELL, George. (orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: manual prático. 9.ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2011. CHOULIARAKI, Lilie & FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in late modernity: rethinking Critical Discourse Analisy. Edinburgh University Press, 1999. FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: textual analisys for social research. Routledge: London, 2003. _______. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. _______. Media discourse. London; New York: Edward Arnold, 1995. FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 40.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. GOMES, Maria Carmen Aires. Corpo, política e tecnologização: um estudo da representação de Dilma Rousseff no contexto da mídia. Cadernos de linguagem e sociedade, Brasília, DF, v. 12, n. 1, p. 11-29, 2011. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. PARDELLAS, Sérgio & BERGAMASCO, Débora. Uma presidente fora http://istoe.com.br/450027_UMA+PRESIDENTE+FORA+DE+SI/. Acessado em 20 de maio de 2016.

de

si.

In:

RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise de Discurso (para a) Crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. _______. Análise de Discurso Crítica. São Paulo: Contexto, 2006. VAN DIJK, Teun. Discurso e poder. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2015. _______. Discurso e contexto. São Paulo: Contexto, 2012.

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O EXTREMO NORTE DA BAHIA E A SITUAÇÃO DE RUA: A REPRESENTAÇÃO DE AGENTES SOCIAIS EM NOTÍCIAS1 Carlos Henrique Alves dos Santos2 Aline Souza Santos3 Décio Bessa4 RESUMO Diante da relevância de estudar a problemática da ―situação de rua‖, o objetivo deste trabalho é analisar a representação de agentes sociais em notícias que tratem desse tema na Região Extremo Norte da Bahia, a partir da perspectiva da Análise de Discurso Crítica (ADC). O corpus da pesquisa é composto por quatro textos jornalísticos publicados em dois sites de notícias de Juazeiro: Ação Popular e Diário da Região. Utilizou-se como fundamentação teórico-metodológica os estudos de Fairclough (trad. 2001, 2003), Silva (2009), MDS (2008), van Leeuwen (1997) entre outros. Os resultados propiciaram a discussão de termos impróprios como ―morador/a de rua‖; porém, também há nomeação – que é rara em notícias. Destacamse perspectivas passivas, quando representados como beneficiários do Centro Pop, CREAS e SEDIS; e uma representação positiva é direcionada a essas instituições de assistência. Percebe-se uma diferenciação na representação de agentes sociais em situação de rua em nossa sociedade. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica; Situação de Rua; Extremo Norte da Bahia; Representação de Agentes Sociais; Notícia.

Introdução

O

s avanços e a ampliação do uso de tecnologias de comunicação têm propiciado, cada vez mais, o acesso a informações que estão em meio digital – elas conseguem atingir grande número de pessoas em um curto espaço de tempo. Desse modo, mostra-se relevante entender usos e implicações da linguagem relacionando-a com problemas sociais nessa ―sociedade da informação‖. Refletir sobre a relação entre linguagem e sociedade, compreendida como característica intrínseca de ambas, provocou o surgimento de diferentes estudos linguísticos5, entre os quais destacamos três: a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), elaborada por Michael Halliday (1985), atua com base nos princípios de interpretação de textos, do sistema e dos elementos da estrutura linguística; a Linguística Crítica (LC) desenvolveu análises da linguagem intensificando o olhar para relações sociais desiguais presentes em estruturas linguísticas de forma explícita e implícita; por fim, a Análise de Discurso Crítica (ADC), que considera o uso da linguagem em correlação com a prática social e atua na análise de discurso (a partir de textos, com descrição, interpretação e explicação), buscando lançar luz em aspectos discursivos de problemas sociais. Este trabalho vincula-se à ADC. Existem diferentes abordagens em ADC (WODAK; MEYER, 2016) e, neste artigo, optamos pela abordagem dialético-relacional de Norman Fairclough (2001, 2003, 2016), considerando, também, a teorização de van Leuween (1997) sobre a Representação de Atores Sociais. Assim, pretende-se

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Trabalho apresentado no GT.03 – Narrativas midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduando do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista do Programa de Iniciação Científica – PICIN/UNEB. Endereço eletrônico: carloshenrique.ceu@gmail.com. 3 Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Endereço eletrônico: aliness8023@gmail.com. 4 Professor Doutor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X. Teixeira de Freitas – BA. Endereço eletrônico: deciobessa@yahoo.com.br 5 A Sociolinguística é um deles. 22 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


analisar a problemática da situação de rua na Região Extremo Norte da Bahia 6, com foco na cidade de Juazeiro, observando a representação de agentes7 sociais em notícias que tratem desse tema. Questiona-se o modo como cidadãos e como cidadãs em situação de rua têm suas representações na mídia, por meio da análise de textos de sites de notícias que tratam da situação extrema de pessoas identificadas muitas vezes como ―moradores de rua‖ e, ademais, tratam de políticas públicas para essas pessoas. Análise de Discurso Crítica Há princípios e interesses comuns entre as pesquisas em ADC; conforme Wodak e Meyer (2009), as diferentes abordagens relacionam-se a um problema (isso demanda interdisciplinaridade), buscam desmistificar ideologias e poder a partir de semioses, explicitam sua posição, empregam metodologias científicas e autorrefletem sobre a pesquisa.8 A abordagem dialético-relacional de Fairclough (2001, 2003, 2016) preocupa-se com mudanças na vida social, econômica e cultural. Além disso, esta abordagem possui uma relação dialógica com outras abordagens teóricas e sociais, e, de forma crítica, trata de questões como desigualdades, injustiças. Os modos de estudo propostos por Fairclough (2003) partem de três significados: acional (gêneros), representacional (discursos) e identificacional (estilos). Os gêneros são formas de agir e interagir: notícias, charges, recados e entrevistas são exemplos de gêneros; os discursos correspondem a maneiras de construir/representar aspectos do mundo social, físico ou mental; e os estilos dizem respeito a identidades, modos de ser e formas de identificação em textos. Categorias de análise são empregadas como elementos base para analisar textos em um viés linguístico-discursivo. Sendo assim, várias são encontradas de forma detalhada em Fairclough (2001, 2003), como: intertextualidade, gênero discursivo, significado de palavras, representação de agentes sociais e interdiscursividade. Para as análises dessa pesquisa, foi empregada a categoria representação de agentes sociais que é apresentada em Fairclough (2003) como uma síntese de propostas de van Leuween (1997), sendo assim, também se considerou o trabalho deste autor, conforme veremos a seguir. Representação de Agentes Sociais A análise de agentes sociais designados (ou não designados, ou ausentes) em um texto permite compreender a maneira como são representados. Assim, considera-se que tal categoria analítica é relevante para a ADC. Van Leeuwen (1997) sugere alguns modos pelos quais agentes sociais podem ser representados e indica 50 possibilidades de representação inseridas em uma rede de sistema; entre elas, podemos destacar a noção de inclusão e exclusão; distribuição de papéis ativos e passivos; generalização e especificação; nomeação e categorização. Ressalte-se que, neste trabalho, será analisada a representação de agentes sociais com base em: distribuição de papéis ativos e passivos; nomeação e categorização. A ativação ocorre quando agentes sociais são representados/as de forma ativa e diligente em relação à determinada atividade. Já por passivação, agentes sociais são representados/as como receptores/as, submetendo-se à atividade. A ativação pode realizar-se por meio da possessivação; pronomes possessivos podem ser utilizados para ativar agentes sociais, por exemplo: ―nosso trabalho‖. Conforme van Leeuwen (1997, p. 188), a passivação se distingue entre sujeito e beneficiado. O sujeito é representado como objeto de troca e os beneficiados são receptores e clientes da atividade.

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Bessa (2014) e Bessa & Nunes (2013) apresentam pesquisas de ADC sobre situação de rua no Ceará e em Pernambuco. Optamos pelo termo ―agentes‖ por indicar a ação/agência de participantes em um texto e, também, para não utilizar o masculino genérico. A palavra empregada por van Leuween (1997) é ―atores‖. 8 História e perspectivas da ADC também podem ser encontradas em Bessa (2016). 7

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Quanto à nomeação, agentes sociais são identificados/as pelo nome; e na categorização, são designados/as em termos de suas identidades e de suas funções. A categorização pode acontecer por funcionalização: agentes sociais são representados/as por aquilo que fazem (trabalho ou função); e, por identificação: são referidos/as por aquilo que são. Ainda dentro da identificação, podemos destacar a identificação física, que é quando agentes sociais são representados/as pelas características físicas, com base na idade ou sexo. A diferenciação acontece quando um/a agente social é diferenciado/a de outro/a ou grupos de agentes sociais são diferenciados de outros, assim, ocorre a diferenciação entre a ―própria pessoa‖ (agente) e ―outra‖ ou entre ―nós‖ e ―eles‖/―elas‖. Quando se trata de análise de representação de agentes sociais em ADC, é interessante verificar quais escolhas são feitas e por que são feitas, quais interesses e propósitos atendem (VAN LEEUWEN, 1997). Situação de rua O grande número de pessoas em situação de rua no Brasil, sem o devido acesso aos direitos fundamentais (como igualdade, moradia, segurança, entre outros), é uma demonstração da desigualdade social que atinge cidadãos e cidadãs. A dimensão do problema é observada pela forma que a situação de rua é tratada em nosso país e internacionalmente, pela naturalização. Em relação às formas de preconceito e violência contra cidadãos e cidadãs em situação rua, destacamos que a utilização de denominações pejorativas e generalizantes como mendigos, vagabundos, deixa manifesto na linguagem a existência desse preconceito. De acordo com o MDS (2008a), os principais fatores motivadores da existência de pessoas em situação de rua são: quebra/fragilidade de vínculo familiar, desemprego, migração para os grandes centros urbanos em busca de oportunidades, uso de drogas lícitas e ilícitas; e ressalta que esses motivos podem se relacionar. Nesta perspectiva, para Silva (2009), a situação de rua é um processo social que surge juntamente com o desenvolvimento da vida urbana e industrial na Europa entre os anos 1800 e 1900, e está relacionada também a acumulação capitalista. A situação de rua emerge, então, da exploração da mão de obra no mundo do trabalho, já que essas pessoas migram do campo para a cidade 9, em busca de emprego. No entanto, o alto crescimento populacional na Inglaterra e a falta de estrutura faz com que essas pessoas recorram à rua como espaço de abrigo e sobrevivência. A concepção de desigualdade social ganhou notoriedade no Brasil na década de 1990, pois, nesse período, destacou-se a necessidade de analisar a situação de rua e as políticas sociais, possibilitando fazer algumas avaliações quanto ao perfil da população de rua no Brasil. Na última Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (MDS, 2008a), foi possível detectar que 82% da população em situação de rua são homens, 74% do total de entrevistados/as sabem ler e escrever e 88,5% não são atendidos/as por nenhum órgão governamental. Outra observação importante é que, como mencionado, a situação de rua enfrenta a naturalização da problemática, e uma demonstração é a recorrência do uso do termo ―moradores de rua‖ para tratar da situação de rua. Entende-se que esse não é um termo adequado, pois remonta uma situação fixa, além do antagonismo de se dizer ―morar‖ na ―rua‖ com a mesma tranquilidade como se diz ―morar em casa‖. Conforme o MDS (2008b), pessoas em situação de rua são compreendidas como um grupo heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema e que utiliza logradouros públicos e/ou áreas degradadas como espaço de abrigo e sustento, podendo utilizar albergues para pernoitar e abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias.

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Nesse período inicial. Atualmente, no Brasil, a preponderância não é de origem rural (MDS, 2008a).

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Metodologia O estudo constitui-se em coleta, seleção e análise de notícias referentes à situação de rua em dois principais sites de notícias da região Extremo Norte da Bahia durante o período de 2012 a 2016. As empresas de comunicação selecionadas em virtude de maior número de acessos aos respectivos sites foram: Diário da Região e Ação Popular (ambas são de Juazeiro). Juazeiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE (2016) 10, é uma cidade com 6.500,691 km², com uma população estimada em 220.253 habitantes e que possui um IDHM de 0,677. Juazeiro é a cidade que mais possui indústrias no Vale do São Francisco. Em Juazeiro, os sites de notícias traziam informações de todo Extremo Norte da Bahia e também de outros estados, como Pernambuco – da cidade de Petrolina. Quanto a situação de rua em Juazeiro, destaca-se que o maior número de notícias encontradas nesses sites relacionam-se ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), que é uma instituição pública de assistência social prevista no Decreto n° 7.053/2009 (BRASIL, 2009). O corpus desta pesquisa é composto por quatro notícias, duas de cada site:  do Diário da Região (DR1) – ―Pessoas em situação de rua participam de evento no Centro POP em Juazeiro‖, de 20/06/201511. Esta notícia fala sobre a realização de um evento promovido pelo Centro POP. O texto traz alguns relatos de pessoas em situação de rua, além de entrevista com a coordenadora do evento e com a secretária da Secretaria Nacional de Desenvolvimento e Igualdade Social – SEDIS.  do Diário da Região (DR2) – ―Representantes da SEDIS participam de reunião para implantação de Unidade de Acolhimento em Juazeiro‖, de 27/04/201612 . O texto trata da participação de representantes da SEDIS e de outras organizações assistenciais para a fundação de uma Unidade de Acolhimento em Juazeiro. A informação apresenta a importância de ter uma Unidade de acolhimento, em Juazeiro, que abrigue pessoas em situação de rua durante a noite.  do Ação Popular (AP1) – ―Equipes do Centro POP e CREAS realizam abordagem social nas ruas de Juazeiro‖, de 20/04/201513. Aborda o trabalho de divulgação de funcionários do Centro POP em parceria com o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, com a finalidade de dar informações para pessoas em situação de rua sobre seus direitos e deveres sociais e também sobre os serviços públicos prestados na cidade. São apresentados relatos de: pessoas em situação de rua, Secretária da SEDIS e Assistente do Centro POP.  do Ação Popular (AP2) – ―Idoso em situação de rua e sem memória procura parentes‖, de 04/09/201314. Trata-se do fato de um senhor em situação de rua estar sob acompanhamento institucional. Uma moradora da cidade viu a circunstância, acolheu a pessoa e acionou o serviço institucional. O CREAS atendeu o idoso e constatou a falta de memória do mesmo.

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Dados do Censo Populacional IBGE/2016, disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=291840 >. Acesso em 4 fev. 2017. 11 Disponível em: <http://www.odiariodaregiao.com/pessoas-em-situacao-de-rua-participam-de-evento-no-centro-pop-em-juazeiro/>. Acesso em: 18 jan. 2017. 12 Disponível em: <http://www.odiariodaregiao.com/representantes-da-sedis-participam-de-reuniao-para-implantacao-de-unidade-de-acolhimen to-em-juazeiro/>. Acesso em: 18 jan. 2017. 13 Disponível em: <http://acaopopular.net/jornal/equipes-do-centro-pop-e-creas-realizam-abordagem-social-nas-ruas-de-juazeiro/>. Acesso em: 18 jan. 2017. 14 Disponível em: < http://acaopopular.net/jornal/idoso-em-situacao-de-rua-e-sem-memoria-procura-parentes/>. Acesso em 18/01/2017. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 25


É possível que estas notícias, do Diário da Região e do Ação Popular, tenham origem institucionais, ou seja, tenham sido escritas (ou solicitadas) por Assessoria de Comunicação Municipal ou SEDIS. Dessa possibilidade emergem dois aspectos negativos: as instituições podem ter mandado o texto pronto para a publicação, o que simularia uma matéria jornalística; e, se evidencia o nível de importância que os sites, particularmente, teriam dado à temática da situação de rua e às políticas públicas correlacionadas. Análise das notícias A representação de agentes sociais, nos quatro textos selecionados, será observada em sua correlação linguística, discursiva e social . Em todas as notícias, verifica-se a presença de representações por ativação, passivação, diferenciação, nomeação e categorização. Em DR1, foram encontrados cinco agentes nomeados/as no texto: Márcia Moura (coordenadora do Centro POP); Lindsal Amaral (Secretária da SEDIS); um casal paraibano Simonilson da Silva (cidadão em situação de rua, identificado como ―morador de rua‖) e Eliane Moraes (cidadã em situação de rua, identificada como ―moradora de rua‖); João Gomes (cidadão em situação de rua, também identificado como ―morador de rua‖). Há agentes sociais representados com papéis ativos; e outros, passivos. Apresenta-se o seguinte trecho retirado do segundo parágrafo da notícia do DR1: ―Fico muito feliz por existir o Centro POP, que tem nos acolhido tão bem, oferecendo carinho, atenção, alimentação, entre outras coisas. Hoje a equipe está nos oferecendo um dia especial, [...]‖. Nesse trecho, ―oferecendo‖ é um verbo regular que está no gerúndio e traz a ideia de que alguém está sendo beneficiado. Com esse relato direto, é realizada a representação do agente social João Gomes por passivação, uma vez que este é representado como beneficiário das atividades do Centro POP. Também encontramos, na notícia em análise, a presença de mais agentes sociais representados por passivação: ―Muita coisa melhorou depois que a gente se cadastrou para ser atendido aqui‖ disse Simonilson da Silva; e a agente Eliane Moraes, esposa de Simonilson, além de ser referenciada pela identificação conjugal, explica: ―Essa equipe é nota 10, a gente só tem a agradecer o carinho e os cuidados que recebemos aqui‖. Assim, as palavras ―atendido‖ e ―recebemos‖ realiza o sentido de beneficialização, por meio de participação. Na notícia, as pessoas em situação de rua participam do evento, mas a possibilidade de contemplar sugestões dadas por usuários atendidos é bastante restrita, uma vez que são destacados somente relatos que prestigiam as atividades promovidas pelo Centro POP, CREAS e SEDIS. Embora indique ações que atendam a Política Públicas, seria necessário o Centro POP de Juazeiro também indicar uma própria perspectiva de refletir sobre os trabalhos desenvolvidos e resultados atingidos, no sentido de promover uma gestão participativa, buscando identificar possíveis falhas do serviço e o que precisa ser melhorado. No terceiro parágrafo do mesmo texto, a coordenadora do Centro POP relatou: Preparamos com todo carinho, um dia especial, onde eles tomaram um café da manhã reforçado, participaram do momento de oração, de apresentação musical, do almoço festivo, assistiram palestra, deram um trato no visual com a equipe do Instituto Embelezze, e a nossa equipe iniciou o censo, que vai contribuir para termos mais informações sobre a população de rua no município. (DIÁRIO DA REGIÃO, 2015)

Aqui, a agente social Márcia Moura está representada por ativação ao desempenhar o papel de organizadora do evento ―preparamos‖. Também, percebe-se que em sua fala aparece o uso do pronome possessivo ―nossa‖ em ―nossa equipe‖. Conforme Van Leeuwen (1997), ocorreu a possessivação, pois há o uso do pronome possessivo para ativar a agente social. As pessoas em situação de rua também são ativadas nesta notícia, quando a agente diz: ―participaram‖ e ―assistiram‖, contudo, como identificado acima, há também a ocorrência da passivação desses/as agentes. Verifica-se também a ativação no comentário de Lindsai Amaral: ―Promovemos uma ação de garantia de direitos, com diversas atividades para os assistidos do Centro POP‖. A agente social age de forma ativa no 26 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


processo de prestar assistência às pessoas em situação de rua: ―promovemos‖. Tais escolhas, e a consequente ênfase em ativar os funcionários do Centro POP e passivar as pessoas em situação de rua, indica que representações positivas foram direcionadas às instituições, no intuito de realçar seus próprios serviços. Outrossim, observa-se a representação do agente social João Gomes no seguinte trecho retirado de DR1: ―João Gomes, que faz artesanato com material reciclável, disse que não tinha informação desta data, mas que ficou satisfeito em saber que existe um dia no calendário para lembrar das pessoas que vivem nas ruas, tão discriminadas e esquecidas pela sociedade‖. Por que ele disse ―esquecidas pela sociedade‖? Ele não se sente parte da sociedade a qual pertence? Dessa forma, pode-se dizer que há demarcado nessa representação a diferenciação entre ―nós‖ (pessoas em situação de rua) e ―eles/elas‖ (sociedade). Uma via de mão dupla que retrata o absurdo social da compreensão equivoca de muitos/as – tanto de quem está em situação de rua quanto de quem não está –, que o cidadão ou a cidadã em situação de rua não está na sociedade, não faz parte dela, por isso ―são esquecidos‖. Quanto à notícia de DR2, salientam-se: o nome da Diretora de Programas e Projetos da Secretaria de Desenvolvimento e Igualdade Social (SEDIS) de Juazeiro, Eliete Castro; a Gerente de Proteção Especial, Fátima Macedo; a Superintendente da Superintendência de Assistência Social (SAS), Márcia Moraes de Carvalho; a Coordenadora da COAC, Sandra Barros; técnicos dos municípios de Paulo Afonso e Alagoinhas que não foram representados por meio da nomeação, além das pessoas em situação de rua que foram referenciadas, todavia, sem ser nomeadas. Diversos agentes sociais foram representados no texto, mas aparece somente o relato de Eliete Castro: ―Hoje temos o Centro POP, onde essas pessoas têm a oportunidade de passar o dia, fazer suas refeições, onde têm um apoio. Mas é preciso um lugar onde eles possam também permanecer à noite‖. Nesse excerto, evidencia-se, a palavra ―temos‖, demonstrando que a agente social está representada por ativação; o uso dessa lexia vincula-se à ideia de viabilização das atividades realizadas pelo Centro POP. A passivação das pessoas em situação de rua é comprovada mais uma vez, quando a expressão ―apoio‖ é atribuída aos serviços assistenciais que recebem da instituição. Conforme destacado, há mais agentes sociais incluídos na notícia e estão representados ativamente, pois a leitora ou o leitor, a partir do contexto, pode inferir que são profissionais envolvidos/as na ação de prestar assistência às pessoas em situação de rua. Essa representação indica que somente os representantes das instituições assistenciais participaram das discussões sobre a intenção de implantar uma unidade de acolhimento em Juazeiro. As pessoas em situação de rua que poderiam ser representadas ativamente nesta atividade são apenas referenciadas de forma indireta. Seria importante trazer para a discussão quais as demandas das pessoas em situação de rua de Juazeiro, tendo em vista que já foi feita uma abordagem social no ano anterior à data de publicação desta notícia. O fato de haver um esforço por parte das instituições em indicar eficiência nesses serviços, demonstra a intenção de se auto avaliarem. Dessa forma, seria importante não só prezar pelo protagonismo da instituição, mas também viabilizar a participação social, a discussão com cidadãs e com cidadãos que utilizam esses espaços e com a comunidade em geral. Em AP1, encontram-se as seguintes agentes sociais representadas: Fátima Carvalho (gerente de Proteção Social Especial da Secretaria de Desenvolvimento e Igualdade Social – SEDIS); Elizete Freire, a assistente social do Centro POP; e duas pessoas em situação de rua: Sidnei Borges, de 41 anos, e João Freire, de 50 anos. Assim como em DR1, as pessoas em situação de rua são nomeadas. O assunto da notícia é a abordagem social nas ruas, realizada por equipes do Centro POP e CREAS. Segundo a gerente da SEDIS, o intuito do projeto é realizar o cadastramento das pessoas em situação de rua para que elas possam utilizar os serviços dos respectivos Programas Sociais. No segundo parágrafo do texto, a agente social, nomeada como ―Fátima Carvalho‖, foi referenciada como gerente da SEDIS. No quinto e sexto parágrafo, as pessoas em situação de rua nomeadas como Sidinei Borges e João Freire, são referenciadas como ―moradores de rua‖; e, no último parágrafo, a agente social nomeada como ―Elizete Freire‖ foi referenciada como ―assistente social do Centro POP‖. Dessa forma, verificase que essas agentes sociais e esses agentes estão representados por categorização, ora por funcionalização Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 27


―gerente‖ e ―assistente‖, ora por identificação ―morador de rua‖ (e ―morando nas ruas‖). A funcionalização consiste em representar agentes sociais com base em determinada atividade, isto é, em relação ao que fazem . A identificação acontece quando agentes sociais são definidos em termo daquilo que são (VAN LEEUWEN, 1997, p. 202). Os funcionários do Centro POP são nomeados e funcionalizados, suas profissões e cargos são apresentados de forma bem marcada, enquanto as pessoas em situação de rua também são nomeadas, mas identificadas como ―moradores de rua‖. O fato de a notícia ter utilizado termos semanticamente pejorativos, mesmo utilizando algumas vezes formas apropriadas, reforça o problema do preconceito contra essas pessoas e dificulta a o processo de superação do problema social, uma vez que ―morar na rua‖ remete a ideia de situação fixa e permanente. Isso difere de formas mais adequadas como cidadão/cidadã em situação de rua ou ―pessoas em situação de rua‖, como registra Rosa (2005). Em AP2, temos a representação social da agente ―Valdete‖, o texto, de forma imprecisa, possibilita a compreensão de que ela foi referenciada como ―moradora do bairro São Geraldo‖, nomeada sem sobrenome. Há também a representação do cidadão em situação de rua que não foi nomeado, mas categorizado por identificação física por meio da referência ―idoso em situação de rua‖ e idade ―aproximadamente 65 anos‖. O senhor em situação de rua foi referenciado, mas não nomeado, pois não portava nenhum tipo de documentação e demonstrava perda de memória. Nessa notícia, é possível observar que há uma questão de ação humana e solidariedade tanto por parte de uma moradora de Juazeiro, quanto por parte do órgão competente que é o CREAS (embora esse atendimento faça parte de suas finalidades). Isso é um diferencial, pois prova que algo relevante está sendo feito por pessoas em situação de rua. Constata-se, além disso, uma adversidade, levando em consideração que não é possível saber se a pessoa tem estado em situação de rua ou se ela se encontra nessa circunstância recentemente. O Estatuto do Idoso vai garantir todo apoio à pessoa de idade avançada, inclusive institui como princípio das Entidades de Atendimento ao Idoso (BRASIL, 2003), a preservação dos vínculos familiares. Verifica-se que há uma ação de política pública do CREAS, não obstante, houve algum problema de alguma parte para que esse cidadão idoso chegasse a essa situação e isso precisa ser debatido. Considerações finais Como se pôde observar nas análises do corpus, um conjunto de agentes sociais envolvidos com a prestação de assistência a pessoas em situação de rua são representados por papéis ativos e positivos. Isso é uma amostra de como, tais instituições pretendem construir uma imagem favorável de si mesmas. Observou-se o envolvimento das Secretarias de Assistência Social com a problemática da situação de rua; de fato, houve um esforço em cumprir a obrigação de Lei e isso representa um avanço. Um problema, no entanto, é que o tema não é discutido com a participação de cidadãs e de cidadãos que utilizam esses serviços de assistência pública ou seus representantes em demais esferas da sociedade. Somente há, nessas notícias, avaliações positivas de cidadãs e de cidadãos que utilizam os serviços. É fundamental considerar a relevância de desenvolver políticas públicas que realmente atendam demandas de pessoas em situação de rua. Contudo, a execução, a ampliação e o aperfeiçoamento desses serviços devem acontecer de forma regular, tendo em vista as especificidades das instituições e das pessoas atendidas. Necessita-se, também, da atuação do poder público, de movimentos sociais, de pesquisa, e de diferentes representantes da sociedade nesse debate; assim como a busca por ações estratégicas que tragam possibilidades de resolução para essa problemática. Referências AÇÃO POPULAR. Idoso em situação de rua e sem memória procura parentes. 2013. Disponível em: http://acaopopular.net/jornal/idoso-em-situacao-de-rua-e-sem-memoria-procura-parentes/. Acesso em: 18 jan. 2017.

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SITUAÇÃO DE RUA EM SALVADOR E REGIÃO METROPOLITANA: REPRESENTAÇÃO DE AGENTES SOCIAIS EM NOTÍCIAS1 Natália Penitente2 Carlos Henrique Alves dos Santos 3 Décio Bessa4 RESUMO O termo ―situação de rua‖ vincula-se a uma problemática social que leva pessoas a utilizarem as ruas como forma de abrigo e de sobrevivência. Esta pesquisa tem como propósito estudar como agentes sociais em situação de rua são representados em sites de notícias de Salvador e da região metropolitana. Para desenvolver um olhar crítico e reflexivo, a partir dos pressupostos da Análise de Discurso Crítica (ADC), foram utilizados principalmente os seguintes trabalhos para fundamentar a pesquisa: Fairclough (2001, 2003), (Bessa, 2009), MDS (2008), van Leeuwen (1997) e Silva (2009). O corpus é composto por quatro notícias dos sites Correio e Salvador Notícias. As práticas sociais relacionadas à situação de rua envolvem diversos agentes sociais específicos, todavia, os resultados encontrados indicam que muitos não estão incluídos nas notícias. Verificam-se, também, a nominalização e a indeterminação de agentes sociais; e, como perspectiva de mudança, observam-se ações de políticas públicas. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica; Situação de Rua; Salvador; Representação de Agentes Sociais; Notícia.

Introdução

A

situação de rua é um grave problema social, com consequências desastrosas para diversas pessoas. Entretanto, essa circunstância lamentável tem sido naturalizada, apagada ou distorcida em diversos textos publicados em jornais ou transmitidos em outros veículos midiáticos (SILVA, 2009). Essa realidade, essa ―maneira‖ de ―informar‖, contribui para a manutenção do problema e é uma demonstração da influência da linguagem – linguagem que tem total relação com a sociedade. A Análise de Discurso Crítica preocupa-se em desenvolver estudos discursivos e críticos que abarquem um problema social, por essa razão, o objetivo deste trabalho é investigar como agentes sociais são representados em textos jornalísticos, sobre situação de rua, publicados em sites de notícias da cidade de Salvador e respectiva região metropolitana. Espera-se que essa pesquisa qualitativa auxilie em reflexões acerca das práticas sociais vinculadas à problemática da situação de rua. Análise de Discurso Crítica A abordagem crítica, de acordo com Fairclough (2001), implica mostrar conexões e causas que estão ocultas e, por outro lado, intervir socialmente para produzir mudanças que favoreçam aqueles que possam se encontrar em situação de desvantagem. Conforme Resende (2014), a visão científica de crítica social justifica1

Trabalho apresentado no GT.03 – Narrativas midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Endereço eletrônico: nataliapeniitente@hotmail.com 3 Graduando do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista do Programa de Iniciação Científica – PICIN/UNEB. Endereço eletrônico: carloshenrique.ceu@gmail.com 4 Professor Doutor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X. Teixeira de Freitas – BA. Endereço eletrônico: deciobessa@yahoo.com.br 30 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


se pelo fato de a ADC ser motivada pelo objetivo de prover base científica para um questionamento crítica da vida social em termos políticos e morais, ou seja, termos de justiça social e de poder. Destaca-se, segundo van Dijk (2003, p.10) que ―A análise de discurso crítica é um movimento internacional que pode ser visto como uma resposta a [...] avaliações fundamentais entre discurso e sociedade‖. Uma perspectiva de transdisciplinariedade é proposta por Lilie Chouliaraki e Norman Fairclough (1999), que destacam um diálogo entre uma variedade de teorias. Sendo teorias sociais de um lado, e teorias linguísticas de outro. Por exemplo, teorias sociológicas colaborariam para o desenvolvimento de uma teoria de discurso e análise de texto. O enfoque da ADC é a análise de texto para a compreensão das práticas sociais em uma perspectiva dialética. Para melhor compreender e registrar o percurso histórico da ADC é posto uma abordagem sobre a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF); a Linguística Crítica (LC) e a ADC propriamente dita. A LSF foi criada por Michael Halliday na obra Na introduction to functional gramar (Uma introdução à gramática funcional), publicada em 1985. O arcabouço conceptual de sua teoria é funcional em vez de formal, sendo apresentada a perspectiva funcional em três sentidos: (1) texto, (2) sistema e (3) elementos da estrutura linguística. Representação de Agentes Sociais Van Leeuwen (1997) apresenta um inventário sócio semântico dos modos pelos quais os atores sociais podem ser representados, bem como estabelece a relevância sociológica e crítica das suas categorias antes de debruçar sobre as questões de como se realizam linguisticamente. De acordo com o autor, existem duas razões para proceder deste modo, primeiro pela bi unicidade da língua. O que se propõe a compreender na análise crítica do discurso é: quais os atores sociais e em que contexto estão eles representados como agente e como pacientes? Nem sempre os <agentes> são realizados pela agência linguística, mas também pelo papel gramatical, e pode ser realizada por muitos outros modos, por exemplo através de pronomes possessivos, ou como agente gramatical sendo sociologicamente paciente. Van Leeuwen (1997) fornece um conjunto de categorias relevantes para investigar a representação de atores sociais no discurso. Halliday apud Van Leeuwen (1997) abordou o problema da falta de bi unicidade de outro modo, através da teoria da metáfora gramatical: algumas realizações linguísticas são <literais> ou <congruentes> significaria, ao que parece, <congruente com o sistema gramatical>, em vez de <congruente com a realidade>, o tipo de <congruência> que, afinal, está subjacente à maioria das definições de metáfora. Outra especificidade é o resultado da suposição que o significado é inerente à cultura e não à língua e não pode ser associado a uma semiótica específica. Em princípio, as categorias que o autor propõe expor no estudo, devem ser vistas como pan-semiótica: uma dada cultura (ou um dado contexto de uma cultura) não só tem a sua própria e específica ordem de formas de representar o mundo social como também às formas de representar as diferentes semióticas nesta ordem de determinar aquilo que se pode ser realizado verbal e visualmente. Ainda nessas combinações pode existir a mudança histórica, por vezes até uma mudança violenta, e esse ponto é importante para a análise do discurso, visto que, com a crescente utilização da representação visual em uma enorme variedade de contextos, torna-se cada vez mais urgente ser capaz de formular as mesmas questões críticas em relação às representações quer verbais ou visuais, ou seja, em relação às representações em todos os que constituem parte dos textos multimídia contemporânea. Cada uma das escolhas representacionais que o autor propõe está ligada a realizações linguísticas ou retóricas específicas. O primeiro foco reside em categorias sociológicas (nomeação, agência), em vez de categorias linguísticas (nomeação, apagamento do agente da passiva), o elemento centralizador é a representação de atores sociais e não um conceito linguístico, por exemplo, grupo nominal. As práticas sociais envolvem conjuntos específicos de atores sociais, mas nem todos os atores sociais estão incluídos. As representações incluem ou excluem atores sociais para servir seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. Algumas das exclusões poderão ser pormenor que se

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arrume que os leitores já conhecem, ou que são considerados irrelevantes para eles, outros estão diretamente relacionados com a estratégia de propaganda que visa criar interesses pessoais. Diante disso, Van Leeuwen (1997) destaca que a exclusão tem sido, por direito, um aspecto importante da análise do discurso, e que algumas exclusões não deixam marcas na representação, excluindo quer os atores sociais quer as suas atividades. Também afirma que uma exclusão tão radical pode desempenhar o seu papel numa comparação critica de diferentes representações da mesma prática social, mas não na análise de um único texto, pela simples razão de que não deixa marcas. Ainda, o autor menciona possíveis formas de análise, através da supressão, a mais conhecida e óbvia é o apagamento do agente da passiva. ―No Japão estão a surgir preocupações devido apenas à infiltração lenta e continua dos imigrantes‖ (p.181). A supressão também pode realizar através de orações infinitivas que funcionam como um participante gramatical ―Manter esta política‖(p.181) permite que os atores sociais responsáveis pela manutenção da política serem excluídos. È quase sempre possível apagar os beneficiários, os atores sociais, que beneficiam de uma atividade. A nominalizações e os nomes de processo permitem a exclusão de atores sociais. ―O apoio ao entrave completo á imigração atingia um nível tão alto como o do pós-guerra‖(p.181) ―apoio‖ e ―entrave‖ funcionam como nominais, embora se refiram a atividades, mais uma vez os atores sociais são excluídos. Os processos também podem ser realizados através de adjetivos como no caso ―Os receios são simplesmente legítimos‖ (p.181). Faz-se difícil saber se os atores sociais suprimidos deviam ou não ser recuperados pelo leitor, ou mesmo pelo escritor. Repare nos exemplos que não nos diz quem é que está envolvido. Será que ocorre o apagamento porque os leitores já sabem, de modo que uma referencia mais pormenorizada seria demasiado redundante, ou será para bloquear o acesso ao conhecimento pormenorizada de uma prática que, se apresentada em detalhe, poderia despertar compaixão por aqueles que são envolvidos? É necessário inserir no mesmo denominador comum às várias formas pelas quais cada categoria de ator social está representada. Outra forma de identificar a representação dos atores sociais, de acordo com Van Leeuwen (1997) é dos papeis ativos e papeis passivos que se realizam nos textos. Uma forma frequente é a possessivação, ou seja, o uso do pronome possessivo para ativar (por exemplo <o nosso influxo>) ou apassivar (a minha professora) um ator social. A passivação necessita de uma outra distinção: o ator social passivado pode ser sujeito ou beneficiário. Os atores sociais sujeitos são tratados como objetos na representação, por exemplo como objeto de troca (<imigrantes recebidos em troca da qualificação ou do dinheiro que trazem>). Os atores sociais beneficiados formam um terceiro grupo que, positiva ou negativamente. Existe um critério gramatical para os distinguir, por exemplo, os beneficiários podem levar uma preposição. O sujeito pode realizar-se de várias formas, sendo através da <participação> quando o ator social passivado é Finalidade num processo material. Ou também pode realizar-se através de <possessivação>, normalmente sob a forma de um sintagma preposicional. A escolha entre referência genérica e específica é outro fator importante na representação dos atores sociais que podem surgir como classes de indivíduos específicos e identificáveis. A diferença ocorre no modo como os atores sociais são representados por diferentes setores da imprensa. Outra maneira de identificar os atores sociais é através da assimilação. Conforme mencionado nos exemplos foi mostrado que os jornais dirigidos a classe média tendem a individualizar as pessoas pertencentes às elites e assimilar <pessoas comuns> enquanto jornais dirigidos á classe trabalhadoras, por vezes, individualizam <pessoas comuns>. Van Leeuwen (1997) destaca dois tipos principais de assimilação, a agregação e coletivização. A agregação desempenha um papel crucial em muitos contextos. Em nossa sociedade a maioria governa, não só em contextos em que os processos democráticos formais são usados para chegar a decisões, mas também e especialmente noutros, através de opiniões, inquéritos, pesquisa de mercado. É por isto que a agregação é usada para regulamentar à prática e para produzir uma opinião de consenso, mesmo que se apresente como mero registro de fatos.

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A assimilação pode realizar-se, quer através de um substantivo que denote um grupo de pessoas, como por exemplo em (esta nação). A agregação realiza-se através da presença de um quantificador definido ou indefinido, que funciona quer como numerativo quer como núcleo do grupo nominal, como (uma série de critérios). Situação de rua A existência de pessoas em situações de rua transforma uma profunda desigualdade social brasileira que está inserida na lógica do sistema capitalista de trabalho assalariado, onde a pobreza extrema colabora com seu funcionamento. Este fenômeno é presente na sociedade brasileira desde a formação das primeiras cidades (Carvalho, 2002). A denominação ‗rua‘ marca o estigma e de uma exclusão a que são submetidas. A presença das pessoas em situação de rua incomoda e desconcerta quem busca ver nas ruas a mesma tranquilidade asséptica de conjuntos habitacionais com circulação restrita de pessoas. A população em situação de rua exprimiu pelo termo expulsão, desenraizamento e privação. A exclusão social relaciona-se com situação extrema de ruptura de relações familiares e afetivas, além de ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho e de não participação efetiva na sociedade. Pode-se caracterizar as pessoas em situação de rua como vitimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. Silva (2006) aponta várias espécies de fatores que motivam a existência de pessoas em situação de rua, tais como, fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social); fatores biográficos (alcoolismo, drogadição, rompimentos dos vínculos familiares, doenças mentais, perdas de todos os bens), também desastres (enchentes, incêndios, terremotos, etc.). Ainda segundo a autora, trata-se de um fenômeno multifacetado que não pode ser explicado desde uma perspectiva unívoca e monocausal. São múltiplas as causas de se ir para rua, assim como são múltiplas as realidades da população em situação de rua, com destaque para os resultados do sistema capitalista. As propostas da política nacional tem como objetivo abarcas questões essenciais concernentes à parcela da população que faz das ruas seu espaço principal de sobrevivência e de ordenação de suas identidades. Em comum as pessoas em situação de rua possuem a característica de estabelecer no espaço público da rua seu palco de relações privadas, o que as caracteriza como ‗população em situação de rua‘. A politica faz esforço para estabelecer diretrizes e rumos que possibilitem a (re)integração destas pessoas às suas redes familiares e comunitárias, o acesso pleno aos direitos garantidos do cidadãos brasileiros, bem como o acessos a oportunidade de desenvolvimento social pleno, considerando as relações e significados próprios produzidos pela vivência do espaço público da rua. Para tanto, vale-se do protagonismo de movimentos sociais formados por pessoas em situação de rua. Deve-se mencionar que a Constituição Federal estabelece que ―a família é a base da sociedade‖(Art.226), reconhece também que a família ocupa um lugar essencial e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos. Mais do que isto, é crucial que a família cria e recria realidades, visões de mundo e apropriações da moral hegemônica, funcionando tanto como local de crescimento e florescimento de realizações individuais, como no espaço opressor de individualidade. Nota-se a partir dessas discussões que faz-se imprescindível que as políticas públicas, tem que a família como sabe, faça esforços para restabelecer laços de familiares e sociais fragilizados e agindo como agente controlador e regulador das inúmeras violências físicas, psíquicas e simbólicas que acontecem dentro das famílias. Metodologia A pesquisa qualitativa busca dar visibilidade a aspectos do mundo por meio de um conjunto de práticas materiais e interpretativas. De acordo com Uwe Flick (2004), a escolha de métodos, teorias e a reflexividade de quem pesquisa são fundamentais. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 33


A pesquisa foi realizada através de notícias relacionadas aos sites de jornais mais conhecidos em Salvador e região metropolitana, são eles: Correio e Salvador notícias. As notícias escolhidas relatam as políticas publicas para as pessoas em situação de rua. Os temas são inauguração do Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (centro Pop), O Programa Consultório de Rua e Evento para ouvir moradores de Rua em Salvador. Elas relatam propostas para viabilizar melhores condições sociais para as pessoas em situação de rua. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última pesquisa em 2016, estimou a população de 2.938.092, com área da unidade territorial, em 2015, é de 692,819. Na pesquisa destacou-se que a incidência da pobreza é de 35,76%. O corpus da pesquisa é composto pelas notícias:  Salvador notícias (SN) 5- Programa Consultório na Rua, (03/02/2015) Refere-se a atendimento as pessoas em 

situação de rua para tratar de doenças e atuam em parceria com o (centro pop). 6 Salvador notícias (SN)7 – Salvador ganha novo Centro de Reintegração, (03/01/2015) Aborda que a Prefeitura do Salvador, através da Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps), entregou na sexta-feira (28) o novo Centro de Reintegração Social. O público alvo será pessoas adultas em situação de rua e está localizado no bairro de Pau da Lima, na Avenida Aliomar Baleeiro, s/n, Granjas Rurais Presidente Vargas.8 Correio (C1) 9– Defensoria promove evento para ouvir moradores de ruas de Salvador - (01/07/2016). Retrata uma reunião no auditório da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), para denunciar casos de agressão policial e maus tratos por parte de agentes públicos, inclusive da saúde, das pessoas em situação de rua. Explana também as vozes questionando e solicitando inclusão social por parte deles.10 Correio (C2)11 - Prefeitura inaugura unidades de atendimento à população de rua na Vasco da Gama, (03/05/2016). Descreve a inauguração de duas unidades de atendimento à população em situação de rua. A Unidade de Acolhimento Institucional e o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) ficam no mesmo prédio, localizado na Avenida Vasco da Gama, próximo ao Dique do Tororó.12

Análise das notícias Nas notícias analisadas aparecerem relatos diretos e indiretos. A representação dos atores sociais são incluídos e outras são excluídas. A partir dos textos, nota-se que em algumas notícias as vozes das pessoas em situação de rua são excluídas. Isto é, a ausência significativa pode ser observada e examinada. E ao analisar a presença faz-se pertinente considerar a relação e intenção que se estabelece entre as vozes articuladas. O poder público tem desenvolvido diversos programas para atenção às pessoas em situação de rua. Duas notícias, Correio e Salvador Notícias abordam direito para as pessoas em situação de rua. Benefícios esses provenientes de políticas públicas, sendo O Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), previsto no Decreto nº 7.053/2009. Outra política publica é os consultórios na rua que engloba o atendimento à gestante de rua, tratamento de patologias pulmonares (a tuberculose é frequente), tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (HIV/AIDS), tratamento de doenças de pele (úlceras de membros inferiores), problemas ortopédicos (decorrentes de situação de violência,

5

Disponível em < http://www.salvadornoticias.com/2015/03/programa-consultorio-na-rua.html> Acesso em 01/01/2017.

7

Disponível em Disponível em < http://www.salvadornoticias.com/2014/03/salvador-ganha-novo-centro-de.html> Acesso em 01/01/2017. 9

Disponível em < http://www.correio24horas.com.br/detalhe/salvador/noticia/defensoria-promove-evento-para-ouvir-moradoresde-ruas-de-salvador/?cHash=1ede6199de61e9808bc05554ed7b69f6> Acesso em 01/01/2017. 11

Disponível em < http://www.correio24horas.com.br/detalhe/salvador/noticia/prefeitura-inaugura-unidades-de-atendimento-apopulacao-de-rua-na-vasco-da-gama/?cHash=83d2306a25109861118dafb58c61eb73> Acesso em 01/01/2017.

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atropelamento), diabetes, hipertensão, e várias outras situações que ficam sob a responsabilidade da estratégia saúde da família na atual política de atenção básica. Van Leeuwen (1997) esboça uma listagem sociossemântico dos modos pelos quais atores sociais podem ser representados. Aborda a relevância sociológica das categorias apresentadas e sua realização linguística. Os diversos modos pelos quais atores sociais podem ser representados em textos podem ser vistos como uma questão também gramatical. Entende-se que a gramática como um 'potencial de significados' cuja realização concreta se dá pelas escolhas operadas por falantes. As maneiras pelas quais atores sociais são representados em textos podem indicar posicionamentos em relação a eles e a suas atividades – por exemplo, determinados atores podem ter ser ofuscado ou enfatizado em representações, podem ser referidos de modos que presumem julgamentos acerca do que são ou do que fazem. Nota-se que a análise das representações podem ser úteis para a investigação da construção discursiva de identificações e relações sociais em textos e interações. As práticas sociais envolvem conjuntos específicos de atores sociais, mas nem todos os atores sociais estão incluídos. As representações incluem ou excluem atores sociais para servir seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. A exclusão nas notícias poderá ser um pormenor que se arrume que os leitores já conhecem, ou que são considerados irrelevantes para eles, outros estão diretamente relacionados com a estratégia de propaganda que visa criar interesses pessoais. Notou-se que nas notícias existiam os interesses políticos pessoais abarcando a divulgação do CENTRO POP que é uma política publica estabelecida, foi ocultada a informação acerca do decreto das politicas publicas, entende-se ou como uma informação que os leitores conhecem ou para beneficiar interesses pessoais do governo. Os atores sociais excluídos podem não ser mencionados em relação a uma dada atividade, mas são mencionados alguns no texto, e nós conseguimos inferir com alguma (embora nunca total) certeza quem eles são. Eles não estão sempre excluídos, mas sim pouco visíveis, classificado como segundo plano. Observou-se que ocorre a nominalizações e os nomes de processo permitem a exclusão de atores sociais. Nota-se que funciona como nominais, embora se refiram a atividades, mais uma vez identificação dos atores sociais excluídos. Os atores sociais representados em SN, Programa Consultório na Rua, é Iane de Araújo – Enfermeira e ocorre o ocultamento das pessoas em situação de rua – exclusão. Conforme Van Leeuwen (1997) as práticas sociais envolvem conjuntos específicos de atores sociais, mas nem todos os atores sociais estão incluídos. As representações incluem ou excluem atores sociais para servir seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. A partir do inventário proposto pelo autor destacamos as categorias obstrução e categorização coletiva que ocorre quando os atores sociais são representados por meio da qualidade que lhe é atribuída pela representação por Morador de rua uma expressão metonímico sendo um emprego de uma palavra fora de seu contexto semântico. O termo semântico contribui para os leitores que se dirigem a assimilar o termo normalizando a qualidade que lhe é atribuída, induzindo a compreensão de que as pessoas em situação de rua estão nestas condições, ocultando os fatores sócio econômicos que contribuem para tal situação. No Fragmento ―Conforme Iani de Araújo são oferecidas para essas pessoas a possibilidade de irem

para uma casa de passagem. Nem todos aceitam, uma vez que já estão acostumados a conviver nas ruas. Eles frequentam, principalmente, o Centro de Abastecimento, a avenida Getúlio Vargas e os bairros Tomba, Rua Nova e Cidade Nova.‖. Nota-se a categoria agregação, pois realiza-se através da presença de um quantificador definido ou indefinido bem como a nominalizações, que são nomes de processos que permitem a exclusão de atores sociais. Identifica-se que as pessoas em situação de rua são ativas na perspectiva de ser beneficiária com a política publica, mas é abordado como categorização generalizada, não apresenta participação direta na atividade social no qual está envolvido. Os atores sociais(as pessoas em situação de rua) são sujeitos tratados como objetos na representação, por exemplo como objeto da efetivação da política publica decreto 23.836. Os atores sociais suprimidos são ou não ser recuperados pelo leitor. Repare nos exemplos que não nos diz quem é que está envolvido. Será que ocorre o apagamento porque os leitores já sabem, de modo que

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uma referencia mais pormenorizada seria demasiado redundante, ou será para bloquear o acesso ao conhecimento pormenorizada de uma prática que, se apresentada em detalhe, poderia despertar compaixão por aqueles que são envolvidos. Na Notícia II ―Savaldor ganha novo Centro de Reintegração Social‖, destaca-se a nomeação que são termos de identidade e funções que partilham, representados em termos da sua identidade única; (função e qualidade que lhe é atribuída), bem como a categorizados e quais é que são nomeados, as personagens sem nome cabem apenas em papeis passageiros e funcionais. Entende-se que investigar que atores sociais são, num dado discurso, categorizados e quais são nomeados. No trecho destacado, ―Na cerimônia, o prefeito ACM Neto destacou mais um presente que Salvador

recebe na semana do aniversário. ―Nessa comemoração, é legal oferecermos presentes que marcam a vida das pessoas. Esse espaço tem sabor especial para mim, já que a nossa cidade será marcada pela pobreza e desigualdade social. Vejo pessoas apontarem para moradores de rua sem motivos que o levaram a esta situação. Passou da hora da Prefeitura estender a mão a essas pessoas e vamos buscar oferecer acolhimento e tratamento a eles de forma humanizada‖, afirmou.‖

ACM NETO exerce a função de identificação pela função social que exerce e as PSR identificadas pelo que são textualmente, sendo abordado coletivamente por (pessoas, eles, moradores de rua), isto é, tem-se um impacto interpretativo pelo viés de generalizar e categorizar pela situação em que se encontram. Uma mesma realidade pode ser retratada de formas diferentes, por meio de mecanismos discursivos de ativação ou passivação de atores, acionados através de artifícios linguísticos como quando o papel do ator social se realiza por meio de uma maior (ativa) ou menor (passiva) participação. Ao representar um evento social (abertura do centro de reintegração social), este é incorporado ao contexto de outro evento social - trazendo à tona a discussão do universal e do particular (análise das maneiras de referir-se aos agentes sociais, especificamente à referência genérica). Ao apresentar as pessoas em situação de rua de modo generalizada, sem nomeação e categorizando-os da margem a evidenciar o evento social que está sendo apresentado, assim beneficiando o ator social nomeado. Conforme vaw Leewen (1997) excluem atores sociais para servir seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. A notícia Defensoria promove evento para ouvir moradores de ruas de Salvador relata uma reunião com as pessoas em situações de rua – na qual são denominadas ―moradores de rua‖ – no auditório da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), no Canela, para denunciar casos de agressão policial e maus tratos por parte de agentes públicos, inclusive da saúde, em Salvador. No texto nota-se a presença das vozes das pessoas em situação de rua questionando acontecimentos e podendo assim estar presente diante de escolhas sobre estar inserido na sociedade, ―Bolsa Família é bom, aluguel social ajuda, mas eu preciso mesmo é de estar capacitado para uma empresa me valorizar, pois a sociedade é preconceituosa. Se amanhã esses programas acabarem, como vou me manter? Entendemos que são os primeiros passos, mas eu preciso ser capaz de me manter sem eles", disse Ricardo Freitas, 51 anos, que atualmente está acolhido no abrigo do Barbalho.‖ A categoria observada foi nomeação que é termos de identidade e funções que partilham, representados em termos da sua identidade única; (função e qualidade que lhe é atribuída), e a Indeterminação sendo atores sociais representados como indivíduos ou grupo não específicos <anónimos>. Nota-se que ocorre a não nomeação das pessoas em situação de rua para não enfatizar a problemática sobre a situação de rua, deixando-os como papeis passageiros e tratando-os a não identificação como pormenor para o leitor, assim dá-se ênfase na concretização da efetivação das politicas publicas decretada em 2008 pelo MDS, visando a estratégia de propaganda que visa criar interesses políticos/pessoais. Neste caso atribui aos envolvidos um tipo de autoridade pessoal, uma noção de força coerciva. A indeterminação conduz a compreensão sobre a irrelevância dos atores sociais (ativos) para o leitor. A perspectiva por ocorrer a nomeação de pessoas especificas pela atividade que contribui na sociedade a torna cidadão, e as pessoas em situação de rua são categorizadas e generalizadas no coletivo, não sendo tratada como cidadã e cidadãos.

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Na notícia IV ―Prefeitura inaugura unidade de atendimento a população de rua na Vasco da Gama‖, encontrou-se a categoria associação sendo um termo utilizado no estudo consiste em grupos de atores sociais – referidos genericamente ou especificamente; e a assimilação: termo que tende a individualizar as pessoas pertencentes às elites e assimilar <pessoas comuns>; agregação e coletivização. No fragmento ―A roda de conversa contou com a presença da defensora pública Fabiana Miranda, da

coordenadora regional do Movimento Nacional da População de Rua (Pop Rua) e do representante da marca Euzaria, José Pimenta. Também estiveram presente no evento a subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Eva Rodrigues, a diretora da Esdep, Firmiane Venâncio, a defensora pública da Curadoria Especial, Ana Virgínia Rocha, além da ouvidora da DPE, Vilma Reis.‖

Nota-se no destaque consiste em grupos de atores sociais – referidos genericamente (as pessoas em situação de rua) e especificamente (representantes da defensoria pública e o prefeito), portanto observa-se que os atores ou grupos que integram a associação possam, naturalmente, ser nomeados ou categorizados e as PSR não são, sugerindo uma ênfase para leitores compreenderem as ações que beneficiam e servem a interesses e propósitos pessoais políticos. Também as personagens sem nome cabem apenas em papeis passageiros e funcionais, e não se tornam pontos de identificação para o leitor ou ouvinte. O ocultamento na nomeação não os torna cidadãos. As pessoas em situação de rua são pouco visíveis. As vozes predominantes na representação da situação de rua em Correio, são vozes do governo, prefeito, e de pessoas que trabalham nesses órgão, CENTRO POP e consultório de rua, sendo de enfermeiras, representantes das unidades de atendimento. Das vozes que mais aparecem nos textos, é governo ou nenhuma (pessoas em situação de rua) avaliação. Nas notícias do Correio, as pessoas em situação de rua são menos avaliadas quando sua representação é individual do que quando se trata de avaliação coletiva, como grupo populacional, Considerações finais Nota-se que linguagem e sociedade estão interligadas. Elas são indissociáveis e assumem função importante no estudo da Análise de discurso crítica (ADC). Observou-se que as práticas sociais envolvem conjuntos específicos de atores sociais, mas nem todos os atores sociais estão incluídos. As representações incluem ou excluem atores sociais para servir seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. Algumas das exclusões poderá ser pormenor que se arrume que os leitores já conhecem ou estão diretamente relacionados com a estratégia de propaganda que visa criar interesses pessoais. Diante disso, destaca-se que a exclusão tem sido, por direito, um aspecto importante da análise do discurso, e que algumas exclusões não deixam marcas na representação, excluindo quer os atores sociais quer as suas atividades. Também afirma que uma exclusão tão radical pode desempenhar o seu papel numa comparação critica de diferentes representações da mesma prática social, mas não na análise de um único texto, pela simples razão de que não deixa marcas. Considera-se pertinente os estudos da problemática social, pois pode-se afirmar que a utilização de políticas públicas para o benefício das pessoas em situação de rua, tem sido de grande importância para o desenvolvimento de um novo olhar aos cidadãos e cidadãs em situação de rua. Portanto, não deixam essa questão resolvida, sendo que ocorre o surgimento da ―diferença‖ ocupando muitas vezes o lugar da desigualdade, camuflando assim, a dimensão do problema, que precisa ser solucionado, com a ajuda do poder público e seus movimentos sociais, juntamente com a sociedade. Referências BESSA, Décio. Cidadãos e cidadãs em situação de rua: uma análise de discurso crítica da questão social. 347 p. Tese (Doutorado em Linguística) – Curso de Pós-Graduação em Linguística, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. BUARQUE, Cristóvam. O que é apartação: o apartheid social no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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CHOULIARAKI, Lilie; FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1999. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Coord. trad. revisão e prefácio à ed. brasileira Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. ______. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003 HALLIDAY, Michael A. K. An introduction to functional grammar. Londres: British Library Cataloguing in Publication Data, 1985. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE). 2015. Disponível <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=292740&idtema=19>. Acesso em: 12 dez. 2016.

em:

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Nota técnica: esclarecimentos metodológicos da pesquisa nacional sobre a população em situação de rua. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. 2008. ROSA, Cleisa M. M. Vidas de rua. São Paulo: Hucitec / Associação Rede Rua, 2005. SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. VAN DIJK, Teun A. Prólogo. In: BERARDI, Leda (Org.). Análisis crítico del discurso: perspectivas latinoamericanas. Santiago: Frasis Editores, 2003. p. 9-12. VAN LEEUWEN, Theo. A representação dos atores sociais. In: PEDRO, Emília R. Análise crítica do discurso: uma perspectiva social, política e funcional. Lisboa: Caminho, 1997. p.169-222. WODAK, Ruth. Do que trata a ACD: um resumo de sua história, conceitos importantes e seus desenvolvimentos. Linguagem em (Dis)curso. Tubarão, v. 4, n.especial, 2004.

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REPRESENTAÇÃO DE AGENTES SOCIAIS EM NOTÍCIAS SOBRE SITUAÇÃO DE RUA NO EXTREMO SUL DA BAHIA1 Décio Bessa2 Aline Souza Santos3 Natália Penitente4 RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo identificar representações de agentes sociais em textos jornalísticos que tratem do tema ―situação de rua‖, publicados nos sites de notícias do Extremo Sul da Bahia: Liberdade News e Sul Bahia News. Realizou-se uma análise discursiva textualmente orientada de quatro notícias, observando-se usos da linguagem em sua correlação com práticas sociais, dentro do enquadre da Análise de Discurso Crítica (ADC). Quanto à fundamentação teórica, o estudo vincula-se, de maneira central, aos trabalhos de Fairclough (2001, 2003), do MDS (2008), de Silva (2009) e de van Leeuwen (1997). Nos resultados obtidos, verifica-se a representação de agentes sociais por meio de cargo ou função e, em seguida, o nome; porém, isso difere em relação às pessoas em situação de rua; apenas em uma notícia encontra-se a identificação nominal de um desses cidadãos. A mesma relação gera apagamento de vozes e indica problemas na representação desses agentes sociais em narrativas midiáticas. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica; Situação de Rua; Extremo Sul da Bahia; Representação de Agentes Sociais; Notícia.

Introdução A linguagem é fundamental para a sociedade e por ela podemos notar diversas transformações que se tornam visíveis desde o início da aquisição da língua; sendo assim, faz-se pertinente pesquisar e analisar a linguagem em diversos espaços. A Análise de Discurso Crítica (ADC) estuda a linguagem e a correlação existente com a sociedade – com as práticas sociais em uma perspectiva crítica. Essa não é uma perspectiva tão recente, alguns estudiosos, como Mikhail Bakhtin, já trabalhavam com estudos críticos da linguagem nos anos de 1920, desde então outros estudos e novas abordagens foram surgindo. Este trabalho busca pensar discursivo-criticamente em linguagem e situação de rua.5 Trata-se de uma problemática social que é camuflada por uma parte da sociedade; que tem origem em razão do sistema capitalista e de seu respectivo processo de acumulação, existindo como um resultado da desigualdade social e do aumento da pobreza (SILVA, 2009). Vamos perceber que a utilização do termo ―situação de rua‖ é mais adequada para se referir às pessoas que estão utilizando logradouros públicos como espaço de abrigo; segundo Silva (2009), esse termo indica uma situação passageira que pode ser revertida. Apesar dos estudos que apresentam uma melhor forma de se referir às ―pessoas em situação de rua‖ (inclusive já sendo empregada em documentos oficiais e em órgãos governamentais), ainda ocorre o uso de alguns termos inadequados, como ―morador de rua‖, ―mendigo‖, indicando, assim, um olhar equivocado que muitas vezes enfraquece a expectativa de mudanças. 1

Trabalho apresentado no GT.03 – Narrativas midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Professor Doutor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X. Teixeira de Freitas – BA. Endereço eletrônico: deciobessa@yahoo.com.br 3 Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Endereço eletrônico: aliness8023@gmail.com. 4 Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus X, Teixeira de Freitas – BA. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Endereço eletrônico: nataliapeniitente@hotmail.com 5 Em Bessa (2014) e Bessa & Nunes (2013), há estudos de ADC sobre situação de rua no Ceará e em Pernambuco, respectivamente. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 39


O objetivo deste trabalho é identificar representações de agentes sociais em textos jornalísticos que tratem do tema ―situação de rua‖, publicados nos sites de notícias do Extremo Sul da Bahia: Liberdade News e Sul Bahia News. Desse modo, o intuito é analisar, de forma crítica, elementos linguísticos presentes em quatro textos. O estudo envolve questões sobre a situação de rua no estado da Bahia, mais especificamente na região do extremo sul baiano, cuja maior cidade em termos populacionais é Teixeira de Freitas. Para analisar as notícias, empregamos os estudos de Representação de Atores Sociais de Van Leeuwen (1997). A preferência em identificar como ―Agentes‖ e não como ―Atores‖ deve-se ao destaque para a ação/agência das pessoas, bem como para a não utilização do masculino genérico. Com base em uma metodologia de pesquisa qualitativa, iremos discutir as práticas sociais dentro de um contexto e pretendemos colaborar com conhecimento para possíveis mudanças sociais relacionadas a pessoas em situação de rua. As formas de tratar de uma situação, textualmente, em uma notícia, por exemplo, indicam percepções e implicam ações sociais. Análise de Discurso Crítica (ADC) A análise de textos juntamente com a percepção de práticas sociais em uma perspectiva dialética é uma característica da Análise de Discurso Crítica. A reflexividade e a criticidade direcionadas a problemas sociais encontra ponto de partida na linguagem, discursivamente, e não prescinde a irrefutável relação com a sociedade. Por essa razão, o trabalho de Halliday (1985) e o desenvolvimento da Linguística Sistêmica Funcional (LSF) foram relevantes para os avanços da ADC. A estrutura conceptual da teoria sistêmico-funcional é, como a própria designação indica, ―funcional‖ e não ―formal‖. Na década de 1970, os trabalhos organizados por Fowler et al. (1979) destacam uma forma de fazer pesquisa sobre linguagem que foi denominada ―linguística crítica‖. Declaram a importância de trabalhar com o contexto, histórico, econômico e institucional relevante, pois é um dos fundamentos para a descrição linguística. Salientam, também, que linguagem e sociedade devem ser trabalhadas dentro de uma inseparabilidade dialética. A ADC, como uma escola, uma paradigma de pesquisa, começa a instituir-se, de maneira mais evidente, a partir de 1990 e é realizada por meio de diferentes abordagens de pesquisa (WODAK E MEYER, 2016). Uma dessas abordagens é a Abordagem Dialética Relacional proposta por Fairclough (2001, 2003, 2016), que efetua uma aproximação com a Ciência Social Crítica. Este trabalho vincula-se principalmente a essa abordagem. Nela, o discurso é compreendido como um dos elementos das práticas sociais. Fairclough propõe o enfoque em modos de agir, representar e ser, relativos a gêneros, discursos e estilos; notando como esses são estruturados nos textos. Os respectivos significados são: acional, representacional e identificacional. A análise de discurso deve ser concomitantemente a análise de como os tipos de significado são realizados em formas linguísticas dos textos e da junção entre práticas sociais e evento social, também considerando a estrutura social. Na presente pesquisa, nosso foco direciona-se ao significado representacional, mais especificamente à representação de agentes sociais, sobre a qual trataremos a seguir.6 Representação de Agentes Sociais Fairclough (2001, 2003) apresenta algumas categorias de análise como gênero discursivo, intertextualidade, significado de palavras, interdiscursividade e também a representação de atores sociais; quanto a esta, destaca algumas das proposições de Theo van Leeuwen (1997). A representação de atores sociais é desenvolvida de forma mais aprofundada por van Leeuwen (1997), que, em seu estudo, apresenta um quadro com várias representações denominando a respectiva divisão como ―rede de sistema‖. Ele faz distinções a partir de ―exclusão‖ e ―inclusão‖, amplia e ramifica a partir desses dois eixos.

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Uma introdução mais detalhada sobre a ADC pode ser encontrada em Bessa (2016).

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As várias escolhas representacionais que Van Leeuwen (1997) identifica estão ligadas a realizações linguísticas particulares, como podemos observar nos textos dos sites de notícias selecionados. Algumas formas de representação dentro do quadro ―rede de sistema‖ foram identificadas no corpus, vamos presenciar algumas na parte de análise deste trabalho. Reiteramos que Van Leeuwen (1997) utiliza o termo ―atores sociais‖, porém, em nossa pesquisa, escolhemos fazer a utilização do termo ―agente social‖ (desde o início deste trabalho), pois, além de destacar as ações das pessoas é um termo que não se enquadra como ―masculino genérico‖. Como esta subseção apresenta a teoria do autor, estamos empregando o termo utilizado por ele. Outra forma de identificar a representação dos atores sociais, de acordo com Van Leeuwen (1997), é a dos papéis ativos e papéis passivos que se realizam nos textos. Uma maneira frequente é a possessivação, ou seja, o uso do pronome possessivo para ativar (por exemplo <o nosso influxo>) ou apassivar (a minha professora) um ator social. A passivação necessita de outra distinção: o ator social passivado pode ser sujeito ou beneficiário. Os atores sociais sujeitos são tratados como objetos na representação, por exemplo: como objeto de troca (<imigrantes recebidos em troca da qualificação ou do dinheiro que trazem>). Efetuar uma referência genérica ou específica é demonstrar como classes ou como indivíduos específicos e identificáveis são representados como atores sociais em textos. Essa diferença aparece, por exemplo, em representações da imprensa. Van Leeuwen (1997, p.191) registra a seguinte observação: Nos jornais dirigidos à classe média os agentes e especialistas governamentais tendem a ser referidos especificamente, e as <pessoas comuns> genericamente: o ponto de identificação, o mundo no qual existem as especificidades de cada um, é aqui, não o mundo dos governados, mas o mundo dos governadores, os <generais>. Por outro lado, nos jornais dirigidos à classe trabalhadora, as <pessoas comuns> são muitas vezes referidas especificamente.

Considerando essas e outras compreensões representativas, o autor destaca também o papel ativo dos meios de comunicação. A suposta neutralidade vê-se confrontada com o que é dito e com as formas como algo é dito; o que vai além do simples informar/comunicar, perpassa por significados discursivos e sociais, assim, a mídia também ―age‖. Situação de rua A problemática sobre a situação de rua vincula-se a resultados do sistema capitalista e de processos que geram desigualdade social (SILVA, 2009). Parte da sociedade ―não enxerga‖ ou ―cria‖ uma invisibilidade para a situação, o que dificulta ou impede o acesso a direitos constitucionais como a alimentação e a moradia. Esses cidadãos e essas cidadãs não estão nas ruas simplesmente por que querem, existem fatores que provocam essa circunstância. Silva (2009) apresenta algumas razões que levam pessoas à situação de rua, como rompimento de vínculos sociais e familiares, desemprego, imigração para municípios maiores em busca de uma vida melhor, uso de drogas lícitas e/ou ilícitas. As pessoas em situação de rua muitas vezes sofrem preconceito, isso acontece de várias maneiras, mas é possível perceber em alguns textos, como em notícias, que até mesmo a linguagem verbal utilizada registra termos como ―morador de rua, mendigos‖ para fazer referência a esses cidadãos e essas cidadãs. Esses termos utilizados são malpropícios, além de causar incômodo para esse grupo de pessoas. Segundo (ROSA, 2005), o termo mais adequado envolve ―situação de rua‖, pois está se referindo a uma situação que pode sim ser passageira e não cabe a utilização de ―morador‖, que transparece como uma circunstância fixa e carrega a total contradição de pensar que um cidadão ou uma cidadã em nossa sociedade pode ―usufruir‖ da rua como local de residência, de abrigo, de segurança – desde questões de saúde (afetadas pela exposição direta às alternâncias climáticas) até a integridade física (que perpassa diferentes níveis de violência chegando até à morte).7 7

A pesquisa do MDS (2008) contribui com informações relevantes para o entendimento da situação de rua. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 41


Metodologia A partir do levantamento de dados sobre sites de notícias da região Extremo Sul da Bahia, observando os que tinham maior número de acessos, identificamos o Liberdade News (LN) e o Sul Bahia News (SBN). Assim, eles foram escolhidos para a construção do corpus, que é composto de quatro notícias sobre situação de rua (duas de cada site). Ambos os sites são da cidade de Teixeira de Freitas, na Bahia (e trazem informações de todo o Extremo Sul). Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016), a população estimada de Teixeira de Freitas é de 159.813 habitantes, com área territorial de 1.165,622 km2 e cuja incidência de pobreza é de 53,01%. As quatro notícias relatam questões ligadas a pessoas em situação de rua e foram publicadas nos anos de 2015 e de 2016. Com intuito de desenvolver uma análise de discurso textualmente orientada, foi possível fazer um estudo sobre representações de agentes sociais presentes nas notícias. Uma breve descrição das notícias do corpus é apresentada a seguir:  Sul Bahia News (SBN 1)8 – ―Frequentadores do Centro POP participam de sessão de cinema‖, publicada em 19/08/2016. Trata sobre a realização de uma sessão de cinema direcionada para o público dos cidadãos e das cidadãs em situação de rua que utilizam o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). Este ato está ligado à atuação do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de Teixeira de Freitas e ocorreu no próprio espaço físico do Departamento. 

Sul Bahia News (SBN 2)9 – ―Teixeira de Freitas está entre os 80 Municípios no Brasil que Aderiu o Programa Consultório na Rua‖ [sic], publicada em 03/08/2015. A notícia trata da importância do Programa Consultório na Rua e seus benefícios para as pessoas em situação de rua. O Secretário de Saúde fala sobre a dimensão do programa e destaca o trabalho do prefeito da cidade.

Liberdade News (LN 1)10 – ―A brincadeira saiu cara: Procuradoria Municipal pune mototaxistas em 1 R$ mil e

Liberdade News (LN 2)11 – ―Governo Municipal inaugura Centro Especializado para População em Situação de

suspensão 7 dias‖, publicada em 06/02/2016. Na notícia relata-se que a Procuradoria Municipal expediu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para punir dois infratores, mototaxistas, por ato de desrespeito cometido contra um cidadão em situação de rua. O fato ocorrido é novamente mencionado na notícia. Rua‖, publicada em 20/08/2015. A notícia relata a inauguração de um Centro de apoio a pessoas em situação de rua. Apresenta a fala do prefeito, da secretária e do coordenador do Centro.

Análise do corpus Os agentes sociais podem ser representados de diversas maneiras, conforme destaca Van Leeuwen (1997). Os textos jornalísticos do corpus desta pesquisa apresentam uma pequena amostra dessa diversidade vinculada diretamente à problemática da situação de rua. Há duas características importantes a destacar no corpus: a primeira, diferentemente das compreensão de que a situação de rua esteja apenas em grandes 8

Disponível em: <http://www.sulbahianews.com.br/frequentadores-do-centro-pop-participam-de-sessao-de-cinema/>. Acesso em: 09 mar.2017. 9 Disponível em: <http://www.sulbahianews.com.br/saude/teixeira-esta-entre-os-80-municipios-no-brasil-que-aderiu-o-programaconsultorio-na-rua/>. Acesso em: 09 mar.2017. 10 Disponível em: <https://liberdadenews.com.br/index.php/component/content/article/37-temp-policia/14977-a-brincadeira-saiucara-procuradoria-municipal-pune-mototaxistas-em-r-1-mil-e-suspensao-07-dias>. Acesso em: 09 mar.2017. 11 Disponível em: <http://liberdadenews.com.br/index.php/politica/13280-governo-municipal-inaugura-centro-especializado-parapopulacao-em-situacao-de-rua/>. Acesso em: 09 mar.2017. 42 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


centros urbanos, o extremo sul da Bahia convive também com essa realidade; a segunda, por mais que se perceba uma preponderância de notícias sobre violência relacionada a essa temática (inclusive, uma das notícias do corpus), há registros midiáticos de ações institucionais positivas que são, destaque-se, resultado de lutas e reivindicações sociais, pessoais, institucionais, do Movimento Nacional das Pessoas em Situação de Rua, bem como desdobramento de pesquisas – esse processo tem gerado políticas públicas e muitas delas começam a se tornar realidade. Em uma síntese das quatro notícias, identifica-se que os textos SBN1, SBN2 e LN2 relatam ações provenientes de políticas públicas para as pessoas em situação de rua – a notícia SBN,1 mais especificamente, trata do cumprimento de uma das diretrizes presentes na política pública estadual referente ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP): ―Art. 6º - São diretrizes da Política Estadual para a População em Situação de Rua: I - promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais‖ (BAHIA, 2014 – grifo nosso). A notícia do LN1 envolve violência, preconceito e maus tratos, uma demonstração do que as pessoas em situação de rua geralmente sofrem e, diretamente, um caso que repercutiu em toda região. Nas notícias analisadas, surgem relatos diretos e indiretos, essa alternância não causou diferenças em relação à origem das falas. Observando que essas notícias se embasam em relatos também, utilizando, assim, vozes de pessoas (representantes ou não de órgãos ou instituições), podemos perceber a presença textual de diferentes agentes sociais. Porém, uma ausência é percebida em relação às vozes das pessoas em situação de rua, pois não constam em nenhuma das quatro notícias. Neste caso, vamos perceber uma relativa exclusão de agentes sociais que causa distinções significativas no texto. Van Leeuwen (1997) diz que, ―as representações incluem ou excluem atores sociais para servir os seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem‖ (p.180). Vamos perceber nas notícias como são utilizados os relatos de agentes sociais, uma vez que as pessoas em situação de rua não têm suas vozes presentes. Em LN1, apresenta-se o relato indireto do presidente da Associação de Moto Taxistas de Teixeira de Freitas (ASMOTEF), que faz uma declaração para a imprensa sobre quais medidas poderiam ser tomadas diante do acontecimento. Já em LN2, comunica-se a inauguração do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP); aparece a voz do prefeito da cidade, do coordenador do Centro POP e da secretária de Assistência Social, tratando da importância do Centro para as pessoas em situação de rua. Em SBN1, o relato que aparece se realiza indiretamente, ocorre a partir de fala do diretor do Departamento de Cultura, relatando que foi discutido em reuniões a situação de rua, melhoria e possibilidade de haver uma casa de passagem para abrigar as pessoas que não tem onde dormir à noite. Em SBN2, está registrado, de forma direta e indireta, o relato do secretário de saúde, que enfatiza a importância do Programa Consultório na Rua estar na cidade e beneficiar pessoas em situação de rua. Diante dessas informações, é possível perceber o apagamento da voz de pessoas em situação de rua. Quanto à maneira como essas pessoas são apresentadas nas notícias, há imagens fotográficas que as ―incluem‖ no texto, também estão incluídas quando aparecem identificadas como ―morador de rua‖, ―pessoa em situação de rua‖. Porém, há uma nuance de exclusão ao se perceber que não são nomeados (com exceção do ―senhor Charles‖, que envolve resultado de ação jurídica e mesmo assim é designado sem sobrenome – em LN1) e que não se registra o que fazem no dia a dia ou que profissão por ventura tenham (mesmo que não estejam exercendo). Neste caso, acontece a ―exclusão por encobrimento‖ (VAN LEUWEEN, 1997), as pessoas em situação de rua não estão totalmente excluídas das notícias, a temática está se referindo a essas pessoas, mas não aprofunda em questões relacionadas a elas. Ainda pensando em tratamento social e tratamento midiático distintos para esses cidadãos e essas cidadãs, um ato sutil indica uma grande contradição: Por que em LN1 a pessoa em situação de rua é apresentada apenas com o nome próprio e depois com o acréscimo informativo de um apelido, enquanto outros agentes sociais são apresentados com primeiro e segundo nome e cargo/função que exercem? Na notícia SBN1, percebemos que o Centro POP aparece com um papel ativo: ―o Centro POP preparou para população em situação de rua‖. O ato de preparar é do Centro POP, enquanto o resultado é direcionado a pessoas em situação de rua. Assim, o papel de ativação está ligado ao Centro POP e as pessoas em situação de Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 43


rua são agentes sociais passivados/beneficiados. A divisão de papéis pode demarcar relações sociais entre os agentes. Em SBN2, a Secretaria de Saúde atua como agente social passivado e sujeito, ―A Secretaria de Saúde de Teixeira de Freitas aderiu o Programa Consultório na Rua para poder atender e cuidar dos moradores de rua do município‖ [sic]. A secretaria de Saúde é agente passivo ao aderir ao Programa do Governo Federal – instituído por política pública, e agente ativo para prestar a respectiva assistência a pessoas em situação de rua. Na notícia LN1, a ativação está ligada à Procuradoria e a passivação aos mototaxistas: ―A Procuradoria Jurídica do Município, repartição vinculada à Prefeitura Municipal, expediu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), nesta última quarta-feira, 03 de fevereiro, punindo os mototaxistas‖. Uma forma relevante de observar a representação de agentes sociais é identificar a utilização de termos designativos. Vejamos, a seguir, alguns termos utilizados nas notícias para mencionar as pessoas em situação de rua. Em LN1, aparece a lexia ―morador de rua‖, percebemos, então, uma ―classificação‖, por meio da qual se cria uma espécie de realidade por segunda ordem (VAN LEUWEEN, 1997). Além de permanecerem ou passarem a ser identificados/compreendidos/―tratados‖ pela forma como são ―enquadrados‖ na classificação, trata-se de uma forma equivocada de classificar. Rosa (2005) destaca que não há como ―morar‖ ―na rua‖. Inclusive, esse problema pode ser passageiro, por isso a utilização mais adequada envolve a compreensão de transitoriedade presente em: ―situação de rua‖. Na notícia LN2, verificamos a ―classificação‖: ―cidadãos em situação de rua‖, que é um termo mais adequado. É possível notar que esse modo de referência presente no texto vincula-se ao contexto da Assistência Social governamental e, mais diretamente, envolve a questão central da notícia, que se refere ao Centro POP. A própria identificação ―Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua‖ já traz uma forma lexical mais adequada. Também aparecem os termos ―usuário do Centro‖ e ―cidadão que vive em situação de rua‖. O primeiro está se referindo às pessoas que fazem uso do Centro POP; e o segundo, também traz inadequação, pois ―vive‖ relaciona-se à ideia de um ―presente habitual‖, de permanência, e não é dessa forma que a sociedade deve entender. É preciso ampliar a percepção social de que essas pessoas não se encontram nessa circunstância por um símplice desejo; que existem fatores que colaboraram para essa lamentável realidade; e que a prevalência interpretativa em nosso contexto social e constitucional deve ser de uma situação passageira (cidadão e cidadã em situação de rua). Em SBN1, a classificação das pessoas em situação de rua acontece com a utilização dos termos ―população em situação de rua‖, ―morador de rua‖, ―pessoa de situação de rua‖. É preciso considerar que a notícia é relacionada ao Centro POP, que tem no significado da sigla o termo ―situação de rua‖, pois este fato e o próprio contexto da Assistência Social institucional influenciam as designações. Ainda é preciso considerar que as práticas sociais e seus respectivos eventos concretos imprimem marcar sobre os textos que, em alguns casos, suplantam contextos específicos e trazem evidências linguísticas hegemônicas, como na notícia do SBN2 – mesmo fazendo referência ao Centro POP, não utilizam termos mais adequados. Tratando da nomeação, verifica-se que três das notícias analisadas não registram nomes de pessoas em situação de rua (os quais também não tem espaço de fala). Neste caso, percebe-se uma forma de exclusão de (representação de) agentes sociais. Em LN1, a pessoa em situação de rua aparece na notícia com identificação do nome (antecedido pelo pronome de tratamento ―senhor‖, gerando um tom de formalidade, porém, sem registro de sobrenome) e do ―nome popular‖ (apelido), ―jogaram água fria no senhor Charles, morador de rua popularmente conhecido como ‗Choque‘‖. A pessoa em situação de rua não está ―excluída‖, mas com pouca visibilidade (em segundo plano); o foco ainda recai sobre a ação da Procuradoria Municipal, sobre a penalidade dos mototaxistas pelo ato cometido. A circunstância relaciona-se a um cidadão em situação de rua, cujo nome completo não aparece e nem uma mínima declaração (muito menos registro de que foi procurado para se manifestar).

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Ainda sobre essas percepções sobre LN1, deve-se destacar uma ―inclusão‖12 : uma ―inclusão de justiça‖, pois o respectivo ato vexatório foi julgado e os praticantes do ato receberam punição, inclusive, esse resultado foi fruto de repercussão do ato e respectiva indignação que provocou. Seguindo essa perspectiva crítica e reflexiva, precisamos pensar: que construção discursiva permite um ato como o que foi praticado por esses mototaxistas? Fariam a mesma coisa com que outros cidadãos e cidadãs do Brasil? (Com qualquer um outro?) Se o ato fosse contra um advogado, o valor definido como penalidade seria o mesmo? É possível notar em todas as quatro notícias a representação de agentes sociais junto com a sua função, desencadeando, assim, a ―funcionalização‖ (VAN LEUWEEN, 1997). Apresenta-se o cargo que o agente social exerce e depois o nome. Na notícia LN2, podemos perceber que a representação aparece dessa forma: ―prefeito João Bosco‖, ―o coordenador do Centro Genilson Rego‖, ―a secretária Jussara Bahia‖. E, no final da notícia, aparece a nomeação de outras pessoas que não tiveram espaço de voz, mas que são agentes ocupantes de cargos públicos que também participaram do momento de inauguração. No trecho a seguir, todos esses nomes aparecem depois do cargo referido, demonstrando a funcionalização que aparece na nomeação de agentes sociais representados: Participaram do evento [...] o chefe de gabinete Marcílio Goulart; os secretários de Segurança com Cidadania coronel Bartolomeu Calheiros, de Infraestrutura José Henrique Gonsalves da Cruz, Paulo Costa da Comunicação; o vice-prefeito Gilberto Santos; o subcomandante da 87ª CIPM capitão Fabiano; e os vereadores Erlita de Freitas, Tomires Barbosa, Joanilton Rodrigues, Adriano Souza.

Em SBN2, aparece também esse modelo de nomeação, primeiro a função realizada pelo agente e depois o nome, ―o secretário de saúde Eujácio Dantas destacou...‖; da mesma forma, em LN1, quando apresenta ―os mototaxistas Mizael dos Santos e Renato de Souza caçoavam‖, ―o procurador municipal Ivan Guilherme da Rocha Júnior‖; em SBN1, ―O diretor do Departamento de Cultura, Ramiro Guedes‖. Esses agentes sociais são nomeados com cargo/função que possuem e nome com sobrenome, indícios de importância se compararmos a agentes sociais em situação de rua que não tem nomeação definida, não se indica que atividades (entre elas as laborais) praticam no dia a dia, ou a profissão (exercendo-a ou não no momento – um adendo: catador de materiais recicláveis, por exemplo, é uma profissão registrada na Classificação Brasileira de Ocupações CBO 5192-05). Em LN2, observamos algo relevante no relato da secretária Jussara Bahia ―o trabalho está acontecendo para garantir dignidade às pessoas, que são gente como a gente, e que hoje estão participando deste ato, que antes de ser uma inauguração é um ato de manifestação de respeito‖. (grifo nosso). Realmente, cumprir determinação de Política Pública é um ato de respeito. Por outro lado, dizer que cidadãos e cidadãs em situação de rua ―são gente como a gente‖ (que pode ser compreendido como algo positivo e bem intencionado) ultrapassa uma fala individual e demonstra uma marca de preconceito, pois a necessidade dessa afirmativa implica a existência de uma desumana forma de compreensão. Foi possível identificar no título da notícia SBN1 o termo ―frequentadores‖ para designar as pessoas em situação de rua que frequentam o Centro POP. Essa representação é chamada de impersonalização/objetivação (VAN LEUWEEN, 1997), pois agentes sociais são representados por meio de uma referência ao local que utilizam, neste caso, estabelece relação com o grupo de pessoas do Centro POP. Em LN2, aparece o termo ―usuários do Centro POP‖, indicando também objetivação, pois o termo ―usuários‖, no contexto, relaciona-se ao ato de fazer uso do espaço (Centro POP). Outro tipo de representação de agente social foi possível notar na notícia SBN2. Aparecem funções sem nome; neste caso, a representação acontece com categorização, quando agentes sociais ou grupos formados por agentes sociais são referidos pela atividade que exercem (VAN LEUWEEN, 1997): ―uma Enfermeira, um Técnico em Enfermagem, um Assistente Social e uma Agente Social‖. Foram registrados os cargos, a formação técnica da equipe de profissionais no Programa Consultório na Rua, que beneficia pessoas em situação de rua. 12

Trata-se de uma alusão metafórica e não de emprego específico de análise de representação de agentes sociais. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 45


Considerações finais Este trabalho desenvolveu uma análise discursiva crítica, evidenciando a indissociabilidade entre linguagem e sociedade. Os quatro textos jornalísticos de dois sites de notícias da região Extremo Sul da Bahia tratam da problemática da situação de rua, que tem sido reconhecida pelo Estado, todavia as ações e os resultados ainda não condizem com nossa Constituição cidadã. Apesar dos estudos e da oficialização de Políticas Públicas, esse grupo de pessoas que utiliza a rua como espaço de abrigo (e, muitas vezes, de sustento), nem é (de um modo geral) designada adequadamente pela mídia, o que implica percepções sociais que podem contribuir para a manutenção da problemática. A partir do corpus, observamos o uso da linguagem em sua relação com práticas sociais, considerando pesquisa apresentada pelo MDS (2008), estudos sobre situação de rua e teorização de Representação de Atores Sociais de Van Leeuwen (1997). Por meios das análises dos dados, foi possível perceber que, apesar das notícias estarem relacionadas à temática ―pessoas em situação de rua‖, suas vozes não estão presente em nenhuma notícia; essa marca de exclusão torna-se evidente. Van Leeuwen (1997) contribui para a compreensão de que textos jornalístico-midiáticos podem envolver uma tentativa de excluir agentes sociais vinculando-se a algum tipo de interesse, seja político ou até mesmo jornalístico. Encontramos apenas uma notícia que apresentou a pessoa em situação de rua com o primeiro nome e o ―nome popular‖, mas que não propiciou espaço para a sua voz. Em relação aos assuntos das notícias, é possível notar que houve melhorias em relação às Políticas Públicas para pessoas em situação de rua e, consequentemente, avanços do Estado. Contudo, ainda há um silenciamento em notícias e também faltam algumas ações para enfrentar os estereótipos ainda evidentes. Diferentes corpora e/ou diferentes categorias de análise podem contribuir significativamente para as devidas reflexões críticas sobre a problemática da situação de rua com vistas a transformações. Referências BESSA, Décio. Linguagem e situação de rua. In: MAGALHÃES, Izabel; CAETANO, Carmem J. M.; BESSA, Décio. (Orgs.). Pesquisas em análise de discurso crítica. Covilhã (Portugal): Livros LabCom, 2014. p. 25 - 51. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/sub/livro.php?l=127>. Acesso em: 17 nov. 2016. ______. Análise de discurso crítica: história e perspectivas. In: KALLARRARI, Celso; BESSA, Décio; PEREIRA, Aline. M. dos S. Estudos linguísticos e formação docente. Campinas: Pontes, 2016. p. 115 - 142. BESSA, Décio; NUNES, Petrina M. Discurso e situação de rua em Pernambuco. In: SATO, Denise T. B.; BATISTA JÚNIOR, José Ribamar L. (Orgs.). Contribuições da análise de discurso crítica no Brasil: uma homenagem à Izabel Magalhães. Campinas: Pontes, 2013. p. 257 - 287. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Coord. trad. revisão e prefácio à ed. brasileira Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001 [1992]. ______. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: Routledge, 2003. ______. A dialectical-relational approach to critical discourse analysis in social research. In: WODAK, R.; MEYER, M. (Org.) Methods of critical discourse studies. 3. ed. Londres: Sage, 2016. p. 86 – 108. FOWLER, Roger. Language and control. Londres: Routledge, 1979. HALLIDAY, Michael A. K. An introduction to functional grammar. Londres: British Library Cataloguing in Publication Data, 1985. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Perfil de cidades: Teixeira de Freitas (BA). 2016. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=293135&search=bahia|teixeira-defreitas|infograficos:-informacoes-completas>. Acesso em: 08 mar. 2017.

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DE “O

SOM AO REDOR” PARA

GRUPOS HEGEMÔNICOS

1

“TEA PARTY

À BRASILEIRA”: COBERTURAS MIDIÁTICAS EM CONFRONTO COM

Carlos Augusto de França Rocha Júnior2 RESUMO Este artigo analisa duas edições da revista ―Piauí‖ a respeito dos protestos ocorridos em todo o Brasil nos meses de junho de 2013 e março de 2015 publicadas nos meses subsequentes. A busca empreendida neste estudo é por compreender como grupos sociais e políticos apresentam-se como hegemônicos, bem como analisar criticamente como se dá a cobertura midiática realizada a respeito das duas protestos. A escolha é por adotar como referencial teórico a Análise de Discurso Crítica para o estudo dos sentidos a respeito da cena política brasileira. Entre as categorias de análise destacam-se intertextualidade, a identificação relacional e a avaliação. Palavras-chave: análise de discurso crítica; Piauí; revista; comunicação.

Introdução

J

unho de 2013 e março de 2015 foram meses de manifestações de grandes proporções no Brasil. As duas mobilizações ganharam destaque nas publicações jornalísticas em geral e especialmente na revista Piauí dos meses subsequentes. Contudo, os modos como estas manifestações foram representadas nas duas edições são bem diferentes, levando a crer que as duas manifestações também são diferenciadas em seus participantes, em suas pautas e em suas consequências. Para compreender criticamente as opções realizadas por Piauí em suas edições de julho de 2013 e abril de 2015 serão abordados estudiosos voltados para a Análise de Discurso Crítica. Em busca de compreender como grupos hegemônicos se fazem presentes nas duas manifestações através das reportagens apresentadas por Piauí consideram-se as colaborações de Fairclough (2012), Resende (2015), assim com Ramalho e Resende (2006) e (2011). Os autores são apropriados para compreender como os textos de Piauí representam reconstruções discursivas obtidas a partir das experiências envolvendo os repórteres e as manifestações registradas em 2013 e 2015. A proposta deste trabalho é compreender como estas manifestações são estruturadas a partir de como são retratadas nas reportagens e como estes atos de 2013 resultam em atos de 2015 considerando os primeiros como base, a partir das reportagens publicadas por Piauí. Análise de Discurso Crítica e o questionamento da hegemonia Compreender como a revista Piauí aborda ideologicamente as correntes que entram em marcha nas duas manifestações apresentadas exige uma metodologia apropriada. Neste aspecto a Análise de Discurso Crítica (ADC) representa a ferramenta adequada considerando que o ideológico é aplicável tanto em momentos de consolidação, quanto em contestação de grupos hegemônicos. As aplicações da ADC permitem olhar o objeto de pesquisa em suas múltiplas possibilidades de semiose com diversos atores sociais. A ADC é apresentada aqui como metodologia, mesmo com a ressalva de Fairclough (2012), que considera além de um método, uma perspectiva teórica voltada para o estudo da língua e a semiose de forma geral. A partir das diversas considerações de Fairclough a ADC como teoria estuda a semiose como linguagem 1

Trabalho apresentado no GT.03 – Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina-PI. Endereço eletrônico: carlosrocha_pi@yahoo.com.br 48 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


em suas diversas formas e sobretudo na perspectiva de parte do processo social material, seja elemento componente ou um momento de estruturação. A concepção de práticas sociais nos permite combinar as perspectivas de estrutura e de ação – uma prática é, por um lado, uma maneira relativamente permanente de agir na sociedade, determinada por sua posição dentro da rede de práticas estruturada; e, por outro, um domínio de ação social e interação que reproduz estruturas, podendo transformá-las. Todas são práticas de produção, arenas dentro das quais a vida social é produzida, seja ela econômica, política, cultural, ou cotidiana. (FAIRCLOUGH, 2012, 308)

Conforme propõe Fairclough (2012), a teoria caracteriza-se por dar margem a análises linguísticas ou semióticas como parte de reflexões que abrangem o processo social de forma mais ampla. De forma transdisciplinar é proposta a interação entre diferentes teorias e métodos para realizar estudos que compreendam, através da língua, estas relações sociais. Neste aspecto o potencial da língua, como estrutura, representa o significado em possibilidade que pode se realizar a partir dos contextos de situação e cultura que representam a ação de poder dizer. Estrutura e ação são duas palavras entrelaçadas na construção da ADC. Resende (2015) considera a ADC na relação entre linguagem e outros elementos sociais. ―Os textos que formulamos e que são parte dos modos como agimos em sociedade não apenas são efeitos das situações sociais imediatas, mas também tem efeitos sobre elas.‖ (RESENDE, 2015, p. 108) Para a autora há, em cada ato, reflexos de mecanismos que condicionam estas ações e que, do mesmo modo, contribuem para reestruturar estes mecanismos. Chamando a atenção para a estruturação da ação, assim como também para a ação estruturada, a autora propõe um estudo voltado para a abordagem micro e macro levando em conta que textos materializam gêneros como modos de ações discursivas, bem como também discursos no que se trata de representação de mundo. Textos, nas reflexões da autora são resultados de conjunturas e situações sociais engendradas em práticas sociais e convenções semióticas. Para compreender como estão expressas estas conjunturas e situações sociais no texto, Fairclough (2012) propõe uma estrutura analítica baseada na apreciação crítica de Bhaskar com ênfase em um problema social com aspecto semiótico. O caminho proposto pelo autor é baseado em uma série de passos: Dar ênfase a um problema social com aspecto semiótico; identificar obstáculos para a resolução deste problema; considerar se a ordem social é um problema; identificar maneiras possíveis de superar os obstáculos e refletir criticamente sobre os passos anteriores. Não se trata de um roteiro engessado, mas uma proposta, um mapa para delinear de modo amplo a observação do analista, permitindo a ele contemplar o problema, mas orientando-o a fim de alcançar uma análise que reúna a observação do problema social, bem como dos aspectos semióticos que o envolve. A análise interacional tem dois aspectos. Primeiro, há uma investigação interdiscursiva que busca responder à seguinte pergunta: como certos tipos de interação juntamente articulam os diferentes gêneros, discursos e estilos? A suposição que se faz aqui é que uma interação (ou texto) é tipicamente híbrida em termos de gêneros, de discursos e de estilos, ou seja, parte da análise está relacionada com o desenvolvimento de uma mistura particular de certos tipos de interação. O segundo aspecto é a análise linguística e de outras formas de investigação semiótica, como é o caso das imagens visuais. (FAIRCLOUGH, 2012, 313)

O roteiro proposto por Fairclough (2012) permite compreender mais, tanto da sociedade, quanto da construção de significados. É o que Resende (2015) considera como proposta chave da Análise de Discurso Crítica na relação entre linguagem e outros elementos sociais. ―Os textos que formulamos e que são parte dos modos como agimos em sociedade não apenas são efeitos das situações sociais imediatas, mas também tem efeitos sobre elas.‖ (RESENDE, 2015. p. 108). Os atos das pessoas se dão diante de mecanismos que os condicionam gerando resultados que são mecanismos que envolvem outros atos. A análise do material selecionado levam em consideração os aspectos micro e macro da amostra, respectivamente considerando a estruturação das manifestações realizadas em junho de 2013 e março de 2015 e as coberturas midiáticas publicadas nos meses seguintes, julho de 2013 e abril de 2015. Não se trata de tentar Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 49


desenvolver nenhuma abordagem totalizante, seja sobre os grupos sociais em mobilização ou sobre a cobertura midiática, mas restrito à abordagem empreendida pela revista Piauí em seus textos. Resende (2015) considera que os textos são materializações dos gêneros, como modos de ação discursiva e discursos pela representação de diversos aspectos do mundo através das reconstruções discursivas das experiências pessoais. Neste aspecto os textos produzidos são resultados de trabalhos de socialização em que influem as conjunturas e situações sociais e sobre as quais estes textos passam a compor articulações a serem estudadas através da análise discursiva. Para este estudo em particular consideram-se como categorias a intertextualidade, a identificação relacional e a avaliação conforme aponta Ramalho e Resende (2011). A intertextualidade é tratada como propriedade do texto em ter fragmentos de outros textos na articulação de vozes particulares e principalmente como disciplinadora de lutas internas. Os textos em relação dialógica apresentam a articulação de vozes particulares considerando a ausência ou presença de vozes que exploram as práticas discursivas existentes na sociedade nos diversos textos da amostra. A identificação relacional é estruturada como categoria a partir dos modos particulares de identificação que elaboram semelhanças e diferenças nas relações pessoais dos atores sociais. As relações sociais estabelecidas, assim com as posições sociais que os atores sociais ocupam são os principais aspectos a definir como acontece a identificação relacional. A categoria está voltada especialmente para compreender os processos de construção e subversão de papéis e relações sociais. Por sua vez a avaliação é considerada principalmente pela perspectiva ou apreciação positiva ou negativas que se faz sobre os atores sociais e que são moldados principalmente por estilos. Na prática as avaliações representam significados identificacionais materializados em traços textuais que envolvem posicionamentos ideológicos em busca de alcançar a hegemonia. Piauí: Uma revista e dois momentos de manifestação Fruto de parceria entre João Moreira Sales, voltado para a idealização do projeto, e a Editora Abril, tratando da distribuição da publicação, nasceu em 2006 a revista ―Piauí‖. O modelo apontado para a revista é a da estadunidense ―The New Yorker‖ com reportagens voltadas para narrativas aprofundadas com uma aproximação entre jornalismo e literatura. A revista Piauí é considerada para este estudo a partir de suas reportagens a respeito de manifestações contra o governo vigente em dois momentos: o início da Copa das Confederações em 2013 e o início do segundo governo da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015. São dois momentos diferentes em diversos aspectos, principalmente os relacionados a um marco referencial que é a reeleição de Dilma Rousseff em 2014, mas unidos pela contraposição ao governo por parte dos manifestantes. Em 2013, questiona-se o governo a partir de sua atuação em relação a gastos públicos, enquanto em 2015 as críticas ao governo voltam-se contra a corrupção que, dizem, é responsabilidade do governo. São duas mobilizações apresentadas de modo tão diferente que até a descrição ideológica dos manifestantes aparece também de modo diferenciado. Tratam-se de reivindicações diferentes que entram em marcha contra Dilma, com relações diferentes com o jogo democrático e que a revista Piauí as apresenta em seus detalhes, considerando até mesmo suas idiossincrasias. Para este estudo são utilizadas reportagens presentes nas seções ―Esquina‖, ―Chegada‖ e ―Despedida‖ da revista Piauí. A escolha é guiada a partir das mobilizações realizadas no mês anterior àquele em que a publicação chega às bancas. Em termos mais práticos são tomadas as edições 82, de julho de 2013 e 103, de abril de 2015. As seções em particular são tomadas também em busca de um paralelo sobre o qual possa a análise ser calcada já que cada uma das seções citadas tem características particulares, como a informalidade em ―Esquina‖, de proposição em ―Chegada‖ e de resumo em ―Despedida‖. Para a análise são utilizadas na edição 82 as matérias ―O som ao redor‖, da ―Chegada‖; ―Sobrou para o PSTU‖, da ―Despedida‖; assim como a reportagem da seção ―Esquina‖, ―Relâmpago, fagulha e incêndio num fim de outono‖. Já da edição 103 estão as reportagens ―Tea Party à Brasileira‖, da ―Chegada‖; ―A Morte e a morte 50 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


do Partido Liberal‖, da ―Despedida‖, e o texto ―Uma noite brasiliense‖, da ―Esquina‖. As reportagens selecionadas são apresentadas a partir das categorias escolhidas para empreender a análise a fim de compreender como Piauí abordou as duas manifestações e como foram elaborados juízos de valor em particular. Entre as duas manifestações há uma disputa simbólica que faz com que haja um compartilhamento do nome manifestação, mas a partir de movimentos empreendidos por grupos completamente diferentes entre si e que aparecem bem demarcados nas reportagens publicadas em Piauí. Identificação Relacional: Grupos demarcados pelas posições nas manifestações As identificações relacionais são construídas nas reportagens que compõem a amostra a partir do conflito. Tratam-se de grupos políticos demarcados, bem como forças político partidárias que buscam adesão por estarem marcadas pela legitimidade em seus pleitos e plataformas políticas. A identificação é realizada principalmente para compreender o que foram as manifestações e sobretudo que possíveis desdobramentos elas propõem. Nas edições que compõem a amostra os grupos se apresentam como não partidários. Porém a representação de apartidários comporta um amplo espectro de representações. Um exemplo desta multplicidade está em ―O Som ao redor‖ (PIAUÍ, JULHO 2013) com a apresentação do grupo responsável pela manifestação, a organização ―Movimento Passe Livre‖, como movimento político não partidário. A demarcação como ―não partidário‖ delimita a relação que a manifestação possui em relação ao governo, assim como em relação à outras forças políticas organizadas. É um apartidárismo calcado principalmenten a mutiplicidade dos seus integrantes. A vocação ao mesmo tempo pragmática e libertária do Movimento Passe Livre; a recusa em formar lideranças que possam comprometer sua organização horizontal e o espontaneísmo de seus atos; a resistência em canalizar a pressão social que exercem por vias institucionais, transformando-se, eles mesmos, num partido – todas essas características, que definem o MPL e o aproximam de grupos de mobilização anticapitalista em vários pontos do planeta, serviram, paradoxalmente, para dar combustível a aspirações conservadoras, estranhas à agenda da esquerda. Sem o impulso involuntário de um gauchisme pós-moderno, a nova direita não teria chegado às ruas de peito tão aberto. (PIAUÍ, JULHO 2013, p.7)

Contudo, a orientação não partidária divide-se na identificação de tendências que buscam o bem estar social e outras que são mais voltadas para o conservadorismo. Estes últimos são associados a grupos conservadores como o movimento de ―Restauração‖ francesa, referente à monarquia. ―A tradução política imediata da atmosfera de Restauração foi captada pelo Datafolha: 30% dos manifestantes da avenida Paulista votariam para presidente em Joaquim Barbosa – o caçador de mensaleiros‖ (PIAUÍ, JULHO 2013, p.7). É uma identificação partilhada nas manifestações na classificação de parte dos manifestantes de ―neoudenismo‖, em referência a União Democrática Nacional (UDN), partido conservador das décadas de 50 e 60. A identificação como ―apartidário‖ e ―conservador‖ é mais característica na reportagem ―Tea Party à Brasileira‖ (PIAUÍ, ABRIL 2015) o próprio título é uma identificação relacional. No cenário político brasileiro os grupos retratados na reportagem são apresentados como ultraconservadores e contra direitos sociais, aspectos que caracterizam o movimento estadunidense ―Tea Party‖ que ganhou destaque nos últimos anos como oposição ao presidente Barack Obama. Guardadas as proporções, há vários pontos em comum entre o proselitismo ultraconservador no Brasil e nos Estados Unidos – onde a partir dos anos 70, tempo de recessão e crise política que resultou na renúncia de Richard Nixon, uma série de think tanks passou a desafiar o consenso social da Era Roosevelt, iniciada com o New Deal. [….] Seu subproduto mais recente é o Tea Party, movimento que se tornou influente no Partido Republicano e acaba de lançar seu primeiro précandidato à Presidência, o senador pelo Texas Ted Cruz. (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 8)

Os partidos também são identificados na cobertura promovida nas duas edições de Piauí. Nesse caso Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 51


são consideradas as tendências políticas de direita, esquerda e centro. No campo da esquerda a identificação é feita sobre o PSTU e sua relação com a mobilização de Piauí 82, como na seção ―Despedida‖ com ―Sobrou para o PSTU‖ (PIAUÍ, JULHO 2013). É uma identificação de ―vítima‖ da fúria das mobilizações e que é tomada de surpresa ao mesmo modo que o governo petista, também de esquerda. É apresentada também uma diferenciação entre a esquerda que o PSTU representa e a que o PT representa, mesmo que o PSTU seja formado a partir de uma dissidência do PT no começo dos anos 90 do século XX. ―Depois de quase dezoito anos de protestos nanicos contra a exploração, a adesão do Partido dos Trabalhadores à direita, a privatização e a especulação financeira, justamente agora que o povo lotou as ruas, o PSTU foi convidado a depor suas bandeiras.‖ (PIAUÍ, JULHO 2013, p. 77). O partido, como esquerda e como alvo das mobilizações, é identificado como um personagem sobre o qual estão as contradições em torno da política brasileira. Esta identificação sobre os partidos na edição 103 de Piauí é mais direcionada aos partidos de direita a partir da relação com os movimentos definidos como ―liberais‖, ―conservadores‖, ―ultraconservadores‖, ―proselitistas‖. O PSDB, quando mencionado, em uma relação com o ―Movimento Brasil Livre‖ é apresentado como ―fraco‖ ou ―tíbio‖ na defesa da pauta deles. ―Direita para eles é elogio – até fizeram troça de um artigo na Folha de S.Paulo que os chamou de ―centro-direita‖ (―Talvez porque a gente não defenda o golpe militar‖)‖ (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 8). A escolha reforça a identificação do MBL à semelhança do ―Tea Party‖ estadunidense, marcado pela reserva ao partido Republicano, que poderia acolher as propostas conservadoras deles. Há identificações que tratam também do sistema político brasileiro, apresentado em si como ―pulverizado‖ no que se referere a conceitos de ―esquerda‖, ―direita‖ e ―centro‖. Por exemplo, as fragilidades do PSTU são apresentadas para demonstrar o quanto o partido está com uma influência restrita no cenário político nacional, mesmo no campo da esquerda, dividindo-a com vários outros partidos. Nas eleições municipais de 2012, o PSTU teve 0,17% dos votos válidos no país. O partido só tem dois parlamentares eleitos: um vereador em Natal e outro em Belém. Sua prioridade, em todo caso, não são as migalhas de um sistema eleitoral que seu presidente nacional, o ex-metalúrgico José Maria de Almeida, considera enviesado em favor dos ―partidos ligados a empreiteiras e grandes bancos‖. [….] Na Presidente Vargas, filiados do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e dos minúsculos PCB (Partido Comunista Brasileiro) e PCO (Partido da Causa Operária) optaram por não provocar o gigante com estandartes ou faixas. Mas o PSTU se recusou a abrir mão das bandeiras, e formou um cordão humano em torno do carro de som e dos militantes. (PIAUÍ, JULHO 2013, p. 77).

No que diz respeito à ―direita‖ a reportagem ―A morte e a morte do Partido Liberal‖ (PIAUÍ, ABRIL 2015) traz a pulverização a partir da recriação de um partido que existia ocupando seu espaço no campo político da centro-direita. Recriação, neste caso, para se encaixar como uma sigla ―adaptada‖ a um sistema político com partidos de programas fracos e carecendo de identificação com o eleitor. O político que sai do seu partido de origem perde o mandato. A não ser que o destino seja uma legenda recém-criada. Foi assim que Kassab montou o PSD, atraindo infiéis. Para cooptar novos políticos, criaria um segundo partido. Lá na frente, fundiria os dois. [….] As benesses são calculadas de acordo com o número de deputados eleitos pela legenda. Os que vieram de outras não contam. Partido sem deputado só recebe da União um valor mínimo, de cerca de 45 mil reais por mês, para manter a estrutura partidária. O atrativo menor não desencorajou a aparição de outras agremiações. (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 69)

Nas relações entre os grupos políticos partidários, ou não, é que a revista apresenta as identificações daqueles que compõem as duas mobilizações, em 2013 e 2015, principalmente em suas particularidades. São dois momentos peculiares em suas coberturas que seguem caminhos diferentes. Tratam-se de protestos apresentados como amplas manifestações populares, mas no primeiro caso como baderna e no segundo como civismo na cobertura em geral e que em Piauí são melhor esmiuçados, considerando a repercussão social do

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primeiro e a ação individual do segundo. Avaliações: Movimentos anti-establishment x pró-caos Considerando a avaliação como apreciações ou perspectivas firmadas pelo locutor que se apresentam de modo mais ou menos explícito sobre aspectos do mundo dois cenários se firmam sobre as manifestações apresentadas na revista Piauí. A avaliação da mobilização que acontece em 2013, retratada na revista Piauí 82, é como ―anti-establishment‖, enquanto em 2015, na Piauí 103, a avaliação é como um movimento antigoverno. São movimentos diferentes também em relação à avaliação feita sobre Dilma Rousseff. No primeiro momento ela é considerada como apta a continuar no cargo, já que a mobilização é contra a classe política em geral. Na segunda manifestação há um desejo que ela deixe o cargo verbalizado por parte da população e encampado por parte da classe política. A avaliação dos protestos de 2013 como ―anti-establishment‖ é feita na seção ―Esquina‖ a partir do texto ―Rebelião‖ (PIAUÍ, JULHO 2013). O próprio título fornece uma avaliação sobre a mobilização em curso naquele momento já que situa o movimento como desobediência a ordens ou normas de uma instituição. No momento em questão as pessoas tomam as ruas e não acatam as ordens superiores em relação a liberar as vias tomadas pela multidão para o trânsito, uma avaliação firmada por expressões como não viver mais como antes. Isso não significa que o Brasil esteja às vésperas de uma revolução, longe disso. Situação revolucionária não quer dizer tomada do poder. Muito menos mudança radical da sociedade. A expressão serve para descrever o período em que um povo dá mostras de que não quer mais viver como antes. E que o Estado não pode seguir governando como fazia até então. Isso está a acontecer no Brasil. (PIAUÍ, JULHO 2013, p. 8).

Na rebelião anti-establishment, avaliada pela revista, está em curso uma transformação como em uma situação revolucionária, mas que não culminará em uma revolução através de afirmações avaliativas em que o elemento avaliativo é explícito. A mobilização é avaliada também nas semelhanças com outros movimentos. Trata-se de uma mobilização associadas às redes sociais como a Primavera Árabe (África e Oriente Médio), contra o sistema vigente à semelhança do Occupy Wall Street (Estados Unidos) e sem precedentes na história do país como o Indignados (Espanha). Incluído em um cenário global o movimento representa uma parte dos movimentos anti-establishment espalhados pelo mundo. As avaliações a respeito dos dois períodos é diferenciada também em relação às instituições. Mesmo sendo anti-establishment as manifestações de 2013 não se apresentam como um pedido de renúncia ou impedimento da presidente Dilma Rousseff. Estão mais situadas no campo da contestação ao poder instituído, seja o representado pela presidente como o de governadores e prefeitos. As marcas apontam para uma rebelião especificamente contra a classe política com mandato e poder de tomar decisões relacionadas à população. As manifestações perderam a reivindicação unificadora do congelamento das tarifas. Agora, vale tudo. Uns buscam a satisfação de dificuldades locais com ônibus, hospitais e escolas. Outros denunciam os gastos extravagantes na construção dos elefantes brancos para a Copa do Mundo. Defendeu-se a derrota do projeto que retirava poderes do Ministério Público, o que acabou ocorrendo. Há aqueles que se insurgem contra a discriminação homofóbica. Muitos pedem – metaforicamente – a cabeça do presidente do Senado. Poucos, a da presidente da República. (PIAUÍ, JULHO 2013, p. 8).

Em relação à mobilização de 2015, o texto ―Uma noite brasiliense‖(PIAUÍ, ABRIL 2015), também da seção ―Esquina‖ faz uma simples avaliação do momento em curso: caótico. A situação de caos apresentada pela revista, através de presunções valorativas em que a avaliação é feita de modo latente, não se ambienta nas ruas e sim em um restaurante chique de Brasília. A crise não envolve mais a população nas ruas, mas a classe

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política representada nos que estão citados pela Operação Lava Jato, contra o governo e especificamente contra a presidente. Há trinta anos atuando como um dos mais argutos observadores da vida brasiliense, o consultor continuou. ―O discurso será o de ‗Vamos zerar tudo o que estava errado‘, ‗Vamos consertar o país‘. E a culpa, é claro, será do ‗sistema‘‖, afirmou. O Lama para Todos já estaria em curso. (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 10)

Na avaliação de que há um caos no cenário político expressa por Piauí em 2015 as marcas textuais apontam para a possibilidade de que a classe política cogita abertamente que a presidente possa ser forçada a deixar o cargo, por causa da crise envolvendo a sua base política e administrativa. ―Falou-se que a possibilidade de impeachment estava sendo debatida intramuros. [….] Mais uma vez o tema era o impeachment. Havia quem defendesse a medida. Um parlamentar do Piauí se disse contra‖ (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 11) Nos dois casos Dilma é uma presidente em crise, mas apenas em 2015 questiona-se a sua capacidade de continuar no poder. São dois momentos com duas avaliações distintas sobre a política nacional, sobre a classe política e especificamente sobre a presidente Dilma Rousseff. Avalia-se a política nacional como ―convulsionada‖ em 2013 pela oposição entre população e classe política. Esta é classificada como ―atônita‖ diante dos movimentos antiestablishment enquanto a presidente é preservada neste momento. Já no segundo momento há a avaliação de um embate contra o governo em que a classe política é ―protagonista‖ dos acontecimentos e a saída da presidente é considerada como uma possibilidade. A classe política é avaliada como atônita na edição 82 de Piauí diante dos movimentos antiestablishment e na edição 103 como mobilizada em torno das denúncias de corrupção e pelo impeachment de Dilma Rousseff. Já avaliação da presidente na primeira edição da análise é vista como um dos alvos das mobilizações em curso por parte da população, enquanto na segunda edição é alvo do movimento da classe política que não a vê com condições de continuar no cargo. Intertextualidade: Vozes em diálogo nas manifestações Os textos são cheios de fragmentos de outros textos. Na categoria chamada de intertextualidade há o destaque para esta combinação de vozes de quem pronuncia o enunciado com outras vozes que lhe são articuladas. Particularmente neste caso as vozes articuladas nas reportagens da Piauí 103 reverberam vozes presentes na Piauí 82, sejam sobre as manifestações ou sobre o sistema político-partidário brasileiro. Tratam-se de vozes articuladas de maneira específica expressadas para traduzir lutas hegemônicas, em sua maioria através de discurso indireto, se apropriando de falas específicas de diversos grupos. A respeito da organização do sistema político-partidário brasileiro, em Piauí 103, a voz do locutor questionando o modo como o Partido Liberal (PL) renasce joga luzes sobre o quanto a articulação é realizada por grupos hegemônicos a fim de garantir o poder sem abrir espaço para outras tendências. Há a referência às manifestações de 2013 que questionavam justamente este sistema partidário, calcado apenas no favorecimento de grupos hegemônicos. Na prefeitura, seu grande feito não foi administrativo, e sim político-partidário. Sentado na cadeira de prefeito, da qual saiu com um dos piores índices de popularidade, deixou o DEM para criar sua própria legenda, o Partido Social Democrático, PSD. Kassab amealhou dois senadores e 51 deputados eleitos por outros partidos – uma bancada corpulenta, mas ainda pequena perto do maior partido, o PMDB. Como o tamanho da bancada determina o que o partido recebe do fundo partidário e seu espaço no horário gratuito, o PSD nasceu abocanhando 1 milhão de reais por mês, além de desfrutar do mesmo tempo na televisão e no rádio que o PSDB, a maior sigla da oposição. (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 69)

A intertextualidade reflete-se também quando se trata de conservadorismo. Visto em Abril de 2013 como um aspecto entre tantos outros, em Maio de 2015, destaca-se como o principal aspecto. O conservadorismo expresso na edição 82 de Piauí é uma faceta entre todas presentes nas manifestações de 54 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


2013, tomada como uma derivação do caráter libertário das manifestações em que os partidos em geral, principalmente os de esquerda não são bem-vindos. A escolha de uma voz específica, com uma articulação também específica leva a compreensão que o texto se posiciona para demonstrar a resistência ao discurso de tendências políticas de esquerda em 2013, em um movimento que se amplia em 2015. Trata-se de uma marcha voltada para o conservadorismo reverberada na segunda edição da amostra e que se fazia presente na primeira não compreendida como tal. Quando a marcha rumava para a prefeitura, o bloco foi cercado por uma turma de jovens com bíceps pronunciados e cabeças raspadas. Estes eram incentivados por manifestantes que em tempos remotos seriam chamados de ―massa atrasada‖. Ao microfone do carro de som, Julio Anselmo, da Juventude do PSTU, pedia: ―Sem fascismo.‖ À sua volta, os militantes tentavam argumentar que o partido era ―diferente dos outros‖, que todos estavam ―do mesmo lado‖, que lutavam ―pelas mesmas coisas‖, que vetar bandeiras era antidemocrático. (PIAUÍ, ABRIL 2013. p. 11)

Em 2015 o conservadorismo é revisitado na cobertura das manifestações para que sua manifestação seja vista como ainda mais aprofundada em seu radicalismo sobre a classe política e também nas soluções sobre a crise. ―Renan Santos e Kataguiri votaram em Aécio Neves nos dois turnos em 2014, mas demonstram fastio com o PSDB – que, a despeito de ter conclamado seus apoiadores a protestar no dia 15, ainda não aderiu à tese do impeachment.‖ (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 9) A pauta conservadora ganha mais espaço no que se trata de questionar conquistas sociais. Contudo, assim como em 2013, Piauí traz mais claramente como falta apelo popular nesta pauta conservadora. Há um fechamento da diferença entre as duas edições através da intertextualidade em que as marcas das pautas progressistas são apagadas em prol do pensamento conservador. Ao comparar o Movimento Brasil Livre com o Tea Party a revista estabelece um paralelo que demonstra também que a repercussão da mobilização está restrita, seja em público, seja também em espaços. Na uma combinação da voz do Tea Party com os temas nacionais para a articulação em prol do impeachment da presidente no poder em que o movimento é apresentado em meio a uma luta hegemônica. Desde 1º de novembro, quando organizou o primeiro protesto contra Dilma em São Paulo, o trio do MBL já aparecia na tevê e dava entrevistas a jornais e portais. Mas as cerca de oitenta pessoas que compareceram ao teatro não eram curiosos, tampouco o público do shopping, um dos mais luxuosos do Rio. Eram em sua maioria militantes já convertidos, a quem os líderes do MBL – vestidos como profissionais liberais, de camisa sem gravata – deram dicas de como fazer amigos e ganhar adeptos. (PIAUÍ, ABRIL 2015. p. 8)

Esta combinação de vozes entre as duas edições de Piauí demonstram o diálogo a partir de um momento comum, as manifestações e sobre um aspecto também comum, o conservadorismo. De um texto a outro os temas alçados em 2015 retomam 2013, mesmo que para uma guinada para aquilo que em 2013 era apenas um ponto no espectro das manifestações. São diálogos nas reportagens que também traduzem mudanças nas relações entre grupos políticos, acentuadamente mais radicalizados na oposição ao governo com um fechamento da diferença com os fragmentos que demonstram a implementação de um posicionamento hegemônico. Considerações finais Há duas manifestações sobre as quais Piauí se debruça para realizar coberturas, como uma revista de periodicidade mensal, em suas edições publicadas em Julho de 2013 e Abril de 2015. Em comum carregam o nome ―manifestação‖ que se caracterizam por serem bastante diferentes entre si. São participantes retratados de modo bastante diferenciados; com pautas divergentes e caracterização até mesmo oposta em cada momento retratado pela publicação. Em sua cobertura a respeito das manifestações de 2013 e 2015,a revista traz o retrato de dois

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momentos de organização social para protestos. Na avaliação da revista o primeiro momento a presidente é questionada em sua administração, em conjunto com a classe política vigente. No segundo momento Dilma Rousseff é abordada em sua capacidade de comandar o país de modo mais direcionado e de modo mais seletivo. A edição de Piauí do mês de julho de 2013 é voltada para questionamentos contra as políticas de bem estar social com foco na abordagem sobre os motivos que levam às pessoas às ruas destaca-se que é preciso que sejam mudadas as ações de governo em relação às pessoas. Com isso, mesmo nomeados como ―manifestações‖ o que acontece em junho de 2013 e março de 2015 são retratadas em seus meses posteriores em Piauí como ações completamente diferentes. Opostas, elas estão ligadas pelo termo ―manifestação‖ e porque as mobilizações de 2013 carregam alguns aspectos que se sobressaem em 2015. As manifestações retratadas inicialmente com bandeiras de ―sem partido‖ na primeira parte da amostra, na segunda passam a tratar mais especificamente como ―sem partidos de esquerda‖. São coberturas midiáticas diferentes a partir dos questionamentos feitos por Piauí. De uma para a outra há um aprofundamento da pauta político partidária em detrimento do que se refere à políticas públicas. Com o jogo político mais realçado perde-se muito da presença da população entre as duas manifestações retratadas. São de momentos em que acontecem manifestações, mas nos quais há um progressivo distanciamento do bem estar social para a discussão sobre a troca ou não de uma presidente. Referências ANTUNES, Claudia. Tea Party à brasileira. In: PIAUÍ. Edição 103. Disponível <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/tea-party-a-brasileira/> Acesso em: 03 de junho de 2016.

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CONTI, Mário Sérgio. Rebelião. In: PIAUÍ. Edição 82. Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/rebeliao/> Acesso em: 03 de junho de 2016. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília: UNB, 2001 FAIRCLOUGH, Norman; MELO, Iran Ferreira de. Análise Crítica do Discurso como método em pesquisa social científica. Linha D‘Água, São Paulo. v. 25, n. 2, p. 307-329. 2012 PINHEIRO, Daniela. Uma noite brasiliense. In: PIAUÍ. Edição 103. Disponível <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/uma-noite-brasiliense/> Acesso em: 03 de junho de 2016.

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Disponível

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VIEIRA, Viviane & RESENDE, Viviane. (Org.) Práticas Socioculturais e Discurso: Debates transdisciplinares em novas reflexões. Covilhã: LabCom, 2014.

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JORNALISMO DE REVISTA: UMA PROPOSTA IDENTITÁRIA DA REVISTA CIDADE VERDE1 Rosa Edite Rocha2 RESUMO O presente trabalho busca identificar o perfil identitário jornalístico apresentado no meio impresso local, tendo como objeto de estudo a Revista Cidade Verde, que possui uma tiragem quinzenal de sete mil exemplares. Foram analisadas quantitativamente, através da Análise de Conteúdo, treze edições do periódico, correspondentes aos meses julho a dezembro de 2016. Além disso, foram analisadas discursivamente quatro matérias dentre os meses citados, com o intuito de identificar as narrativas empregadas no material. Como base teórica, utilizou-se na revisão bibliográfica conceitos teóricos sobre jornalismo de revista, contratos de leitura, os tipos textuais adotados pelo meio e a linguagem utilizada na construção dos textos jornalísticos. A principal ideia desenvolvida é a de que há no periódico estudado - e nas ações que a configuram editorialmente - uma linguagem que beira o jornalismo literário como arma para aproximação direta com o leitor, além de apontar uma linha de atuação temática voltada para a autorreferenciação e do Grupo Comercial a qual pertence. Palavras-chave: Jornalismo de Revista; Identidade Editorial; Análise de Conteúdo; Linguagem; Revista Cidade Verde

Introdução

O

jornalismo realizado nas revistas periódicas é, em técnica e prática, diferente dos demais impressos. Isso acontece por diversos motivos; desde o tempo disponível para a escrita do material jornalístico, a liberdade para esta construção textual e o uso menos moderado de designs criativos, até o processo de significação proposto, principalmente, pelo aprofundamento de temas jornalísticos levados à sociedade. As revistas são instrumentos amplificadores, capazes de explicar e aprofundar histórias já veiculadas por mídias mais imediatas. Elas cobrem funções sociais que estão além do reportar. Pode-se caracterizá-las por recrear, trazer análise, reflexão e experiência de leitura. Concomitantemente, são capazes de promover a miséria do pensamento, erigir mitos, sustentar estereótipos e fomentar ideologias. Assim, comportam, em relação de justaposição, tolerância e negociação, o conhecimento e a cegueira, a consciência e a incompreensão. Ao mesmo tempo, concebe-se neste objeto um meio de comunicação, um negócio, uma marca, um produto; um conjunto de serviços: veículo sintetizador de informação, educação e entretenimento; uma história de amor com o leitor – com direito a rompimentos e reconciliações, segundo Scalzo (2004). É, também, ―um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse sentido, ajuda a construir uma identidade, ou seja, cria identificações, dá sensação de pertencer a um determinado grupo‖ (SCALZO, 2004, p. 12). Os leitores costumam ter uma relação íntima com suas revistas favoritas. Não é à toa que são eles próprios a definir o que é uma revista e seu contexto editorial. E esse encontro entre emissor e receptor tornase, também, um contrato que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse sentido, ajuda a construir identidade, ou seja, cria identificações. Para se chegar ao propósito central deste trabalho, que é identificar o perfil identitário jornalístico apresentado na revista regional piauiense Cidade Verde, foram analisadas 13 edições da publicação,

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Trabalho apresentado no GT Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestre em Processos Comunicacionais pela Universidade Metodista de São Paulo-UMESP, jornalista formada pela UFPI. Docente dos cursos de graduação em Comunicação Social na Associação de Ensino Superior do Piauí-AESPI e na Universidade Federal do PiauíUFPI. Teresina-PI. rosaedite@gmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 57


correspondente aos meses de julho a dezembro de 2016. O periódico foi escolhido por ser o principal veículo de revista do Piauí, em termos de periodicidade, tiragem e de veiculação. O periódico e a metodologia trabalhada A Revista Cidade Verde circulou pela primeira vez no Piauí no mês de março de 2011. Ela surgiu no mercado local com uma proposta diferente: apresentar quinzenalmente o ―Piauí com todas as letras‖, slogan usado pela revista até hoje. Com o objetivo de valorizar os aspectos culturais, econômicos e sociais da população do estado e enaltecer as suas potencialidades, o periódico busca cumprir sua proposta de mídia impressa regional e junto com outros segmentos jornalísticos do grupo Cidade Verde (TV, rádio e portal) compõe um conglomerado midiático que traz a proposta de divulgar ―a boa imagem do Piauí‖, slogan do grupo. Atualmente, a revista possui tiragem de sete mil exemplares por edição, está presente nas principais cidades do Estado, conta com um público leitor variado e, nesses seis anos de publicação, suas pautas são voltadas a questões relacionadas ao Piauí e assuntos globais que afetam de alguma maneira a região. Para a realização do estudo optou-se pela técnica de análise de dados. Para Bardin (1977), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Realizou-se, nesse sentido, um estudo minucioso da quantidade de matérias em cada edição, suas prioridades editoriais, do conteúdo do material bruto, das palavras e frases que o compõem, neste último caso em quatro matérias selecionadas para a análise da linguagem editorial. O estudo do conteúdo deu-se à luz do referencial teórico pertinente, conforme indicações de Minayo (2001), que conceitua o método como um conjunto de técnicas que visam obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que possibilitam uma interpretação crítica dos dados obtidos. Para uma compreensão completa da análise editorial da Revista Cidade Verde, parte-se do pressuposto, também, de que a linguagem específica de cada meio, no contexto social, funciona como um filtro, formando um discurso da divulgação da notícia, responsável, portanto, por selecionar o conteúdo que possa ter relevância social e por transportar este conteúdo para uma linguagem mais aberta e acessível. Evidentemente, esta seleção é determinada por fatores ideológicos que podem ser revelados por elementos de linguagem, não apenas pelos itens lexicais ou pelas estruturas com as quais se compõem o texto, mas, sobretudo, pelos itens ou assuntos que ganham destaque em detrimento daqueles que sequer são citados pela mídia. No entanto, um ponto de alerta também dever ser levado em consideração no que se refere aos periódicos jornalísticos de cunho regional - como é o caso da Revista estudada -, e ele está nos possíveis laços políticos locais que a mídia pode ter com o governo, e que, de certa forma, podem comprometer a informação de qualidade, por estarem permeadas de interesses político-partidário e econômicos. ―Claro que não se trata apenas de um problema da imprensa regional, mas nela parece que essas relações se tornam mais explícitas, justamente porque as possibilidades de confronto entre o fato e sua versão, por parte do leitor, são mais fáceis de acontecer‖ (Peruzzo, 2005, p. 78). Esta pesquisa traz uma abordagem híbrida entre dados quantitativos e qualitativos. A leitura geral das revistas selecionadas no período indicado (julho a dezembro de 2016) originou os dados quantitativos relevantes para reflexão proposta. A leitura detalhada de algumas destas matérias compõe o aspecto qualitativo do estudo subsidiado pela Análise do Discurso. O estudo referenciou-se nas bases da AD, em que podemos destacar as teorias midiáticas e científicas propostas pelos autores Charaudeau e Maingueneau. As condições de produção Inicialmente fez-se uma abordagem quantitativa na qual foram criadas variáveis que auxiliaram na investigação do grau de relação destas entre si, bem como com o público; essas variáveis apresentam características que representam a construção do diálogo existente entre mídia e público. Assim, percebe-se a edificação de linguagens e conteúdos responsáveis pela organização de um vínculo social importante para as 58 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


duas extremidades do processo, sem o qual não haveria o reconhecimento identitário necessário para que se forme o que Charaudeau chama de contrato de comunicação. O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estes estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. Eles se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia particular, a um contrato de reconhecimento das condições de realização da troca linguageira em que estão envolvidos: um contrato de comunicação. (CHARAUDEAU, 2006, p.68)

Esses estudos facilitam o entendimento do comportamento da revista sobre diversos fatores e situações e ainda indicam possíveis fatores causais que podem ser, posteriormente, aprofundados. Toda a conjuntura quantitativa da pesquisa é de fundamental importância no planejamento e fundamentação teórica essenciais para a análise dos pressupostos previamente estipulados. Análise Geral das Edições Através da análise dos exemplares da Revista Cidade Verde publicados no período de julho a dezembro 2016 (um total de 201 matérias; 259 notas; 42 artigos; 66 colunas e 13 entrevistas), pôde-se observar que todas as revistas apresentaram reportagens de interesse social, com vistas à informação qualitativa e didática dos seus leitores. No entanto, percebeu-se que em boa parte revistas analisadas também há a incidência de Informerciais, isto é, anúncios patrocinados que possuem formato de reportagem (06 matérias no total), com temas relacionados à empreendedorismo, crescimento imobiliário da capital piauiense, saúde, administração, marketing, entre outros. Verifica-se também a presença de matérias em formato de guia de compras e almanaques . Apesar de não se caracterizarem como divulgação noticiosa de grande relevância, tais matérias foram inseridas ao corpo das revistas em seções como Especial Dia dos Pais, Especial Dia das Crianças e Especial de Natal (16 matérias e notas). Há, ainda, um grande número de matérias realizadas com parceiros da Revista CV, muitas delas abordadas como reportagens especiais que foram, inclusive, capa da revista (52 matérias). Com relação ao destaque, levantou-se que a RCV publicou quase metade de suas capas com temas ligados a especiais do grupo Cidade Verde e parceiros, em detrimento de temas de cunho político-social. Foram cinco capas com os seguintes destaques: ―Festival Gastronômico Maria Isabel‖, realizada pelo Sebrae; Especial ―Viva Piauí: o futuro que sonhamos‖, realizado pelo grupo Cidade Verde; especial Grate Place to Work-GPTW ―As Melhores Empresas para Trabalhar no Piauí‖, realizado pelo GPTW em parceria com a revista CV; especial ―O Valor do Tempo‖, organizado pelo grupo CV. Nota-se que as demais matérias a ganhar destaque de capa, aconteceram de acordo com a atualidade dos temas, o que é comum em materiais jornalísticos. É o caso das demais capas: ―O Piauí no limite‖ (política); ―Tornozeleira Eletrônica‖ (justiça); ―Valeu, Sarah!‖ (esporte); ―Winderson: o piauiense de 11 milhões de seguidores‖ (geral); ―A expansão do polo de saúde de Teresina‖ (saúde); ―O Piauí que emergiu nas ruas‖ (política); ―A ameaça das queimadas‖ (meio ambiente); ―Crescimento Vertical‖ (economia). De maneira geral, as questões como Ciência & Tecnologia, cultura, educação e políticas públicas não são abordadas como destaque na Revista CV. Todas juntas, somadas, não totalizam uma dezena de publicações gerais no período analisado.

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Economia Política Comportamento Saúde Matérias especiais

Análise Quantitativa Revistas Cidade Verde (Jul-Ago 2016) 15 matérias 23 matérias 10 matérias 17 matérias  Olimpíadas;  Aniversário do Piauí (especial grupo CV ―Viva 52 matérias Piauí‖);  Especial Sarah do Brasil (documentário da TV CV)  Festival Maria Isabel (parceiro Sebrae)  Especial ―Viva Piauí: o futuro que sonhamos‖ (aniversário do Piauí)  Great Place to Work (parceiro da revista CV)  ―O Valor do Tempo‖, especial de natal do grupo CV

Geral Educação Justiça Esporte Polícia Cultura Tecnologia Meio ambiente Parceiros da Revista (Sesc; Sebrae; Fiepi; Governo do Estado; GPTW, OABPI) Informe publicitário Notas (a revista possui, em média, quatro colunas em cada edição) Entrevistas

Capas

18 matérias 05 matérias 02 matérias 17 matérias 03 matérias 01 matéria 01 matéria 02 matérias 27 matérias 06 matérias 259 notas (19 notas sobre o grupo CV) 13 entrevistas (03 eram da CV – 02 jornalistas do quadro e 01 representante do GPTW no Piauí) 13 capas (04 eram de parceiros da RCV ou de eventos do grupo CV)

Análise Qualitativa das Publicações Das treze edições publicadas no intervalo de tempo estudado, selecionou-se quatro matérias de publicações diferentes, tendo como critério não o fato da referida matéria ser a principal da capa, porém a de maior relevância social e maior pertinência aos temas do período. Através da leitura das referidas matérias, objetivou-se detectar a forma como a revista aborda os temas, levando em conta a linguagem verbal e

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imagética, os recursos gráficos e referências a fontes oficiais e não oficiais, de modo a verificar como a cobertura de cada tema é trabalhado na revista de maior circulação e penetração na sociedade piauiense. Ao analisar as matérias, percebe-se que não há um tipo de simplificação textual, em que os temas importantes retratados são expostos de forma coloquial e sem aprofundamento. Pelo contrário, na maior parte das matérias busca-se um aprofundamento da cobertura jornalística, com o objetivo de não deixar lacunas informativas no que poderia ser um relevante papel da mídia estudada quanto à sua participação na formação do cidadão. Percebe-se, também, importância essencial das pautas propostas pela RCV que leva para a sociedade os trabalhos, questionamentos e problemas sociais da atualidade. Dessa forma, acredita-se despertar no leitor o interesse por determinados assuntos, o que pode levá-lo a buscar um aprofundamento ainda maior posteriormente. Essa relação que existe entre público e mídia é um pouco mais complexa. Ela se baseia, em suma, numa relação de troca entre produção e recepção onde o resultado desse diálogo entre as duas instâncias vai depender da relação de intencionalidade existente. ―Isso determina três lugares de pertinência: o da instância de produção, submetida a certas condições de produção; o da instância de recepção, submetida a condições de interpretação; o do texto como produto, que se acha enquanto tal, submetido a certas condições de construção‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.24). Ou seja, há uma preocupação em estabelecer essa troca de valores entre os dois polos, levando-se em consideração ambos e suas singularidades, bem como as condições de produção do produto midiático. Todo discurso entre mídia e público depende dessa relação de interesses para que haja as condições necessárias para a troca de informação. Tanto o locutor deve conhecer os interesses e as limitações de seu público, quanto este último deve supor que aquele tem consciência das suas restrições. Essa relação de conhecimento, de afinidade entre locutor e público- ou entre enunciador e co-enunciador - está relacionado, também, à construção da representação de um ethos do enunciador. A qualidade desse ethos remete, com efeito, ―à figura do fiador que, mediante sua fala, se dá uma identidade compatível com o mundo que se supõe que ele faz surgir em seu enunciado. (...) é por seu próprio enunciado que o fiador deve legitimar sua maneira de dizer‖ (MAINGUENEAU, 2008, p.73). Esse fiador a que o autor se refere é aquele que representa, que corporifica um conjunto de interesses; empresta o corpo para transpor uma ideia. Essa legitimidade que existe no fiador, existe também em algumas mídias. Pode-se citar como exemplo o fato de que a Revista Cidade Verde é a única publicação noticiosa quinzenal, com mais de sete mil exemplares por edição, com mais de seis anos de vida ativa ininterrupta. Além disso, pertence a um conglomerado de comunicação composto, ainda, por TV, rádio e portal, que tem mais de 30 anos de existência. Essa credibilidade da RCV é reflexo da sua legitimidade conquistada e que, por conseguinte, reflete nas informações divulgadas pela mesma, já que o número de pessoas que terão determinada informação é maior que nas demais revistas. Ao redor de toda a construção da informação da mídia para o público, do enunciador para o coenunciador, existe o que Maingueneau convencionou chamar de cenografia. Seria um conjunto de peças que fazem parte da cena da enunciação, responsável pelo discurso. No caso das revistas semanais de informação estudadas nessa pesquisa, podemos relacionar não só o jornalista que escreve a matéria, como a própria revista, as fotografias, a construção das matérias e a imagem que ela possui perante seu público, a linguagem utilizada pela revista e pelo jornalista, todos os interesses (políticos, sociais, econômicos) que existem por trás da construção das matérias dessa revista. Enfim, todos os elementos são importantes para a construção da cenografia. A cenografia é, assim, ao mesmo tempo, aquela de onde o discurso vem e aquela que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena de onde a fala emerge é precisamente a cena requerida para enunciar, como convém, a política, a filosofia, a ciência... São os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar a própria cena e o próprio ethos, pelos quais esses conteúdos surgem (MAINGUENEAU, 2008, p.78)

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As revistas: o corpus da pesquisa Nem todas as revistas selecionadas para a análise foram matérias de capa, também nem todas estavam especificamente na mesma editoria. A escolha se deu pela importância do assunto e enfoque no período de publicação atribuídas pelas matérias. Outro ponto fundamental da escolha foi o grau de aprofundamento observado nas temáticas propostas de cada edição. Percebe-se algumas semelhanças entre as matérias analisadas, tais como a relevância do tema na atualidade e a busca pela diferenciação das demais em algum ponto da matéria, seja pelo recorte feito no foco da notícia, pelas imagens selecionadas ou pelo próprio apelo discursivo. Para a análise qualitativa deste estudo, foram separadas quatro matérias. São elas: ―O Piauí em chamas‖ (edição 149, de 30 de outubro de 2016); ―Patrimônio esquecido‖ (edição 147, de 05 de outubro de 2016); ―A força da saúde em Teresina‖ (edição 146, de 18 de setembro de 2016); e ―Como funcionam as tornozeleiras eletrônicas‖ (edição 142, de 24 de julho de 2016). A reportagem da edição 142 escolhida para análise é, também, matéria de capa. Apesar de ser, claramente, da editoria ―Justiça‖, ela se encontra, no periódico, classificada como ―Geral‖. Seu objetivo, conforme tem colocado de forma clara em seu título e subtítulo, é explicar como funcionam as tornozeleiras eletrônicas, expor como elas são usadas no estado do Piauí e suas controvérsias sobre o benefício à sociedade. No abre da matéria há uma foto em página dupla que mostra, de forma objetiva, como se dá o uso do instrumento foco da matéria. Além disso, em toda a sua estrutura editorial tem-se boxes, infografias e fotografias dos entrevistados. Apesar de trazer quatro fontes oficiais (uma delegada, uma representante da Secretaria Estadual de Justiça, um juiz e um representante do Sindicado dos Agentes Penitenciários do Piauí), a matéria não apresenta nenhuma fonte não-oficial, o que a torna incompleta, além de menos social o conteúdo apresentado. Na pauta relacionada à saúde (edição 146), ocorre tecnicamente o oposto. Com fontes oficiais (Sindicato dos Hospitais do Piauí, Sebrae e Médicos) e fontes não oficiais (pacientes e vendedores ambulantes que sobrevivem do chamado ―mercado da saúde‖) a matéria apresentou um leque completo de informações sobre a evolução econômica na área da Saúde em Teresina. Além disso, contou com sete páginas permeadas de boas fotografias, infografias coerentes com o tema (em conteúdo e cor), boxes informativos e complementares ao conteúdo central e, ainda, boa estruturação de textos e imagens. Em suma, design relevante e coerente. Nesta matéria a Revista Cidade Verde assume um ―ethos pedagógico‖ que, de acordo com Maingueneau (2008, p.71) se mostra, mas não é dito, a matéria tenta apresentar ao seu leitor que ela se preocupa com ele num jogo narrativo envolvente e familiar. Logo nos primeiros parágrafos a matéria apresenta histórias reais de pessoas que vivem sob a necessidade de cuidados de saúde (uma criança de nove anos com paralisia cerebral e uma lavradora diagnosticada com câncer de mama). De forma narrativa, o texto conta passo a passo o movimento das famílias das duas personagens em busca de tratamento de saúde na capital. Durante a exploração da pauta são citados especialistas e institutos específicos da saúde para ratificar os dados apresentados no conteúdo jornalístico. Desta forma, conclui-se que a estratégia é, tanto para dar maior credibilidade e ratificar o conteúdo apresentado, como para aproximar o leitor do material ali exposto. De acordo com Fossey (2008, p.197) com a ideia que se tem de seu leitor, temos a imagem de cada revista que é, portanto, refletida no discurso utilizado. Estas referências que o jornalista faz aos especialistas e aos institutos de pesquisa, mesmo que superficialmente, dá autoridade enunciativa ao jornalista, que passa a ser o fiador do tom assertivo em relação a verdade que ele anuncia. A terceira matéria em análise, ―Patrimônio esquecido‖, fala sobre os muitos prédios históricos piauienses sendo destruídos pela ação do tempo ou do homem em várias cidades piauienses. Para tal conteúdo, explorouse fontes oficiais e especialistas na área da arquitetura do estado. No total, quatro fontes foram ouvidas e todas elas de forma coerente com a proposta da pauta. Diferente da pauta analisada anteriormente, não há nesta uma estrutura de linguagem atrativa ou coloquialmente interessante. Porém, o design da revista muda essa perspectiva ao colocar visivelmente o leitor a par dos prédios abandonados (quais e onde), da situação de parte deles e, ainda, ambienta o receptor através da tipologia e das cores padrões para a pauta apresentada. 62 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


As fotografias em tons pastéis estão, assim como o próprio texto, aparentemente coesas ao todo. Mesmo com essa aparente harmonia, a reportagem, seus destaques e suas ilustrações também apresentam um jogo de linguagem textual e imagética em que a informação é construída de forma fragmentada e faz subentender que além de informar há outras intenções, como a de educar, estimular a cidadania ou, até, despertar. ―A informação é uma questão de linguagem, e esta não é transparente ao mundo, ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói uma visão, um sentido particular do mundo‖ (Charaudeau, 2006 p.19). Por último, analisou-se a matéria ―O Piauí em Chamas‖ (ed.149), explorando o número recorde de incêndios ocorridos no estado do Piauí durante o mês de outubro de 2016, que deixou famílias desabrigadas, reservas florestais destruídas e causando fortes danos à saúde. A pauta explorou de forma profunda um tema que, na época, estava sendo debatido na sociedade local. Para tanto, buscou ouvir fontes oficiais e não-oficiais: Corpo de bombeiros, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Defesa Civil do Estado, Eletrobrás, Secretaria de Saúde, Secretaria de Meio Ambiente, meteorologistas, Instituto Chico Mendes, pneumologistas e populares que sofriam direta e indiretamente com o problema das queimadas nas cidades piauienses. Segundo Charaudeau (2006, p.125), o acontecimento midiático é selecionado e constituído em função de seu potencial de atualidade (aparição do acontecimento- momento de informação), sociabilidade (condição de impregnação- política, econômica, cultura, esporte, etc) e imprevisibilidade (o dever de chamar a atenção e levar o consumidor da informação aos meios, na busca do incomum). Neste sentido, podemos interpretar a pauta escolhida, bem como o discurso empregado, a escrita, os infográficos e as fotografias utilizadas como uma proposta direta de aproximação da Revista ao seu público. Com este mesmo propósito percebe-se utilização de figuras de linguagem e escrita coloquial, com expressões do cotidiano do leitor, tais como ―Outubro marcou o Piauí a fogo‖ (p.49) ou ―Basta dar uma volta em Teresina para perceber...‖ (p.50). Em relação aos verbos argumentativos, visivelmente utilizados pelas revistas, podemos destacar na matéria sobre as queimadas ou sobre o polo de saúde em Teresina, o uso frequente dos verbos ‗afirmar‘ e ‗dizer‘, para se referir a alguma citação de especialistas, atribuindo a responsabilidade ao autor da frase, dando força a sua argumentação. Esta forma de buscar embasamento reforça o que Charaudeau diz sobre a força do poder da Mídia: Para que haja poder, é preciso, que exista da parte da instância em questão uma vontade coletiva de guiar ou orientar os comportamentos, em nome de valores compartilhados, vontade que é representada por autoridades (legislador, hierarquia militar ou eclesiástica) e que é tanto mais eficaz quanto mais aceita exercer seu direito à sanção. (CHARAUDEAU, 2006, p. 123)

Considerações finais Todos os representantes da mídia de grande massa possuem uma coisa em comum: atrair cada vez mais o interesse do leitor nas suas publicações. Levando-se em consideração o fato de que o discurso de informação permite que haja um vínculo entre mídia e público, estabelecendo-se, com isso, uma relação de caráter identitário, pode–se afirmar que a mídia busca aproximar esse público através de informações permeadas de simbolismos ligados a valores sócio culturais dessa sociedade. O caráter organizacional da mídia permite com que ela trabalhe questões como comunicação e informação interagindo com as lógicas que a regem: a tecnologia, o caráter econômico e o simbólico. Lógica econômica e lógica tecnológica são certamente incontornáveis, mas é a lógica simbólica que nos interessa aqui: trata-se da maneira pela qual os indivíduos regulam as trocas sociais, constroem as representações dos valores que subjazem suas práticas, criando e manipulando signos e, por conseguinte, produzindo sentido. Não deixa de ser paradoxal, no final das contas, que seja essa lógica que governe as demais. (CHARADEAU, 2006, p. 16)

É exatamente pelo fato de se apossar dessas noções que dialogam com os valores simbólicos do grande público, que a mídia chama atenção de diversos mundos (político, científico, social, etc). Nesse sentido, Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 63


podemos concluir que a Revista Cidade Verde busca se aproximar do leitor através da escolha de suas pautas, bem como da estrutura textual e imagética que a compõem. A análise das 13 edições da RCV revelou que o conteúdo editorial presente nessas publicações (tanto na capa quanto no corpo da revista) toma relevância à medida que haja contextualização atual e social, isto é, os temas sejam de interesse comum, façam parte do cotidiano da sociedade e representem interligação com os principais fatos da atualidade social, política e econômica do Piauí e do Brasil. Com o intuito de diminuir essa distância entre o público e o assunto explicitado, a linguagem utilizada pela revista é coloquial, repleta de figuras de linguagens e expressões do cotidiano do leitor. O texto utilizado em todas as revistas incorpora os recursos tanto de quem lhe serve de fonte (oficiais) quanto de quem pretende atingir (leitorado), usando de elementos didatizantes para aproximar os leigos da comunidade especializada através de exemplificações, comparações, metáforas e nomeações. Trata-se de um fazer persuasivo com o objetivo de prender a atenção do leitor, onde o fato e não o objeto ocupa a posição central de sua abordagem. Mesmo com todos os recursos de aproximação do público feitas pela RCV de forma qualitativa em suas matérias editoriais, um segundo ponto é importante para a conclusão de seu perfil identitário. O número abundante de pautas voltadas para a autorreferenciação do grupo de comunicação ao qual a Revista pertence, bem como seus parceiros editoriais e econômicos. Pelo período analisado, chegamos à conclusão de que cerca de 30% de seu conteúdo editorial é voltado para empresas do grupo Tajra, para ações e atividades de marketing do grupo Cidade Verde, bem como para as premiações e promoções realizadas nas demais mídias CV. Referências BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa-Portugal: Edições 70, LDA, 2009. CHARAUDEAU, Patrick. Discursos das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. FOSSEY, M.F. Tom e corporeidade na divulgação científica. In: MOTTA, A.R. et all (Org.). Ethos Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. MAINGUENEAU, Dominique. Analise de testos de comunicação. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2008. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. PERUZZO, Cecília.M.K. Mídia Regional e Local: aspectos conceituais e tendências. Comunicação & Sociedade, 26(43), 67-84. (2005). Revista Cidade Verde. Ano 06. 10 de julho de 2016. Ed. nº141 ______. Ano 06. 24 de julho de 2016. Ed. nº142 ______. Ano 06. 10 de agosto de 2016. Ed. nº143 ______. Ano 06. 21 de agosto de 2016. Ed. nº144 ______. Ano 06. 04 de setembro de 2016. Ed. nº145 ______. Ano 06. 18 de setembro de 2016. Ed. nº146 ______. Ano 06. 05 de outubro de 2016. Ed. nº147 ______. Ano 06. 16 de outubro de 2016. Ed. nº148 ______. Ano 06. 30 de outubro de 2016. Ed. nº149 ______. Ano 06. 13 de novembro de 2016. Ed. nº150 64 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


______. Ano 06. 27 de novembro de 2016. Ed. nยบ151 ______. Ano 06. 11 de dezembro de 2016. Ed. nยบ152 ______. Ano 06. 25 de dezembro de 2016. Ed. nยบ153 SCALZO, M. Jornalismo de revista. Sรฃo Paulo: Contexto, 2004.

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OS SENTIDOS DISCURSIVOS NA PRISÃO DE “PALESTINO” NOS JORNAIS IMPRESSOS DO PIAUÍ1 Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa2 Orlando Maurício de Carvalho Berti3 RESUMO Este artigo busca captar os sentidos discursivos em torno da prisão do mais conhecido pichador de Teresina, capital do Piauí, Samuel Ali Silva Haroon, o Palestino. A prisão, ocorrida em 10 de fevereiro de 2017, foi motivada por apologia do uso de maconha por meio das redes sociais, não tendo sido encontrada nenhum entorpecente na posse de Palestino. O caso tomou proporções significativas, alcançando os Trending Topics do Twitter e gerando uma série de análises e discussões sociais e midiáticas tanto em torno do caráter artístico, contestador ou criminoso da pichação como da exposição da imagem do preso pelo delegado responsável pelo caso. Compreendendo que a relação entre textos e imagens compõem um cenário discursivo que carrega marcas do ideológico no posicionamento de meios comunicação e dos grupos políticos, sociais e econômicos por ele representados, este artigo pretende analisar discursivamente os três jornais impressos do estado: Diário do Povo do Piauí, Meio Norte e O Dia – compreendendo o período de uma semana desde a prisão de Palestino: de 11 a 18 de fevereiro. Palavras-chave: Pichação; análise de discurso; imprensa; Piauí; Palestino.

Introdução Estudar os sentidos discursivos midiáticos impressos e o fenômeno da prisão do pichador Samuel Ali Silva Haroon, mais conhecido por Palestino (ocorrida em em 10 de fevereiro de 2017) são os cernes desse estudo. Eles se fazem necessários devido a repercussão comunicacional dada ao fato. Tem-se como ponto de partida os três jornais impressos diários do estado: Diário do Povo do Piauí, Meio Norte e O Dia. A prisão foi motivada por apologia ao uso de maconha por meio das redes sociais virtuais, não tendo sido encontrada nenhuma droga na posse de Palestino. O caso tomou proporções significativas, alcançando os Trending Topics do microblog Twitter e gerou uma série de análises e discussões sociais e midiáticas tanto em torno do caráter artístico, contestador ou criminoso da pichação como da exposição da imagem do preso pelo delegado responsável pelo caso. Compreendendo que a relação entre textos e imagens compõem um cenário discursivo que carrega marcas do ideológico no posicionamento de meios comunicação e dos grupos políticos, sociais e econômicos por ele representados, este artigo pretende analisar discursivamente os três impressos em questão compreendendo o período de uma semana desde a prisão de Palestino: de 11 a 18 de fevereiro de 2017. De objeto de humor, tornando-se ―meme‖, a catalisador de indagações do cidadão perante o Estado, as pichações de Palestino e o mistério em torno de sua identidade contribuíram para maximizar as reverberações sociais do caso.

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Trabalho apresentado no GT 03 – Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Jornalista. Gestora em empresas de Comunicação e Assessoria de Comunicação. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí e bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Teresina-PI. Endereço eletrônico: savia.barreto@hotmail.com 3 Jornalista. Professor, pesquisador e extensionista do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo – da UESPI (Universidade Estadual do Piauí – campus de Teresina – PI). Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Alternativa, Comunitária e Popular da UESPI. Está no último semestre do Pós-doutorado em Comunicação, Região e Cidadania na UMESP – Universidade Metodista de São Paulo (SP). É doutor e mestre em Comunicação Social pela UMESP, com estágio doutoral na Universidad de Málaga (em Málaga, Espanha). Endereço eletrônico: orlandoberti@yahoo.com.br 66 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


O fenômeno Palestino transcende o caráter midiático. Suas pichações estão espalhadas pelos principais pontos da capital piauiense e seus ―trabalhos‖ fazem parte do imaginário teresinense. A análise de discursos é o método e suporte teórico utilizado nesta pesquisa. Os discursos não dão conta de tudo, mas possibilitam ao analista o entendimento das estratégias do verossímil para ter efeito de verdade e como se configuram as dinâmicas de uma sociedade onde a verdade está em construção – sendo o conceito de verdade mais um ponto de vista do que um todo absoluto. Dessa forma é possível observar tanto a repercussão inicial do caso como possíveis mudanças de postura na cobertura da mídia. Adota-se nesta pesquisa a noção de discurso como uma prática social vista em Eliseo Verón. A análise é pautada em categorias formuladas por Teun van Dijk, Norman Fairclough, Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau. O trabalho é dividido em duas partes, a primeira, de caráter teórico, trata sobre a Análise de Discursos; a segunda, de caráter reflexivo, trata sobre o fenômeno em si e destaca essa questão analítica frente ao que é retratado nos jornais impressos diários do Piauí. No final são feitas as considerações e respectivas ponderações sobre o fenômeno e suas consequências. Análise de discursos Baseados nas informações que recebem da mídia, os sujeitos constroem sua visão de mundo, ao mesmo tempo em que suas práticas sociais são a matéria-prima sem a qual a imprensa não poderia transmitir os significados nas notícias que veicula. Levando em consideração as observações de Charadeau (2006, p.253), quando classifica a imprensa como uma instância potencialmente manipuladora de sentidos, adverte-se que ―é preciso ter em mente que as mídias informam deformando, mas é preciso destacar, para evitar fazer do jornalista um bode expiatório, que essa deformação não é necessariamente proposital‖. A mídia não é capaz de relatar o real, apenas de construir uma interpretação dele. Essa projeção de realidade é ressignificada pelos meios de comunicação de maneiras distintas. Os posicionamentos ideológicos podem se encontrar disfarçados em elementos discursivos como ironias e metáforas. Mainguenou (2005, p.119) ressalta ainda que seria indissociável analisar o discurso da sociedade onde ele se insere e da instituição onde ele foi gerado, pois ―a passagem de um discurso a outro é acompanhada de uma mudança na estrutura e no funcionamento dos grupos que gerem esses discursos‖. Cada leitor ou ouvinte, porém, dará um significado próprio ao que apreende, traduzindo os signos segundo representações particulares inseridas em um contexto sócio-histórico determinador do processo de tradução de sentidos. Os reflexos do jornalismo na sociedade são explicados por Laerte Magalhães (2003, p.140): Ao dar visibilidade a atos e acontecimentos produzidos na sociedade, o campo midiático posicionase consoante suas próprias heterogeneidades, produzindo, também, subjetividades que escampam aos seus objetivos e incorporam-se à sociedade em sua complexidade.

A linguagem não é transparente em seus sentidos, expondo mesmo que involuntariamente, valores e crenças dos enunciadores e refletindo o meio em que os enunciados foram criados. Se é através dos discursos que as ideologias são muitas vezes produzidas e reproduzidas, admite-se também que estruturas particulares de discurso são mais úteis do que outras para transmitir as mensagens que determinado grupo pretende. Para Bakhtin (1999, p.19), ―a palavra é o signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado para a manifestação da ideologia‖. Um modelo interpretativo ideológico não é por si só capaz de determinar comportamentos e discursos, sendo apenas um dos fatores que orientam a ação social. As práticas discursivas devem ser investigadas como formas materiais de ideologia, entendida aqui como ―significações/construções da realidade [...] que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução, ou a transformação das relações de dominação‖ (FAIRCLOUGH, 2001, p.116).

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Fairclough deixa clara sua posição sobre a importância dos discursos como repetidores de ideologias sólidas – e criadores de novas ideologias – quando sugere que haja uma educação linguística que permita ao cidadão desde cedo compreender os processos ideológicos nos discursos. Essa consciência, segundo ele, seria útil para que a sociedade se torne mais crítica sobre os discursos investidos ideologicamente a que é submetida constantemente. Os grupos poderosos são representados como se falassem na linguagem que os próprios leitores poderiam ter usado, o que torna muito mais fácil de adotar os seus sentidos. Pode-se considerar que a mídia de notícias efetiva o trabalho ideológico de transmitir vozes do poder em uma forma disfarçada e oculta (FAIRCLOUGH, 2001, p.144).

Mesmo admitindo que o sujeito possa ser subjugado pelos diversos interesses de correntes ideológicas, o autor aposta na capacidade de ação criativa, com os sujeitos sendo capazes de realizarem ―suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que são expostos e de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras‖ (FAIRCLOUGH, 2001, p.121). Destruindo a ilusão de que o sujeito é um autor plenamente consciente de sua fala, os discursos se constroem a partir de vozes alheias. Nos enunciados, é possível identificar a polifonia como diálogos internos em que os personagens se fundem, ao mesmo tempo em que preservam suas identidades, fazendo-se presentes nos discursos. Ligada à ideia de polifonia está o dialogismo, que são respostas ativas em um texto à discursos que o precederam ou ainda uma antecipação aos que virão. Os conceitos são trabalhados por Mikhail Bakhtin. Araújo (2000, p.124) explica que a ideia de Bakhtin sobre polifonia remete à colocação de cada enunciação como ―palco de expressão de uma multiplicidade de vozes, algumas arregimentadas intencionalmente pelo locutor e outras das quais ele não e dá conta‖. O dialogismo, por sua vez, teria relação direta com o conceito de alteridade, ou seja, com a percepção da existência dos Outros que compõem o sujeito. ―O dialogismo é a rede interativa que articula as vozes de um discurso, é o jogo das diferenças e das relações: entre sujeitos do mesmo texto, entre enunciados, entre textos, entre texto e contexto e assim por diante‖ (ARAÚJO, 2000, p.126). A busca pelo sentido nos discursos também não pode negligenciar as imagens, já que o sentido está distribuído espacialmente, não ficando restrito apenas aos enunciados dos textos. Para Pinto (1999, p.33), qualquer imagem deve ser considerada como um discurso: ―As imagens encontramos intertextualidade, enunciadores e dialogismo, tal como nos textos verbais‖. Verón (2004, p.169) lembra ainda que a análise da imagem, no entanto, não deve ser limitada à fotografia ou desenho em si, já que ela ―não é separável dos elementos linguísticos que a acompanham, que a comentam‖. Os enunciados possuem significados diversos e não é intenção deste artigo limitar sua compreensão a apenas uma visão. O sentido é ―determinado pelas posições sócio-ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas)‖ (PÊCHEUX, 1988, p.160). A Análise de Discursos não vê o sentido como algo imanente, e não pretende traduzir literalmente significados contidos em mensagens. O sentido não existe em si mesmo, e deve ser considerado a partir de seus efeitos, sendo resultado de um processo cuja relação se dá entre a história, a língua e o sujeito. Análise Levando em conta a materialidade dos enunciados observados nas chamadas de capa, charges, editoriais, notas e matérias publicadas, é possível descrever algumas das estratégias enunciativas dos jornais impressos diários O Dia e Meio Norte para conduzir o leitor sob uma determinada posição em relação ao caso da prisão de Palestino. A análise evidencia, além das marcas do ideológico no texto, as imagens utilizadas nas matérias trabalhadas.

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O corpus final foi composto de três edições do jornal Meio Norte dos dias 11, 14 e 16 de fevereiro e três edições do jornal O Dia, com as datas de 11, 13 e 14 de fevereiro. O jornal Diário do Povo do Piauí terminou não sendo utilizado por não reverberar durante o período da análise materiais sobre o pichador preso. Essas edições foram escolhidas por identificarem marcadores temáticos relacionados direta ou indiretamente ao tema da prisão de Palestino e discussões sobre pichação, abarcando o período de uma semana desde a prisão de Palestino (realizada no dia 10 de fevereiro, com edições de jornais circulando no dia 11), até o dia 18 de fevereiro. Tanto colunas opinativas, como chamadas de capa, editoriais, colunas e reportagens foram analisadas para identificação da amostra a ser trabalhada, considerando todos os cadernos das edições estudadas. O objetivo de ampliar o corpus era verificar se houve algum tipo de conteúdo jornalístico ou opinativo mais aprofundado no decorrer dos dias com a repercussão do caso nas redes sociais. Observou-se que o tema ficou restrito aos primeiros dias do caso, sem continuidade em conteúdo de relevância social ou política que contextualizasse o papel das pichações em contexto urbano, além da atuação da polícia em ações de cunho midiático tendo como pano de fundo a problemática do tráfico de drogas (assunto que foi silenciado por ambos os jornais). Jornal Meio Norte Um enunciador jornalístico do jornal Meio Norte optou por tratar o tema sem chamada de capa da edição do dia 11 de fevereiro, um dia após a prisão de Palestino. A matéria, com foto do delegado Menandro Pedro da Luz e de Palestino, consta no primeiro caderno do impresso, sendo a última do canto inferior esquerdo – uma área com menos visibilidade gráfica. Além do silenciamento na capa, um enunciador jornalístico do Meio Norte prefere utilizar a estratégia de silenciar também o nome de Palestino, chamando-o de ―Pichador‖ no título da matéria: ―Pichador é acusado de apologia às drogas‖. Neste sentido, ―pichador‖ assume um caráter negativo, com pressuposição de que o acusado de fato cometeu um crime ao qual ele não está ainda respondendo judicialmente. O chapéu da matéria faz referência à instituição que prendeu Palestino nos quadros da Polícia, a Depre, delegacia especializada no combate ao tráfico de drogas. Essa estratégia é reforçada pela legenda da imagem, que segue sem identificar Palestino pelo nome, apenas repetindo o conteúdo do título: ―Pichador foi preso pela Depre‖. Figura 01 – Matéria do Jornal Meio Norte sobre prisão de Palestino

Fonte: Jornal Meio Norte de 11 de fevereiro de 2017.

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No conteúdo da matéria persiste a voz de um enunciador jornalístico, que narra os acontecimentos em uníssono com o delegado Menandro Pedro da Luz, que representa um enunciador policial cuja voz institucional justifica a prisão de Palestino. Não há polifonia e contraposição de versões. A voz do acusado, do advogado do acusado ou mesmo de grupos que são contrários à prisão de Palestino não são localizadas na matéria. Ao narrar a história da prisão de Palestino apenas pelo viés policial – e não a história de Palestino ou de suas motivações – um enunciador jornalístico do Meio Norte posiciona-se apenas de um lado. Não há durante a semana outras alusões diretas à prisão de Palestino, porém, em uma espécie indireta de posicionamento, um enunciador jornalístico do Meio Norte trouxe na mesma semana, nos dias 13 e 14 de fevereiro, chamadas de capa, com imagens – ao contrário da prisão de Palestino, sem imagem, sem a possibilidade de humanização do preso – de pichações ocorridas em Teresina, dando destaque à punição sofrida pelos responsáveis. Essas condições da prática discursiva observadas em contexto, conforme defende Milton José Pinto, são importantes para a percepção dos efeitos ideológicos e políticos do discurso. Figura 02 – Fotografia jornalística retratando pixações em Teresina

Fonte: Jornal Meio Norte, edição de 14 de fevereiro de 2017.

Um enunciador jornalístico do Meio Norte deixa claro, portanto, a valorização do caráter punitivista, ao mesmo tempo em que ressalta sua associação com as instituições policiais e governamentais, adotando uma estratégia de minimizar e silenciar vozes dissidentes. Se há impasse, dúvida, questionamento e problematização social perante a questão da pichação, esses elementos são ignorados pelo enunciador jornalístico do Meio Norte, para quem os conflitos não merecem atenção em sua visão de mundo repassada ao leitor, o consumidor de informação contemporâneo. Na edição de 14 de fevereiro, há uma foto de banheiros do Parque da Cidadania – ponto de lazer da capital recém-inaugurado (localizado na zona central Norte de Teresina) – com diversas pichações e o enunciado da legenda: ―Banheiros do Parque da Cidadania totalmente pichados, serão recuperados esta semana‖. No dia 16 de fevereiro, o Meio Norte traz em sua capa uma imagem de um homem negro, refletida em um espelho – dando a ilusão de duas pessoas – de costas e limpando um banheiro com pichações e o seguinte enunciado: ―Banheiros Pichados são limpos‖. O chapéu do enunciado é ―Cidadania‖. Observando em perspectiva as duas chamadas de capa, um enunciador jornalístico do Meio Norte propõe ao leitor um cenário em que há um problema – pichação- de cunho policial, cuja solução vem das instituições políticas, através da prisão efetuada pela Polícia, cuja gestão fica a cargo do Governo estadual e da limpeza realizada pela Prefeitura de Teresina.

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Figura 03 – Capa do Jornal Meio Norte

Fonte: Jornal Meio Norte, edição de 16 de fevereiro de 2017.

Nos dois casos – tanto da prisão de Palestino como da exposição de pichações na semana em que o tema ascendia uma série de debates sociais, especialmente nas redes virtuais – um enunciador do Jornal Meio Norte defende um caráter de eficiência do aparelho estatal contra elementos de desordem na sociedade. O enunciador jornalístico do Meio Norte renuncia ao caráter pluralista de vozes sociais, aliando-se a uma visão mais conservadora. Além disso, houve uma opção por abordar a temática de forma indireta, sem dar publicidade ao acusado de pichações Palestino e sem dar voz à opinião de maneira direta, tanto através dos colunistas do impresso como nas charges e editoriais, que ignoraram o assunto. Jornal O Dia Com chamadas na capa, editoriais, matérias e charges, as três edições do jornal O Dia analisadas neste artigo trazem um panorama mais amplo para observação dos diversos vieses que envolvem a prisão de Palestino. Observa-se, inclusive, a predominância de um caráter dialógico no conteúdo veiculado pelo impresso, que tanto deu voz às opiniões mais conservadoras da sociedade – através do colunista Arimatéia Azevedo – como também valorizou uma visão mais progressista, com editorial em que questiona a publicidade excessiva em torno do fato realizada pela polícia. O tema foi crescendo ao longo dos dias, já que na primeira edição em que o assunto aparece – 11 de fevereiro – nenhuma foto foi publicada, optando por uma abordagem opinativa. Também não houve chamada de capa.

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Figura 04 – Fax símile coluna do jornalista Arimatéia Azevedo

Fonte: Jornal O Dia, edição de 11 de fevereiro de 2017.

Há um conflito entre dois enunciadores jornalísticos com caráter opinativo no jornal O Dia. Enquanto na coluna Roda Vida, no primeiro caderno – sendo um espaço nobre, onde são publicadas notas políticas opinativas que representam a opinião do impresso – houve uma crítica à ação da polícia; na coluna Arimatéia Azevedo, ainda no primeiro caderno, a posição foi de crítica a Palestino e valorização do trabalho policial. A coluna de Arimatéia rende chamadas diárias na capa do impresso e é uma das de maior prestígio no jornal O Dia. Enquanto no jornal Meio Norte há um enunciador jornalístico que adota e não questiona as falas das autoridades policiais, no O Dia, o uso das aspas na fala do delegado Menandro Pedro em destaque na coluna Roda Vida, aponta para uma estratégia discursiva de questionamento. O nome de Palestino também vem em destaque nas chamadas intitulada. ―Palestino preso 1‖ e ―Palestino preso 2‖. Ao nomear o preso, um enunciador jornalístico do O Dia personifica o preso citado em seu enunciado, contribuindo para humanizá-lo – o que foge do caráter puramente institucional verificado no Meio Norte. Ao citar a fala policial, um enunciador jornalístico a questiona em seguida, opondo-se aos argumentos da autoridade policial e minimizando as pichações, chamadas de ―assinatura‖ de Palestino. O uso das orações negativas nos enunciados das notas assume o que Fairclough (2001) explicou, ao falar de orações negativas: esse tipo de frase incorpora outros textos apenas para rejeitá-los. Na coluna de Arimatéia Azevedo do dia 11 de fevereiro, o tema rendeu três notas, com os títulos: ―Trend‖, em alusão aos Trend Topics do microblog Twitter – que elenca os assuntos mais falados na rede social –, ―Xilindró‖ e ―Mitou‖. Usando da estratégia discursiva de adotar uma linguagem mais casual e, portanto, aproximando-se do leitor médio do jornal, é possível observar um enunciador jornalístico, um enunciatário a quem o enunciador se refere indiretamente em oposição e ainda um em enunciador popular.

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Figura 05 – Recorte do jornal O Dia

Fonte: Jornal O Dia, edição de 13 de fevereiro de 2017.

No dia 13, o jornal O Dia posiciona-se mais uma vez como uma voz questionadora da polícia. Na chamada da matéria sobre o caso, Palestino é chamado de ―suposto‖ pichador: ―OAB Piauí repudia prisão de suposto pichador‖. No chapéu, um enunciador jornalístico nomeia a quem o enunciado se refere: ―Palestino‖. Na capa, uma chamada para a coluna de Arimatéia Azevedo evidencia o conflito de vozes: ―Fica um monte de gente fazendo bom mocismo e defendendo o pichador Palestino, mas ninguém quer a fachada da sua casa emporcalhada‖. Neste enunciado, um enunciador jornalístico tanto dirige-se a um enunciatário que pressupõese defender Palestino por ―bom mocismo‖ - ignorando demais argumentos utilizados pelo grupo que problematiza a prisão do jovem – como também se refere a um outro enunciatário que também pressupõe-se não querer a própria casa pichada. Neste caso, um enunciador jornalístico de caráter opinativo na coluna Arimatéia Azevedo, busca alinhar-se ao enunciatário leitor utilizado a estratégia discursiva da pressuposição, ou seja, tomando questões como já estabelecidas, ou dadas. As pressuposições são ―formas efetivas de manipular pessoas, porque elas são frequentemente difíceis de desafiar‖ (FAIRCLOUGH, 2001, p.155). Figura 06 – Charge sobre o caso Palestino no jornal O Dia

Fonte: Jornal O Dia, edição de 14 de fevereiro de 2017.

O assunto volta à tona no dia 14 de fevereiro com uma charge sobre o caso além de um editorial, onde a posição do enunciador jornalístico é reforçada. Na imagem, Palestino aparece voando e pichando o rosto e as roupas do delegado que efetuou sua prisão, Menandro Pedro. Apesar de detido pela polícia, na imagem ele está

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solto, em alusão a um ―anjo‖, com roupas simples, pele negra, cabelo encaracolado, opondo-se ao delegado Menandro Pedro, de vestes sociais e aparência raivosa. A charge reforça o conteúdo do editorial. ―Demonizado‖ por parcela da sociedade, o suposto pichador é ilustrado de forma superior ao delegado que o prendeu. No editorial com o enunciado de título ―Barbárie virtual‖, observa-se o enunciador em processo dialógico com o próprio enunciador opinativo do jornal, personificado na coluna de Arimatéia Azevedo, cujos argumentos são citados de forma indireta no texto de modo a serem refutados e justificados como simplórios na contextualização de um problema social mais amplo. O editorial faz alusão à várias vozes – a quem critica a esquerda, à própria esquerda, ao ―eu‖ que pode ser vítima de um excesso por parte de um Outro – constituindo um exemplo de interdiscursividade na visão de Fairclough, em que um tipo de discurso é constituído por meio de uma combinação de elementos de ordem de discurso. Figura 07 – Editorial do Jornal O Dia repercutindo caso Palestino

Fonte: Jornal O Dia, edição de 14 de fevereiro de 2017.

Nota-se que o caso Palestino parou de render após esta semana e somente suas pichações que continuam evidentes nos muros da capital. Pouco tem se falado sobre o assunto e outros pichadores têm dominado a cena. Considerações O caso Palestino, assim como outros tantos casos a serem destacados nos discursos midiáticos diários, terminam ganhando o esquecimento tempos depois, justamente por causa das próprias dinâmicas das rotinas produtivas jornalísticas. No caso do escopo estudado nota-se um discurso que reproduz um status quo dominante diário destacado nas próprias questões contemporâneas. O caso Palestino também ganhou, a época, forte destaque nas redes sociais virtuais, hoje reverberadoras de discursos fora o eixo midiático tido como tradicional. Foram essas redes que pressionaram os poderes públicos constituídos e até agendaram os próprios meios tradicionais, entrando os impressos no escopo. A própria entrada da Ordem dos Advogados do Brasil no caso mostra o poder dessas pressões e reverberação, colocando em discussão os poderes discursivos extra as questões dos meios tradicionais, quebrando-se a própria hegemonia discursiva tradicional e tida até pouco tempo como detentora do poder máximo discursivo.

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A MÍDIA IMPRESSA NA LEGITIMAÇÃO DOS MOVIMENTOS CULTURAIS E SUAS PRODUÇÕES DE SENTIDO: UM ESTUDO SOBRE O COLETIVO SALVE RAINHA Lorena Caldas1 Rosa Edite Rocha2 RESUMO Este artigo busca promover uma reflexão a partir da análise comparativa da cobertura midiática das edições dos jornais Meio Norte, O Dia e Diário do Povo, referentes as publicações sobre o coletivo sociocultural Salve Rainha. Foi escolhido como corpus do trabalho as edições do mês de setembro de 2016, período em que se realizou a I Bienal do grupo. Utilizando de referenciais teórico-metodológicos para análise quantitativa (Análise de Conteúdo) e qualitativa (Análise de Discurso) e suas produções de sentido, a pesquisa visa detectar quantas vezes a imprensa local citou o evento através de notas, notícias, reportagens e fotografias jornalísticas; assim como a linguagem empregada, parcialidade e atividade simbólica. Nesse contexto, busca-se verificar se as notícias esclarecem o leitor acerca dos movimentos culturais, bem como a tentativa de apresentar possíveis vislumbres para o jornalismo cultural, visando fomentar os movimentos culturais locais. Deste modo, nota-se que mesmo com a reconhecida importância do evento para o cenário cultural da cidade, os jornais, de uma forma geral, não realizam uma cobertura satisfatória. Por fim, o estudo propõe uma análise comparativa dos conteúdos através da categorização das notícias conforme o gênero. Palavras-chave: Jornalismo; Cultura; Discurso; Produção de sentido; Salve Rainha.

Introdução

A

mídia tem um papel crucial na legitimação dos atores sociais e dos movimentos que reúnem interesses de grupos. Os veículos de comunicação, inseridos nesse cenário midiático, caminham ajudando a elaborar as representações e influenciam nos direcionamentos futuros desses movimentos sociais e culturais. Por meio da função comunicativa, amparado por um contrato de leitura - conforme bem define Patrick Charaudeau (p.65, 2006) – as mídias produzem uma perspectiva sobre a realidade, reproduzem conhecimentos de outras instituições sociais em um processo sistemático de recriação. A relação dialética entre essa mídia e a sociedade, ao mesmo tempo em que faz circular as ideias, saberes e representações, é um mecanismo duplo de acessar os sentidos e controlar os critérios de sua construção, com forte poder argumentativo, disseminado nas narrativas midiáticas, as quais, ao mesmo tempo em que delineiam a vida social, são delineadas por ela. Esse pensamento é, também, corroborado por Moscovici (1978), quando este afirma que a mídia é produto de um diálogo social e ambiente de circulação das representações sociais. Presentes em todas as sociedades e inerentes à própria condição humana, essas narrativas fazem mais que relatar uma sequência de eventos, elas revelam a relação entre o indivíduo e a cultura, contribuem para manutenção ou abandono de práticas e valores. O jornalismo cultural, pensando neste contexto, situa-se numa zona heterogênea de meios, gêneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos ou de mera divulgação os campos das artes, das letras, das ciências humanas e sociais, envolvendo a produção, a circulação e o consumo de bens simbólicos. Sob essa perspectiva, este artigo propõe a reflexão sobre o tipo de jornalismo cultural praticado nos principais jornais da cidade de Teresina (Meio Norte, Diário do Povo e O Dia) através da análise comparativa de 1

Graduanda da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. loryscaldas@yahoo.com Mestre em Processos Comunicacionais pela Universidade Metodista de São Paulo-Umesp, especialista em História Cultural e Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Piauí-UFPI. Docente Temporária da UFPI e Docente Assistente e Coordenadora do curso de Comunicação Social da Faculdade do Piauí – Fapi e Associação de Ensino Superior do Piauí-Aespi. TeresinaPI. rosaedite@gmail.com 2

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inserções jornalísticas referentes ao Coletivo Sociocultural local conhecido como Salve Rainha, movimento nascido em fevereiro de 2015. Como corpus analítico, foram escolhidas edições do mês de setembro de 2016, período em que se realizou a I Bienal do grupo. O primeiro passo para esta investigação foi fazer uma pesquisa bibliográfica sobre jornalismo cultural, processo de midiatização e responsabilidade social da mídia, baseando-se nos seguintes autores: Coelho (2007); Moscovici (1978); Piza (2007); Sodré (2009) e Williams (2011). A partir dessa construção teórica foi possível fazer a análise de conteúdo em função do fato de que esta técnica permite a descrição sistemática, objetiva e quantitativa das informações. Em seguida, buscamos analisar qualitativamente três das matérias encontradas, uma de cada jornal, com o intuito de enxergar as escritas jornalísticas e os discursos propostos pelos responsáveis editoriais das publicações. Para isso, trabalha-se com as teorias discursivas de Charaudeau (2006); Maingueneau (2008) e Pinto (2002). Reflexões sobre o Jornalismo Cultural A partir do século XIX surge um novo jornalismo, com objetivos diferenciados do que, até então, era eminentemente político. Eram mais populares que os demais, predominantemente noticiosos, menos opinativos, politicamente independentes, com baixo custo, discurso simples e acessível. A partir desse momento, os jornais passam a ser encarados como um negócio que pode render lucros, visando, principalmente, o aumento das tiragens. A grande novidade é fornecer ao público fatos e não apenas opiniões. Dessa forma, é possível notar uma lógica comercial. Bourdieu (1997) destaca que: Por meio do índice de audiência, é a lógica do comercial que se impõe às produções culturais. Ora, é importante saber que, historicamente, todas as produções culturais que considero – e não sou o único, espero – que certo número de pessoas considera como as produções mais elevadas da humanidade, a matemática, a poesia, a literatura, a filosofia, todas essas coisas foram produzidas contra o equivalente do índice de audiência, contra a lógica do comercial (p. 38, 1997).

E essa lógica comercial chega, inclusive, ao Jornalismo Cultural. Aqui, essa relação é vinculada diretamente ao cinema, ao teatro, à literatura, às telenovelas, dentre outros, no sentido de espetacularizar esses segmentos no complexo midiático, convencionando-os como de caráter cultural. Kellner (2001) defende que vivemos num mundo no qual a mídia domina o lazer e a cultura e, de forma dominante, define o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas. Já no jornalismo cultural contemporâneo existem algumas lógicas determinantes para a circulação de notícia que vão além da agenda, do imprevisto ou do chamado furo jornalístico. Piza (2003) define o conteúdo que engloba este Jornalismo como sendo tudo que é considerado as ―sete artes‖ (literatura, teatro, pintura, escultura, música, arquitetura e cinema), e que, a partir dos anos 90, alguns assuntos como moda e gastronomia ganham espaço, sendo, de certo modo, um acréscimo para o jornalismo cultural ao abrir suas fronteiras e reflexões acerca de novos hábitos sociais. Segundo ele, o jornalismo cultural possui três males: o excessivo atrelamento à agenda; a qualidade dos textos que pouco se diferenciam dos press-releases e a marginalização da crítica, baseadas em ―achismos‖; onde o repercutir é o principal ponto. É preciso ter em mente que o cidadão moderno é bombardeado por ofertas culturais e que é preciso um filtro jornalístico. Porém, os cadernos culturais estão cada vez mais superficiais. Walter Benjamin, filósofo pertencente a escola de Frankfurt, esboça isso, de certa forma, em ―A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica‖, onde a arte, para ele, tornou-se produto de consumo instantâneo, sem reflexões. Ainda sobre a questão da cultura no jornalismo, Coelho (2007) acrescenta que ela deve estar ligada diretamente aos valores, e estes à ideologia. Já que existe uma concepção de multiculturas, segundo o referido autor, o que define o que é ou não Jornalismo Cultural são os valores aos quais ele está ligado. Entretanto, é Coelho (2007) que ainda ressalta a situação delicada de tratar dessa questão na contemporaneidade, já que valores relativos a classes sociais, território e identidade nacional, por exemplo, modificaram-se muito na segunda metade do século XX. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 77


É preciso que o jornalista cultural reveja os valores habituais e busque sintonizar-se com as reais tendências atuais, aquelas que se manifestam na prática e na vida cotidiana das pessoas. Para tanto é preciso ser capaz de detectar as orientações culturais do seu tempo. ―O bom jornalista cultural deve assumir como ponto de partida a ideia de que é preciso pensar sempre de outro modo, que é preciso ver uma questão sempre pelo outro lado, pelo lado que não está sendo visto, pelo lado oposto ao do hábito cultural‖ (COELHO, p.25, 2007) Movimentos sociais e culturais na mídia O passo fundamental na aprendizagem da atuação no jornalismo cultural é compreender o papel social do jornalista que atua nessa área – o de mediador sociocultural. É ele o responsável por pesquisar, entrevistar, apurar, selecionar e codificar de forma clara as informações que envolvem o fato em questão. Como bom mediador o jornalista deve aprimorar sua habilidade de pesquisa, apuração e investigação, além de sua capacidade reflexiva para identificar, de forma rápida, acontecimentos publicamente relevantes. Cabe a ele traduzir uma realidade complexa em formas simbólicas acessíveis, deve explorar toda a riqueza do fato ou pessoa em questão sem perder de vista a capacidade de dar comunicabilidade à representação simbólica do acontecimento. Neste sentido, o jornalismo cultural cumpre, simultaneamente, uma função informativa e poética na vida dos sujeitos. É sua habilidade tocar a integridade das pessoas que, ao buscarem essa seção, ou essa especialidade do jornalismo, estão à procura de um conhecimento sensível e reflexivo. Nesse sentido, Muniz Sodré fala de um ―ethos midiatizado‖, sendo este entendido como ―a consciência atuante e objetiva de um grupo social – onde se manifesta a compreensão histórica do sentido da existência, onde tem lugar as interpretações simbólicas do mundo – e, portanto, a instância de regulação das identidades individuais e coletivas‖. (SODRÉ, 2002, p. 45). Nesse contexto, a mídia deixa e ser um campo fechado em si e passa à condição de produtora dos sentidos sociais, tornando-se, portanto, essencial no processo de legitimação de movimentos sociais e culturais. Quando Raymond Williams argumenta que a cultura é perpassada pelas práticas sociais, nos compete reconhecer que na sociedade atual essas práticas são atravessadas por interações midiatizadas. Por isso, é importante que as diferentes expressões de cultura – e, porque não, expressões sociais - encontrem seu espaço na difusão de notícias. No entanto, o que se percebe hoje são questões outras influenciando direta e indiretamente no processo informacional. Isso porque, segundo explica Charaudeau (2006), o caráter organizacional da mídia permite com que ela trabalhe questões como comunicação e informação interagindo com as lógicas que a regem: a tecnologia, o caráter econômico e o simbólico. "Lógica econômica e lógica tecnológica são certamente incontornáveis, mas é a lógica simbólica que nos interessa aqui: trata-se da maneira pela qual os indivíduos regulam as trocas sociais, constroem as representações dos valores que subjazem suas práticas, criando e manipulando signos e, por conseguinte, produzindo sentido. Não deixa de ser paradoxal, no final das contas, que seja essa lógica que governe as demais. "(CHARADEAU, 2006, p. 16)

É exatamente pelo fato de se apossar dessas noções que dialogam com os valores simbólicos do grande público e integrá-las, que a mídia chama atenção de diversos mundos (político, cientifico, cultural, social, etc). Quando uma divulgação possui caráter cultural, essas lógicas não mudam. As matérias e reportagens ligadas a questões culturais devem, sobremaneira, para a grande mídia, estar ligadas à sociedade por um fato atual, algo que as façam chamar atenção, que remetam aos seus valores políticos e sociais. Não existe, portanto, uma preocupação pedagógica desta mídia em reportar à sociedade aquilo que ela precisa tomar conhecimento a respeito das construções culturais no mundo.

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Jornalismo impresso piauiense Jornal Meio Norte Fundado por Paulo Guimarães, o jornal pertencente ao Sistema Meio Norte de Comunicação, circula na cidade de Teresina e nas principais cidades do estado do Piauí desde o dia 01 de janeiro de 1995. Este periódico foi o primeiro a circular nas segundas-feiras, o que anteriormente não acontecia. É um jornal diário e tem formato Standard. O primeiro caderno possui geralmente uma página de opinião, e editorias de política, polícia, uma sobre o Piauí, uma dedicada aos assuntos nacionais e outra a matérias internacionais, uma página para resumos (últimas notícias) e para esportes também. O segundo caderno do jornal, denominado Theresina, é normalmente dedicado a acontecimentos da cidade. O terceiro caderno é o Arte&Fest, que é relativo a assuntos culturais e possui a coluna social Inside; que na segunda-feira é agrupado no caderno de Negócios. O caderno de cultura Arte&Fest possui geralmente quatro páginas. O jornal conta também com suplementos, como o caderno ForTeens, dedicado para adolescentes, todas as quintas-feiras. Jornal O Dia O Jornal O Dia foi fundado por Octávio Miranda no dia 01 de fevereiro de 1951. É um jornal periódico pertencente ao Sistema O Dia de Comunicação que circula na cidade de Teresina e possui formato Standard. Tem como característica explorar assuntos relacionados à política e a questões locais. O periódico era inicialmente um jornal semanário, que em 1994 ganhou cores, passando por algumas transformações desde então. O Dia disponibiliza diariamente o primeiro caderno, com três páginas dedicadas à editoria de política, uma titulada de Últimas, de Opinião e uma de Esporte. De segunda a sábado, o jornal traz o caderno Em Dia, que corresponde a notícias e eventos da capital, no domingo este caderno passa a ser chamado de Domingo e abriga às segundas-feiras o caderno cultural. O terceiro caderno, nomeado de Torquato, é publicado de terça a sábado. Este, conta com três páginas destinadas a matérias sobre cultura e uma para coluna social. O jornal também possui suplementos, como os cadernos Metrópole, Estilo e Notícia da TV aos domingos. Jornal Diário do Povo O jornal Diário do Povo foi fundado no dia 27 de setembro de 1987 e atualmente pertence a Fábio Sérvio. Bastante conhecido pelo seu teor político, o Diário do Povo é um jornal periódico que circula na cidade de Teresina e possui formato Standard, que recentemente passou por uma inovação no projeto gráfico. O primeiro caderno do Diário do Povo contém editorias de política, esportes e economia. O segundo caderno é denominado Cidades, referente às notícias relacionadas a capital e polícia. O seu terceiro caderno é o Galeria, dedicado a assuntos culturais na capital, possuindo quatro páginas das quais uma é dedicada a uma coluna social. Coletivo Salve Rainha O coletivo sociocultural denominado Salve Rainha nasceu em fevereiro de 2015, a partir da inciativa de Júnior Araújo, Renata Reis e Márcio Estrela; visando criar o que eles chamavam de Café Sobrenatural experimental, que contasse com galeria de arte, música e culinária rotativa. Inicialmente o Salve Rainha contava com ―ensaios‖ - experimentos do que, posteriormente viriam a ser as temporadas do coletivo; buscando testar as ideias e objetivos do grupo. O nome ―Salve Rainha‖ vem da imperatriz Teresa Cristina, que

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originou o nome da capital piauiense, juntamente com a ideia de ―salvar‖ Teresina, provocando-a, estimulando-a e desenvolvendo novos conceitos de cultura. O principal objetivo do coletivo é revitalizar locais abandonados e negligenciados pelo descaso público e privado, dando uma nova perspectiva e ocupando estes locais com as mais diversas formas de arte. Em dois anos, o salve promoveu um passeio à Praça Ocílio Lago, primeira morada do café Transcendental, passando pela rua climatizada e outros endereços no Centro da cidade de Teresina, como o antigo prédio da Câmara dos Vereadores que abrigará o Museu da Imagem e do Som Francisco das Chagas Júnior Araújo, homenagem a um dos fundadores do Coletivo. Inclusive embaixo da Ponte JK o grupo mostrou que, para promover a cultura da cidade, basta apenas força de vontade. Atualmente, o Salve Rainha tem entorno de 35 membros, sendo alguns atuantes apenas em temporadas e outros que acompanham a rotina do coletivo, onde se desenvolvem pesquisas, discursos, criação de editais e divulgação das temporadas. O coletivo realiza seleções para novos integrantes no início de cada temporada, onde através de entrevistas analisam o voluntário, buscando conhece-lo e o encaixar no perfil do Salve Rainha. Outra característica do grupo é a realização das temporadas somente aos domingos, procurando preencher a lacuna cultural existente na cidade neste dia, que resultavam na insatisfação dos habitantes que alegavam não ter o que fazer. Portanto, o movimento criou um evento que contemplasse e provocasse artisticamente a sociedade teresinense, os fazendo perceber além da rotina noturna que ocorre durante a semana, denominada ―festa‖; pois o coletivo afirma não ser uma festa, mas sim, uma tecnologia social de valorização do patrimônio histórico-cultural de Teresina, onde o propósito é a reflexão do evento. Outro pilar do grupo é também a economia solidária e criativa, visando desenvolver e apoiar microempreendedores dentro da feira do Salve, oportunizando o surgimento de novos produtos. As atrações e os locais são escolhidas de acordo com a temporada e com o sentido musical, procurando dar visibilidade para música local piauiense, priorizando bandas autorais, escolhidas em forma de seleção, onde se analisam as músicas, levando em conta as letras, não aceitando discursos de ódio, machismo, homofobia, e etc. Não há patrocinadores, portanto, tudo é obtido por solidariedade; contando somente com o apoio da Secretária da Cultura e Prefeitura de Teresina. Bienal do Salve Rainha Café Sobrenatural Em setembro de 2016, o Coletivo Salve Rainha comemorava seus dois anos de existência. E, para festejar o momento, organizou a I Bienal do Salve Rainha Café Sobrenatural, que aconteceu na Temporada de Primavera, no Parque da Cidadania, com a proposta de exaltar a cultura piauiense e a diversidade. Na Bienal, o grupo saudou uma rainha a cada final de semana (Rainha das Águas, Rainha do Sol, Rainha da Floresta e Rainha dos Raios) com exposições e produções audiovisuais, além de feiras, oficinas e atrações musicais. A Bienal aconteceu aos domingos, nos dias 04, 11 e 18, e no sábado, dia 24. No penúltimo domingo do evento, uma polêmica repercutiu de forma negativa em redes sociais e refletiu nas publicações jornalísticas dos dias subsequentes. Um dos shows promovidos na Bienal gerou debates devido à nudez dos artistas no palco. A apresentação causou intensas discussões entre os teresinenses sobre as diferentes formas de manifestação artística e cultural, com vários grupos defendendo a performance dos artistas e outros tantos fazendo críticas negativas. O coletivo afirma que a repercussão foi polêmica por conta da programação, mas há um entendimento de que isso pode acontecer, já que há em sua proposta inicial a tarefa de transgredir e desmitificar as barreiras que impeçam a liberdade de cada indivíduo. Sua grande dificuldade, segundo integrantes permanentes do projeto, ainda é o apoio e a má interpretação da sociedade, tendo de explicar os propósitos e trazer a reflexões sobre o cenário local, como forma de reconhecimento e pertencimento de quem vive em Teresina. De uma forma geral, quanto a veiculação dos eventos na mídia impressa, o coletivo consegue ter uma divulgação positiva dos trabalhos. Contudo, a preocupação em torno dos eventos é a imagem associada aos trabalhos do Salve que, por muitas vezes, é colocada como uma ―festa‖. 80 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Somos muito gratos por todo veículo que consegue noticiar o Salve Rainha sem que a gente mande material e tudo mais; isso é totalmente involuntário, a gente não controla, não encaminha para nada. A gente tem muitos amigos, então isso sempre facilita a divulgação do evento. Mas o que nos preocupa é sempre essa questão de o evento ser levado como uma festa, entendeu? Das notícias do Salve Rainha estarem sempre lá, na sessão ―eventos‖, entendeu? E não é, é mais do que isso. São reflexões culturais, reflexões sobre quem somos, porque na verdade gente só sabe quem a gente é quando a gente conhece o lugar que a gente vive e vice e versa. Então, a nossa única preocupação é essa, é a forma como as pessoas compreendem; porque o jornalista ele tem um papel social muito importante, né? De formação da opinião pública; então, se o jornalista passa a informação levando em conta de que o Salve Rainha é uma festa, de que o Salve Rainha é um evento que vai ser bombástico...isso enfraquece o nosso movimento de certa forma, mas também traz uma visibilidade para que as pessoas possam ir e vivenciar e perceber que é muito mais que uma festa. (FORTES, 2017, e-mail)

O Coletivo e as publicações nos jornais locais Análise quantitativa Para trabalhar de forma descritiva e conteudística a mídia teresinense, na perspectiva de inserções jornalísticas voltadas para a cultura local, achou-se necessário trabalhar através da Análise de Conteúdo, metodologia das ciências sociais para estudos de conteúdo em comunicação e textos que parte de uma perspectiva quantitativa, analisando numericamente a frequência de ocorrência de determinados termos, construções e referências de um dado texto. Para Bardin (2009, p.51), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Para analisar de forma quantitativa as inserções jornalísticas ocorridas durante o mês de setembro de 2016, período de divulgação e realização da I Bienal do Coletivo Salve Rainha, foram pesquisados mais de 90 jornais impressos locais. No período analisado, todos os dias a partir do dia 03 de setembro, no caderno Torquato, do Jornal O Dia, na segunda página na lateral superior, eram colocadas notas lembrando sobre o ―evento‖ na cidade, e sempre atualizando as datas com o passar dos domingos. Já nos dias 08 e 12 de setembro, além da nota no caderno Torquato, houve uma foto-chamada lembrando a Bienal. Durante todo o período pesquisado foram encontradas 15 inserções nos três jornais locais, sendo duas no Diário do Povo, quatro no Meio Norte e nove no jornal O Dia. Dessas, duas eram chamadas de capa, duas notas e sete matérias, sendo que destas, três eram especiais de página inteira e em uma delas havia uma enquete com jovens sobre o evento. O que se percebe é que a maioria das notícias que compõem a amostra contemplam a Bienal realizada pelo grupo através das falas dos mesmos integrantes, afim de também relatar a história da criação do coletivo e seus objetivos. Quanto às fontes, foram utilizadas a assessora jurídica que se pronunciou apenas uma vez e Jader Damasceno, integrante do coletivo que sofreu um acidente automobilístico em 2016, juntamente com Bruno e Júnior; assim como O Dia e Meio Norte utilizaram como fonte oficial Renata Reis, atual diretora do grupo. Outro assunto abordado foi o caso correspondente ao acidente dos integrantes do Salve Rainha, relatando medidas policias e de trânsito, através da criação do projeto ―Salve Segurança no Trânsito‖. Além disso, houve repercussão causada pela programação do dia 18 de setembro, sendo este o foco de uma das matérias do jornal Diário do Povo. Nota-se, também, a presença da programação do evento em duas matérias do jornal Meio Norte. Em especial o jornal Meio Norte e O Dia, utilizaram fotos do ensaio do coletivo para a Bienal.

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Veículo Jornal Diário do Povo

Jornal Meio Norte

Tabela de notícias sobre o coletivo salve rainha Período de análise: todo o mês de setembro Inserções

Data

02

04

Tipo Notícia com uma retranca

06.09.16

Localização Caderno Principal Editoria Geral

Notícia

24.09.16

Caderno Principal Editoria Geral

01.09.16

Caderno Forteens

Capa do Suplemento+ Matéria Principal Enquete

01.09.16

Jornal O Dia

09

Caderno Forteens

04.09.16

Reportagem

26.09.16 04.09.16 04.09.16

Caderno Arte & Fest - Coluna Órbita Capa Caderno Metrópole

06.09.16 08.09.16 17.09.16 22.09.16 24.09.16 24.09.16 28.09.16

Caderno Torquato Caderno Torquato Caderno Torquato Caderno Theresina Capa Caderno Theresina Caderno Theresina

Página inteira com matérias casadas e informações adicionais Nota Chamada de Capa Matéria principal do Suplemento

Coluna Prisma - Nota Coluna ―Eventos‖- Nota Notícia principal do caderno Notícia na editoria EmDia Chamada de capa Notícia na editoria EmDia Matéria de uma página inteira com box e matéria casa

Análise qualitativa Ao analisar de forma qualitativa as inserções jornalísticas da área cultural ocorridas durante o mês de setembro de 2016, observa-se que além da Bienal, outro foco também presente em algumas das matérias são os dois anos de trabalhos que o coletivo comemorou no período e a homenagem feita pelo grupo aos irmãos Bruno e Chagas Júnior (idealizador do coletivo), que faleceram no início do ano de 2016. Na matéria do jornal Diário do Povo, percebe-se que o principal foco não é a Bienal, e sim, a homenagem feita aos integrantes que faleceram em um acidente de trânsito, pois através de falas de Jader Damasceno, a matéria faz uma suíte do ocorrido; não abordando o movimento em si, ou seja, explorando mais o lado judicial e político do acontecido. O tema da Bienal em si e suas ações sociais e culturais não foram exploradas em nenhuma das matérias publicadas pelo veículo. O jornal Meio Norte tem como foco principal a representatividade e o nascimento do coletivo na capital, que será comemorado na Bienal. Sua fonte oficial foi a presidente do Coletivo, Renata Reis, que discorreu sobre todos os aspectos do evento em questão, desde seu nascimento até a memória dos integrantes falecidos; dando ao leitor que pouco conhece da trajetória do Salve Rainha, informações instigando-os a conhecerem os trabalhos. Vale ressaltar que o veículo também buscou interagir com os leitores através de uma enquete com as pessoas que frequentam os eventos do coletivo, na tentativa de oferecer aos leitores a visão de como a sociedade teresinense enxerga o coletivo e seus efeitos na cultura local. O jornal O Dia buscou através de diversas matérias e formas abordar o sentido do movimento e sua

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Bienal, cobrindo desde o seu nascimento até pequenos lembretes diários sobre o Movimento em questão, servindo de convite à população; contudo, todas as matérias possuíam apenas a fala da Renata Reis, abordando as mesmas questões do Meio Norte. Dos três jornais, O Dia foi o único veículo a abordar, diretamente, a questão da polêmica envolvendo os cantores Leo Fressato e Ana Larousse que se apresentaram no terceiro domingo, inclusive buscando ouvir as partes envolvidas no caso. A mesma polêmica agora citada foi foco no Jornal Meio Norte, na Coluna Órbita. O tema em questão levou à diversas outras inserções de forma indireta, já que instigou uma reunião entre o Governo Municipal e os representantes do Coletivo para debater sobre a organização e medidas de conduta dentro do Parque da Cidadania. Se levarmos em consideração que a mídia é essencial no processo de legitimação de movimentos sociais e culturais - como é o caso do Coletivo Salve Rainha - bem como é uma das responsáveis pela elaboração do capital simbólico social; poderíamos convir que a forma como as informações estão sendo levadas pela mídia impressa para o grande público, em sua maioria formador de opinião, é, ainda, pouco elucidativa quanto aos objetivos principais do movimento. Desse modo, Pinto (2002) nos faz refletir sobre esse processo de comunicação, onde sociedade/cultura devem ser pensadas dialeticamente; levando em conta que através de uma interação cooperativa entre indivíduos que detêm controle total e consciente das regras a serem utilizadas – no caso, os meios de comunicação -, são capazes de contribuir no desenvolvimento dos processos de legitimação de movimentos sociais e culturais. Ainda nesse contexto, o autor ressalta que toda fala é uma forma de ação, sendo estas narrativas midiáticas, um modo de transformação e reprodução; aliando a ideia de discurso como prática social. Uma característica observada é que a mídia local costuma utilizar as mesmas fontes oficiais na construção de suas matérias jornalísticas, o que acaba por formar um jornalismo de aspas, com pouca participação popular (no material coletado, há apenas um caso onde a opinião da população sobre o Coletivo é sondada). Há de se dizer, ainda, que parte do conteúdo veiculado pelos jornais é retirado das mídias sociais do Grupo, alimentada pelos próprios voluntários; bem como as fotografias utilizadas, que são enviadas por eles ou retiradas da mesma mídia digital. Essa pouca exploração jornalística pode tanto deturpar e tirar a credibilidade da informação que vai chegar ao público - já que acontece algumas vezes de em todos os jornais ter a mesma informação e fotografia publicada - quanto limitar a educação sócio cultural da população quanto aos objetivos do projeto. Outro ponto a ser debatido é quanto a utilização frequente do termo ―festa‖ quando se trata do evento social. Essa postura apresenta, claramente, um dos principais problemas do jornalismo cultural na atualidade, segundo Coelho (2007), onde o profissional não evolui junto com a sociedade, surgindo, daí a necessidade de elaborar por si mesmo e para si mesmo uma lista de valores que possam orientá-lo no trato da questão cultural contemporânea. Conclusão É inegável o papel e a influência da mídia na cultura e na sociedade. Porém, quando se parte do pressuposto que a mídia é também um dispositivo pedagógico e um dos agentes responsáveis pelas mudanças sociais e culturais de uma sociedade, é que percebemos que muitas vezes uma informação deixada de lado ou divulgada de uma forma superficial ou padrão, pode impedir o crescimento intelectual, social e de cidadania de uma população. Localmente, nota-se que mesmo com a reconhecida importância dos movimentos culturais e sociais para o cenário cultural da cidade – onde a sociedade teresinense demonstra insatisfação para com os eventos culturais produzidos na capital - os jornais impressos analisados neste artigo, não realizam uma cobertura em sua totalidade satisfatória; deixando lacunas em muitos pontos à serem explorados e divulgados para a sociedade, colaborando para uma visão muitas vezes limitada e/ou redundante acerca das diversas manifestações culturais que brotam cotidianamente em Teresina. Braga (2006, p. 39) afirma que a sociedade ―não apenas sofre os aportes midiáticos, nem apenas resiste pontualmente a estes‖, mas que ela ―se organiza como sociedade, para fazer circular, de modo Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 83


necessariamente trabalhado, o que as mídias veiculam‖; deixando de ser uma operação individual para se dispersar na sociedade. Ou seja, os indivíduos também são responsáveis pelas produções de sentidos, mas estas se dão pelas apropriações vivenciadas pelos mesmos em seu lugar social, caracterizado por experiências de recepção e interpretação, demarcada por mediações socioculturais das mídias. Percebe-se, portanto, que não há um silenciamento sobre o tema, pelo contrário, as mídias, de certa forma, divulgam os trabalhos realizados pelo Coletivo Sociocultural Salve Rainha. Porém, há uma concentração dos discursos sobre o tema e uma qualificação limitada sobre quem deveria falar sobre ele. Referências BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa-Portugal: Edições 70, LDA, 2009. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: ADORNO et al. Teoria da Cultura de massa. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Paz e Terra, 2000. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão: seguido de a influência do jornalismo e os jogos olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta a sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006. CHARAUDEAU, Patrick. Discursos das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. COELHO, Teixeira. Outros Olhares. In: LINDOSO, Felipe (Org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo: Summus/ Itaú Cultural, 2007. FORTES, Camila. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por loryscaldas@yahoo.com em 20 mar. 2017 KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001. MAINGUENEAU, Dominique. Analise de testos de comunicação. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2008. MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Trad.Álvaro Cabral. Zahar, 1978. PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker, 2002. PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2007. SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 4 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

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PELO “SIM”, PELO “NÃO”: A CÂMARA DOS DEPUTADOS COMO “PALCO MIDIÁTICO” DO PEDIDO DE IMPEACHMENT 1 DE DILMA ROUSSEFF Marina Farias2 Cristiane Portela3 RESUMO Este artigo analisa o cenário/―palco midiático‖ de votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, a partir do modo como os parlamentares expressaram seus votos. Considerando que o momento propiciou grande visibilidade pública, por meio da mídia, aos deputados votantes, a análise leva em conta a midiatização do processo político, à medida que a forma como a mídia cobriu a votação e se apropriou do cenário público foram decisivos para aquele momento de votação. Para tanto, o aporte teórico contempla as perspectivas dos estudos da mídia apresentadas por Hjarvard (2012), Castells (2012), Silverstone (2005), dentre outros. Ressaltamos que o cenário/―palco midiático‖ de votação do pedido de impeachment, no caso a Câmara dos Deputados, transformou-se em um grande ―espetáculo midiatizado‖, onde as manifestações pessoais e partidárias dos parlamentares dominaram a cena. Palavras-chave: Mídia; Midiatização; Política; Visibilidade social.

Introdução

E

m 17 de abril de 2016, aconteceu um fato histórico no Brasil: a votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Com 367 votos favoráveis, 137 contrários e sete abstenções, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o relatório pró-impeachment e autorizou o Senado Federal a julgar a presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, por crime de responsabilidade. A sessão foi tensa do princípio ao fim. O voto de número 342, por exemplo, considerado o mínimo para garantir o julgamento pelo Senado, foi celebrado à exaustão pelos partidários do impeachment, que tiveram apoio de deputados de 22 partidos. Apenas PSOL, PT e PCdoB não deram votos a favor do impedimento de Dilma Rousseff. A votação durou cerca de 6 horas em um cenário/―palco midiático‖ semelhante a um show de auditório de programa televisivo, em que os ―apresentadores do espetáculo‖ digladiaram-se na ―disputa pelos holofotes‖. Em um dia de extrema importância para o futuro político do país, o que chamou a atenção, mais que o ―sim‖ ou o ―não‖ na hora de votar, foram os ―argumentos‖ utilizados pela maioria dos parlamentares para justificar o voto, que destoavam do cenário político em questão, mas que, com força e amplitude, ecoaram em ritmo vertiginoso pelos mais distintos meios de comunicação. Dessa forma, a análise recai sobre o modo como os parlamentares expressaram seus votos no momento da votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados no dia 17 de abril de 2016. Naquele dia, deputados ―desfilaram no tapete vermelho‖ e usaram a tribuna para saudar familiares. Outros proferiram palavras de baixo calão em total falta de respeito ao decoro parlamentar e a quem acompanhava a votação com a seriedade que o momento exigia. Ao fim da votação, é certo que o placar provocou frustração em uma das partes, a dos derrotados. Mas, quanto aos discursos tacanhos, eles foram 1

Trabalho apresentado no GT.03 Narrativas Midiaticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: marinafarias.soares@gmail.com 3 Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora adjunta do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo - da UFPI. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPI (PPGCOM/UFPI). Membro do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação NUJOC/UFPI. Endereço eletrônico: crisportela14@yahoo.com. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 85


produzidos pelos parlamentares de ambos os lados, favoráveis e contrários ao pedido de impeachment, e até por quem se disse ―em nenhum dos lados‖. Considerando que nos dias atuais é impossível ―escapar‖ da mídia, pois, como bem define Silverstone (2005), ela é ―onipresente‖, ou seja, faz parte de todos os momentos atuais, naquele dia histórico, com consequentes transformações sociais, não foi diferente. Silverstone (2005) adverte que ―entender a mídia como processo também implica um reconhecimento de que ele [processo] é fundamentalmente político, ou talvez, mais estritamente, politicamente econômico‖ (p. 17). Assim, observa-se que o ambiente políticoeconômico está imerso nas relações sociais, que atravessam, sobretudo, as formas como a mídia produz e faz circular informações, refletindo também na maneira como tais informações são consumidas. Para Hjarvard (2012, p. 55) ―a mídia é [...] parte do tecido da sociedade e da cultura e uma instituição independente que se interpõe entre outras instituições culturais e sociais e coordena sua interação mútua‖. Isto reforça o poder da mídia na contemporaneidade. Dessa forma, as análises procuram entender também como a tribuna da Câmara dos Deputados transformou-se em ―palco midiático‖ dos políticos, movidos por disputas de egos, de poder e de visibilidade, nesse cenário político-econômico no qual a mídia está inserida. O espaço midiático como “vitrine” de questões pessoais dos parlamentares ―Dedico este ―título‖ à mamãe, que tantos sacrifícios fez para que eu chegasse aqui, ao apogeu, com o auxílio de vocês‖, disse um dos deputados. De que ―título‖ fala o político? Em questão estava o título/cargo de deputado ou o título/escolha a ser feita naquele momento? Muitos deputados saudaram genitores e fizeram homenagens pessoais, como um gesto de apropriação particular de um momento público. Um parlamentar levou o filho ao microfone no momento da votação (Figura 01). Outro deputado usou o espaço para pedir ―paz em Jerusalém‖, ao tempo que não conseguia ―ajudar pacificamente‖ nem a pôr ordem no Congresso. Outro gritou palavrões de ordem. Houve também espaço dedicado para ―apologia à tortura‖. Uma parlamentar aproveitou para elogiar o marido prefeito, usando a fala de que ele serve para mostrar que ―o Brasil tem jeito‖. Neste caso, a resposta foi imediata, o prefeito foi preso pela Polícia Federal no dia seguinte ao processo de votação, acusado de sabotar a saúde pública. Figura 01 - Criança participa da sessão de votação do pedido de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados

Fonte: Marcelo Camargo/Agência Brasil, 17 de abr./2016.

A ―moldura‖ do momento da votação ―desenhava‖ deputados como convidados de um ―programa de auditório‖ com direito a aplausos ou vaias e até a ―chuva de papel picado‖ (Figura 02).

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Figura 02 - O deputado Wladimir Costa (Solidariedade-PA) estourou confetes no plenário da Câmara dos Deputados

Fonte: Marcelo Camargo/Agência Brasil, 17 de abr./2016.

Alguns parlamentares aproveitaram o momento ―ápice‖ da aparição diante da tribuna para mandar beijos e para fazer homenagens pessoais, como um exercício retórico, feito por quem, muitas vezes, não domina a retórica e nem a própria língua. Não que se esperasse uma linguagem rebuscada, nem tampouco científica, mas, no mínimo, um ambiente respeitoso como deve ser o de uma sociedade democrática. A retórica inclui a arte do falar bem, do convencimento, da persuasão que enobrece o conhecimento, instrui e agrada aos ouvidos. No entanto, parece não ter sido desenvolvida pelos deputados do Congresso Nacional. Isto, porém, não é de hoje, como cita Silverstone (2005, p. 63): Falamos agora de mera retórica, desconfiados do artifício da expressão bem acabada ou da metáfora estonteante. Mas também deploramos sua perda nos discursos políticos e outras figuras públicas, aprisionados, como parecem estar cada vez mais, pela declaração de efeito e pelos obstrucionistas.

No outro sentido, ou do ―outro lado do balcão‖, o da tela da TV ou diante da tela do computador ou mesmo do telefone celular, os brasileiros observaram o ―palco midiático‖, onde deputados, enquanto atores sociais contemporâneos, ―encenaram a espetacularização da política‖, usando o espaço midiático para dar visibilidade a fatos pessoais. Interesses bem particulares foram claramente expostos pelos parlamentares, que usaram a mídia e o momento público para um ―show‖ individual. Entende-se, assim, que o mundo midiatizado altera a própria lógica das relações pessoais, o que gera reflexos em ambiente de discussões políticas e de tomada de decisões tão importantes. A mídia, no entanto, enquanto parte fundamental desse processo, é responsável por tais modificações. Na medida em que as relações entre os humanos dependem de sua mediação eletrônica, em que nosso tratamento mútuo e o tratamento das concepções, interesses e ideais, uns dos outros dependem da comunicação deles pela mesma mídia, e na medida em que reconhecem que essa mídia mudou a escala e o escopo de tais relações, temos de aceitar o desafio. (SILVERSTONE, 2005, p. 262).

Vivemos um período de transformação das relações entre o público e o privado na sociedade contemporânea, em que esses espaços se entrecruzam diante da midiatização. Essa transformação representa mudanças nas condições de responsabilidade de quem ocupa o espaço da mídia. Para Rubim (2000), ―nesta inscrição societária, a comunicação se ressignifica‖, os processos comunicacionais não ocupam mais espaços delimitados nem tampouco físicos, eles se coadunam em uma dinâmica em que as esferas públicas e privadas se confundem bem como o virtual e o físico.

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Dessa forma, considerando a informação como mercadoria simbólica, que demarca uma posição ideológica, não se pode pensar mais a relação da mídia com os consumidores como uma relação de ações verticais, nas quais a mídia captura os receptores e os domina. Ao contrário, a comunicação só é eficaz se incluir também interações de colaboração e transação entre mídia e receptor, ou seja, há uma horizontalidade nessa relação. A mídia como “porta” de visibilidade social dos parlamentares Não é somente na ambiência política da Câmara dos Deputados, mas a mídia tem alterado a forma de comunicação entre as pessoas onde quer que elas estejam. Isto requer o entendimento da sociedade contemporânea como estruturada e ambientada pela comunicação, ou seja, como uma verdadeira ―idade mídia‖ (RUBIM, 2000). Este autor utiliza o termo ―idade mídia‖ como uma metáfora à expressão Idade Média, na medida em que a informação no passado estava encastelada e no presente pode ser acessada por todos, pelo menos em tese. No caso analisado, ou seja, a forma como os políticos expressaram seus votos no momento da votação do pedido de impeachment de Dilma Rouseff na Câmara dos Deputados, à medida que os sujeitos/atores sociais atuantes (os políticos) se apropriaram dos ―produtos midiáticos‖ (tribuna, microfone e transmissões ao vivo), a mídia serviu como ―porta potencializadora‖ da visibilidade conferida aos parlamentares, tornando-se importante elemento de difusão das convicções ideológicas desses sujeitos/atores. Dessa forma, muitos parlamentares apropriaram-se da ―enfática‖ alegação de que o processo de impeachment seria a única salvação para o País, diante do ―estado de corrupção‖, para ―impor‖ aos receptores seus posicionamentos políticos/partidários. O deputado Paulo Pimenta, PT-RS, por exemplo, que votou contra o pedido de impeachment, usou em seu discurso o posicionamento ideológico de que era necessário ―demarcar politicamente a tomada de poder‖. ―Os senhores acham que alguém, neste País, acredita que os senhores e as senhoras querem tirar a presidente Dilma para combater a corrupção?‖, indagou o parlamentar. Para ele, o que a oposição queria era reverter os resultados das urnas. Naquele 17 de abril de 2016, o Brasil ―parou‖ diante dos meios de comunicação. Foram 43 horas ininterruptas de votação e, assim, a sociedade brasileira ―conheceu mais de perto‖, por meio da mídia, seus deputados. Em certas ocasiões, os parlamentares mostraram-se em suas ―intimidades‖, visto que muitos trouxeram para a tribuna assuntos e dedicatórias pessoais. Na TV aberta, com exceção do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), todos os canais transmitiram a votação do pedido de impeachment ao vivo e os brasileiros puderam acompanhar a votação no momento em que ela realmente acontecia. A Rede Globo de Televisão, por exemplo, passou quase 500 minutos, sem interrupções, cobrindo ao vivo da Câmara dos Deputados, um tempo recorde. De acordo com dados da BBC 4, somando as TVs abertas, foram mais de 50 pontos de audiência registrados durante a votação, sendo 37 da Rede Globo, 8 da Rede Record, 4 da Bandeirantes, 2 da Rede TV e 0,8 da TV Brasil. Diante dessa audiência nacional recorde, alguns parlamentares preferiram ―extrapolar‖, em seus discursos, o contexto de acontecimentos nacionais, como é o caso do deputado Ronaldo Fonseca, PROS-DF, que, ao proferir seu voto, pediu ―paz em Jerusalém‖. Já o voto decisivo para a aprovação do pedido de impeachment arrancou lágrimas do deputado Bruno Araújo, PSDB-PE (Figura 03), que disse: ―Quanta honra o destino me reservou de poder, da minha voz, sair o grito de esperança de milhões de brasileiros. Senhoras e senhores, Pernambuco nunca faltou ao Brasil. Carrego comigo nossa história de luta pela democracia. Por isso, digo ao Brasil, SIM pelo futuro‖. Figura 03 - Deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) chorou ao dar o voto decisivo a favor do pedido de impeachment de Dilma

4

Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160419_impeachment_revela_congresso_rm

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Fonte: TV Câmara, 17 de abr./2016.

Durante a votação, houve xingamentos de um lado e elogios eloquentes de outro. Na tribuna, muitos parlamentares se ―exibiam‖ com discursos para ―atacar‖ ou ―agradar‖ a audiência. Mesmo diante da ―polarização‖ política da sociedade brasileira, de um lado a turma do ―sim‖ e do outro lado a turma do ―não‖, observa-se que, tanto entre os defensores do pedido de impeachment quanto entre os contrários, houve manifestações de repúdio aos discursos da maioria dos deputados na hora do voto. Segundo dados da BBC Brasil5, a palavra ―vergonha‖ foi citada mais de 270 mil vezes na plataforma Twitter durante aquele domingo e cerca de 90% dos comentários em que a palavra ―vergonha‖ aparecia naquele dia eram sobre a votação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. Muitas expressões de votos poderiam motivar até a quebra de decoro parlamentar pela falta de compostura e pelo clima de escárnio em um momento grave na política do País. Destaque nesse sentido para o deputado Jair Bolsonaro, do PSC-RJ, que resgatou, por meio de elogios, a memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da época da Ditadura Militar. Assim, Bolsonaro declarou: ―Nesse dia de glória pelo povo, tem um homem que entrará para a história. Parabéns presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964 e agora em 2016. Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ustra, meu voto é SIM!‖. A expressão ―tchau, querida!", usada pelo ex-presidente Lula ao finalizar uma conversa com Dilma, no polêmico telefonema divulgado pelo juiz Sérgio Moro, durante mais uma das fases da Operação Lava Jato, e que mais tarde virou bordão entre a ―turma‖ pró-impeachment, também foi incorporada aos discursos dos deputados naquela sessão da Câmara, que a utilizaram para finalizar suas falas. ―Tchau, querida!‖ também surgiu em inúmeros cartazes levados ao plenário (Figura 04).

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Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2016/04/160417_live_tv_camara_votacao>. Acesso em: 23 de abr./2016. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 89


Figura 04 - Deputados favoráveis ao pedido de impeachment de Dilma fazem manifestações no plenário da Câmara dos Deputados

Fonte: Antonio Cruz/Agência Brasil, 17 de abr./2016.

Em muitos casos, os deputados ―surpreenderam‖, ao ―justificar‖ o voto ―guiados‖ exclusivamente por escolhas partidárias. Alguns mudaram de opinião e ―esqueceram‖ que ―a retórica, para ser eficaz, tem de se basear em algum grau de identificação entre orador e audiência [...] Mudar de opinião requer a aquiescência dos outros‖ (SILVERSTONE, 2005, p. 70). Assim, nem mesmo ―a cara de desolo e tristeza‖ da deputada Iracema Portela, PP-PI, que ―mudou de lado‖ na hora da votação, declarando-se favorável ao pedido de impeachment, gerou convencimento, nas ―raízes da retórica‖, de que aquele era um momento de difícil decisão da parlamentar. Neste caso, prevaleceu muito mais a dimensão figurativa que persuasiva da retórica. Em um ambiente midiático, a ―vitrine‖ de uma votação no Congresso Nacional ―justifica‖ a encenação de quem se comunica. Neste caso, os deputados ―incorporaram‖, mesmo que do ponto de vista do senso comum, a ―cultura da mídia‖, para (re)significar comportamentos ―aparentemente impensados e incondizentes‖ com os cargos que ocupam. Atos e eventos, palavras e imagens, impressões, alegrias e dores, até mesmo confusões, só se tornam significativas na medida em que podem se inter-relacionar dentro de alguma estrutura, tanto individual, como social: uma estrutura que, embora tautologicamene, lhes confere significado. (SILVERSTONE, 2005, p.27).

Dessa forma, as frases ―célebres‖ e os ―retratos de fúria e de engodo‖ presentes nos discursos dos parlamentares reverberaram até em ―memes‖ nas redes sociais (Figura 05). Isto ocorre principalmente em função dessa ambiência da mídia de ―transcendência espacial‖ (SILVERSTONE, 2005). Não há mais um espaço físico delimitado para a mídia, pois ela ―abarca‖ também a virtualização dos processos comunicacionais. Nesse sentido, a mídia sofre também um processo de aceleração da velocidade da informação, até atingir o limite máximo.

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Figura 05 - ―Meme‖ sobre o pedido de impeachment de Dilma circula nas redes sociais

Fonte: Tecnomundo, 17 de abr./2016.

Ao contrário do que previa Castells (2012), quando analisou a internet como um lugar onde não havia espaço para bobagem e fofoca, ―isso é extremamente minoritário, muita gente não tem tempo para isso‖ (p. 275), hoje o que se vê nas redes sociais é um espaço onde também há espaço para fofocas, desabafos pessoais e até especulações. Durante as manifestações de voto, muitos deputados se apropriaram não somente da cobertura massiva dos veículos de comunicação, mas, ao ocupar a tribuna, também registraram o momento em redes midiáticas particulares. Eram muitos os iphones e os smartphones expondo momentos em que a tecnologia promove o exercício de práticas estéticas, simbólicas e mercadológicas. Essas retóricas públicas, estratégicas em sua ocupação dos lugares dominantes do capitalismo tardio e global, devem se conectar com o cotidiano; a metáfora pública, com a privada. Sem audiência, nada de conexão. Sem lugar comum, nada de comunidade. Mas, mesmo então, nada de garantia. (SILVERSTONE, 2005, p. 77).

Na internet, os parlamentares buscavam também, além de audiência e de mais ―visibilidade‖, o ―apoio‖ aos seus discursos. Em um espaço livre, aparentemente democrático e de interação social, parlamentares reverberaram seus votos e suas participações, naquele importante momento político para o País, em redes sociais integradas a ―amigos‖ que, possivelmente, compartilham das mesmas ideias. É Castells (2012), portanto, quem traduz esse momento de conexão/integração entre indivíduos semelhantes: Em outras palavras, à medida que se desenvolvem em nossas sociedades projetos individuais, projetos para dar sentido à vida a partir do que se é e do que se quer, a Internet possibilita tal conexão, ultrapassando os limites físicos do cotidiano, tanto no lugar de residência quanto no trabalho, e gera redes de afinidades. (CASTELLS, 2012, p.274).

Assim, a internet é uma estrutura que está sendo ―moldada‖ pelo comportamento humano de acordo com seus interesses. A ―sociabilidade online‖, como estratégia política, deixa de ser um espaço de interação social e de debate entre opiniões divergentes para se legitimar como reforço de uma comunidade virtual de ideias e posicionamentos políticos semelhantes. Desse modo, Castells (2012) afirma que a internet potencializa o que a sociedade é. A Internet não é simplesmente uma tecnologia; é o meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades; é o equivalente ao que foi a fábrica ou a grande corporação na era industrial. A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de

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comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos. (CASTELLS, 2012, p.287).

Por outro lado, já que a sociedade se estrutura nesse sistema de ―exclusão versus inclusão‖, mediada pelas tecnologias e pelo capitalismo, em relação aos ―incluídos‖ na rede ainda há uma questão, levantada por Berardi (2012), que ele chama de ―pânico causado pelo caos na tecnosfera‖, qual seja, muita informação gerando desinformação. Tanta informação disposta na rede não significa dizer que todos ―absorverão‖ tudo. O autor explica que existe um limite no nosso cérebro para o que podemos ―absorver‖, portanto, a atenção do público se transforma em valiosa mercadoria no espaço midiático e será difícil prever uma saída para esse espaço da superprodução nas redes. O pânico é o registro psíquico de uma condição de caos por parte de um organismo que não sabe agir a não ser em condições de controle. O que é o caos? É um mundo no qual os fluxos de informação que chegam ao nosso cérebro são velozes demais e por demais complexos para que possam ser ordenados e, portanto, para que possam ser controlados, governados e previstos. (BERARDI, 2012, p. 305).

Portanto, quem está ―excluído‖ dessas possibilidades de acesso à velocidade das novas tecnologias, encontra-se fora desse mundo midiático e também marginalizado socialmente. Considerações finais A votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff começou no ambiente físico da Câmara dos Deputados e passou, rapidamente, para outra dimensão, a virtual e midiática, que traz o elemento da visibilidade e é alimentada por consumidores midiáticos, ora também produtores de conteúdos. Isto confirma o fato de que não se pode pensar a relação da mídia com os consumidores como uma relação vertical, na qual a mídia domina os receptores, mas como uma relação de interações horizontais. Tais interações têm sido potencializadas ainda mais com a virtualização do mundo contemporâneo. Ao analisar o modo como os deputados expressaram seus votos no dia 17 de abril de 2016, data da votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, percebe-se que eles enfatizaram o âmbito de suas vidas pessoais/privadas em detrimento de suas atuações públicas. Isso mostra como a ―visibilidade‖, ―ofertada‖ pela mídia aos parlamentares, naquele cenário/―palco midiático‖ em um dia tão importante para os brasileiros, foi por eles utilizada como uma mercadoria simbólica que demarcou/delimitou posturas políticas/partidárias bem específicas. Assim, os políticos, por meio de seus discursos, legitimaram o poder de utilizar o ―palco midiático‖ para ―atingir‖, indistintamente, o público receptor com seus posicionamentos ideológicos, na tentativa até de influenciá-los e/ou cooptá-los a pensar/concordar com tais visões. Tais constatações, no entanto, não se esgotam nessa discussão, mas servem como reflexões, no sentido de perceber de que forma a sociedade brasileira ―assistiu‖ à midiatização de um momento político de extrema importância para o Brasil. Assim, o capital midiático/simbólico, ajuda a ―moldar‖ e/ou determinar o comportamento dos indivíduos na sociedade contemporânea, à medida que todos, indistintamente, estão perpassados pelas mais diversas formas de exposição midiática. Referências BERARDI, Franco. O futuro da tecnosfera de rede. In: MORAES, Dênis de. (Org). Por uma outra comunicação. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 289-313. CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Dênis de. (Org). Por uma outra comunicação. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 255-287.

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OS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA EDITORIA DE ECONOMIA NO O DIA E MEIO NORTE1 Lisiane Mossmann2 RESUMO Este artigo é parte da pesquisa do mestrado da autora. O seu objetivo aqui é investigar como os jornais O Dia e Meio Norte, de Teresina (PI) colocam em circulação a noção de economia em notícias locais. Para isso, a autora escolheu uma invariante do projeto que foi sobre comércio, mais especificamente, matérias econômicas sobre o Dia das Mães, por considerá-las relevantes para fins de análise deste artigo. Tendo como pressupostos as questões da Teoria dos Discursos Sociais, baseados nos postulados de Pinto (2002) e Verón (2004), bem como os de Lopes (2004) na Teoria dos Discursos Sociais no Jornalismo. A ideia é identificar as estratégias utilizadas pelos veículos para trazer para si a condição de produtor de sentidos. Os estudos da linguagem são recentes e assim como Lopes (2004), toma-se a referência de que as teorias sobre o jornalismo, enquanto práticas discursivas, são produzidas, circulam e são consumidas sob a lógica de um mercado simbólico. Na Introdução, contextualizamos o posicionamento do jornalismo econômico. No segundo tópico, aborda-se a Teoria dos Discursos Sociais. Logo, é feita uma análise dos jornais e por fim as considerações finais. Palavras-chave: Discurso; Jornalismo Econômico; Jornalismo Local; Produção de Sentidos.

Introdução

A

tualmente, percebe-se que, se por um lado o cenário dos meios de comunicação mudou e faz com que os conteúdos publicados tenham foco no que está mais próximo do seu leitor, por outro, observam-se dificuldades inerentes ao jornalismo econômico em traduzir o sistema econômico e suas inúmeras variáveis em uma linguagem de legibilidade e que se aproxime do seu público. O que poderia justificar essa limitação do noticiário econômico? O embate entre o local e o global produzirá jornalismos diferenciados, tentando atender às novas demandas sociais: ―Não há global sem local nem local sem global‖ (REBELO, 2000, p. 153). Esse tensionamento modificou os processos de construção jornalísticos e o modus operandi dos jornais tiveram de ser repensados, levando em consideração essa relação e a necessidade veicular produções locais. O noticiário econômico, principalmente, de jornais locais não consegue, muitas vezes, retratar a economia onde circula. As vozes econômicas locais são sempre as mesmas nas páginas de economia. Os jornais locais acabam, muitas vezes, focando em informações do comércio como Natal, Dia das Mães, Dia das Crianças, Dia dos Pais; um ou outro grande investimento. E o leitor lê, nos jornais, mais notícias dadas pelas agências nacionais e internacionais com vozes oficiais do governo, mercado e instituições privadas e públicas sem explicar o impacto na vida das pessoas. Caldas (2003) justifica esse posicionamento editorial explicando que no Brasil ainda há excessiva interferência do governo na política econômica nacional e acaba se tornando o fato mais importante do dia. Outro gargalo apontado pela autora é o horário em que é divulgada a informação, quase sempre, no final da tarde, inviabilizando o trabalho de apuração. No entanto, admite que ―[...] as informações apuradas no governo ainda é muito limitada a versões oficiais e carregadas de algum defeito.‖ (CALDAS, 2003, p. 82). O universo do jornalismo é um campo sob pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência ou, no caso dos jornais, da venda dos exemplares por meio de assinaturas e em bancas, segundo Bourdieu (1992). E esse campo, fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão 1

Trabalho apresentado no GT Narrativas Discursivas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: lisianemossmann@email.com 94 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


sobre todos os outros campos, como estrutura. O campo jornalístico impõe sobre os diferentes campos de produção cultural um conjunto de efeitos que estão ligados, em sua forma e em sua eficácia, à sua estrutura própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas segundo sua autonomia com relação às forças externas, às do mercado dos leitores e às do mercado dos anunciantes. Partindo de sua teoria, considera-se, portanto, que o jornalismo econômico pode ser classificado como um subcampo do campo do jornalismo (LENE, 2004). Desde o início da imprensa burguesa já existia uma diferenciação entre o noticiário de interesse mais amplo e o restrito, que eram as cartas trocadas por comerciantes. É o mesmo que acontece no o jornalismo especializado. Habermas (1986), quando explica a influência da imprensa na criação da esfera pública, mostra que no século XVII as cartas particulares trocadas entre os comerciantes, com informações estratégicas sobre mercados e produtos, foram parar ao longo do tempo em jornais escritos, considerados órgãos noticiosos de segunda categoria. A carta, então, continuou com o papel de ter a informação mais confiável. Isso mostra que os comerciantes e investidores, na origem da imprensa, sempre tiveram "veículos" que serviam aos seus interesses. Pode-se dizer que no jornalismo genérico o objeto da informação é quase sempre o que foge às regras, uma anomalia, algo excepcional, e não a norma. As notícias informam sobre eventos singulares, descontinuidades, e não modelos e processos. Já no jornalismo econômico, pelo fato de a economia ser muito mais um processo do que uma sucessão de fatos singulares, processos e sistemas são igualmente objetos de interesses, sendo singularizados pela linguagem jornalística, que os noticia como se fossem episódios. Mas na cobertura dessa área, episódios e processos precisam ser interpretados à luz de processos, leis ou relações econômicas, às vezes conflitantes. Essas relações são quase sempre ignoradas pelo senso comum, já que são formuladas em outro nível de saber: o saber das teorias econômicas (KUCINSKI, 2000). O jornalismo passou a ser caracterizado pela transmissão sistemática de temas e fatos relacionados com os problemas de economia de mercado ou macroeconômicos, cujas fontes não são mais só os políticos ou partidos, e sim os economistas, os banqueiros, os relatórios originados de segmentos privados ou as instituições estatais e os projetos (NASSIF, 2003). As matérias de economia concentram o foco em alguns segmentos da sociedade em detrimento de outros: a classe empresarial e seus representantes, o mercado financeiro e o sistema econômico do país; e acabam enquadrando as pautas pelo ângulo do poder. O jornalismo econômico, seja o praticado nos jornais de circulação nacional – Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo –, seja o nos regionais e locais, parece não dar importância a setores como dos trabalhadores, aposentados e donas de casa. A história do jornalismo econômico brasileiro foi fundamentada sob a égide do regime militar e sua prática ainda carrega traços dessa fase. Kucinski (2007, p. 189-192) aponta cinco principais traços que constituiriam a mentalidade do jornalismo econômico do Brasil. O primeiro é classificado por ele como o consensualismo, que se configura como um traço geral da cultura política do país, exigindo o consenso em torno dos interesses dominantes, e não considera legítima a divergência. Conforme Kucinski (2007), o dogmatismo seria o segundo. Em alguma medida, está presente em todo o jornalismo econômico devido à influência de economistas que repetem teses antigas já invalidadas como verdades reveladas, especialmente as teses do monetarismo, manifesta-se no reducionismo da discussão, no desprezo pelo factual e no pouco trabalho analítico. O terceiro traço é a ingenuidade. Ao contrário do jornalismo econômico dos grandes centros mundiais, que usam uma linguagem agressiva para descrever um mundo de negócios feito de disputas, golpes e rivalidade, o jornalista brasileiro insistiria em descrever o mundo dos negócios como uma história de contos de fadas em que só há encantamentos. Os dois últimos traços são o entreguismo e o deslumbramento. Esse subcampo assume a defesa dos interesses estrangeiros, tanto na sua visão geral dos processos econômicos, como em histórias específicas, ao mesmo tempo em que se apresentam de maneira deslumbrada perante as grandes empresas e os grandes empresários e banqueiros, e isto pode ser visto nas atitudes subservientes e acríticas.

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Teoria dos Discursos Sociais A Teoria dos Discursos Sociais (TDS) e a Teoria Social dos Discursos no Jornalismo (TDSJ) norteiam o artigo para compreender a negociação dos espaços e a articulação dos sentidos. As marcas enunciativas, ideológicas e de poder estão em todas as etapas do fazer jornalístico: na elaboração das pautas, na distribuição para repórteres, no redigir a matéria (o texto), na busca de imagens e de gráficos para ilustração, na diagramação das páginas e, finalmente, nas escolhas dos assuntos mais importantes que constarão nas capas. A cada atividade o processo jornalístico se torna uma prática complexa e permeada de subjetividade. Dessa maneira, negociam espaço e articulam sentidos na tentativa de conquistar a hegemonia. Podese, então, afirmar que a Teoria dos Discursos Sociais estuda os fenômenos sociais na condição de fenômenos de produção de sentido. Assim, buscam descrever, explicar e avaliar, de maneira crítica, os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados a produtos culturais empíricos, gerados a partir de eventos comunicacionais. Nessa perspectiva, os discursos não são estudados como textos escritos e, sim, como textos construídos por um processo organizado com formas, tipos de fontes, cores e escolha de imagens: procurando entender o processo de construção das estratégias enunciativas e identificar as marcas socioculturais. Assim, pode-se afirmar que as representações e os enunciadores marcam os leitores na cena discursiva, já que toda comunicação é intencional, ideológica e produzida em um contexto. A teoria tem como base o princípio da interdiscursividade (o receptor constrói o sentido de acordo com sua cultura, sua crença, suas vivências, gerando outros discursos), que provoca um constante processo de negociação entre o enunciador e o leitor (produtor e receptor) em uma troca permanente de sentidos. Segundo Pinto (2002), a produção de sentidos é um processo no qual se mobilizam todos os recursos ―linguajeiros‖ para descrever a realidade. Existem três modos de se apresentar em um texto: o primeiro é o modo de mostrar, no qual se constrói a característica da pessoa, do objeto ou da situação; o segundo é o modo de interagir, em que são estabelecidos vínculos socioculturais para interagir com interlocutor; e o terceiro modo é o de seduzir, que distribui os afetos positivos e negativos para que o outro se reconheça no texto. O que leva a perguntar ―Como as notícias se tornam o que são?‖, pois, de acordo com Lopes (2004), os discursos deixam marcas ou pistas dos processos sociais de produção, não interessando o que os textos dizem ou mostram, mas como dizem ou mostram. Para construir o arcabouço teórico, este artigo se baseia na Teoria da Enunciação de Benveniste (1989, 1991), nos conceitos de polifonia e de dialogismo de Bakhtin (1990), além da heterogeneidade discursiva de Authier-Revuz (1990). Também é levado em conta o modelo produtivo de Eliseo Verón (2005), que articula uma teoria do sujeito com uma teoria da produção social do sentido, e a Teoria do Poder, de Foucault (2004). Para Foucault (2004), o conceito de poder repousou sobre a falsa ideia de algo único, alojado em um núcleo central de onde ele tudo controla. Acreditar em uma morada do poder é acreditar que ele é algo que se adquire por meio de investidura. Segundo o autor, o poder está na relação e não é algo estático. Outros conceitos importantes são o de campo, de poder simbólico e de habitus, de Bourdieu (1986, 1996, 2002). Os três postulados propostos por Pinto (2002), heterogeneidade enunciativa, semiose infinita e economia política do significante, auxiliam na análise sobre a noção de economia que é colocada em circulação pelos três jornais impressos de Teresina. Para que o leitor tenha em mãos notícias impressas, esse processo jornalístico é imprescindível. As notícias - publicadas nos impressos - partem de uma pauta intencional, procurada ou ocasional. Do chefe de reportagem passa pelo repórter e, finalmente, pelo editor. Nesse processo, como diz Orlandi (1988, p.5): ―Não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos‖. Por isso, [...] a mensagem é angulada para de pauta se transformar num processo de captação, o componente grupal se identifica com a caracterização da empresa jornalística, onde a pauta vai ser tramitada. A empresa, que por sua vez, está ligada a um grupo econômico e político (em bases bem características na América Latina), conduz o comportamento da mensagem da captação do real à sua formação estilística. Nem sempre é fácil chegar a este componente, porque ele não se apresenta claramente. (MEDINA, 1988, p. 73).

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A concepção de imparcialidade dos meios de comunicação já ficou para trás. A mídia tem vínculos, sejam eles comerciais ou políticos, que condicionam o processo jornalístico das empresas e dos seus profissionais e, por consequência, sua forma de noticiar. O processo jornalístico, muitas vezes, desconhecido de seus leitores, ouvintes e telespectadores, envolve práticas sociais que produzem sentidos e não pode ser pensado de uma maneira isolada. A complexidade da sociedade contemporânea afetou o campo comunicacional e, consequentemente, o conteúdo produzido pela mídia. Para estudá-lo, então, é necessário pensá-lo a partir dessa complexidade. Por isso, toma-se o campo comunicacional como prática social, em que a linguagem está em embate constante, como na visão bakhtiniana, produzindo sentidos. Assim, passa-se a considerar, também, os eventos comunicacionais como práticas sociais, construídas mediante o emprego da linguagem verbal ou de outros recursos semióticos que integram o contexto social e histórico. Esse viés possibilita o melhor entendimento sobre o processo de busca de hegemonia, a partir de uma negociação no mercado simbólico. Em todas as etapas, desde a produção até o reconhecimento dos conteúdos, esse processo se faz presente. Muitas vezes, são aqueles que dela participam que não se dão conta de todas as negociações feitas (LOPES, 2004). Análise do processo jornalístico A metodologia utilizada neste artigo é a Teoria dos Discursos Sociais, baseada nos postulados de Pinto (2002) e no Contrato de Leitura, de Verón (2004). Essa prática analítica ajuda na análise de como se constrói o espaço noticioso dedicado às informações econômicas nos impressos O Dia e Meio Norte. Para isso, investigouse as marcas textuais encontradas nas superfícies das publicações e se analisou como foi construído discursivamente o processo jornalístico. Nessa perspectiva, verificou-se os sentidos construídos por meio da mistura da linguagem verbal, da imagem e de padrões gráficos. Na análise, essas pistas são associadas às práticas socioculturais, chamadas de contextos. Dos dois jornais pesquisados, o jornal O Dia é o mais antigo em circulação no estado do Piauí. Fundado em 1º de fevereiro de 1951, tem uma tiragem diária de oito mil exemplares. A editoria de economia circula de terça a sábado, no caderno Em Dia – em que são tratados temas da cidade. Já o Meio Norte foi fundado em 1º de janeiro de 1995 e conta com circulação diária, de 10 mil exemplares. A editoria de economia circula nos dias de terças e quartas-feiras, no segundo caderno, página seis. Sendo que há o engessamento da página de economia às quartas-feiras, com uma matéria de preços em supermercados e atacadões: uma tabela com itens e valores ocupa 75% do espaço e o texto trata somente de relatar as variações e os produtos mais baratos de redes de supermercados. O ponto de partida desta análise de discursos de produtos culturais empíricos produzidos por eventos comunicacionais trabalha com a afirmação de Pinto (2002): a ―textura‖ dos textos, dependentes de um contexto, relacionando-os às forças sociais que os moldaram. Neste estudo, não se procurou interpretar conteúdos e, sim, usou-se o conceito de ideologia ao lado de discurso, trabalhando comparativamente. Para a análise, foram catalogados jornais durante um ano (janeiro de 2013 a janeiro de 2014). O período de um ano se fez necessário para completar o ciclo jornalístico de eventos comunicacionais comuns noticiados nos meios de comunicação. Percebeu-se que os dois jornais abordavam ou macroeconomia ou microeconomia ou, ainda, matérias de serviços, como reportagens de preço de gasolina, preços de cesta básica, volta às aulas, concurso e como poupar. Uma planilha ajudou a obter as seguintes informações: jornal, data da publicação, se o assunto estava na capa ou não, manchete principal, quadro ilustrativo, quadro explicativo, gráfico, localização na página – diagramação e tema (macroeconomia ou microeconomia – com as categorias e as subcategorias citadas). Paralelamente, foi construída uma tabela proporcionando visão dos assuntos recorrentes, os assuntos transformados em pauta, manchete e a estrutura da notícia. Mesmo sabendo que a análise de discursos não utiliza o método quantitativo, ele foi fundamental para a criação das invariantes. A estratégia foi observar os aportes de chegada e as inferências na editoria dos jornais: o tratamento Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 97


de assuntos comuns, a utilização de fotos, os gráficos, a edição, o uso de cores e a sua diagramação. Observaram-se matérias de cunho econômico em outras editorias, mas a pesquisa focou especificamente a editoria de economia. A análise proposta trata de uma análise indicial e não simbólica ou icônica. Busca os indícios das tensões e das lutas sociais nos textos. Não se interessa só no que o texto diz ou mostra, já que não é uma interpretação semântica de conteúdos. E sim está preocupada no como e por que o diz e mostra. Como as marcas ou pistas do processo de geração de sentidos que o analista interpreta em uma superfície textual são dependentes do contexto, uma mesma marca encontrada em duas superfícies textuais produzidas em contextos diferentes podem ter interpretações diferentes. Como afirma Pinto (2002, p. 56), ―[...] o sentido, já nos ensinara a linguística surge de diferenças formais, não pode ser abstraído de um item isolado‖. Como os textos não surgem isoladamente em um universo discursivo e pertencem a séries ou redes organizadas por oposição ou sequencialidade, o método utilizado é o comparativo. A partir da leitura dos jornais, definiram-se invariantes, observando as recorrências e as singularidades dos textos. Como a editoria de economia sai em diferentes dias nos três jornais, houve a dificuldade de encontrar a fluência mensal de assuntos nos três jornais, um dos requisitos da metodologia para efeito comparativo. Com isso, a análise foi dividida em duas invariantes. A primeira, ligada à macroeconomia: Inflação, assunto presente nos dois jornais. A segunda, a microeconomia, especificamente, ao Comércio Local. Para este artigo considera-se a segunda, cuja designação é um guarda-chuva e foi construída a partir das datas de maior consumo durante o ano: Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal (assunto recorrente nos jornais). Essa invariante ajudou a compor o estudo e mostrar a economia local e a escolha foi pela recorrência no mesmo período pelo Dia das Mães. Jornal

Data

Título

Página

O Dia

9 de maio de Informática 05 2013 Dia das Mães: vendas podem crescer 15% em relação ao ano passado

Meio Norte

7 de maio de Dia das Mães 2013 Venda de eletrônicos deve crescer 15% Fonte: Dados da pesquisa.

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B6


Fonte: www.portalodia.com

No jornal O DIA, o enunciado ―Informática - Dia das Mães: vendas podem crescer 15% em relação ao ano passado‖ mobiliza três enunciadores: o que ainda não comprou presente para a mãe, o que busca sugestão e o empresário do setor que quer saber sobre o interesse dos consumidores. O enunciado abaixo cria a estratégia enunciativa de cumplicidade com estes enunciadores que ainda não efetuaram suas compras ao enunciar: ―Gerentes de lojas do setor apostam nos tablets como itens mais vendidos no período e garante que as mães estão cada vez mais antenadas‖. A polifonia também mobiliza os três enunciadores com o uso polifônico nas fontes: maiores e em negrito, marcando como enunciado principal da página. Um enunciador jornalístico se marca como conhecedor do varejo e das necessidades das mães de hoje quando diz que as ―vendas podem aumentar‖, além de assumir o papel pedagógico ao enunciar as citações de gerentes de lojas que ―apostam nos tablets‖. Este enunciador usa como estratégia a dialogia com a foto, que mostra a dona de casa observando os tablets em uma vitrine, com o enunciado da legenda dizendo que a ―a dona de casa prefere ganhar um tablet a itens de cozinha‖ para reforçar o papel pedagógico e inclui ainda a foto de smartphones. E logo abaixo da foto, o enunciado ―Funcionamento do comércio no sábado‖ complementa este caráter pedagógico, informando o horário da abertura das lojas no dia que antecede a data comemorativa das mães. Um enunciador jornalístico que está marcado como pedagógico e conhecedor do mercado se presentifica marcado logo abaixo do cabeçalho com o nome do editor Thiago Bastos, bem como o enunciador tecnológico que mostra o mail do jornalista responsável da página, tentando criar cumplicidade ao leitor ao oferecer contato direto com o endereço eletrônico e o telefone. Este mesmo enunciador está novamente no início do enunciado com nomes da repórter e do editor. O enunciado da matéria vem marcado pela heterogeneidade enunciativa, no caso a polifonia, com vozes de diferentes trabalhadores do comércio, de lojas de informática, e também de uma mãe que confirma os enunciados dos vendedores sobre a preferência de presentes tecnológicos. Já a intertextualidade é percebida quando se contextualiza o setor de informática atualmente, que teve os impostos reduzidos em 2012 numa forma de alavancar as vendas no mercado interno. Esta mesma estratégia é possível observar no enunciado usado como entretítulo e em negrito: ―venda de tablet deve aumentar 30% em 2013‖.

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O ideológico é acionado quando a mãe na sua fala diz preferir presentes eletrônicos a itens de casa: ―Passou o tempo de ganhar panela, colcha de cama. Prefiro uma bolsa, perfume, um celular...‖. Ainda é possível observar no enunciado textual a dialogia e a relação de poder marcadas quando se acrescenta informações sobre as vendas de produtos eletrônicos nos supermercados. O sentido desta página está disseminado em um formato de ―l‖, com o enunciado do título seguindo a o da foto. A matéria está disposta em seis colunas, numa página ímpar, ocupando os quadrantes 1 e 2, considerados pontos estratégicos de leitura. E nesta disseminação se usa a polifonia em diferentes enunciados: foto, intertítulo e um enunciado sobre o funcionamento, que também está em dialogia com o enunciado da manchete da página. No contexto imediato, o enunciado foi produzido num cenário de maior volume de vendas no primeiro semestre para o comércio. É a segunda data festiva de mais movimento, depois do Natal. No contexto institucional, a movimentação nas lojas de informática é esperada, neste caso, porque o Governo Federal desonerou os impostos de produtos eletrônicos importados, tornando-os mais baratos para o brasileiro. Num contexto sociocultural mais amplo, observa-se uma mudança na escolha do presente para o Dia das Mães. Antes, a sociedade estimulava a compra de produtos para a casa e não algo de uso particular. No contexto sociocultural mais amplo, percebe-se que o enunciador jornalístico ainda vê leitor como aquele que precisa ser convencido que as mães atualmente preferem produtos para si e tecnológico, ao invés de artigos para casa e de uso da família. É um leitor que deixa as compras para a última hora, então este enunciador informa o horário das lojas. O enunciado do Meio Norte ―Dia das Mães - Venda de eletrônicos deve crescer 15%‖ mobiliza quatro enunciadores: o que procura presente para mãe; o que está interessado em presentear com eletrônicos; e outro especializado que quer saber sobre as expectativas de venda para a data. O enunciado da imagem, que marca um enunciador pedagógico ao mostrar a foto de tablets, e reforçar a escolha do produto para presentear, acaba sendo a construção mais impactante da página, antes mesmo do enunciado do título. Esse enunciador jornalístico, como o recurso pedagógico, cria cumplicidade com o leitor. Usam-se estratégias enunciativas, reforçando os lançamentos das diferentes marcas, detalhando o crescimento das vendas nos últimos anos e a entrevista de um gerente de uma loja de informática: ―[...] os preços têm ficado cada vez mais acessíveis ao consumidor‖. A heterogeneidade enunciativa também se presentifica com a intertextualidade utilizada ao relembrar da redução dos impostos para os produtos eletrônicos. A intertextualidade também é observada no olho da matéria: em duas formas na cor, para marcar o tema, e trazendo dados nacionais das vendas no país. O ideológico segue presentificado no enunciado: logo no início se afirma que as mães atualmente estão mais antenadas e que os presentes eletrônicos são os preferidos delas, ao invés de produtos para a casa, como era costume oferecer às mulheres. A partir daquele enunciado também se constrói uma relação de poder em que esse enunciador jornalístico conhece o perfil das diferentes mães de hoje e para cada um deles tem um aparelho adequado. No contexto imediato, o enunciado foi produzido no período de maior volume de vendas no primeiro semestre para o comércio. Já no contexto institucional, a movimentação nas lojas de informática era esperada, nesse caso, porque o Governo Federal desonerou os impostos de produtos eletrônicos importados, tornando-os mais baratos para o brasileiro. Em um contexto sociocultural mais amplo, observa-se uma mudança na escolha do presente para o Dia das Mães. Antes, a sociedade estimulava a compra de produtos para a casa e não algo de uso particular. Em dialogia estão outros dois enunciados: ―Presentes têm até 78% de impostos‖ e ―Economia Solidária – Feira é oportunidade para adquirir presente‖. No primeiro, demarca-se a relação de poder quando aponta que 78% dos preços dos produtos importados são impostos – e entre eles estão os eletrônicos. Ressaltando: a tensão na página, o enunciador jornalístico usa o recurso gráfico de uma tabela de produtos e o quanto de impostos está embutido no preço. Nesse mesmo enunciado, a polifonia se presentifica. O segundo enunciado em dialogia traz uma alternativa de compra mais barata para presentear as mães. E aí o enunciador busca criar outro contrato de leitura com pessoas que pretendem gastar menos no Dia das Mães.

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Fonte: www.meionorte.com

Considerações finais Neste artigo, buscou-se analisar criticamente como foram construídos os discursos e a produção de sentidos para colocar em circulação a noção de Economia nos jornais impressos O Dia e Meio Norte, de Teresina, durante o ano de 2013, para identificar e interpretar as estratégias enunciativas utilizadas para estabelecer visões desse processo. O jornal O Dia se apresenta como uma publicação de credibilidade, objetiva, informativa e, muitas vezes, precavida, com foco em leitores não especializados em economia, possivelmente a maioria de seus assinantes e compradores, tentando construir uma relação de proximidade. Essas características puderam ser observadas, por exemplo, no uso de coenunciadores, legitimados nos enunciados dos títulos, sendo reforçadas nos textos ao trazer especialistas para confirmarem dados e informações. A fim de construir um sentido pedagógico sobre dados econômicos, como inflação e matéria de datas comemorativas, o O Dia utiliza um enunciador pedagógico, que constrói seu discurso focado no leitor, utilizando coenunciadores especialistas legitimados e não especialistas, e inclusive imagens, para interpelá-lo. Partindo da imagem de um especializado, enfatiza a intertextualidade para ampliar e mostrar causa e efeito de medidas e índices financeiros. Já para o leitor distante das discussões, procura colocar em cena coenunciadores legitimados para que o leitor se identifique com o discurso, que se dirigiram a um público de 30 anos acima, que não possui, necessariamente, o nível de escolaridade superior, que pertence à classe média e baixa e que se interessa por assuntos diversos. Assim, percebe-se que na economia a produção de sentidos no O Dia está centrada na figura do leitor/consumidor, fato evidenciado na construção dos sentidos e nas marcas enunciativas encontradas na invariante analisada, que gera efeitos de sentido de didatismo ao se referir de como se comportar no período de compras no comércio. Percebe-se um jogo constante no uso de coenunciadores especialistas no assunto e aqueles que assumem o perfil dado pelos especialistas para mobilizar seus distintos leitores. Só que no didatismo acionado pelo O Dia, observa-se a perpetuação de discursos hegemônicos camuflados em discursos ―da atualidade‖. Veja no caso da matéria do Dia da Mães: tanto o enunciado da mãe como o do gerente de uma loja reforçam a ideia de que hoje presente é um produto de informática, no caso, o tablet e não mais artigos para a casa. Aparentemente uma discussão que monta um cenário de mãe com celular, notebook, tablet etc., mas que ainda supõe que os filhos precisam de estímulos para ―enxergar‖ essa

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mulher moderna. É um exemplo desse discurso ideológico transvertido em senso comum por trás de uma noção de Economia, que mobiliza o leitor a dar um presente para a mãe. O jornal O Dia, ao optar por silenciar alguns assuntos locais econômicos e colocá-los em outras editorias, quebra um contrato de leitura com leitores interessados especificamente em notícias da área, pois com as migrações de matérias, leitores não acostumados a ler outras seções podem não encontrar a informação que procuram. Pode-se concluir, portanto, que a noção de Economia do O Dia em circulação não está clara. Ela constrói sentidos, que passam por assuntos macroeconômicos, microeconômicos e de serviço, mas que assim como podem estar na Economia também podem estar em outra editoria. O jornal O Dia, o mais antigo e tradicional do Piauí, por considerar estar falando a um leitor mais adulto, procura estabelecer essa relação de credibilidade ao manter sobriedade no sentido gráfico, ainda com poucos recursos gráficos, de cores e de imagens, aspectos que são comuns encontrar em outros jornais na Economia. E, assim, produz um sentido de que a Economia é uma seção sóbria e de assuntos que merecem seriedade ao ler. O Meio Norte vai construir uma imagem de si a partir de um posicionamento bem marcado, inclusive com o uso de cores no enunciado da editoria Economia, enunciados das cartolas da matéria na mesma cor da editoria, gráficos e muita imagem, e vai buscar uma aproximação com o leitor, dando espaço a ele em suas páginas. Os discursos construídos no Meio Norte apontam para processos de embates, interações, disputas e negociações de sentidos entre a equipe jornalística, o setor comercial e a direção do jornal, buscando a melhor de maneira de captar o leitor, seguindo regras próprias do mercado de bens simbólicos, influenciando a visão desse sobre o processo. Na Economia, os enunciadores constroem a imagem de um leitor com interesse em preços, emprego, dados financeiros, serviços, enfim, assuntos que permitam estabelecer uma relação próxima a ele. Esse leitor desconhece as particularidades do setor econômico, sendo informado pelo jornal, pelo suporte no qual ele depositou sua confiança. Há uma cumplicidade e habitualidade na relação entre esse leitor e esse enunciador, gerando um efeito de sentido de maior facilidade de persuasão do jornal sobre seu público. Os dois jornais mobilizam estratégias enunciativas para estabelecer uma relação de detentor da informação e uma relação pedagógica, seja para o enunciatário especializado seja para o que não especializado. Por isso, que Pinto (2002) diz que uma mesma marca encontrada em duas superfícies textuais produzidas em contextos diferentes podem ter interpretações distintas. O autor afirma que o sentido surge de diferenças formais, não pode ser abstraído de um item isolado. Os textos não surgem isoladamente em um universo discursivo e, sim, pertencem a séries ou redes organizadas por oposição ou sequencialidade. Outro aspecto relevante é que produzem o sentido de que os assuntos econômicos que mobilizam forças políticas e empresariais não têm relevância para o Estado, ao delimitar dias de publicação. No O Dia, sai de terça a sábado. Já no Meio Norte, terça e quarta. Mesmo que os assuntos sejam tratados em outras editorias, o enunciador jornalístico se constrói de uma maneira diferente o assunto e acaba trazendo para si a reprodução da ―ideia‖ de estado pobre economicamente e de poucos investimentos. Referências AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 19, p. 25-42, jul./dez. 1990. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 5. ed. São Paulo: HUCITEC, 1990. BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. Campinas, SP: Pontes Editores, 1995. ______. Problemas de lingüística geral II. Campinas, SP: Pontes Editores, 1989. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992. ______. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

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A LUTA PELO DIREITO À UNIVERSIDADE: UMA ANÁLISE DE DIFERENTES POSIÇÕES-SUJEITO1 Gabriela de Almeida Furtado2 RESUMO Este trabalho se propõe a fazer uma investigação comparativa entre a prática discursiva da mídia teresinense sobre o movimento de ocupação da reitoria da Universidade Federal do Piauí (movimento OcupaUFPI) no ano de 2016, e a prática discursiva do próprio movimento OcupaUFPI. Desta forma, destacase que o objetivo principal deste estudo é confrontar tais práticas, a fim de identificar as diferentes posições das quais o portal e o movimento enunciam. Para tal, utilizar-se-á como sustentáculo teórico a Análise de Discurso francesa, embasada, especialmente, em Michel Pêcheux, bem como, se analisará duas notícias divulgadas no Portal Cidade Verde e duas notícias divulgadas pelo movimento OcupaUFPI em sua página do Facebook. Palavras-chave: OcupaUFPI; mídia; prática discursiva; posição-sujeito.

Introdução O ano de 2016 foi por permeado por forte instabilidade política, marcada pelo impeachment da primeira mulher a chegar à presidência da república, o que gerou um nítido acirramento político-ideológico, refletido em diversas práticas discursivas, como ―Não vai ter golpe‖ e ―Tchau Querida‖, enunciadas por grupos que se alinham a ideais ditos de esquerda e direita3, respectivamente, conforme relembra Silva (2017). Com a cassação de Dilma Rousseff e a sucessão presidencial por Michel Temer, seu antigo vice, diversas mudanças legislativas ganharam força, ao exemplo da reforma trabalhista, reforma da previdência e da reforma do ensino médio, recentemente aprovada através da lei nº 13.415/2017 4. Diante dessas diversas reformas, percebeu-se uma reação por parte de uma parcela considerável da população e de alguns movimentos organizados, dentre eles, do movimento estudantil. Com o intuito de reivindicar seus direitos e almejando barrar as referidas reformas, especialmente a do ensino médio e a PEC do Congelamento de Gastos5, estudantes de diversos estados ocuparam escolas e universidades. No Piauí ocorreram ocupações na capital e no interior do estado, umas delas que possuiu grande repercussão – e sobre a qual iremos nos debruçar neste trabalho - foi a da reitoria da Universidade Federal do Piauí (UFPI), através da mobilização de diversos cursos, autodenominando-se ―OcupaUFPI‖. A partir dessa breve explanação do contexto político que envolveu as ocupações estudantis no ano de 2016, e sabendo que o sujeito no discurso é constituído pelo que se denomina de posição, que é o que lhe 1

Trabalho apresentado no GT.03 Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduada em Letras – Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: gabrielaafurtado@gmail.com 3 Madeira e Tarouco (2011) demonstram que os termos direita e esquerda são utilizados para fazer menção às posições de diferentes partidos políticos que compõe um mesmo sistema partidário. Situando essa distinção no Brasil, os autores apontam que tal contraposição entre os dois vocábulos está intimamente relacionada à ligação ou não dos partidos e grupos políticos com o regime militar da década de 60: associando-se os apoiadores da ditadura aos ideais de direita e aqueles que se opuseram à esquerda. Os pesquisadores apontam que, nos anos 90, com o processo de redemocratização mais forte, haverá um deslocamento dessa noção de uma dimensão histórico-político para uma dimensão econômica, ao exemplo, da defesa das privatizações atreladas à direita. 4 Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20152018/2017/Lei/L13415.htm>. Acesso em 18 de abril de 2014. 5 Proposta de Emenda à Constituição nº55, aprovada em segundo turno no Plenário do Senado em de dezembro de 2016.Disponível em:< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=512308>. Acesso em 18 de abril de 2017. Em suma, em decorrência desta Emenda Constitucional, a partir de 2018 vigorará novo regime fiscal no âmbito dos orçamentos fiscais e da seguridade social da União, por 20 exercícios financeiros, atingindo áreas como a saúde e educação. 104 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


permite ou proíbe dizer algo em determinada situação (ORLANDI, 2007), este trabalho busca discutir quais posições são percebidas através do discurso do movimento OcupaUFPI e quais posições se identificam na prática discursiva da mídia teresinense, mais especificamente do Portal Cidade Verde, ao noticiar fatos relacionados ao movimento mencionado. Para alcançar o proposto, se faz necessário compreender um pouco de como o discurso midiático se constrói, bem como assimilar a noção de posição-sujeito se funda, a partir da teoria da Análise de Discurso francesa. Para em seguida, analisar duas notícias do Portal Cidade Verde sobre o movimento OcupaUFPI e duas notas do movimento publicadas em sua conta do Facebook, a fim de comparar as posições-sujeito identificadas. A prática discursiva midiática Antes de adentrar mais a fundo na enunciação da mídia, é necessário desmistificar a ideia de um discurso neutro e imparcial. Conforme Orlandi (2007) é imprescindível entender que todo discurso carrega em si uma ideologia, que se insere em determinado contexto histórico e social, haja vista que, ―não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia‖ (ORLANDI, 2007, p.47). Ainda nesse sentido, Brandão (2012, p.11) afirma que o discurso é ―o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos‖, isso significa dizer que a linguagem enquanto discurso constitui interação social, o que retira dela qualquer neutralidade: nela sempre será manifestada uma ideologia. Orlandi (2007) acrescenta que a relação entre linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, o que permite reforçar que a linguagem e o discurso, são cheios de opacidades, havendo uma pluralidade de sentidos. Dando prosseguimento a esse pensamento, Orlandi (2007) ao refletir sobre a influência do materialismo histórico e da Psicanálise no discurso, permite concluir que o sujeito é afetado pelo real da língua e da história, portanto, o sujeito não tem controle sobre a forma como ambas o afetam, o que significa dizer que o sujeito discursivo se institui através do inconsciente e da ideologia. Iniciando o mergulho na noção de comunicação, Silva (2017) assegura que o processo comunicativo não se limita a mera transmissão de informação, na verdade, ela é uma troca, funda uma relação entre sentidos e sujeito, é por isso, que não se pode analisar a língua isoladamente de uma conjuntura histórico-social. Isto posto, inicia-se a quebra da ideia de que o jornalismo, exerce uma função meramente informativa, caracterizada por imparcialidade6. Nesse sentido, Ferreira (2016) certifica: os veículos de comunicação enunciam a partir de uma pretensa função de dar todas as informações requeridas pelo público-leitor, de forma completa e imparcial. Entretanto, levando-se em consideração os estudos de linguísticos mencionados aqui, apresentando a não-transparência da língua e a questão ideológica, essa que é inerente ao discurso, compreendermos a impossibilidade de imparcialidade no discurso midiático (FERREIRA, 2016, p.29).

Sobre a função da imprensa de mediar o contato entre seu público alvo e os fatos, retratando a realidade de forma fidedigna, constitui a Formação Imaginária do discurso jornalístico a ideia de que ele se caracteriza por uma objetividade, que despreza uma manipulação das informações (LOPES, 2009). Ainda com fundamento nos estudos da autora, afirma-se que, baseado no construto teórico da Análise de Discurso, não há como se falar em objetividade perante o discurso. No entanto, Lopes (2009, p.35) frisa que isso não significa ―pensar no discurso como manipulação‖, mas que ―todo dizer é dito por sujeitos em posições determinadas‖. A partir do exposto e assente Ferreira (2016), afirma-se que é essa imparcialidade objetiva que se atribui ao discurso midiático é ilusória, pois, como já foi dito, os sujeitos são atravessados por ideologias, e sendo o discurso midiático proferido por sujeitos, que se inserem em determinado contexto histórico-social, 6

Silva (2017), a partir de Barreiros e Amoroso (2008), ao fazer um breve apanhado histórico do discurso jornalístico, expõe que essa noção de uma mídia neutra se deu a partir do advento do capitalismo – a mídia, almejando o lucro, tomou para si a indumentária de uma postura imparcial, a fim de agregar um público-alvo plural, sem excluir nenhum grupo em decorrência dos seus posicionamentos. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 105


não há como ser ele isento de ideologias. Afirma-se, então, que o jornalista, enquanto sujeito enunciador do discurso midiático, assume determinadas posições-sujeito. Posição-sujeito Para compreender de que forma o sujeito é concebido como posição na Análise de Discurso, é preciso assimilar, previamente, que não há um discurso isolado, ele funciona dentro de uma relação de sentidos, mostrando que todo discurso guarda vínculo com outro: ―ele tanto evoca algo já dito, quanto serve de sustentáculo para futuros dizeres‖ (FURTADO, 2017, p.36). A partir disso, Orlandi (2007) ensina que o lugar a partir do qual o sujeito fala é constitutivo do que ele diz, ou seja, a posição que o sujeito ocupa ao enunciar determinado discurso, em determinado contexto, é que vai legitimar sua fala. Isto posto, introduz-se em uma noção mencionada anteriormente: formação imaginária. Ela doutrina que não são as pessoas em si e nem os lugares físicos por elas ocupados que interferem na análise do discurso, mas as posições que representam no imaginário, diante determinado cenário. A partir dessa construção da imagem do sujeito e do objeto do discurso, que se localizam em um determinado contexto, algumas perguntas surgem: ―quem sou eu para falar assim? ‖, ―quem é ele para me falar assim? ‖ e ―do que estou lhe falando, do que me fala?‖ (ORLANDI, 2007, p.40). Posto isto, é possível concluir que na relação discursiva são as imagens formadas as responsáveis por diferentes posições que os sujeitos ocupem. Através dessa noção, chama-se outra denominada formação discursiva (FD) e que corresponde aquilo que pode e deve ser dito em uma determinada formação imaginária. É por se inserir em uma FD específica que um discurso adquire sentido, existido diversos sentidos porque existem formações discursivas plurais: as compreensões de uma mesma palavra variam por isso (ORLANDI, 2007). Para exemplificar, adentra-se no objeto de estudo deste trabalho, e se expõe que a palavra ocupação quando é utilizada pelo movimento OcupaUFPI tem sentido diferenciado de quando o mesmo vocábulo é usado pelo Portal Cidade Verde, como será exposto detalhadamente mais à frente. Após essa noção de como ideologia e discurso se constituem de formas diferenciadas no imaginário, retoma-se a ideia de que não há realidade sem ideologia, sendo esta condição para a constituição do sujeito e do sentido. Essa subjetivação é que faz com que se compreenda que o discurso é um acontecimento significante que estrutura a subjetividade, permitindo entender como a língua acontece no homem (ORLANDI, 2007). Ferreira (2016) demonstra que essa constatação feita por Orlandi (2007) exprime que a subjetividade é o lugar fundamental do discurso, provocado um deslocamento da noção de homem para sujeito, provocando assim, outros dois deslocamentos: o de sentido e o da língua, em relação à história. Isso permite afirmar, portanto, que o sujeito se subjetiva a partir da situação em que se insere e de seu lugar no mundo, ocupando determinada posição no discurso, ou seja, na Análise de Discurso o sujeito é posição. Retorna-se mais uma vez para o elo entre sujeito e ideologia, para uma compreensão mais profunda, chama-se novamente Ferreira (2016) que afirma que a ideologia interpela o indivíduo em sujeito, submetendo-o à língua: ―o sujeito para ser sujeito de língua é sujeito à língua. Para dizer, é preciso ser afetado pelo sistema significante, o simbólico‖ (FERREIRA, 2016, p.23). Diante o exposto, manifesta-se a noção de assujeitameto, a autora supramencionada explica que é ele que provoca a mudança de indivíduo em sujeito, sendo assim, coberto de sentido. Prosseguindo o raciocínio, Orladi (1999) apresenta o processo de assujeitamento como processo imprescindível para que o sujeito se subjetive, provocando a sujeição do sujeito à língua, conforme descrito anteriormente. Desta maneira, que a ideologia e o inconsciente do sujeito estão materialmente ligados, neste sentido: para que a língua seja dotada de sentido é necessário que a história intervenha (através do equívoco, da opacidade e da espessura material do significante). A partir disso, apreende-se que a interpretação relativa a um enunciado específico não é livre de determinações, ela é determinada pela memória institucionalizada, que funciona como uma espécie de arquivo; e a memória constitutiva, que se funda no

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interdiscurso (o histórico na constituição do discurso). E é no entremeio desses dois aspectos que a interpretação se realiza de forma não estática e variável. (FURTADO, 2017, p.42).

Com base em toda a reflexão feita, assimila-se que o convívio e a influência recíproca entre linguagem e história, provoca a opacidade de determinada ideologia, dando a falsa sensação ao sujeito de que ele tem controle sobre o que diz, quando, na verdade, como foi dito outrora, existe outros discursos que sustentam e legitimam aquilo que é dito. A posição-sujeito da mídia teresinense Após a compreensão de que o sujeito no discurso significa posição e que essa posição é que permite que determinado discurso seja proferido, bem como, da quebra de uma ideia de que o discurso da mídia é neutro, investigaremos agora a posição-sujeito assumida pela imprensa de Teresina – PI, através da análise de duas notícias divulgadas no portal Cidade Verde. Primeiro, voltar-se-á para um texto escrito pela colunista Cláudia Brandão para o referido portal, denominado ―Quando a ocupação extrapola‖, em que ela comenta a ocupação da reitoria da Universidade Federal do Piauí7. A análise já se inicia pelo próprio título do texto, nele a autora – que materializa a posição do portal – já demonstra a percepção da mídia em relação à ocupação: ela extrapola, ela é exagero. Isso já permite a percepção de uma tentativa de deslegitimação do movimento de ocupação da reitoria, pois, segundo a colunista, ele extrapola o que é tido como tolerável. Essa posição se reforça no primeiro parágrafo, observe-se: De repente , o mundo acordou e parece ter descoberto que “ocupação” é a palavra do momento. Por tudo, ou por nada, a solução passou a ser ocupar espaços públicos e privados. É uma forma pacífica de manifestação com o intuito de protestar e expressar insatisfação. O problema, como sempre, é quando uma ferramenta válida para determinadas situações termina se banalizando (PORTAL CIDADE VERDE, 2016, grifo nosso).

O trecho exposto reforça a posição-sujeito contrária à ocupação, através do reforço da deslegitimação do movimento. Esse processo tem início com a ironia da primeira frase: a colunista diz que o mundo parece ter descoberto a palavra ocupação como a palavra do momento, ou seja, está sendo dito que ocupar é moda, algo que, conforme o sentido empregado, pode ser considerado supérfluo, menos importante, o que se fortalece pela banalização dita ao fim do parágrafo. Além disso, é dito que essa banalização ocorre sempre (―como sempre‖), ou seja, há uma compreensão por parte da mídia de que ocupações são ferramentas banais, desimportantes. No entanto, o que mais se destaca nesse parágrafo é o fato de a expressão ocupação ter sido grafada entre aspas. Essa forma de enunciar demonstra que o portal não considera que o movimento organizado pelos estudantes consista em um movimento sério. Ao longo do texto essa posição continua a ser fortificada, após questionar a seriedade do movimento, a colunista continua a colocar em dúvida a legitimidade do movimento, pois diz que o movimento está ali para tentar barrar a PEC 558, no entanto, diz que ela é de pauta nacional, não tendo relação nenhuma com a UFPI, questionando ainda a boa-fé dos estudantes, dizendo achar duvidoso o fato de serem contra os cortes dos gastos públicos: ―A pauta original seria contra a PEC 241, uma pauta nacional, portanto, que não depende de qualquer ato da reitoria. Ainda assim, é estranho que estudantes sejam contra o controle dos gastos públicos‖ (PORTAL CIDADE VERDE, 2016). Prosseguindo com a construção de uma imagem negativa do movimento, o portal duvida do conhecimento que os estudantes tenham sobre o fato ao proferir: ―Era bom que entre os estudantes houvesse 7

Quando a ocupação extrapola. Disponível em: < http://cidadeverde.com/claudiabrandao/79882/quando-a-ocupacao-extrapola>. Acesso em: 19 de abril de 2017. 8 A PEC 55 iniciou como PEC 241. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 107


algum de economia para explicar que os governos, como as empresas, não podem gastar mais do que arrecadam, sob pena de entrarem em colapso‖ (PORTAL CIDADE VERDE, 2016). Quando afirma que era necessário que houvesse um estudante de economia para elucidar o objetivo da PEC, o não-dito do enunciado afirma que os estudantes que compõe o movimento não detêm esse conhecimento. Para encerrar o processo de deslegitimação o portal deixa no ar uma culpabilização dos estudantes pelo atraso do calendário da Universidade, ou seja, o movimento, segundo a colunista, atrapalha o funcionamento da instituição e prejudica outros alunos. Observa-se: ―Agora, em um calendário já bastante comprometido por conta das sucessivas greves na instituição, provocar mais um impedimento para o pleno funcionamento da universidade é voltar-se contra si próprio‖ (PORTAL CIDADE VERDE, 2016, grifo nosso). Ainda corroborando para esse processo de deslegitimação e fortalecendo, sutilmente, a ideia de que o movimento de ocupação atrapalha os outros estudantes, traz-se uma segunda notícia que fala sobre o adiamento da aplicação das provas do ENEM 2016, devido à ocupação da UFPI9. O título da notícia, ―Enem no Piauí pode ser adiado com a ocupação em campus da UFPI‖, deixando inclusive, mais restrito ao movimento OcupaUFPI. Observa-se também outro trecho que fala do adiamento e de prejuízo para demais estudantes: Segundo Mendonça, o MEC já tomou a decisão de aplicar nova prova do Enem em data posterior para esses alunos que eventualmente sejam prejudicados por ocupações em escolas.

Após essa rápida análise de notícias divulgadas pelo Portal Cidade Verde, analisar-se-á agora a posição-sujeito do movimento OcupaUFPI. A posição-sujeito do movimento Ocupaufpi Neste momento, buscar-se-á compreender como se constitui a posição-sujeito do movimento OcupaUFPI e de que maneira ela se antagoniza a posição do portal Cidade Verde. Inicialmente, será observada uma nota divulgada pelo movimento, em sua página do Facebook, em resposta ao texto veiculado pelo portal Cidade Verde e escrito pela colunista Cláudia Brandão (―Quando a ocupação Extrapola‖). A mencionada nota, intitulada ―Carta aberta à imprensa‖10, contrapõe a ideia de não-legitimidade com o fato de diversos estudantes, de variados cursos se sentirem indignados com a conjuntura nacional e local: Como é do saber público na última terça-feira, 18 de outubro de 2016, a reitoria da Universidade Federal do Piauí (UFPI) – Campus Petrônio Portela – foi oficialmente ocupada por estudantes de diversos cursos da universidade em questão, que se sentem verdadeiramente indignados com a atual conjuntura política nacional e local. E desde que iniciaram-se as repercussões a respeito da ocupação, temos vivenciado uma atitude bastante inconveniente por parte dos veículos de comunicação que nos contatam para obter informações (OCUPAUFPI, 2016).

Frisa-se outro ponto que chama atenção no trecho: o fato de afirmarem que a indignação dos estudantes também é com a conjuntura local, rebate o argumento que não há nada de errado no estado para que a reitoria seja ocupada, conforme o enunciado pela primeira notícia exposta. Para mais, destaca-se outro trecho da Carta em que os estudantes falam sobre sua organização – o que quebra a ideia de ―desocupados‖ que fica no não-dito, bem como a posição dos estudantes em relação a imprensa, questionando a ideia de imparcialidade e ética e rebatem a ideia da ocupação caracterizada como uma banalidade, ideia a qual manifestam repúdio, marcando a diferenciação das posições-sujeito: Frequentemente repórteres e jornalistas chegam na reitoria, a fim de fazerem imagens e/ou entrevistas referentes ao contexto da ocupação sem marcar horário. Quando não liberamos a entrada dos mesmos, 9

Enem no Piauí pode ser adiado com a ocupação em campus da UFPI. Disponível em: http://cidadeverde.com/noticias/232691/enemno-piaui-pode-ser-adiado-com-ocupacao-em-campus-da-ufpi. Acesso em: 19 de abril de 2017. 10 Carta aberta à imprensa. Disponível em: < https://www.facebook.com/notes/ocupaufpi/carta-aberta-%C3%A0imprensa/1843431845876069/>. Acesso em 19 de abril de 2017. 108 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


por questões de organização, divulgam notícias tendenciosas que desmoralizam nossa ocupação. Expõem relatos que não condizem com a realidade que estamos vivenciando e nos colocam como empecilho, caracterizando nossos propósitos e reivindicações como meras ―atitudes banais‖. [...] E assim como seu trabalho, nossa ocupação funciona por meio de um cronograma, o qual nós seguimos sistematicamente por consequências de reuniões devidamente organizadas. É válido ressaltar que manifestamos nosso total repúdio àqueles que, por oportunismo, desvirtuam e manipulam o real sentido do nosso movimento, a fim de interesses externos e gerados pelo grande capital midiático, vem deslegitimando nossa luta. (OCUPAUFPI, 2016).

Encaminhando-se para o fim, em que os estudantes vão, através de nota divulgar as conquistas que a ocupação da reitoria rendeu aos universitários11. Destaca-se logo a primeira frase: ―A luta por direitos é necessária, real e possível‖, este trecho, em contraponto ao primeiro do portal Cidade Verde, coloca a ocupação como uma luta que precisa existir e que é ―real e possível‖, pois teve conquistas. Em seguida, os estudantes continuam a expor o porquê de sua legitimidade, amparando-a agora na quantidade de ocupações existentes ao longo do país, assim como, exercício da cidadania, apresentando-se como sujeitos que buscam melhorias, que lutam para que retrocessos não ocorram e que visualizam um bem comum: Essa intensa organização do movimento estudantil pode ser vista pela coragem com a qual milhares de estudantes ocupam atualmente, segundo recente matéria do Correio Braziliense, 1108 instituições de ensino no país, das quais 1022 escolas de Ensino Médio e Ifes, 82 universidades e 4 núcleos de educação. Essas ocupações que tem pautas nacionais sólidas como o enfrentamento a tentativa do governo federal de fazer um congelamento de gastos por 20 anos e que terá fortes impactos nos direitos sociais conquistados, principalmente na educação. Amparados pela liberdade de expressão, de associação e de reunião, que são direitos fundamentais elencados na Constituição Federal, nós, enquanto classe estudantil, estamos exercendo a cidadania de forma ativa uma vez que o espaço formal da representação política não deve ser o único local de apresentação e visibilidade das pautas sociais (OCUPAUFPI, 2016).

Ao encerrar a carta os estudantes reconhecem das conquistas tidas, mas sobrelevam a necessidade da continuação do movimento. Além disso, também se destaca o fato de para eles os resultados da ocupação terem sido ―conquistas‖ e não benefícios cedidos, favores isso mostra que os universitários se veem como sujeitos ativos dessa transformação, ao contrário da UFPI: O movimento ocupa UFPI, conquistou vitórias, mas acredita que a luta não se encerra, o movimento de resistência nacional continua contra a PEC 55 apreciada no próximo dia 25 de novembro com votação final no dia 13 de dezembro, é nosso dever e de todos os estudantes e não estudantes permanecer com ousadia na resistência à PEC. Ganhamos apenas uma batalha após muitas reuniões e diálogos nas assembleia de avaliações, nesse momento transferimos a nossa ocupação para o auditório do CCE onde dialogaremos com estudantes, professores e servidores continuaremos fazendo assembleias amplas e aulas publicas, seguimos com uma programação aberta a comunidade e construída coletivamente. Não nos acomodaremos , o que conseguimos foram direitos e não favores (OCUPAUFPI, 2016).

Feita essa breve reflexão sobre a posição-sujeito da qual enuncia o movimento OcupaUFPI, adentra-se agora no momento final deste trabalho, em que será feito um apanhado sobre as discussões aqui provocadas. Considerações finais A partir das discussões feitas ao longo deste estudo, foi possível compreender que o sujeito diante um discurso ocupa determinada posição, que lhe permite enunciar algo, em determinado contexto. Aliado a isso, a reflexão de que – como todo discurso carrega em si uma ideologia – há a impossibilidade de uma neutralidade 11

Disponível em: < https://www.facebook.com/OCUPAUFPI/photos/a.1839486186270635.1073741827.1839483552937565/1855973127955274/?type=3& theater>. Acesso em 19 de abril de 2017. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 109


da prática discursiva midiática, foi que nos propusemos a fazer uma investigação das posições-sujeito que o movimento de ocupação da reitoria da Universidade Federal do Piauí e a mídia teresinense assumem diante as ocupações que ocorreram no ano de 2016. Com a análise das notícias e das notas, foi possível percebem que as posições-sujeito se diferenciam e, mais que isso, colocam-se em situação de antagonismo. Enquanto o movimento OcupaUFPI enxerga nas ocupações uma necessidade e as reconhece como legitimas, pois as identifica como uma forma de reivindicar direitos e exercer o direito constitucional de participação popular; a mídia teresinense, mais especificamente o portal Cidade Verde, não o reconhece como legítimo, expondo-o como empecilho para o bom funcionamento das atividades da instituição e como algo banal que não traz resultados. Referências BRANDÃO, Helena Hatshue Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 3. ed. Campinas, SP: Unicamp, 2012. FERREIRA, Fernanda Castro. De show a fiasco: dos efeitos de sentido produzidos pelas capas da revista Veja acerca das copas do mundo. 2016. 89 fls. Dissertação (Mestrado) – Curso de Letras Português, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2016. FURTADO, Gabriela de Almeida. Divergência entre prática e teoria: uma análise das diferentes posições-sujeito na AJUP. 2017. 82 fl. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Letras de Língua Portuguesa e Literatura Portuguesa). Universidade Federal do Piauí, Teresina. LOPES, Maraísa. Folha de São Paulo: da produção de sentidos acerca da guerra do Iraque. 2009. 138 f. Tese (Doutorado) - Curso de Letras, Unicamp, Campinas, 2009. MADEIRA, Rafael Machado; TAROUCO, Gabriela da Silva. Esquerda e direita no Brasil: uma análise conceitual. Revista Pós Ciências Sociais UFMA. V.8. N.15, 2011. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/591/2744 . Acesso em 18 de abril de 2017. ORLANDI, Eni. P. Análise de Discurso. 7. ed. Campinas, Sp: Pontes, 2007. 100 p ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso. Do sujeito na história e no simbólico. In: Contextos Epistemológicos da Análise do Discurso. Campinas: LABURB, 1999, p.11-16. SILVA, Ana Caroline Dias da. A cultura do estupro: uma análise de sentido nos textos da página Carta Capital. 2017. 60 fl. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Letras de Língua Portuguesa e Literatura Portuguesa). Universidade Federal do Piauí, Teresina.

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PRÁTICA CULTURAL OU PROBLEMA SOCIAL? DISCURSOS DIVERGENTES DIGITAL

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ACERCA DA VAQUEJADA NO AMBIENTE

Adriana Carvalho de Moura2 Thiago Ramos Melo3 RESUMO Neste trabalho procuramos analisar os discursos dos internautas dos portais G1 Nacional e Folha de São Paulo diante da polêmica entorno da vaquejada, em outubro de 2016, mês em que esta prática foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por trabalhar com discursos em plataforma digital, o corpus da pesquisa é constituído por comentários retirados de quatro matérias, duas de cada portal. Os comentários nas matérias geram uma série de discussões orientada por posicionamentos ideológicos divergentes de adesão ou rejeição à prática da vaquejada. Diante disso, adotamos como aporte teórico-metodológico da Análise de Discurso Crítica (ADC), de modo a analisar como determinados posicionamentos são expressos, sinalizados, constituídos e legitimados através do discurso. As discussões acerca da vaquejada nas plataformas digitais fragilizam seu conceito de manifestação cultural e reafirmam a prática como um problema social no contexto atual. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica; Comentários; Prática Cultural; Vaquejada.

Introdução

N

este trabalho procuramos analisar os discursos dos internautas dos portais G1 Nacional e Folha de São Paulo diante da polêmica entorno da vaquejada, em outubro de 2016, mês em que esta prática foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A vaquejada, de acordo com a Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ), é uma tradição que vem de geração em geração há centenas de anos. Disputas entre várias duplas, que montadas em seus cavalos perseguem pela pista e tentam derrubar o boi pela cauda, na faixa apropriada, com as quatro patas para cima. Por trabalhar com discursos em plataforma digital, o corpus da pesquisa é constituído por comentários retirados de quatro matérias, duas de cada portal (G1 Nacional e Folha de São Paulo). Escolhemos estes portais por considerar que são dois dos maiores veículos de comunicação do webjornalismo nacional, além de terem sido palco de embates ideológicos entre internautas sobre a vaquejada neste período. Os comentários nas matérias geram uma série de discussões orientada por posicionamentos ideológicos divergentes de adesão ou rejeição à prática da vaquejada que, nos últimos anos, vem dividindo opiniões em todo o país. De um lado estão os amantes da vaquejada que a consideram como uma tradição cultural, esportiva, de entretenimento e geradora de renda. Em contrapartida, estão os protetores dos animais, que consideram a vaquejada uma atividade que deve ser proibida, já que submete os animais (equinos e bovinos) às condições de maus tratos, como atestou a Comissão de Ética, Bioética e Bem-estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) quando se posicionou contrária à prática de vaquejada em função de sua intrínseca relação com maus-tratos aos animais, indicando que a prática causa ferimentos, contusões ou fraturas, e a questões psicológicas, como imposição de situações que gerem medo, angústia ou pavor, entre outros sentimentos negativos. Podemos assinalar 2016 como o ano em que as discussões divergentes em torno da vaquejada ficaram mais intensas, isso porque a prática foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) uma atividade 1

Trabalho apresentado no GT Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduada em Comunicação Social – Hab. Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Email: adrianamoura.jor@gmail.com. 3 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Email: thiago.rmelo09@hotmail.com. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 111


inconstitucional, já que viola o artigo nº 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que obrigada o poder público a proteger a fauna, a flora e proibir qualquer prática considerada violenta para os animais. Após a decisão do STF, ocorrida no dia 6 de outubro de 2016, podemos indicar que esses embates discursivos acerca da vaquejada na plataforma digital contribuíram para essa prática atravessasse um período ainda mais conturbado de embates ideológicos entre os que defendem e os que lutam para que a vaquejada não seja reconhecida como ação violenta praticada contra animais. Conforme Lopes (2015, p. 30) ―a vaquejada foi revelando seus atos cruéis contra os animais à sociedade, que não aceitava que os bichos fossem usados como divertimento, sobretudo, diante dos maus-tratos praticados‖. Diante disso, adotamos como aporte teórico-metodológico da Análise de Discurso Crítica (ADC), de modo a analisar como determinados posicionamentos são expressos, sinalizados, constituídos e legitimados ideologicamente através do discurso. Ao final, podemos perceber que no processo de reestruturação das práticas, o conceito da vaquejada como manifestação cultural vai se fragilizando, ao passo que o discurso vaquejada enquanto problema social vai se reforçando ideologicamente, visto que à própria ideia de cultura (manifestação cultural) são atribuídas conotações negativas (maus tratos aos animais e violação da Constituição Federal Brasileira), muitas vezes reforçadas até mesmo pelo discurso daqueles que são a favor da prática. ADC: o discurso, ideologia e hegemonia Adotamos neste trabalho a propostas da Análise de Discurso Crítica vinculada a Fairclough (2001), que tem por objetivo averiguar a funcionalidade da linguagem como mecanismo de ação junto às práticas sociais, para assim atuar nas mudanças sociais. Estas mudanças sociais consistem, de acordo com Fairclough (2001), nos novos rumos determinados discursos e práticas sociais assumem, diante de determinadas imposições social, cultural, dentre outros espaços sociais, pois para ele ―as práticas discursivas em mudança contribuem para modificar o conhecimento (até mesmo as crenças e o senso comum), as relações sociais e as identidades sociais‖ (FAIRCLOUGH, 2001, p.27).

As práticas sociais podem ser definidas como o modo segundo o qual os indivíduos, através do uso de recursos simbólicos ou materiais, estabelecem suas relações em tempos e contextos particulares (RESENDE; RAMALHO, 2011). Neste sentido, esta proposta teórico-metodológica propõem analisar o poder das práticas discursivas diante das práticas sociais e sua mudança em determinado contexto social, com destaque para os conceitos de ideologia e hegemonia. Sendo assim, a ADC contribui para este trabalho por nos ajudar a ―investigar mecanismos causais discursivos e seus efeitos potencialmente ideológicos e refletir sobre possíveis maneiras de superar relações assimétricas de poder parcialmente sustentadas por (sentidos de) textos‖ (RESENDE; RAMALHO, 2011, p.105). Fairclough (2001, p. 117) entende ideologia como significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) ―que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação‖. O autor sugeri que as ideologias, quando embutidas nas práticas discursivas, são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem o status de ―senso comum‖. Quando assumem estas características, os discursos tornam-se potencialmente poderosos, pois as ideologias que carregam podem não ser vistas explicitamente, como pode ser o caso dos discursos reproduzidos pelos amantes da vaquejada acerca desta enquanto manifestação cultural, como forma de legitimar sua prática, muitas vezes danosas aos animais. A luta ideológica como dimensão do discurso, neste sentido, é ―uma luta para remoldar as práticas discursivas e as ideologias nelas construídas no contexto da reestruturação ou da transformação das relações de dominação‖ (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). A luta ideológica é, pois, uma luta por poder. Na perspectiva da ADC, o poder é apenas temporário, com equilíbrio instável, e com isso, as relações são passíveis de mudança. Tal entendimento remete diretamente ao conceito de hegemonia, na perspectiva gramsciana, que diz respeito ao ―contínuo processo de formação e suplantação de um equilíbrio instável‖ 112 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


(GRAMSCI, 1988, p. 423). A hegemonia caracteriza o poder de dominação que um grupo exerce sobre os demais, baseado mais no consenso que no uso da força. A luta hegemônica acontece no social, em nível discursivo. As permanências de articulações entre os elementos que compõe as (redes) de práticas sociais são compreendidas como efeito de poder, ao passo que as tensões pela transformação dessas articulações são vistas como lutas hegemônicas. Assim, a de acordo com Fairclough (1997. p. 81), a hegemonia de uma classe ou grupo sobre uma ordem de discurso ―é constituía por um equilíbrio, mais ou menos instável, entre as práticas discursivas que a compõe‖. O equilíbrio pode ser alterado e, no decurso da luta hegemônica, dar lugar à restruturação dessas práticas. Sobre essa relação entre discurso e hegemonia, Fairclough (1997) apresenta duas considerações. Em primeiro lugar, hegemonia e luta hegemônica assumem a forma da prática discursiva no processo de interação a partir da dialética entre discurso e sociedade. Em segundo lugar, o próprio discurso é apresentado como uma esfera de hegemonia, sendo que a hegemonia de um grupo é dependente, em parte, de sua capacidade de gerar práticas discursivas que lhes deem sustento. Assim, o discurso transita entre a regulação e a transformação. Neste contexto, a ideologia tem importância fundamental na sustentação das relações de poder, de modo que a naturalização das práticas é fundamental para a manutenção das relações de dominação. Vaquejada: discursos em confrontos Conforme Lopes (2015), a vaquejada, conhecida popularmente como festa de gado, teve início em meados dos anos de 1980. Inicialmente, havia regras no que diz respeito apenas a modalidade, mas não ao bem estar dos animais nas competições. ―Somente após as cobranças impostas pela sociedade que exigia condutas mais rígidas quanto ao trato de equinos e bovinos e a preservação ambiental‖ (LOPES, 2015, p. 30). A fala do autor evidencia que a vaquejada desde cedo representou uma ameaça para a integridade física e psicológica dos animais, do ponto de vista social, mesmo tendo origem num contexto onde não existiam leis que previam o bem estar animal. Em contrapartida, os discursos que resguardam essa prática como uma manifestação cultural e de entretenimento do sertanejo assumem historicamente uma posição hegemônica e evidenciam o porquê no passado grande parcela dos brasileiros não consideravam a vaquejada como uma ação humana violenta praticada contra os animais submetidos nas provas. Neste contexto, os discursos de rejeição a esta prática defendem que, além dos maus tratos praticados contra os animais, a vaquejada também perdeu sua essência, visto que a prática não é mais exercida pela tradicional figura do vaqueiro, mas sim por pessoas de alto poder aquisitivo e que por transformaram-na em um grande negócio, faturando volumosas quantias sob o pretexto da tradição nordestina. Esses argumentos ganham força, uma vez que, de acordo com à Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ), cuja missão é defender a vaquejada no campo político e jurídico, a vaquejada se transformou em grandes eventos, apoiados por patrocinadores. A referida Associação aponta que ―com o passar dos anos a modalidade ganhou grande impulso nos últimos dez anos, principalmente com a introdução de cavalos de maior valor, que variam entre R$ 150 e R$ 200 mil, e a consolidação das regras‖. Ainda conforme a ABVAQ, a prática movimenta cerca de 600 milhões por ano, incluindo os valores oriundos de leilões e feiras agropecuárias, que movimentam a compra e venda dos equinos e bovino submetidos na vaquejada. A ABVAQ cita ainda que das quatro mil vaquejadas realizadas por ano no Brasil, 60 oferecem premiação acima de R$ 150 mil. Estes dados reforçam os argumentos de que há muito tempo a vaquejada deixou de ser uma tradição praticada pelo homem que tirava seu sustento do campo (o vaqueiro) e que hoje tornou-se um lucrativo negócio que sobrevive dos discursos dos amantes da vaquejada, aliados ao forte apadrinhamento político que, mesmo diante da imposição da corte máxima de justiça do Brasil, continuam protegendo a execução desta atividade, argumentando que por assumir uma posição cultural, não pode/deve ser banida.

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Chauí (2008) define cultura como o conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas, filosofia, os ofícios) que permite avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução. Essa autora afirma que cultura compreende o campo no qual os sujeitos humanos instituem suas práticas e valores, e definem para si próprios o possível e o impossível. ―Entretanto, que essa abrangência da noção de cultura esbarra, nas sociedades modernas, num problema: o fato de serem, justamente, sociedades e não comunidades‖. (CHAUÍ, 2008, p. 57). A autora supracitada diz que a noção de cultura, quando em sociedade, fica sujeita às alterações, visto que nela seus indivíduos se relacionam com ―mediações institucionais‖ e não mais numa ―unidade de destino‖ (comunidade). Portanto, podemos inferir que o surgimento dos novos posicionamentos acerca da vaquejada são reflexo das mudanças ou evoluções sociais, ocorridas nas instituições sociais, tanto do ponto de vista legislativo, quanto ideológico. Análise: G1 nacional e Folha de SP palco de novos sentidos ideológicos Como indicamos anteriormente, a proposta deste artigo visa investigar os posicionamentos ideológicos divergentes dos internautas dos portais G1 Nacional e Folha de São Paulo, através dos seus comentários lançados após a publicação de matérias que tratam do tema vaquejada. Vale destacar que a escolha por trabalhar com estes veículos está ligada ao fato deles serem uns dos maiores meios de comunicação no mundo digital brasileiro atualmente. Acreditamos que analisar os comentários dos internautas do G1 Nacional e Folha de São Paulo nos ajuda a compreender como estão sendo expressos os discursos que buscam legitimar ou fragilizar o conceito da vaquejada como prática cultural no universo digital. Os comentários que serão analisados foram divulgados no dia 6 de outubro de 2016, data em que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a vaquejada uma prática inconstitucional. E no dia 25 do referido mês, por ser o dia em que os ‗vaqueiros‘ protestaram a favor da vaquejada na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. De forma a sistematizar o funcionamento ideológico, adotamos os ―modos de operação da ideologia‖, propostos por Thompson (1995). Esses modos gerais pelos quais a ideologia opera, por meio de estratégias de construção simbólicas, como forma de estabelecer e sustentar relações de dominação. Descreveremos estes modos a seguir. Assumimos aqui a ideologia como a legitimação do poder de uma classe ou grupo social, como propõe Thompson (1995), mas concordamos com Eagleton (1997, p. 19) com o fato de que "nem todo corpo de crenças normalmente denominado ideológico está associado a um poder político dominante". Desta forma, as crenças de grupos e movimentos à margem dos grupos dominantes também são crenças ideológicos. Os primeiros comentários que são analisados foram postados no final da matéria publicada pelo Portal G1 Nacional, no dia 06/10/2016, cujo título: STF decide que tradicional prática da vaquejada é inconstitucional. Dentre os posicionamentos dos internautas acerca desta publicação estão: ―Gente ruim, malvada tem o diabo no

coração, os animais não são seus escravos‖ (Fabio Franci) / ―Podem continuar, mas no lugar do boi coloquem um de vcs lá, ninguém mais vai reclamar, e o congresso vai liberar‖ (John Carlos).

Ambas as falas expõem a rejeição destes internautas diante da vaquejada e dos maus tratos sofridos pelos animais e a intenção de sinalizá-la como uma atividade escravista, que explora e viola direitos. Nos trechos analisados podemos identificar o surgimento de outros sentidos ideológicos que circundam atualmente à vaquejada e ver que eles são resultados, consoante Fairclough (2001), do enfraquecimento discursivo de determinadas ideologias que antes mantinham os discursos hegemônicos que legitimavam a vaquejada como prática como cultural a região Nordeste. Fairclough (2001) esclarece que isso acontece quando as ideologias carregadas pelas práticas discursivas hegemônicas deixam de atuar sob o status do senso comum, isto é, deixam de ser vistas como algo naturalmente aceito. Nos comentários, o modo operante é a Legitimação. Thompson (1995, p. 82) cita que a ideologia como uma exigência de legitimação ―está baseada em certos fundamentos, expressa em certas formas simbólicas e que pode, em circunstâncias dadas, ser mais ou menos efetiva‖. Aqui, a Legitimação atua como Racionalização, que é o modo pelo qual se constrói uma cadeia de raciocínio que procura legitimar determinados dizeres. 114 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Assim, a prática da vaquejada é exploratória e o animal é tratado como escravo (comentário 1: ― os animais não são seus escravos‖), pois não tem o direito de escolher estar ali. A solução seria colocar ―um de vcs lá‖ (comentário 2), e pressupondo consenso com os maus tratos sofridos, ― ninguém mais vai reclamar, e o congresso vai liberar‖ (comentário 2). Esta construção ideológica também é perceptível nos comentários da matéria divulgada em 25/10/2016, pelo G1 Nacional, tendo como manchete: ―Vaqueiros ocupam Esplanada em ato contra proibição de vaquejada‖, a saber: “Tem que acabar com essas tradições violentas! Antigamente, havia arenas onde gladiadores lutavam

até à morte, era tradição! Além de maltratar animais, vaquejada é ambiente de embriagados e de infidelidades!‖ (Jocasto) / ―Comparam vaquejada com luta livre, a qual eu também sou contra. Mas duvido se o touro está ali por vontade própria, e ganha muito dinheiro‖(Roney Duarte).

Aqui, da mesma forma, a Racionalização ideológica procura credenciar o argumento de que o animal está ali contra a sua vontade, além de atribuir sentidos negativos à vaquejada, tida como um ―ambiente de embriagados e de infidelidades!‖, descaracterizando-a como tradição. Ainda em relação à matéria publicada pelo Portal G1 Nacional, no dia 06/10/2016, cujo título: STF decide que tradicional prática da vaquejada é inconstitucional, temos o seguinte comentário: ―Vaquejada de c..u.. é r..o..l..a.. Esporte de

pessoas pobres de opinião, crítica e cultura. Esporte de feudos "fazendísticos" que acreditam ser reis das terras onde estão instalados e nisso os animais sofrem mais e mais maus tratos nesse ciclo pobre e burro. Fim à vaquejada e ponto final. Vaquejada não é cultura é exploração animal em relação ao capital e retrocesso social. O nordeste é muito mais que isso‖ (Odorico Paraguaçu).

O comentário citado acima mostra que o internauta faz uma crítica de forma pejorativa, sobre o perfil dos vaqueiros, considerando eles pessoas rudes, sem educação e apontando que a vaquejada não é cultura e que os nordestinos não deveriam mais assumir a prática como uma das suas manifestações culturais. Desta forma, o modo operante da ideologia é a Unificação, que diz respeito às construções simbólicas usadas como forma de unificar, isto é, ―interligar indivíduos numa identidade coletiva, independente das diferenças e divisões que possam separá-los‖ (THOMPSON, 1995, p. 86). No comentário, a Unificação figura Simbolização, que é a construção de símbolos coletivos de identificação, neste caso, a figura do Nordeste, enaltecido ideologicamente com o objetivo de desacreditar a prática da vaquejada. Também, ideologia opera é a Fragmentação, que opera na segmentação de indivíduos e grupos. A Fragmentação atua simbolicamente através do Expurgo do Outro, que consiste na construção de um inimigo contra o qual os indivíduos são chamados a resistir coletivamente, neste caso, os ― feudos

"fazendísticos" que acreditam ser reis das terras‖.

Entre os comentários feitos ainda sobre a matéria, existem aqueles que se posicionam a favor da vaquejada. Veja:

―Certo. Quantas vezes você foi em uma vaquejada mesmo? Home pelo amor de deus, deixa de conversar besteira, você não sabe nem o que fala‖ (Carlos Filho) / ―Quer saber a resistência de um boi, procure dominar um bezerro nelore com um dia de nascido, aí você vai começar a ter condições de opinar sobre vaquejada‖

(João Gonzaga). Ideologicamente, ambos os discursos exemplificam um dos principais argumentos que os amantes da vaquejada têm contra sobre seus opositores, a falta de conhecimento prático/experiência destes sobre o tema, buscando assim desqualificar seus posicionamentos e direcionar a discussão. Assim, quem realmente conhece a prática sabe o boi não sofre ao ser puxado pela cauda e derrubado na pista de vaquejada, pois é um animal (um animal que já nasce forte), logo, o maltrato não serve de argumento para proibir a prática. Assim, como forma de assegurar sua posição hegemônica, estes grupos dominantes buscam disseminar sua ideologia pela representação particular de mundo como se fosse a única legítima e possível. Com relação a isso, Fairclough (1997) defende que as convenções discursivas naturalizadas são um mecanismo extremamente eficaz para perpetuar e reproduzir dimensões culturais e ideologias da hegemonia. ―Por conseguinte, um objeto importante da luta hegemônica é a desnaturalização de convenções existentes e a substituição por outras‖ (FAIRCLOUGH, 1997, p. 80), como é o caso discurso especializado em saúde animais, que comprova que estes animais sofrem maus-tratos durante a prática da vaquejada, muitas vezes permanentes, e que aqui é silenciado. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 115


O modo operante da ideologia no comentário analisado é a Legitimação por Racionalização. Neste caso, como já mencionamos, a falta de conhecimento prático/experiência destes sobre o tema desqualifica o posicionamento de quem é contra a prática. É interessante perceber que este comentário confronta-se diretamente com o comentário destacado do Portal G1 Nacional e analisado acima: ―Podem continuar, mas no lugar do boi coloquem um de vcs lá, ninguém mais vai reclamar, e o congresso vai liberar‖ (John Carlos), reforçando posicionamentos ideológicos divergentes no embate hegemônico. Se por um lado, o discurso de defesa da vaquejada argumenta que a falta de vivência de vaqueiro desqualifica os argumentos dos que são contra a prática (isto é, aqueles que abominam a prática e por isso não tem experiência empírica no assunto), por outro lado, o discurso de rejeição à vaquejada argumenta que a falta de vivência do animal maltratado (isto é, o vaqueiro se colocar no lugar do boi) desqualifica os argumentos dos que aderem à vaquejada. Mais uma vez, com relação a matéria divulgada em 25/10/2016, pelo G1 Nacional, tendo como manchete: ―Vaqueiros ocupam Esplanada em ato contra proibição de vaquejada‖, também analisamos outra postagem de um internauta simpatizante da vaquejada: “É, mas sou capaz de apostar que uma picanha todo mundo gosta!‖ (Renan

Bitu).

No comentário, a ideologia atua como forma de Dissimulação, que consiste em ocultar, negar ou obscurecer determinados tipos de relações. A estratégia de construção simbólica ligadas à Dissimulação é o Deslocamento, estratégia pela qual as representações de um objeto ou pessoa são usadas para referir-se a outro, transferindo conotações positivas ou negativas para este ou outro objeto ou pessoa. O discurso acima tenta dissimular os maus tratos sofridos pelo animal argumentando que o abate do boi para alimentação é justificável (mas para a diversão não, que fica posto implicitamente em seu dizer). Os comentários postados nas matérias publicadas pelo Portal Folha de São Paulo, também trazem opiniões divergentes. Na matéria publicada no dia 06/10/2016, ―STF derruba lei cearense e considera vaquejada prática ilegal‖, expõe a fala dos internautas ―Agora só falta derrubar os rodeios - (outra imundície)‖ (Olavo Nunes Pereira) / ―Pois

é, rinha de galo também é ―manifestação esportiva e cultural‖ para essa turma. Ainda bem que está proibida faz tempo‖(Lorenzo Frigerio), ambos comentários expõe a aversão destes internautas acerca de práticas

culturais que subjugam os animais e os expõe a condições de maus-tratos. Ao equiparar o rodeio à vaquejada, como duas atividades que devem ser proibidas assim como ocorreu com a rinha de galo, constatamos a presença de ideologias que buscam desconstruir determinadas práticas sociais que não estão acompanhando a evolução legislativa do país. Entre os posicionamentos feitos sobre a matéria, ―Em Brasília, vaqueiros usam cavalos em manifestação a favor da vaquejada‖, da Folha de São Paulo, postada no dia 25/10/2016, evidencia as agressões verbais bastantes presentes nos embates discursivos durante esse período entre os lados antagônicos. Isso pode ser ilustrado por meio das falas dos internautas que são contra a vaquejada: ―Porque estes cérebros de

galinhas, ignorantes, não enfiam uma corda nos respectivos rabos, e entre eles brinquem de puxar. Seria legal, aprovo, aumentaria o consumo de pomada para rabo ardido‖ (Osvaldo Ramos) / ―Façam o seguinte: peguem seus filhos, filhas, esposas e mães e as amarrem no traseiro... Depois soltem-nas e as persigam. Vejam como é bonito‖ (Luiz Antônio Marcelino). Aqui, da mesma forma, os discursos se mobilizam ideologicamente em torno de uma cadeia de raciocínio que procura evidenciar que as relações de poder assimétricas entre o vaqueiro e animal, aonde é necessário que o vaqueiro se coloque no lugar do boi para entender o que ele sente (Racionalização). Adiante, outro comentário da matéria: ―Pense o seguinte: muitos têm motivos religiosos para

condenar o aborto, e impõem a todos sua concepção. Um absurdo. alguns tem motivos filosóficos para equiparar os direitos dos animais aos dos homens e tentam impor a todos sua concepção, evocando a ética. Outro absurdo, Que ainda dá tempo de consertar. Lembre que ética é pacto plural, onde os participantes aceitam restrições para o bem.um boi nunca será capaz de compreender nem aplicar a ética, logo não pode entrar no pacto‖ (Edilson Borges) A Racionalização do argumento no comentário, neste caso, é mobilizada ideologicamente de forma a legitimar a superioridade do homem em relação ao animal, procurando justificar a vaquejada enquanto uma 116 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


prática válida, visto que o homem tem direitos superiores aos direitos animais, procurando dissimular os maus tratos que os animais sofrem durante a vaquejada (Deslocamento). Todos estes embates discursivos promovidos no mundo digital, neste período, consolidam o que foi publicada pela ABVAQ, onde afirma que ―a vaquejada passa por um momento delicado...vários são os projetos de

lei que visam proibir a vaquejada nos mais diversos municípios do país‖.

Neste sentido, as categorias de análise em ADC servem para evidenciar as maneiras pelas quais as estratégias de construção simbólicas (os sentidos) são acionadas com o objetivo de estabelecer e sustentar relações assimétricas a serviço de determinados grupos, em um jogo de disputa de poder, na busca da manutenção ou transformação das relações de dominação. Neste contexto, a luta hegemônica acontece no e pelo discurso. Considerações finais Na perspectiva da ADC, o poder é apenas temporário, com equilíbrio instável, e com isso, as relações são passíveis de mudança. A hegemonia, neste sentido, caracteriza o poder de dominação que um grupo exerce sobre os demais, baseado mais no consenso que no uso da força. A luta hegemônica acontece no social, em nível discursivo. As permanências de articulações entre os elementos que compõe às práticas sociais são compreendidas como efeito de poder, ao passo que as tensões pela transformação dessas articulações são vistas como lutas hegemônicas. A partir da análise realizada acerca dos comentários lançados pelos internautas dos portais nacionais G1 Nacional e Folha de São Paulo, a respeito das matérias que ambas plataformas divulgaram sobre a vaquejada, podemos concluir que estes discursos divergentes aproveitam-se de estratégias ideológicas diversas para legitimar seus dizeres. Os discursos de rejeição à prática apoiam seus argumentos nos maus tratos sofridos pelos animais, evidenciando ideologicamente, através de uma cadeia de raciocínio, as relações assimétricas de poder entre o vaqueiro e o boi, sinalizando a vaquejada como uma atividade escravista e reforçando os direitos dos animais através de estratégias comparativas (o vaqueiro se colocar no lugar do animal, literalmente). Os discursos de adesão à prática, além de assumirem uma posição que contraria a evolução legislativa (STF) e cientifica (CFMV), comumente utilizam-se de estratégias ideológicas de dissimulação e legitimação para credenciar o próprio discurso, seja desviando o foco da atenção para a questão dos direitos dos animais, seja para legitimar-se a partir do descredenciamento do outro (neste caso, daquele que é contra a vaquejada). Neste processo de reestruturação das práticas, o conceito da vaquejada como manifestação cultural vai se fragilizando, ao passo que o discurso vaquejada enquanto problema social vai se reforçando ideologicamente, visto que à própria ideia de cultura (manifestação cultural) são atribuídas conotações negativas (maus tratos aos animais), muitas vezes reforçadas até mesmo pelo discurso daqueles que são a favor da prática. Neste contexto, o mundo digital é palco das lutas discursivas enfrentadas, na atualidade, pelos defensores da vaquejada para manter seus discursos hegemônicos, e dos discursos contra-hegemônicos (contrários a esta prática) que vem despertando a atenção da sociedade brasileira no que se refere a zelar pelas leis de bem-estar animal, podendo estas tornarem-se socialmente naturalizadas no processo de rearticulação das práticas sociais, como já vem ocorrendo nos espaços institucionais. Referências Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ). História da Vaquejada. 2014. Disponível em: <www.abvaq.com.br/telas/4>. Acesso em: 08/03/17. Conselho

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Comentários STF decide que tradicional prática da vaquejada é inconstitucional. Matéria do Portal G1 Nacional. In: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/10/stf-decide-que-pratica-da-vaquejada-contraria-constituicao.html> Acesso em: 10 de janeiro de 2017. Vaqueiros ocupam Esplanada em ato contra proibição de vaquejadas. Matéria do Portal G1 Nacional. In: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/10/vaqueiros-ocupam-esplanada-em-ato-contra-proibicao-devaquejadas.html> Acesso em: 10 de janeiro de 2017. Em Brasília, vaqueiros usam cavalos em manifestação a favor da vaquejada. Matéria Matéria do Portal Folha de São Paulo. In: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1825892-associacoes-divulgammanifesto-a-favor-da-vaquejada-e-propoem-dialogo.shtml> Acesso em: 10 de janeiro de 2017. STF derruba lei cearense e considera vaquejada prática ilegal. Matéria do Portal Folha de São Paulo. In: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1820529-stf-derruba-lei-cearense-e-considera-vaquejadapratica-ilegal.shtml> Acesso em: 10 de janeiro de 2017.

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„EVOLUÍMOS OU REGREDIMOS?‟: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXTRA SOBRE LINCHAMENTO1 Aldenor da Silva Pimentel2 RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar o discurso do jornal Extra sobre linchamento. Para tanto, foi realizada a análise de discurso da edição do periódico publicada no dia 8 de julho de 2015. Utilizou-se como aporte teórico-metodológico a análise de discurso de linha francesa, predominantemente a partir do autor Michel Foucault (1999, 2008). Como resultados preliminares, notou-se que o jornal traça um interessante paralelo histórico sobre violência contra a população negra no Brasil. Entretanto, contraditoriamente, trabalha com as dicotomias civilização–barbárie, evolução–atraso. Com isso, adota uma concepção evolucionista, semelhante àquela que se fez uso em séculos anteriores no Brasil para defender a violência e a escrivão contra pessoas negras. Palavras-chave: jornalismo; discurso; linchamento; crime.

Introdução

E

ste trabalho tem por objetivo analisar o discurso do jornal Extra sobre linchamento. Para tanto, foi realizada a análise de discurso da primeira página ‗Do tronco ao poste‘, do dia 8 de julho de 2015, 2º edição, e da página interna correlata, página 3, editoria O País. A referida edição foi escolhida por ter recebido o Prêmio ExxonMobil, antigo Prêmio Esso, na categoria ‗Primeira página‘. Esso é considerado o mais importante prêmio de jornalismo do Brasil. Utilizou-se como aporte teórico-metodológico a análise de discurso de linha francesa, predominantemente a partir do autor Michel Foucault. Foucault (2008) entende discurso como conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação. Para o autor, descrever o nível enunciativo exige interrogar a linguagem, não na direção a que ela remeta, mas na dimensão que a produz. Eis a questão que a análise da língua coloca a propósito de qualquer fato de discurso: segundo que regras um enunciado foi construído e, consequentemente, segundo que regras outros enunciados semelhantes poderiam ser construídos? A descrição de acontecimentos do discurso coloca uma outra questão bem diferente: como apareceu um determinado enunciado, e não outro em seu lugar? (FOUCAULT, 2008, p. 30)

Questão para essa abordagem teórico-metodológica seria o histórico – fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade (FOUCAULT, 2008). A partir de Foucault (2008), entende-se que para observar a função enunciativa é preciso considerar suas condições de existência: um referencial (princípio de diferenciação), um sujeito (posição que pode ser ocupada, sob certas condições, por indivíduos indiferentes), um campo associado (domínio de coexistência para outros enunciados) e uma materialidade (status, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização).

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Trabalho apresentado no GT Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Doutorando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. Endereço eletrônico: aldenor_pimentel@yahoo.com.br. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 119


A análise A primeira página (Fig. 1) do periódico em análise é exclusiva sobre o caso Linchamento do Poste, que vitimou em São Luís (MA), Cleidenilson Pereira da Silva, em julho de 2015 . Abaixo do cabeçalho, toda a página está em fundo preto. Em caracteres brancos, em caixa alta, o título é dividido em duas linhas (―Do tronco‖ e ―ao poste‖), separadas por duas imagens. Abaixo de ―Do tronco‖, uma gravura de Jean-Baptiste Debret, em preto e branco, como no original; abaixo de ―ao poste‖, a fotografia, em cores, do linchamento de 2015.

Fig. 1: jornal Extra, 8 jul. 2015, primeira página

Mais abaixo, em fonte menor, a chamada, também em caracteres brancos, com a expressão ‗Os 200 anos‘ em destaque em relação ao restante do parágrafo (capitulação). Os 200 anos entre as duas cenas acima servem de reflexão: evoluímos ou regredimos? Se antes os escravos eram chamados à praça para verem com os próprios olhos o corretivo que poupava apenas os ―homens de sangue azul, juízes, clero, oficiais e vereadores‖, hoje avançamos para trás. Cleidenilson da Silva, de 29 anos, negro, jovem e favelado como a imensa maioria das vítimas de

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nossa violência, foi linchado após assaltar um bar em São Luís, no Maranhão. Se em 1815 a multidão assistia, impotente, à barbárie, em 2015 a maciça maioria aplaude a selvageria. Literalmente - como no subúrbio de São Luís - ou pela internet. Dos 1.817 comentários no Facebook do EXTRA, 71% apoiaram os feitores contemporâneos. (EXTRA, 2015, p. 1)

Assim como a primeira página, a página 3 da mesma edição foi totalmente reservada ao caso (Fig. 2). Diferentemente daquela, esta página, editoria O País, adota estilo gráfico padrão: o fundo é branco e os caracteres, escuros. Uma foto diferente da estampada na primeira página ocupa a maior parte da mancha gráfica.

Fig. 2: jornal Extra, 8 jul. 2015, p. 3

Destaca-se na página a cor vermelha, presente no quadro dos intertítulos em caixa alta (‗Tribunal do ódio‘ e ‗As sentenças da rede‘), no nome da editoria e dos dois deputados estaduais que deram seu depoimento sobre o caso. Observando-se a editoria O País em outras edições do jornal, percebeu-se que, enquanto na página em análise a cor vermelha é exclusiva no elemento quadro dos intertítulos, naquelas edições usam-se as cores vermelho e preto, as mesmas da marca do periódico. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 121


Ao lado da marca do jornal, há dois parágrafos de texto, lado a lado, com estatísticas. Em tamanho grande, o sobretítulo ‗Feitores da BARBÁRIE‘, e, abaixo, em tamanho menor o título ‗Multidão se revolta contra assaltante e o espanca até a morte no Maranhão‘. Em três colunas, o texto da notícia principal, em quadro, sobre a foto que ocupa a maior parte da mancha gráfica, como referido acima. Mais abaixo, a seção ‗As sentenças da rede‘, em seis colunas, caixa alta e caracteres brancos, com declarações de internautas. Logo em seguida, a notícia secundária ‗Uma tragédia que se repete no estado‘, com foto em duas colunas, ladeada pela seção ‗Depoimento‘, com olho, intertítulo, foto de perfil, identificação do ‗depoente‘ e um parágrafo de declaração. São dois depoimentos, que ocupam, cada um, uma coluna, à esquerda e à direita da notícia secundária. Olhares múltiplos: muito além do crime Recurso predominante no corpus é aquele em que se busca abordar o linchamento noticiado para além da ocorrência criminal. Para tanto, trazem-se estatísticas e casos semelhantes. Em trabalhos anteriores (PIMENTEL; MAROCCO, 2013; PIMENTEL, 2016), este autor apontou como o uso de estatísticas e a referência a casos semelhantes pelo jornalismo são recursos que tornam a cobertura noticiosa mais rica e contextualizada, de forma a contribuir mais satisfatoriamente com a compreensão do presente social. Além das estatísticas relacionadas à segurança pública (taxa de homicídios e porcentagem de negros entre jovens assassinados no Brasil e de usuários da rede social facebook que se posicionaram a favor do linchamento), traz-se um indicador social: o Índice de Desenvolvimento Humano. A notícia principal relata ainda a busca, feita pela equipe do periódico, em sites de notícias da região, que encontrou casos de justiçamento terminados em morte, no interior e na capital do Maranhão. O texto diz expressamente, em diferentes trechos, que: aquele não é um caso isolado, não é raridade, se repete e que são noticiados com certa regularidade. Ainda nesse sentido, o jornal traça de forma recorrente um paralelo entre o linchamento noticiado e a escravidão negra, por meio da gravura ‗Aplicação do castigo do açoite‘, de Debret, que retrata, entre 1834-1839, a pena de açoite a africano escravizado no Brasil. O texto assinala aquele justiçamento, ocorrido ‗Mais de um século após o fim da escravidão‘, como tratamento igual ou pior ao recebido por aqueles que ‗agonizaram nos pelourinhos por quase 400 anos no Brasil‘. Além disso, refere-se aos partícipes do linchamento noticiado como ‗feitores da barbárie‘, ‗feitores contemporâneos‘ e ‗novos feitores‘. O texto aponta também semelhanças no aspecto seletivo dessas penas: enquanto a prática do açoite só ‗poupava os homens de sangue azul, juízes, clero, oficiais e vereadores‘, o linchado, da notícia de 2015, é ‗negro, jovem e favelado como a imensa maioria das vítimas de nossa violência‘. As construções descritas acima, que buscam a contextualização sócio-histórica de um caso de linchamento, são vistas positivamente por esta pesquisa, uma vez que se sobressai do comportamento editorial adotado, de modo geral, pelo jornalismo na cobertura de delitos, ainda muito centrado no relato factual e atomizado de crimes. Para Molica (2007), um marco na história do jornalismo criminal brasileiro é quando começaram a ser incluídas no debate estatísticas e análises acadêmicas, ampliando a cobertura jornalística de crimes isolados para o campo das políticas de segurança pública. Em trabalho anterior (PIMENTEL, 2016), discutiu-se que esse avanço coincide com o fim da editoria de Polícia em muitos jornais pelo País, fazendo com que a temática fosse incorporada pelas editorias de Cidades e Geral. Evoluímos ou regredimos? Como consequência negativa desse paralelo, Brasil escravocrata do século XIX–dias atuais, o jornal trabalha com as dicotomias civilização–barbárie, evolução–atraso. Com isso, adota uma concepção

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evolucionista, semelhante à que se fez uso naquela época para defender a violência e a escrivão contra pessoas negras. Na chamada da primeira página, o periódico faz uma provocação: ‗Os 200 anos entre as duas cenas acima servem de reflexão: evoluímos ou regredimos?‘ No mesmo parágrafo, responde à pergunta retórica, marcando seu posicionamento: ‗hoje avançamos para trás‘. O termo ‗bárbaro‘ é historicamente etnocêntrico: nasce para designar o estrangeiro, visto como o inimigo, ameaça àqueles que estão dentro dos limites da civilização romana (MATTÉI, 2001). Trata-se, portanto, de uma construção do outro a partir de um eu, em que aquele é considerado inferior, unicamente por ser diferente deste. ―O bárbaro pode ser caracterizado como sendo aquele país, sociedade, indivíduo que parece estar alheio aos valores mais elevados e evoluídos da humanidade. E em oposição ao termo civilização será acompanhado de valor negativo, enquanto este terá valor positivo.‖ (MORGADO, 2009, p. 35) Tal concepção, mais recentemente reorganizadas em forma de evolucionismo, serviu para justificar, por exemplo, a violência, a subjugação e a eliminação de indivíduos e grupos populacionais considerados atrasados, no entendimento de que há um único caminho, linear e gradativo, por cujos estágios evolutivos, os diversos grupos humanos inevitavelmente passariam. Wolff (2004) critica o conceito de civilização entendido como a sociedade que se afastou do animalesco, ao se aproximar dos hábitos de ‗boas maneiras‘, deter valores científicos e artísticos e aparentar ser humano no contato com o outro. Para o autor (WOLFF, 2004, p. 42) ―O bárbaro é aquele que [...] só consegue pensar em termos dicotômicos, o Bem e o Mal, o próprio e o estrangeiro, nós e eles, mesmo que os chamem de ―civilização‖ (aqui, eu, meus deuses) e ―barbárie‖ (lá, o outro, o inimigo de Deus, o Grande Satã).‖ Ainda que se trate de interessante crítica a uma concepção que o próprio Wolff entende como tradicional e conservadora, esta pesquisa não vê como solução satisfatória a simples inversão dos polos, ou seja, considerar bárbaros aqueles que, por exemplo, lincham alguém com a justificativa de que este teve comportamento não compatível com a vida em sociedade (civilização). Os assassinatos políticos com auspício oficial, o processo Mindzenty, os tribunais ―especiais‖, a reclusão de ―dissidentes‖ em manicômios, o ―direito penal nazista‖, o ―esquadrão da morte‖ e outros exemplares nos servem para demonstrar que, no plano do real, o caminho não é tão linear nem ―evolutivo‖, e sim uma luta permanente e constante; e que vingança privada, vingança pública e tendências humanitaristas são termos que encontramos em todas as épocas. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 175)

Ao contrário do discurso que coloca o linchamento como resultado de um contexto de populações com baixo grau de civilização, Sinhoretto (2009) defende que existem processos de modernização que acirram conflitos interpessoais e favorecem o recurso à violência. Chauí (2006) defende que, explicar a violência pelo conceito de anomia, ausência de normas, é um procedimento sociológico posto em ação pela mitologia da não violência brasileira, que distingue violentos e não violentos em termos de arcaísmo e modernidade e para o qual o progresso se encarrega de integrar os ‗bons‘ e eliminar os ‗maus‘. ―Os violentos estão localizados e determinados como ‗inimigos sociais desorganizados‘ que, por ser criminosos, serão punidos e educados pelas ‗forças da ordem‘, estas, em último caso, podem exterminá-los para o bem dos demais.‖ (CHAUÍ, 2006, p. 128). Para Singer (2003), a maioria dos discursos sobre linchamento no Brasil é evolucionista: aponta um caminho inevitável da barbárie à civilização, em que há a negativa interferência do outro, visto como demônio, e que, por isso, deve ser eliminado. Ao conjunto de mecanismos de controle de quem deve morrer e viver, Foucault (1999) denomina biopolítica. Segundo o autor, a função assassina do Estado só pode ser assegurada se este funcionar no modo do biopoder, pelo racismo, entendido como corte de quem deve viver e quem deve morrer para tornar a raça superior, mais sadia e mais pura (FOUCAULT, 1999). Seria então um racismo não propriamente étnico, mas de tipo evolucionista, biológico. ―Se a criminalidade foi pensada em termos de racismo foi igualmente a partir do

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momento em que era preciso tornar possível, num mecanismo de biopoder, a condenação à morte de um criminoso ou seu isolamento.‖ (FOUCAULT, 1999, p. 308). Na presente análise, notou-se que o jornal se mostra afetado pelo acontecimento, ao nomear o linchamento como assassinato brutal e tragédia, fazendo, assim, uso de palavras e expressões que indicam juízo de valor. Assim como o jornal se marca em seu dizer, os partícipes do linchamento também são construídos como coletivo afetado pelo crime daquele que viria a ser linchado: o periódico fala em multidão que se revolta, do linchado alvo do ódio coletivo e de um tribunal do ódio, de justiceiros, que deixam o ―réu‖ sem chance de defesa, usando as próprias mãos para sentenciá-lo à morte. Logo abaixo das notícias, o jornal traz aquilo que denomina ‗As sentenças da rede‘, opiniões expressas por internautas na página do periódico no facebook, solidárias ou não ao referido linchamento. Alguns exemplos: ―Parabéns, população!!‖ – Daniel E. A. do Rosário – e ―É inaceitável a gente achar ok espancar pessoas até a morte.‖ – Vicente Seserring. Adverte-se que o discurso que constrói o linchamento como uma prática predominantemente movida pelo emocional (revolta, ódio) negligencia a existência de uma racionalidade nas práticas de execução sumária. Singer (2003) critica o discurso que toma o linchamento como revolta da população marginalizada, ideia reforçada por outra sobre a existência de uma ‗massa enfurecida‘ que provoca uma ‗pancadaria generalizada‘, a qual tem como desfecho fatal não mais que um acidente. Por sua vez, Sinhoretto (2001) afirma que, quando um grupo de pessoas mata alguém, existe nisso alguma intenção de intervir no mundo, ainda que raramente declarada em palavras. ―Dizer que a intenção do grupo é a satisfação bestial de um instinto é o mesmo que retirar deste grupo a sua condição humana. De outro modo, há que se reconhecer um sentido e uma lógica ao ato em questão.‖ (SINHORETTO, 2001, p. 27). Seria pobre a interpretação que se limitasse a vê-los [os linchamentos] como manifestação de conservadorismo ou, ao contrário, a neles ver indicação de uma conduta cidadã e inovadora; antes, é necessário neles resgatar a dimensão propriamente dramática do medo e da busca, ingredientes que muitas vezes acompanham os processos de mudança social. (MARTINS, J., 1995, p. 308)

Legitimação da vingança Em alguns trechos da referida cobertura é possível perceber posições que destoam do lugar de fala predominante adotado pelo jornal, de reprovação ao linchamento. Por isso, do ponto de vista discursivo, podem ser considerados equívocos (PÊCHEUX, 2008). Para a Análise de Discurso, o equívoco é estrutural. Segundo Pêcheux (2008), negar o equívoco é alimentar a ilusão de que sempre se pode saber do que se fala. Isso porque, ―todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (a não ser que a proibição da interpretação própria ao logicamente estável se exerça sobre ele explicitamente)‖ (PÊCHEUX, 2008, p. 53). Na notícia secundária analisada, o texto diz que Cleidenilson da Silva foi linchado após assaltar um bar. Considerando que, executado sumariamente, Cleidenilson não foi sequer denunciado à polícia, quanto mais condenado em processo penal transitado em julgado, o jornal, em seu ‗deslize‘, age de forma semelhante aos praticantes do linchamento físico: sentencia-o sumariamente. Estes o fazem no universo empírico; aquele, no discursivo. Em trabalho anterior (PIMENTEL, 2014a), que analisou a cobertura de uma década de jornais de Boa Vista (RR), percebeu-se estratégias que acabava por justificar ou atenuar a execução sumária de presos, como a referência ao presidiário morto por um adjetivo substantivado, como ‗o estuprador‘ ou ‗o homicida‘.

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―Ressalva-se que essa denominação é empregada mesmo em casos em que o detento ainda é réu, ou seja, não foi sentenciado e, portanto, é legalmente considerado inocente.‖3 (PIMENTEL, 2014a, p. 5) Em outro trabalho (PIMENTEL, 2014b), defendeu-se que tomar uma acusação como essência de alguém é reduzir e simplificar a complexidade desse ser a um ato, que, em muitos casos, não passa de uma condenação judicial ou mesmo mera acusação. Comportamento semelhante pode ser encontrado em uma das fontes na notícia em análise. O delegado, ao adotar um posicionamento legalista, tem uma atitude que dá margem a um discurso de legitimação do linchamento, ainda que ilegal: ―— Não é porque uma pessoa é traficante, homicida, [...] que a população pode, usando suas próprias razões, matá-la. Isso é totalmente contra a lei. As pessoas que participaram deste fato são passíveis de responder pelo crime de homicídio — disse Furtado‖ (EXTRA, 2015, p. 3). Este discurso que considera o linchamento como legítimo, apesar de ilegal, é materializado no corpus no depoimento do deputado federal pelo Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro: ―É uma reação dos brasileiros à toda essa impunidade e à benevolência da lei com os criminosos. Não é o ideal, mas não dá pra condenar quem fez isso. Quem vai assaltar um bar sabe que corre o risco de haver uma reação por parte de alguma vítima.‖ No sentido inverso e atendendo ao ritual estratégico (TUCHMAN, 1999) de ouvir os ―dois lados‖, o jornal registra ainda o depoimento do também deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo: ―É grave a ideia de justiça confundida com vingança. O castigo físico é uma herança escravagista. É lamentável que, em pleno século 21, nós convivamos com isso. Claro que ninguém quer lidar com a violência, mas isso não faz o país melhor.‖ Destaca-se que, mesmo em um posicionamento para o qual o linchamento é ilegítimo, é possível notar manifestações, ainda que sutis, de um discurso contrário. O enunciado ‗É lamentável que, em pleno século 21, nós convivamos com isso‘, por exemplo, pode dar a entender que, para o sujeito enunciador, em séculos pretéritos, como no período escravagista brasileiro, o castigo físico não seria lamentável. Considerações finais Este trabalho vê com bons olhos iniciativas jornalísticas que discutam a criminalidade para além da abordagem de casos isolados. Como se ressaltou neste artigo, é importante e necessária a oferta pelo jornalismo de elementos contextualização aos acontecimentos criminais noticiados, como estatísticas, referência a casos semelhantes, recorrência a fontes acadêmicas, etc., com o intuito de permitir ao público uma leitura do presente de modo a mais bem se situar no mundo. Como se evidenciou nesta pesquisa, para além das intencionalidades de indivíduos, a produção noticiosa analisada apresenta elementos discursivos contraditórios: humanistas, legalistas, evolucionistas, etc., ainda que predominem os primeiros. Ressalva-se que a convivência de diferentes discursos no mesmo espaçotempo exige do jornalismo vigilância no uso da linguagem, sempre sujeita a equívocos (PÊCHEUX, 2008). Assim, reforça-se, mesmo abordagens noticiosas bem intencionadas podem se valer de argumentos excludentes, racistas, fascistas, entre outros, semelhantes aos que criticam expressamente, dificultando à sociedade compreender adequadamente e lidar com determinada problemática. Daí, a importância de os sujeitos da notícia se questionarem permanentemente sobre a implicação das suas escolhas editorias no ato de construção da cobertura noticiosa, os possíveis desdobramentos de se fazer aparecer publicamente um determinado enunciado, e não outro em seu lugar.

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O princípio constitucional da presunção da inocência diz que ―ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‖ (BRASIL, 2006, p. 19), ou seja, até que finde a possibilidade de recurso judicial, o réu deve ser considerado inocente. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 125


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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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DOS

FOLHETINS À TELENOVELA: A NARRATIVA DE 1

ALENCAR

E SUA TRANPOSIÇÃO PARA A NOVELA

“ESSAS

MULHERES”

Lia Calaça Aguiar2 Núbia de Andrade Viana³ RESUMO O objetivo do estudo é analisar as representações presentes nas descrições do vestuário dentro da narrativa da obra de José de Alencar (1829-1877) intitulada Lucíola (1862) e como a adaptação novelística Essas Mulheres (2005) transpôs a indumentária da literatura para a televisão em forma de figurino, verificando se a narrativa identitária foi fiel ao personagem literário. O artigo problematiza a relação da transposição de narrativas nas duas linguagens, usando como ponto em comum o vestuário da personagem Lucíola. Além de Alencar, autores como Lipovetsky, Svendsen, Chartier, Braga, Ortiz, Lukács, Freyre e outros, foram consultados formando uma base apropriada para as análises metodológicas de forma qualitativa, descrevendo, explicando e comparando ambas as mídias. A partir das analises foi concluído que apesar das dificuldades presentes no movimento entre mídias, uma preenche com imagens as lacunas deixadas à imaginação do leitor da outra, enriquecendo as representações da personagem. Palavras-chave: Comunicação. Mídia. Moda. Telenovela. Figurino.

Introdução

O

s trabalhos de José de Alencar são nacionalmente reconhecidos pela riqueza de detalhes empregada nas descrições e a constante menção ao cenário social em que os personagens estão inseridos como componente da narrativa. O objeto deste estudo são as abundantes descrições dos vestuários e a sua adaptação para o figurino televisivo. O livro foco do presente estudo é a obra Lucíola (1862), que foi adaptada para a televisão pela Rede Record de TV na novela Essas mulheres (2005), buscando as descrições do vestuário e de sua adaptação para o figurino e a forma como eles são permeados pela personalidade da protagonista. A problemática central é se o figurino criado para as personagens na telenovela representou devidamente a protagonista criada por José de Alencar? As linguagens literária e televisiva serão sondadas para se compreender como um e outro utilizaram de seus elementos para descrever uma realidade construída para o espectador, avaliando assim como o vestuário identifica a protagonista, a partir de suas representações nas mídias descritas. Parte do estudo identificará também a moda vigente e terá em conta o período retratado tanto por José de Alencar como na novela que é o final do século XIX. O tipo de pesquisa aplicado foi o qualitativo, sendo feita de forma descritiva e explicativa, tornando-se também um estudo comparativo entre a obra e a novela. Além das obras de Alencar, foram utilizados para construção da análise autores como Chataignier, Lipovetsky, Svendsen, Roche, Chartier, Vasconcellos e Lukács, Ortiz, entre outros que ajudam a compor o embasamento necessário desta pesquisa. É válido ressaltar que os perfis traçados por Alencar são constantes em seu âmago, por isso não pode ser de todo omitido pelas suas vestes, mas faz delas uma extensão de si mesmas. Os aspectos básicos sobre representação, moda, identidade, figurino e telenovela serão apresentados de maneira que a analise seja compreendida e embasada de forma precisa.

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Trabalho apresentado no GT Narrativas midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduada em Design da Moda e Estilismo da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: liacalaca@hotmail.com. ³ Mestra em Comunicação e Professora do curso de Moda, Design e Estilismo, na UFPI. Endereço eletrônico: nubia.ande@gmail.com. 128 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Moda e representação Historicamente a moda tomou seus primeiros contornos como sistema no final da Idade Média, em geral se associando à emergência do capitalismo mercantil, quando a Europa cresceu economicamente, relacionando-se com diversos povos durante o processo. Nessa etapa os modos de vestir mudaram e as pessoas passaram a cultivar a si mesmas, a alta sociedade passa a exibir-se excentricamente e ―a mudança nas roupas tornou-se uma fonte de prazer em si mesma‖ (SVENDSEN, 2010, p. 24). Com o tempo a burguesia cresce em poder aquisitivo dentro da sociedade e o mimetismo social se torna parte fundamental do inicio do sistema de moda. A moda inicialmente vista por estudiosos como um movimento social fútil, ganhou novas perspectivas com Herbert Spencer (1820-1903) e Georg Simmel (1858-1918), sendo percebidas então como fator de individualização e socialização, evoluindo até estudiosos como Lipovetsky que afirma que ―a moda é formação essencialmente sócio-histórica, circunscrita a um tipo de sociedade‖ (LIPOVETSKY, 2009, p. 25), ou seja, sofrendo alterações ou não, ela ainda representa o corpo social. Baseado nessa concepção de moda como agente dentro do sistema social, o vestuário chega também à literatura adquirindo função de significação dentro da narrativa, principalmente nos romances do século XIX, onde os personagens deixam de representar a sociedade, como era o caso da poesia clássica, e passam a ser vistos como indivíduos inseridos em sociedades com personalidades e características únicas (RIBEIRO, 2008). A identidade surge aqui através de significações sociais e dos seus significados, sendo resultado de uma construção e complexidade do social, onde fatos tanto sociológicos quanto psicológicos se articulam: ―portanto a identidade de cada um de nós está sempre em construção, já que interage com as transformações vivenciadas no contexto social, responsáveis pela infinita produção de cultura‖ (VASCONCELLOS, 2014, p. 03), e nas obras de José de Alencar ficava patente que o aspecto social tinha bastante importância dentro da narrativa. A delimitação da identidade de Lúcia é complexa devido aos diversos aspectos que envolvem sua construção. O Romantismo brasileiro era uma compilação de boas maneiras, sabedoria, coragem e cortesia vivida por seus heróis e heroínas, que todo mancebo ou mocinha da época deveria saber e seguir. Os modelos femininos retratados na literatura eram exemplos de como as mulheres deveriam ser para estarem à altura de seus futuros matrimônios com homens igualmente civilizados, para que dessa forma tivessem famílias felizes e pais satisfeitos, tornando-se sustento de uma sociedade educada e civilizada. O século XIX foi marcado no Brasil por diversas mudanças sociais e politicas, entre elas a chegada da família real portuguesa e o estabelecimento da capital do Império na cidade do Rio de Janeiro. Os costumes da sociedade elegante da época e a relação entre homens e mulheres era nítida na indumentária desse período: as mulheres restritas em seus espartilhos e crinolinas, transmitiam sempre um ar de submissão e de fragilidade, estando à sombra do poderio masculino, servindo como mostruários da riqueza de suas famílias (ROCHE, 2007). Surgem igualmente, novos modos de consumo, exigindo mudanças no sistema fabril brasileiro e no comércio, principalmente na capital, mas que não estimulou o surgimento de uma moda adequada ao clima tropical do país, que ainda seguia os modelos europeus mesmo depois de sua independência (CHATAIGNIER, 2010). As primeiras descrições de vestuário surgem nesse momento, em que as peças eram descritas dentro de guias/revistas que eram trazidos ao país com as ultimas tendências europeias, sendo puramente legendas de uma imagem. Era comum nessas publicações voltadas para as mulheres a presença de folhetins, histórias narradas em forma de prosa romântica sequenciadas, divulgadas para aumentar as vendas. O romantismo se torna um movimento literário popular onde o consumo é parte constituinte do processo de formação da identidade de cada individuo. Os personagens de suas histórias não são apenas apresentados, aquilo que é descrito é reflexo da relação com a moda do período (CHOCIAY, 2013). Georg Lukács (1965) reflete a respeito deste novo modelo de escrita que prevaleceu no século XIX dentro do romantismo: o descritivo. O excesso nas descrições, porém, não banalizava a escrita, não havia representações de fatos inúteis, tudo era relevante dentro da narrativa, "sem elementos acidentais, tudo é Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 129


abstrato e morto [...] mas por outro lado, precisa superar na representação a casualidade nua e crua, elevando-a ao plano da necessidade‖ (LUKÁCS, 1965, p. 45), é requerida então nesse estilo uma nova percepção da vida social, por isso o vestuário ganha destaque para alguns autores. A descrição do vestuário representava e classificava os personagens, trocar de roupa, logo, significava mudar algo em sua situação (ROCHE, 2007). Dos folhetins às novelas A literatura romântica teve sua parcela de atuação dentro do contexto histórico do século XIX e é devido a ela que, entreter as massas, passou a ser percebido de outra maneira dentro do contexto social, o surgimento das rádios e da telenovela são exemplos de segmentos que evoluem pensando no público e que tiveram seu início nos romances folhetinescos. O tipo de narrativa aplicada no romance era muito semelhante ao da telenovela, daí o fato dos romances receberem a alcunha de ―novela‖ e as telenovelas serem inicialmente chamadas de ―folhetins eletrônicos‖ (ORTIZ et al., 1991, p.11). No entanto, a leitura era um hábito restrito das elites, portanto, quando o rádio surge como uma alternativa mais popular, o sucesso já era esperado. O êxito do rádio alcançou diversos países e foi em Cuba que a rádio-novela passou a ganhar novo enfoque, abandonando a estrutura da soap ópera, modelo anterior de entretenimento popular nos Estados Unidos, criando enredos dramáticos e mais complexos. A evolução do áudio para o visual já era esperada, mas no Brasil ela ocorreu de forma tardia devido à falta de investimento necessário para a construção de um sistema de transmissão adequado para a televisão, foi a partir da Ditadura Militar que o aparelho se popularizou no país (JACKS; CAPPARELLI, 2006). A evolução de rádio-novela para telenovela exigia novos elementos: o cenário e o figurino. Os primeiros figurinos em cena nas telenovelas brasileiras eram improvisados, feito as pressas, sem nenhuma pesquisa ou importância para o enredo, com função básica de cobrir os corpos dos atores. Com a evolução da transmissão televisiva, os recursos também foram aprimorados, especialistas na área que atuavam no teatro foram consultados e surgiu a necessidade de elaborar o traje de cena, transformando-o em elemento significativo de cena (MUNIZ, 2004). O figurino pode ser caracterizado como vestuário utilizado em cena que materializa a narrativa que integra uma composição de elementos em cena, integrando-se e comunicando (WAJNMAN, 2012, p. 150), é ainda a identidade do personagem sem que nenhuma palavra sobre ele seja pronunciada, pois através dele se pode identificar quem ele é e de onde veio (MARIANO; ABREU, 2012, p. 165). Mas ele vai além, ele intensifica a experiência visual do telespectador, o aproxima do que esta sendo encenado (ANCHIETA, 2016). É, portanto, ―vestir a palavra‖, onde mesmo com as trocas de roupas é possível ver o personagem em todas elas e conhecê-lo mais intimamente (AREUDA, 2007, p. 15), mas ele não existe sozinho, exige a presença de outros componentes em cena, como o cenário, que completa a unidade e o sentido da existência daquele determinado figurino para aquela precisa cena (MARIANO, ABREU, 2012, p. 167). O melhor figurino é, de acordo com Anchieta (2016), aquele que não se é percebido, que não chama atenção para si, mas apenas compõe a cena tão naturalmente que chega a passar despercebido, ele é a alma da cenografia, carrega em si todos os símbolos e códigos de informação necessários ao espectador. Entretanto, figurino e moda são divergentes, apesar do primeiro utilizar a moda, acaba por assumir uma função representativa narrativa que identifica o personagem e conta sobre ele, no figurino há registro, memórias, diferentemente da efemeridade da moda (MARIANO, ABREU, 2012, p. 164). A moda representa estilos de vida, um determinado momento ou reflexo social, mas cabe ao figurino captar essa essência e utilizá-la como narrativa, manipulando a vida (WAJNMAN, 2012, p. 160). Estar diante do figurino significa para o ator estar diante daquilo que carrega emoções, para personagens que mudam e evoluem dentro do texto, o traje é o primeiro plano a demonstrar essas transformações, mobilizando todo o seu porte, com seus adornos, para alcançar uma comunicação completa sobre seu novo estado, pois é com o que veste que o ator torna visível aquilo que era invisível (AREUDA, 2007).

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Evidentemente, o traje não existe por si só, ele necessita de um conjunto de profissionais e de elementos para ter completo sentido, mas a criação é momento decisivo para a caracterização dos personagens, por isso o ator se veste para entrar no personagem. Com base nesses conceitos, a telenovela Essas Mulheres (2005) será analisada a partir de alguns dos figurinos apresentados pela personagem Lúcia, compreendendo que as cenas analisadas foram selecionadas a partir de sua proximidade com o enredo da obra escrita Lucíola (1862) de José de Alencar, a pesquisa buscou não quantificar, mas sim qualificar, perceber os sentidos e interpretações possíveis dos trajes (PRODANOV, 2013). Os trajes serão descritos e explanados, comparando ambas as mídias e suas respectivas linguagens e como se comunicam e falam sobre o mesmo tema: a mulher criada por José de Alencar. A novela Essas Mulheres foi exibida entre 02 de maio a 22 de outubro de 2005, as 19h30, logo após o sucesso da adaptação de Escrava Isaura (2005), totalizando cento e quarenta e nove capítulos, ela foi escrita por Marcília Moraes e Rosane Lima, dirigida por Flávio Colatrello Jr. (GHASPAR, 2015). O figurinista foi Cássio Brasil, formado pela extinta Escola Jogo Estúdio, responsável pelo figurino das duas adaptações citadas acima, cujo trabalho será analisado logo a seguir (ATRAVÉS. TV, 2016). A novela Essas Mulheres (2005) é uma adaptação livre, de acordo com aquilo que é informado nos créditos na abertura, das obras de José de Alencar, o termo adaptação, no entanto, divergindo do senso comum a respeito do tema, não só é referente apenas ao produto final visual, mas ao processo de construção deste, para alguns autores, faz parte do processo de transposição de uma obra/ texto para o cinema ou televisão, com o intuito de atender as necessidades de um novo público (FRIO, 2013), buscar as formas mais coerentes de realizar esta transposição, sendo, portanto, ―um elemento complementar e fundamental que trabalha de forma conjunta e atuante no processo de transposição‖ (FERREIRA, 2006, p. 04). A transposição de um texto para a televisão geram rupturas, segundo outros autores, consequência natural da relação entre mídias, mesmo quando se busca uma fidelidade na transmissão dos significados retidos no original (FERREIRA, 2006). O sentido que ambos os termos tem em comum é de que algo é tirado de ―seu lugar ‗normal‘ e implantado em outro, em geral, gerando um incômodo de alguma natureza‖ (RIBEIRO, 2009, p. 20). O de transposição, segundo Rosa (2007), partindo do uso do prefixo ―trans‖, enfatiza a possibilidade de ir além do texto-base, ampliando suas capacidades, e a ideia de traição do texto que se percebe no produto final devido a sua não equivalência, nada mais é do que uma permissão que o processo concede, quase necessária (ROSA, 2007). No presente caso, a novela não só adaptou, ela transpôs os limites do texto, retratando novos caminhos possíveis para a história. A análise será realizada de forma que ambas as mídias sejam percebidas, apesar de todas as divergências, e que se enfatize aquilo em que ambas convergem, construindo hipóteses a respeito disto. Perfil de Lúcia/Lucíola

Lucíola veio à luz em 1862, seis anos após a estreia de Alencar como autor de romances e que difere bastante no tema abordado por ele – a protagonista é uma cortesã. Antes, porém, é preciso destacar que entre 1857 e 1860, Alencar trabalhou com obras teatrais e nesse período ele já havia abordado o mesmo tema com a peça As Asas de um Anjo, que chegou ao palco fluminense do teatro Ginásio Dramático em 1858 e foi vetada após três dias de exibição, a razão era o teor ―realista demais‖ da obra. O tema acabou por se tornar quase uma obsessão para o escritor, que o retomou em Lucíola e em Expiação (1868), pois afirmou que o público não havia compreendido o real intuito de sua primeira obra. Ele declarava que seus escritos eram retratos da vida cotidiana e não sua idealização. Apresentava a sociedade como ela era (SOARES, 2012). Alencar possuía ideias muito claras sobre que caminhos a literatura deveria tomar, o principal deles é o de modelador social, de instruir os seres a viver em uma sociedade deturpada pela modernidade sem esquecer seus valores. O intento de Alencar era o de mostrar as consequências de uma vida devassa, pois Carolina, apesar de casada, como ele mostra em Expiação (1868),

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continua a sofrer pelos pecados de sua vida passada. No caso de Lúcia, as consequências serão outras (SOARES, 2012). O romance tem inicio com uma nota dos autores, primeiro da senhora G. M. e em seguida de Paulo, o protagonista juntamente com Lúcia, ambos são pseudônimos do autor, que na época era já deputado e buscou na omissão uma maneira de preservar sua integridade da polêmica de Lúcia. A primeira nota, de G.M., já tenta a previa redenção da personagem ao intitular a obra de Lucíola, um animal noturno cheio de luz própria que vive em meio a escuridão e os charcos, que antes traz uma figura cristã e não apenas de uma mulher vestal (RIBEIRO, 2008). A partir daqui o perfil de Lúcia será exposto do ponto de vista do narrador-personagem Paulo Silva, rapaz provinciano, distante das orgias da capital, portanto de boa índole, que avista Lúcia pela primeira vez na festa da Glória. A seguir a passagem em que o autor destaca o traje que ela levava naquele momento para a construção da cena e mais adiante a equivalente cena na telenovela: A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho e dava esquisito realce a um desses rostos suaves, puros e diáfanos, que parecem vão desfazer-se ao menor sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava na sua muda contemplação doce melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição. (ALENCAR, 2008, p. 16)

Na novela, no capítulo cinquenta e cinco, cena quinze (21‘ 37‘‘), Lúcia surge em um passeio na praia (Fig. 1) trajando um conjunto: saias da cor castanho muito claro, retas na frente e levemente pregueadas atrás, acentuada pelo uso da anquinha, acompanhadas de um corpete de tom terroso com a frente trançada onde o recorte central do corpete é do mesmo tecido das saias revestido de renda, além de trazer mangas curtas claras também de renda, luvas brancas e lisas que passam da altura dos cotovelos, cabelo em coque na nuca de forma bem simples, o colo é apresentado livre de colares, apenas grandes brincos compõe as jóias que leva, uma sombrinha rosa de babados e um chapéu que estão caídos de lado, e completa o traje com botas quase brancas de cano alto.

Figura 1: Lúcia caminha pela praia. Fonte: Youtube.

Da mesma forma que traz o livro, Lúcia estava desacompanhada. Mas para Alencar, a descrição do vestuário dela, apesar de apenas falar da cor e de pequenos detalhes, destaca o rosto da personagem, com

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ares de casto. O primeiro ponto em comum é a cor, pois o castanho produz na atriz o mesmo que parece produzir na personagem literária, porém, é válido ressaltar que as modas representadas em ambas as mídias são distintas, pois na telenovela, para que todas convivessem no mesmo tempo-espaço (a novela juntou 3 personagens de livros distintos) a década retratada é por volta de 1880. Portanto, correspondendo a moda deste período, o figurino que busca moldar o corpo da cortesã com a silhueta em S correspondente à década é, no entanto, mais simples do que aqueles que ela leva quando está a ―serviço‖ de sua profissão, esta simplicidade de que fala Alencar é percebida na quantidade de joias, na ausência do chapéu, nos tons claros que, apesar de não serem cinzentos como no texto, compõem a moderação que equivale ao estado intimo de Lúcia percebido por Paulo como ―laivos de tão ingênua castidade‖ (ALENCAR, 2008, p. 16). O conjunto, Lúcia e seu traje, construíram uma imagem que despertou o interesse de Paulo, e faz com que, no texto, logo após este encontro, ele questione a identidade desta mulher, ele percebe então que dois fatores o deviam ter advertido a respeito da ocupação de Lúcia: ela estava desacompanhada, fato que por si só já a desqualificava socialmente (SOARES, 2012), e este tipo de ―beleza‖ era característica de mulheres da vida (RIBEIRO, 2008). O terceiro aspecto seria o traje, uma das primeiras características percebidas por ele que deveria ser o identificador social da posição daquela mulher, mas que após a informação dada por seu companheiro sobre a profissão dela parece não condizer, um dos fatores é a ausência da gama de cores fortes e contrastantes em geral usadas pelas prostitutas (RODRIGUES, 2010). Entretanto, uma vez que a impureza é percebida por trás da face angelical de Lúcia gera na integridade de Paulo repulsa. Passado o primeiro choque, Paulo se dispõe a procurar Lúcia consequência da primeira impressão que teve desta mulher, mas ao encontrala no ―local de trabalho‖ seu ―pensamento impregnado de desejos lascivos se depurava de repente, como o ar se depura com as brisas do mar que lavam as exalações da terra‖ (ALENCAR, 2008, p.22). A confusão de Paulo a respeito de Lúcia permanece e essa primeira visita havia servido como uma alerta de que ele era conhecedor da profissão que exercia, mas que parecia manter algum receio a respeito, ela então assume ―a dianteira para desfazer a ilusão que Paulo fabricara‖ (MARCO, 1986, p. 160), ela o faz com amargura, pois Lúcia já havia se apaixonado por ele, logo, a perspectiva de uma relação apenas por dinheiro a incomodava, porém ao compreender que só os seus ―serviços‖ lhe eram requisitados, ela se dirige à porta de sua alcova e ali surge como cortesã: Era outra mulher. O rosto cândido e diáfano, que tanto me impressionou à doce claridade da lua, se transformara completamente: tinha agora uns toques ardentes e um fulgor estranho que o iluminava. [...] A suave fluidez do gesto meigo sucedeu a veemência e a energia dos movimentos. [...] Era uma transfiguração completa. Enquanto a admirava, a sua mão ágil e sôfrega desfazia ou antes despedaçava os frágeis laços que prendiam-lhe as vestes. A mais leve resistência dobrava-se sobre si mesmo como uma cobra, e os dentes de pérola talhavam mais rápidos do que a tesoura o cadarço de seda que lhe opunha obstáculos. Até que o penteador de veludo voou pelos ares, as tranças luxuriosas dos cabelos negros rolaram pelos ombros arrufando ao contato a pele melindrosa, uma nuvem de rendas e cambraias abateu-se a seus pés, e eu vi aparecer aos meus olhos pasmos, nadando em ondas de luz, no esplendor de sua completa nudez, a mais formosa bacante que esmagara outrora com o pé lascivo as uvas de Corinto. (ALENCAR, 2008, p. 27-28)

No capitulo sessenta e cinco da novela, cena dez (26‘ 40‘‘), é equivalente a esta descrição (Fig. 2). Lúcia leva os cabelos soltos, sem joias, o seu comportamento equivale ao traje que usa em sua alcova: é um longo penhoar de veludo roxo escuro, com arremates de pele nos punhos e de pele e renda na gola que cobrem sua nudez, processo, no livro, que ocorre de forma erótica e que segue o mesmo sentido em cena na novela. A Lúcia do texto estava na sala de visitas de sua casa quando seus favores são requisitados por Paulo, portanto trajava um vestido apropriado para a visita, composto de rendas e cambraias, mas é ao se despir que a cortesã realmente surge. Ao se despir, Lúcia não tira apenas a roupa, ela tira os sentimentos que havia cultivado por ele para dar lugar a prostituta, o momento exato é quando ela lhe da as costas e o encara transformada, pois é

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Lúcia quem surge nua para Paulo, não a mulher que lhe dedicava devoção, e então ―Lúcia arranca as sedas, que a dignificam como mulher no espaço social da mundanidade, e profana o céu com a criação humana, transformando rendas e cambraias em nuvens que se abatem sob os seus pés‖ (MAIA, 2015, p. 68). O momento de sedução da cortesã se repete na novela. Ela, quase sem palavras, atrai Paulo para a consumação de seu desejo.

Figura 2: Lúcia em seu quarto. Fonte: Youtube.

Essa cena, em ambas as mídias é composta pelas ambiguidades que cercam a vida de Lúcia: uma casa elegante que se opõe à profissão que acolhia, o quarto composto de forma alinhada e que mal parecia ser o local de trabalho desta mulher, e o olhar sereno, gesto meigo e quase infantil que a cortesã possuía. Lúcia queria se entregar ao amor, mas Paulo ao desejo, e quando uma palavra dele a desperta para a profissão ela se torna o ―sujeito das frases que a desvendam para o narrador e para o leitor‖ (MARCO, 1986, p. 161), retratada com sensualidade por Alencar, envolvendo o público na embriaguez do momento, mas que entrelinhas apresenta o sofrimento pelo aspecto que a relação entre ambos adquiriu. Na novela, por exemplo, a personagem chora enquanto fica nua diante de Paulo. A relação que se estabelece então entre os dois é inconstante, em momentos Lúcia parece pregar seu amor e devoção, em outros surge acompanhada de outros homens, sempre misteriosa em suas falas, parece não haver razão para seu comportamento impulsivo e instável, intrigando Paulo. É neste momento que a justificativa para seus atos surge: seu verdadeiro nome é Maria da Glória, que teve sua família vitimada pela febre amarela de 1850 e vendo-se sozinha, aos quatorze anos, em uma casa repleta de enfermos, sem dinheiro, entrega sua virgindade em troca de umas poucas moedas que salvam apenas seu pai, mãe e irmã, mas ao custo de ser expulsa de casa por ter perdido sua dignidade. A única vida que então lhe restava era a que continuou a viver, assumiu o nome de outra pessoa e como Lúcia morreu para sua família, afinal a morte era melhor do que a indignidade de ter uma filha perdida. A dualidade em que a personagem vivia constantemente fica clara ao leitor, a dicotomia do corpo de cortesã habitado por uma alma pura, preservada de toda a perdição do corpo (RIBEIRO, 2008). Alencar encerra a obra com a redenção dos pecados cometidos por Lúcia que ―ao sentir o amor, sepulta, com ele, a cortesã. Muda de estado, como muda o próprio cenário de sua atuação‖ (RIBEIRO, 2008, p. 95). Como Maria da Glória, ela abandona o antigo oficio, passa a viver com a irmã em um sítio isolado e discreto e mantém o hábito de ir à missa, destaque de sua natureza pura. Os trajes de ir à igreja eram populares no Brasil dessa época devido à predominância da religião católica (CHATAIGNIER, 2010), no livro este é o ultimo traje descrito por Paulo, mas que, novamente como é

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característico da escrita de Alencar, ele apenas completa o cenário, Alencar apenas descreve os trajes de missa de Ana e de Glória, mas não sente que deve descrever aquilo que usam em seguida, pois se deve observar apenas a nova mulher que desfila diante dos olhos de Paulo e do leitor, cuja moral pode ser percebida em seus trajes rigorosamente equivalentes àquilo que era esperado socialmente, mas que é capaz de encontrar sua redenção apenas na morte. Considerações finais As obras de José de Alencar são permeadas da busca pela preservação dos valores culturais e morais, ele não apenas julgava a sociedade, ele a criticava, expondo seus defeitos e defendendo uma ―sociedade como ela poderia e deveria ser‖ (RIBEIRO, 2008 p. 87). Para tanto, suas personagens eram construídas e apresentadas com perfis complexos, mas que dialogavam com o público leitor. A construção desses perfis femininos era um manual para que as mulheres pudessem consultar e saber como se portar em sociedade. A descrição dos vestuários era apenas uma consequência da personalidade de cada mulher descrita, logo, a adaptação naturalmente os consultaria para a elaboração dos figurinos. A transposição não foi feita dentro dos limites criados pelo texto de Alencar, mas isso não significou um distanciamento do perfil da protagonista, que acabou elaborando figurinos com características intrínsecas de sua personalidade. O estudo revisou igualmente questões sociais que foram de extrema influência na vida e nos trajes levados por Lúcia no decorrer da novela e do livro. Alencar traçou com tamanha clareza os perfis de suas personagens, que a novela, apesar de certa infidelidade na adaptação, não conseguiu e nem precisou dissociar a identidade dessas mulheres dos trajes que apresentavam. É importante mencionar o quanto adaptar uma obra escrita para uma mídia com imagens em movimento é difícil. Quantos filtros e mediações são impostos de uma mídia para outra. Simbolicamente distam uma da outra, enquanto uma deixa as lacunas para a mente de o leitor preencher com suas próprias mediações, a outra já as preenche com as mediações de seus produtores. Por isso justificam-se aqui os distanciamentos que apresentados entre as imagens e o livro. Mostrando que, obviamente, não há como ser totalmente fiel, mas que a caracterização e o figurino enriquecem as representações. Referências ALENCAR, José de. Lucíola. Rio de Janeiro: Editora Escala, 2008. ANCHIETA, José de. Cenograficamente: Da cenografia ao figurino. São Paulo: Edições Sesc, 2016. AREUDA, Lilian. Entre tramas, rendas e fuxicos: o figurino na teledramaturgia da TV Globo. São Paulo: Globo Livro, 2007. Através. TV, Processo criativo em foco. Cássio Brasil. 2016. Disponível em: <http://atraves.tv/cassio-brasil/>. Acesso em: 26 de jan. de 2017. CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. São Paulo: espaço da Letras e Cores, 2010. CHOCIAY, Lucianne. Moda e literatura: a “poética do vestuário” em Macedo e Alencar. 2013. 253. Dissertação (mestrado) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, São José do Rio Preto, 2013. FERREIRA, Érica Eloize Peroni. A transposição da Literatura para o Cinema: reflexões preliminares. In: CONGRESSO ANUAL BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., 2006, Brasília. Anais... Brasília: UnB, 2006. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0143-1.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2017. FRIO, Fernanda. As fronteiras entre tradução e adaptação: da equivalência dinâmica de Nida à tradaptação de Garneau. TradTerm, São Paulo, v. 22, Dezembro/2013, p. 15-30.

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Créditos das figuras Figura 1: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RxlIaHUFHUg&list=PLldqTlFbAViQtKF29w5_iXP8MLQKnP1h&index=55&t=1330s>. Acesso em: 14 fev. 2017. Figura 2: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=c9OH69GEh1U&index=65&list=PLldqTlFbAViQtKF29w5_iXP8MLQKnP1h> . Acesso em: 14 fev. 2017.

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DADOS E ESTATÍSTICAS DA DENGUE, ZIKA E CHIKUNGUNYA: ANÁLISE DE DISCURSOS SOBRE AS EPIDEMIAS NOS JORNAIS IMPRESSOS TERESINENSES

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Jéssica Araújo Libânio2 Paulo Fernando de Carvalho Lopes³ RESUMO A partir da escolha de matérias categorizadas na definição da invariante Dados e estatísticas, veiculadas no dia 21 de abril de 2016 nos jornais impressos teresinenses Diário do Povo do Piauí, O Dia e Meio Norte, os discursos sobre as epidemias de dengue, zika e chikungunya foram analisados com base na Teoria dos Discursos Sociais, estudada de forma mais aprofundada por Pinto (2002), em que puderam ser percebidas as estratégias enunciativas, como também alguns conceitos trabalhados por essa teoria, desses periódicos. As partes textuais das matérias foram analisadas com o objetivo de serem encontradas as marcas de contratos de leitura, tipos e posições dos enunciadores, polifonia, contextos e modos de dizer nos enunciados. Por meio deste trabalho foi possível perceber que esses jornais têm o propósito de reafirmar os contratos de leitura estabelecidos com seus leitores através da credibilidade e função educativa que os mesmos propõem. Além disso, as matérias têm fortes marcas de releases de assessoria de imprensa e buscam repassar imagens positivas das fontes utilizadas nas notícias por meio do modo de sedução. No mais, os leitores são colocados apenas como receptores das informações sem uma reflexão acerca dos enunciados que são transmitidos a eles e, também, não possuem espaço na veiculação das matérias que enfocam somente as vozes de fontes consideradas oficiais. Palavras-chave: Dados e estatísticas; Análise de discursos; Epidemias.

Introdução

T

odos os anos circulam epidemias de diversas doenças no Brasil, dentre elas a dengue. Desde o ano de 2014, com a aparição dos vírus zika e chikungunya também transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, as notícias sobre as epidemias causadas por esse mesmo vetor tornaram-se mais frequentes nos meios de comunicação de todo o país, com variações nos períodos de picos epidêmicos dessas doenças. Assim, um dos motivos da escolha do tema para analisar os discursos dos três jornais teresinenses de maior circulação no estado – Diário do Povo do Piauí, O Dia e Meio Norte – baseia-se na observação da assiduidade de notícias referentes a essas epidemias no ano de 2016 no Piauí, inclusive as matérias que relacionaram a microcefalia nos bebês com o vírus zika, que trataram os dados e as estatísticas envolvendo essas doenças. Por meio de dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Saúde do Piauí (Sesapi), através dos boletins epidemiológicos disponibilizados no site da Gerência de Vigilância em Saúde da Sesapi e de duas tabelas detalhadas dos casos de dengue e chikungunya no estado até a 53ª Semana Epidemiológica (SE) de 2016, também fornecidas pela Sesapi, foi possível identificar o período com maior número de casos das epidemias no estado. Ao fazer a coleta desses dados, foi possível reunir os jornais necessários para a análise, no caso as edições dos três jornais dos meses de março a junho de 2016 e, por conseguinte, escolher quais matérias seriam analisadas de acordo com os critérios de pautas comuns em um mesmo dia com matérias que trazem 1

Trabalho apresentado no GT Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduada em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: jessica.libanio@hotmail.com ³ Professor efetivo do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: lopespaulofernando@gmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 137


dados sobre os casos suspeitos, confirmados e de óbitos dos boletins e informes epidemiológicos relacionados à dengue, chikungunya e zika, especialmente a microcefalia, além de comparações e estatísticas. Com isso, foram escolhidas as matérias do dia 21 de abril de 2016, que enfocaram os dados nos enunciados e puderam ser categorizadas de maneira satisfatória na proposta do trabalho. Casos no Piauí em 2016 Nas tabelas fornecidas, segundo os números de casos informados por mês, a dengue teve maior incidência nos meses de março, abril e maio de 2016. Já a chikungunya nos meses de abril, maio e junho. Em relação à zika, a Sesapi não produz a mesma planilha com os dados de cada mês para essa doença porque tem poucos casos no Piauí. Os meses de março, abril e maio contabilizaram, respectivamente, 808, 1.564 e 913 casos informados de dengue por mês contra 280, 485 e 361 casos, respectivamente, dos meses de janeiro, fevereiro e junho. Já os meses de julho, agosto, setembro e outubro tiveram, respectivamente, 213, 177, 65 e 28 casos informados. A chikungunya apresenta o segundo trimestre de 2016 com o maior número de casos informados. O mês de abril conta com 700 casos, e os meses de maio e junho com, respectivamente, 599 e 246 ocorrências da doença. Em janeiro, apenas três casos foram informados, já fevereiro e março contabilizaram, respectivamente, 21 e 125 casos. Foram informados 163, 78, 32 e 3 casos, respectivamente, dos meses de julho, agosto, setembro e outubro. Com relação ao vírus zika, o boletim epidemiológico da 44ª SE no Piauí, datado do dia 08 de novembro de 2016, mostrou que o número de casos confirmados da epidemia no estado cresceu, sendo quatro casos em 2015 e 24 no ano de 2016. O número de casos prováveis também aumentou, com cinco casos prováveis em 2015 e 30 em 2016. No que concerne à microcefalia, até essa SE foram confirmados 100 casos, sendo dois relacionados diretamente com o zika vírus, e oito deles efetuados em óbitos. Metodologia A metodologia utilizada neste trabalho é a Análise de Discursos (AD), aqui trabalhada de acordo com a Teoria dos Discursos Sociais, com embasamento nos estudos de Milton José Pinto. Além disso, como a AD possui a comparação como requisito para a análise, foi fundamental trabalhar também o contrato de leitura dos jornais de acordo com as obras de Eliseo Verón. Segundo Pinto (2002, p.7), ―a análise de discursos procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados àqueles produtos na sociedade‖. De forma geral a AD não se interessa pelo o que é dito, mas porque tal produto é expresso e como isso acontece. Busca saber a quem o texto está destinado, além do interesse no processo de como, por exemplo, os contextos influenciam nos textos. Estuda as condições de produção e os significados dos textos de forma aprofundada e a função dos discursos nas representações sociais. No mais, essa análise não pretende julgar as intenções dos enunciadores, mas como elas são expressas e articuladas nos textos. Para isso, tem o objetivo de encontrar os sentidos dos textos por meio dos modos de dizer, contextos, enunciadores, da enunciação, polifonia e demais conceitos que não couberam às análises neste artigo. Com relação aos contextos, Pinto (2002) categoriza-os em três tipos para a análise: situacional imediato, institucional e sociocultural amplo. O contexto situacional está relacionado ao momento em que o enunciado está sendo produzido, é a situação vivida no agora. O contexto institucional interfere nas instituições sociais, como as relações de hierarquia e poder já concretizadas na sociedade, seja entre gêneros, instituições e outros modelos de relação. Por último, o contexto sociocultural amplo vai adiante, pois ele envolve todas as transformações sociais, as regras, os costumes e discursos até então construídos por toda uma sociedade. A enunciação é o processo em que múltiplas vozes se articulam para a construção de um enunciado, ou seja, é quando há ação da linguagem. Segundo Pinto (2002, p.32), ―a enunciação é o ato de produção de um texto e se opõe a enunciado, que é o produto cultural produzido, o texto materialmente considerado‖. 138 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Para a análise de discursos, todo texto é híbrido ou heterogêneo quanto à sua enunciação, no sentido de que ele é sempre um tecido de ―vozes‖ ou citações, cuja autoria fica marcada ou não, vindas de outros textos preexistentes, contemporâneos ou do passado (PINTO, 2002, p.31).

As múltiplas vozes dentro dos textos encaixam-se no conceito de polifonia ou intertextualidade, que por sua vez é manifestada pela heterogeneidade enunciativa categorizada em heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva. No caso deste trabalho, apenas foi encontrada a heterogeneidade mostrada, que pode ser marcada ou não, através da superfície textual por citações diretas ou indiretas, aspas e ligações com demais textos de forma mais perceptível. Por essa articulação de vozes, tem-se a possibilidade de vários enunciadores aparecerem em um só texto. Os enunciadores são posições discursivas dentro do enunciado pelas quais o emissor tem afinidade ou não, agindo de acordo com os seus interesses e contextos. De forma mais prática e que facilita a análise, a enunciação se expressa através dos modos de dizer que possuem três funções básicas denominadas mostração, interação e sedução. Pinto (2002) explica que a mostração consiste em, como o próprio nome já revela, designar e descrever as coisas ou pessoas de que se fala, com suposições sobre o que o receptor já sabe sobre esse mundo pautado, estabelecendo relações entre elas e localizando-as no tempo e no espaço. Sobre a interação, esse modo de dizer objetiva interpelar e estabelecer relações de poder com o receptor, na tentativa de ganhar a sua associação e de agir sobre ele ou sobre o mundo através de sua intermediação. A sedução resume-se em marcar as pessoas, coisas e acontecimentos expressos nos enunciados com valores positivos e negativos, e/ou também procurar demonstrar uma reação afetiva favorável ou desfavorável a esses elementos pautados. Sobre contrato de leitura, Verón (1985) baseia-o na relação entre um suporte de mídia e a sua leitura através dos leitores. Esse contrato estabelece a leitura como vínculo e o mesmo é proposto pelo meio de comunicação. O conceito de contrato de leitura implica que o discurso de um suporte de imprensa seja um espaço imaginário onde percursos múltiplos são propostos ao leitor; uma paisagem, de alguma forma, na qual o leitor pode escolher seu caminho com mais ou menos liberdade, onde há zonas nas quais ele corre o risco de se perder ou, ao contrário, que são perfeitamente sinalizadas. Essa paisagem é mais ou menos plana, mais ou menos acidentada. Ao longo de todo o seu percurso, o leitor reencontra personagens diferentes, que lhe propõem atividades diversas e com os quais ele se sente mais ou menos desejo de estabelecer uma relação, conforme a imagem que eles lhe dão, a maneira como o tratam, a distância ou a intimidade que lhe propõem (VERÓN, 2004, p.236).

Em resumo, a AD lida com uma teia de conceitos articulados entre si que possuem o objetivo de encontrar respostas para os questionamentos acerca da produção, circulação e do consumo dos sentidos dos textos e as suas consequências e, principalmente, como todos esses conceitos são expressos, de forma direta ou indireta, por meio dos discursos que perpassam e influenciam os textos. Análise dos discursos das matérias nos três jornais Jornal O Dia A matéria do Jornal O Dia possui o título ―Piauí notifica 154 casos de microcefalia‖ e o chapéu ―ZIKA‖. A partir dessa primeira observação, é possível perceber a existência de um enunciador que relaciona a microcefalia ao vírus zika antes mesmo da matéria vir a esclarecer e confirmar de forma concreta, seja por meio de dados e/ou falas de fontes oficiais, essa relação. A partir disso, pode ser percebido um modo de mostrar utilizado pelo enunciador, pois com o chapéu e título ele já localiza a matéria no tempo e espaço quando se observa o contexto de saúde no qual o tema está inserido durante os últimos meses de epidemia. Além desse quadro, a matéria está em um contexto situacional imediato dentro da página que trabalha com a

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ampliação da sala de pesquisa do Arquivo Público do Piauí, operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF - PI), avisos de licitação e assembleia geral da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí. No mais, o contexto situacional imediato, que envolve especialmente as chamadas na capa da edição do jornal, traz as obras da ponte Juscelino Kubistchek como foto principal, uma novidade sobre o caso do rompimento da barragem de Algodões sendo chamada principal, o feriado de Tiradentes, número de casos de microcefalia, a taxa de desemprego no Brasil, passagem da tocha olímpica, o campeonato de futebol estadual e a presidência interina de Michel Temer enquanto a ex-presidente Dilma Rousseff realiza uma viagem. Em meio a todos esses assuntos, ainda é possível notar a importância dada ao tema da matéria analisada. Ela está em uma das chamadas da capa, diferentemente do local em que está na página da própria matéria, e contradiz a importância destacada na capa. O enunciado ―Os dados referem-se até o último 16 e mostram ainda que o Estado já possui 73 casos confirmados, 21 em investigação e 60 descartados‖, reforça as posições de enunciadores através do uso dos advérbios ―ainda‖ e ―já‖ – operadores gramaticais. Sobre o uso do ―ainda‖, nota-se que há um enunciador que deseja enfatizar a ação do Ministério da Saúde por disponibilizar dados, principalmente os do Piauí, no boletim epidemiológico mais recente, como também, quer atrair a atenção do leitor utilizando esse advérbio que denota algo novo, atual, do presente. Com o ―já‖, existe, pelo menos, a aparição de dois enunciadores: aquele que conversa com quem espera que o número de casos não fosse tão alto e o que fala com quem já esperava por essa situação. Além disso, o ―já‖ tem o intuito de reforçar o trabalho do Ministério da Saúde em conjunto com a Sesapi no controle do número de casos envolvendo a microcefalia no estado. Em ―Do total de casos de microcefalia confirmados, 192 tiveram resultado positivo para o Zika por critério laboratorial específico para o vírus. No entanto, o Ministério da Saúde ressalta que esse dado não representa, adequadamente, a totalidade do número de casos relacionados ao vírus‖, os dados trazem à tona enunciadores que já esperavam, ou não, pela confirmação desse vínculo. O uso do ―No entanto‖, outro operador gramatical, traz uma novidade ao leitor e representa a possível contradição do próprio Ministério da Saúde em relação ao levantamento de dados da microcefalia, sendo reforçada pelo uso do ―adequadamente‖, em que, ao mesmo tempo concorda com a posição do enunciador que está surpreso com isso e também tem o propósito de revelar esse contraste, pondo em dúvida a veracidade dos números oficiais cedidos pelo Ministério da Saúde. O enunciador ainda enfatiza essa proposta através do enunciado seguinte: ―Ou seja, considera-se que houve infecção pelo Zika na maior parte das mães que tiveram bebês com diagnóstico final de microcefalia‖. A utilização de dados nesses enunciados deseja reforçar a credibilidade do jornal perante os leitores e, assim, estabelecer um contrato de leitura por meio disso. O leitor também, por receber a informação dessa forma, assume uma posição de quem acredita no que é transmitido. O uso de outras estratégias enunciativas, como uma posição educativa do enunciador que pode ser vista com o uso da voz do Ministério da Saúde, por meio de citação indireta exemplificando heterogeneidade mostrada, também pode ser percebido. Inclusive, em um contexto institucional, o Ministério da Saúde é um órgão público federal que tem a missão de garantir uma saúde pública de qualidade à população brasileira, por meio de oferta de serviços de assistência e prevenção, controle de doenças e demais funções, e o jornal é o mediador de informações para que as mesmas cheguem até os leitores. Assim, o uso da voz do Ministério da Saúde em uma matéria também traz mais credibilidade aos enunciados. A matéria possui dois subtítulos: ―Óbitos‖ e ―Recomendações‖. No segundo subtítulo, o enunciado que o sucede diz ―O Ministério da Saúde orienta às gestantes que adotem medidas para reduzir a presença do mosquito Aedes aegypti, com a eliminação de criadouros, e proteção contra a exposição do mosquito...‖. Nele podemos perceber o leitor que, talvez, seja o mais interessado em toda a notícia: o grupo das gestantes e dos seus familiares. As grávidas por estarem em situação de risco pela ligação entre o vírus zika e a microcefalia, inclusive confirmada pelo Ministério da Saúde, estão mais atentas aos dados e comunicados feitos pelo órgão. O verbo ―orienta‖ estabelece uma relação educativa entre o enunciador e a gestante, assim como, tranquiliza a mesma por não ser algo obrigatório, pois o verbo indica que pode ser apenas uma dica da fonte oficial. Com isso, no contexto sociocultural amplo, o estado está sendo colocado em uma posição de ser o responsável pelo levantamento de dados e educador, e as gestantes de serem responsáveis pelo cuidado em 140 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


não terem zika, pois a doença pode acarretar em microcefalia nos bebês. Até porque a posição de educador só é possível quando esse enunciador considera que possui mais informações que o leitor. Além disso, a matéria dá a ideia de que, apesar da confirmação de um número alto de casos que envolvem o zika e a microcefalia, existem formas de se prevenir contra a doença e que não é uma situação alarmante. Isso também é indicado em outro enunciado anterior aos subtítulos, no qual um enunciador fala ―O Piauí segue sendo o Estado com o menor índice de notificações de microcefalia da região...‖. A comparação é realizada com demais estados da região Nordeste, que concentra uma porcentagem alta no número de casos, isto é, esse enunciador tenta amenizar a situação do estado em relação aos outros estados da região no que se refere ao alto número de casos suspeitos e confirmados no país, inclusive, relacionados ao zika vírus. O Ministério da Saúde é a única fonte utilizada na matéria, com as suas falas expressas de modo indireto, ou seja, mais uma vez reitera-se a presença da heterogeneidade mostrada com citação indireta na matéria.

Fig 1.: Matéria ―Piauí notifica 154 casos de microcefalia‖ Fonte: Jornal O Dia, Página 3 do Caderno Em Dia, 21 abril. 2016.

Jornal Diário do Povo do Piauí A matéria ―Microcefalia: Teresina tem 37% dos casos no Piauí‖ do Jornal Diário do Povo do Piauí apresenta um título com dado diferente da matéria do Jornal Dia, mas a mesma também aborda o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. O chapéu ―BOLETIM‖ caracteriza um enunciador que possivelmente faz uma abordagem mais numérica na notícia. Além disso, o nome do chapéu e a porcentagem descrita no titula se completam de forma que ambos expressam essa possível abordagem dentro do corpo da matéria. Outra observação acerca do título cabe ao foco dado à capital do estado. Por exemplo, Teresina não foi citada na primeira matéria analisada, enquanto na matéria do Diário do Povo do Piauí existe um enunciador que enfatiza os casos na capital, ainda mais no título que é uma das forças presentes na página de um jornal com o propósito de atrair o leitor.

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Com referência aos contextos, a matéria está inserida no contexto situacional imediato na página onde se encontra. O jornal fala na interdição de uma escola estadual e liberação de tráfego de uma estrada na zona Sul de Teresina, e na operação da PRF-PI também presentes na página do Jornal O Dia que contém a matéria analisada anteriormente. O Jornal Diário do Povo do Piauí coloca os casos de microcefalia em uma posição importante nesse contexto, pois na capa dessa edição do jornal, a notícia sobre os casos de microcefalia está na chamada principal. Ao passarmos para os enunciados no corpo da matéria, o primeiro dá voz ao Ministério da Saúde de forma indireta, fazendo uso da heterogeneidade mostrada, ao revelar os dados sobre microcefalia em todo o Piauí e exemplifica: ―[...] foram notificados 154 casos de microcefalia relacionada à infecção congênita no estado do Piauí‖. O enunciado ―Desse total, 58 são exclusivos de Teresina, o que representa 37,66% dos casos‖, principalmente a palavra ―exclusivos‖, reforça a presença de um enunciador que deseja enfatizar os casos na capital, demonstrando também preocupação e que, até mesmo, pode incitar alarme por causa da situação. Além do mais, o enunciador busca chamar a atenção do leitor por meio da consonância do enunciado com o título, em que ambos especificam a cidade de Teresina. Em seguida, o uso de ―o que representa‖ é uma contribuição ao enunciador preocupado em esclarecer o significado da porcentagem ―37, 66%‖ que até tem seu número arredondado no título, nesse último caso, com o objetivo de facilitar a assimilação do leitor à porcentagem através de um número ―não quebrado‖. Até esse momento é perceptível também o grande uso de números para fazer com que a matéria seja crível e fortaleça a confiança do leitor no jornal, relação essa estabelecida pelo contrato de leitura do jornal. Além disso, assim como o Jornal O Dia, o Ministério da Saúde está no mesmo contexto institucional de fonte oficial, o que induz ainda mais credibilidade e o leitor mais uma vez está numa posição de informações. A heterogeneidade mostrada na matéria também acontece em ―Elna do Amaral, médica infectologista da maternidade Professor Wall Ferraz, esclarece sobre as ações do município para diagnóstico em recémnascidos‖ e em uma fala posterior da médica de forma direta. Sobre o enunciado que antecede essa fala, mais uma vez vemos a preocupação de um enunciador que deseja elucidar, inclusive pelo uso de ―esclarece‖, como também enfatizar a conduta da Prefeitura Municipal de Teresina (PMT). De forma geral, o jornal utiliza de forma aparente as vozes do Ministério da Saúde, de uma médica especialista, da Secretaria Municipal de Saúde e Fundação Municipal de Saúde.

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Fig 2.: Matéria ―Microcefalia: Teresina tem 37% dos casos no Piauí‖

Fonte: Jornal Diário do Povo do Piauí, Página 5 do Caderno Principal, 21 abri. 2016. Em um contexto sociocultural amplo, o Ministério da Saúde na matéria do Diário do Povo do Piauí é colocado como detentor das informações quantitativas sobre a microcefalia e os órgãos municipais como responsáveis por resolver a questão da microcefalia com ações de ―prevenção, análise, acompanhamento e tratamento‖, assim como foi dito na matéria, com as mães e os bebês. Os leitores são passíveis em relação às soluções encontradas contra a microcefalia. A matéria também tem o subtítulo ―Casos de Dengue‖, em que a primeira frase do enunciado expressa dados sobre a dengue contabilizados pela Fundação Municipal de Saúde. O uso de dados mais uma vez acontece e, além da credibilidade que deseja passar, é possível notar que toda a matéria tem uma influência da PMT. Nesse caso, o contexto sociocultural amplo denota a FMS como outro órgão responsável pelo levantamento de dados. Jornal Meio Norte É possível perceber que a matéria no contexto situacional imediato na página encontra-se em uma posição valorizada em meio a matérias sobre aniversário de uma igreja, recuperação de estrada, convocação de fisioterapeutas pelo estado e lançamento de uma festa junina. Logo, já percebe-se uma diferença em relação aos outros jornais sobre a importância dada a matéria na página. O contexto situacional imediato da matéria no dia está em disputa com os assuntos trazidos na capa, como a morte de um bebê na chamada principal, denúncia sobre golpe realizada pela então presidente Dilma Rousseff, dentre outros assuntos. O enunciado, ―O novo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado quarta-feira (20), aponta que, até o dia 16 de abril, o Piauí teve 154 notificados de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso sugestivas de infecção congênita‖ traz o mesmo dado que os jornais O Dia e Diário do Povo do Piauí, mas corroborando com a discrepância entre os três jornais sobre a classificação dos grupos da notificação. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 143


Em ―o Piauí teve 154 notificados de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso sugestivas de infecção congênita‖, o enunciador desassocia a microcefalia às alterações por infecção congênita, ao mesmo tempo em que as separa em grupos, enquanto o Diário do Povo do Piauí, por exemplo, liga os dois grupos no enunciado já mostrado anteriormente ―[...] foram notificados 154 casos de microcefalia relacionada à infecção congênita no estado do Piauí‖. O Jornal O Dia apenas cita que ―O Piauí notificou 154 casos de microcefalia entre 2015 e 2016‖. ―Dados nacionais dão conta de que 1.668 casos foram confirmados..‖ demonstra um enunciador que procura estar próximo do leitor por meio da frase ―Dados nacionais dão conta‖ na qual há uma abordagem menos formal. Apesar do uso da locução informal ―dão conta‖, a mesma não retira a credibilidade dos dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, pelo contrário, reforça a confiança no órgão governamental devido a aproximação com o leitor por causa do uso de palavras que popularmente atribuem um sentido de convicção no cumprimento de deveres, no caso, o dever do Ministério da Saúde em contabilizar os casos. Isso ainda exemplifica o contexto institucional estabelecido, pois o órgão federal possui o dever de cuidar da saúde de toda a população brasileira por meio de várias funções, até mesmo, até já citadas neste trabalho.

Fig 3.: Matéria ―Casos de microcefalia ficam estáveis‖ Fonte: Jornal Meio Norte, Página 2 do Caderno Theresina, 21 abril. 2016.

Sobre o contrato de leitura que o Meio Norte deseja firmar nessa matéria, existe aquele baseado na relação educativa entre enunciador e leitor, como no enunciado ―Os dados do informe são enviados semanalmente pelas Secretárias Estaduais de Saúde‖ que traz um enunciador disposto a explicar como é feita a coleta de dados de todos os municípios do país a um leitor que desconhece esse processo e confirmar/divulgar esse levantamento de dados àqueles conhecedores desse trabalho de coleta e envio dos números de casos. Além dessa base, a confiança que o jornal deseja despertar no leitor está presente em outros elementos, da mesma forma que os outros jornais, isto é, nos dados. Essa confiança ainda é reforçada pelo uso do Ministério da Saúde como única fonte da matéria através da heterogeneidade mostrada com citação indireta sendo a estratégia enunciativa para alcançar esse objetivo.

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No mais, essa fonte por ser considerada oficial, inclusive, envolvendo a posição desse órgão no contexto institucional, também é mais uma vez colocada na função de órgão responsável pelo levantamento no número de casos, detentor de informações oficiais, enquanto que o leitor desconhece esses dados, sendo essa outra posição de responsabilidade já situada no contexto sociocultural amplo. O olho na notícia, por exemplo, já traz mais números: ―A região Nordeste concentra 77,2% dos casos notificados, com 5.520 registros até o momento‖. Na análise desse enunciado no olho, são utilizados outros três operadores de ênfase. O primeiro é a flexão do verbo concentrar: ―concentra‖. Ela mostra um enunciador que deseja enfatizar que a região possui o maior número de casos de microcefalia e que isso pode indicar um perigo também para o Piauí. Também sugere um leitor que desconhece essa porcentagem alta e que fica surpreso com esse dado, além do que, expresso em letras maiores e em negrito, formando um olho. O conectivo ―com‖ é outro operador que dá ênfase à porcentagem mostrada e é ligado ao número de casos divulgados de forma mais clara através de numerais ordinais. ―Até o momento‖, além de enfatizar e chamar a atenção do leitor para a situação no olho, expressa um enunciador que busca dizer ao leitor que o número de casos pode crescer ou diminuir e isso vai de encontro aos leitores que acreditam em um aumento e outros que supõem uma diminuição nesse número. Sobre o vírus zika, a matéria fala do número de casos de microcefalia que tiveram resultado positivo para ele segundo critério laboratorial específico. Inclusive, da mesma forma que o Jornal O Dia abordou o dado, em que se percebe a existência de enunciadores, em ambas as matérias, que coletaram a informação de um possível release do Ministério da Saúde e apenas reproduziram-na nos jornais. Além desse enunciado, outro se repete, é o caso de ―O Ministério da Saúde orienta às gestantes que adotem medidas para reduzir a presença do mosquito Aedes aegypti, com a eliminação de criadouros, e proteção contra a exposição do mosquito...‖. Esse último enunciado, como foi analisado na outra matéria, trata mais uma vez a relação educativa entre enunciador e leitor, trazendo novamente à tona o contrato de leitura do jornal. O enunciado ―Cabe esclarecer que o Ministério da Saúde está investigando todos os casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central, informados pelos estados, e a possível relação com o vírus Zika e outras infecções congênitas‖ demonstra um enunciador que reforça a ação contínua do Ministério da Saúde para identificar os casos que possuem a relação entre o zika e a microcefalia e que é o detentor principal do método que identifica quais casos estão relacionados ou não ao vírus zika. Conclusão Primeiro, as matérias sequer inferem a existência da chikungunya, sendo que possui um número alto de casos no estado. A dengue também não é enfatizada, porém está mais próxima das notícias e realidades, além da zika, por ser a doença mais transmitida pelo Aedes aegypti. Em seguida, as vozes de órgãos de saúde, sejam em nível federal ou municipal, marcam presença nos enunciados das três matérias analisadas como, por exemplo, na matéria do Jornal Diário do Povo do Piauí na qual apresenta a voz de uma médica infectologista que esclarece e enaltece as ações realizadas pela PMT no diagnóstico da microcefalia, ou seja, tem o objetivo de destacar as funções das instituições envolvidas nas questões de saúde e fontes oficiais. Da mesma forma acontece com o Ministério da Saúde que tem forte presença nas notícias e é o órgão responsável pela saúde pública dos brasileiros de maneira geral e pela coleta de dados. O uso da heterogeneidade mostrada através das vozes oficiais revelou também a presença de enunciadores em todas as matérias que buscaram reforçar a credibilidade dos seus jornais. Outra estratégia utilizada por todos os enunciadores das matérias analisadas foi o uso de dados, pois números, além de atraírem o olhar do leitor, repassam confiança por trazerem uma abordagem que denota uma investigação e apuração de informações de modo aprofundado, logo, o leitor acredita no que o enunciador diz a ele. Ademais, isso reforça os contratos de leituras dos jornais que, além dessa credibilidade, baseiam-se em uma relação de enunciador explicativo e educativo, e leitor aprendiz. Ademais, as matérias têm fortes marcas de releases de assessoria de imprensa e parecem ter sido produzidas para chegarem até o público leitor com aceitação total sem reflexão sobre as informações. Outra Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 145


observação é a ausência desse público na veiculação das matérias sobre as epidemias, em que os jornais somente enfocam as vozes de fontes consideradas oficiais. Sendo assim, as análises de discursos sobre as epidemias dengue, zika e chikungunya nos três jornais impressos teresinenses de maiores circulações, baseadas na Teoria dos Discursos Sociais, mostraram enunciadores com o propósito de repassar uma imagem positiva das suas fontes, principalmente as consideradas oficiais pelas suas posições nos contextos, através de estratégias enunciativas como a heterogeneidade mostrada. Além do que, buscaram reforçar os contratos de leitura através do uso dessas fontes, de dados e de uma abordagem explicativa e educativa. Por fim, foi notado de forma clara a influência de alguns órgãos na veiculação das notícias, sendo os releases desses órgãos os meios pelos quais os jornais foram pautados para produzirem as suas matérias. Referências Boletim epidemiológico semanal, 2016. Disponível em: <http://www.saude.pi.gov.br/uploads/warning_document/ file/207/boletim_epidemiol_gico_09.11.2016.pdf >. Acesso em 10 de Nov. 2016.

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NOTAS DE RODAPÉ: O ACONTECIMENTO TRABALHADO NA OBRA NOTAS SOBRE GAZA, DO QUADRINISTA JOE SACCO1 Daniel dos Santos Cunha2 RESUMO A expressão jornalística encontra em suas variadas vertentes, gêneros e subgêneros uma série de detalhes que se pluralizam conforme as técnicas, tecnologias e linguagens típicas das nuances da profissão. Entre estas formas da prática profissional, o jornalismo em quadrinhos, principalmente sob a figura do quadrinista Joe Sacco, assume uma identidade dentro do circuito contemporâneo do jogo das notícias. O presente trabalho tem como interesse debruçar-se sobre a noção de acontecimento, tão cara às teorias do jornalismo, e como ela se constitui dentro da obra Notas sobre Gaza, do referido autor. Palavras-chave: Acontecimento; Meta-acontecimento; Jornalismo em quadrinhos; Histórias em quadrinhos.

Introdução O cenário jornalístico, como um entre vários do campo midiático, se apresenta uma referência icônica no que é relativo ao seu grau de adaptabilidade de linguagens, formatos, públicos, conteúdo e tecnologias empregadas. Neste sentido, as transformações que atravessam ininterruptamente esta prática podem ser atreladas, entre diversos elementos quase sempre presentes no que se refere ao caráter expressivo tão caro ao seu desempenho. Entendendo a variedade de ―manejos‖ da prática, a pluralidade de gêneros jornalísticos (NETO, 2003), com suas ênfases, minúcias e ―idiossincrasias‖ profissionais, uma maneira de se fazer jornalismo vem se desenvolvendo e ganhando espaço no panorama de produção e consumo contemporâneo: o jornalismo em quadrinhos. Tendo como principal representante no circuito internacional desta modalidade o quadrinista (de origem maltesa, mas radicado nos Estados Unidos) Joe Sacco, que na maioria de suas obras imprime sua pessoalidade e olhar crítico na construção de livros-reportagens inovadores por hibridar a linguagem das histórias em quadrinhos com conteúdos e relatos jornalísticos. Autor de trabalhos como Palestina: uma Nação Ocupada (2011), Área de Segurança: Gorazde (2000) e O Mediador: Uma História de Sarajevo (2003), Sacco é comumente apreciado como o ―porta-voz‖ do jornalismo em quadrinhos (SANTOS, CAVIGNATO, 2013). O presente trabalho tem como interesse discutir o conceito de acontecimento através do olhar da obra Notas sobre Gaza (2010), de Joe Sacco, onde o autor aborda novamente a Palestina, mas desta vez descrevendo eventos de 1956, quando incursões israelenses supostamente rotineiras resultaram na morte de aproximadamente 275 civis nas cidades de Khan Younis e Rafah. O trabalho de ―escavação‖ do quadrinista acaba por dar visibilidade e personificar um conjunto de eventos e sujeitos que de outras formas estariam relegados ao esquecimento. No intuito de proceder com o desenvolvimento dos tensionamentos entre obra e conceitos, este trabalho não se debruçará sobre as características ou mesmo a validade do gênero jornalismo em quadrinhos (onde se contesta a visão jornalística por falta de critérios como objetividade e precisão), tomando esta linguagem como merecedora da alcunha que a acompanha, como suscita o jornalista José Arbex no prefácio de Palestina: uma Nação Ocupada: A notícia se nunca foi um ―relato objetivo‖, até porque, não existe a ―linguagem objetiva‖, hoje funciona apenas como uma peça de legitimação de determinada ordem ou percepção do mundo. Ela é um ingrediente do ―grande show‖ transmitido diariamente pelos oligopólios da comunicação. 1

Trabalho apresentado no GT 03 Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestrando da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: deutiltdaniel@gmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 147


Ao diluir as fronteiras entre os gêneros, ao tratar o mundo como show e o show como notícia, a mídia permitiu, em contrapartida, que outras linguagens, como a dos quadrinhos, reivindicasse para si o estatuto do jornalismo. E aí se resolve o impasse aparente (ARBEX, 2011, p. xiv).

Para melhor posicionar o diálogo entre a obra de Sacco e os conceitos presentes rotineiramente nas discussões sobre teoria jornalística, será descrita brevemente uma trajetória das histórias em quadrinhos, bem como seus pontos de interseção com o desenvolvimento do jornalismo impresso. Histórias em quadrinhos e imprensa O entrelaçamento existente entre as histórias em quadrinhos e o jornalismo vai muito além do que se refere hoje a jornalismo em quadrinhos. Com mais de um ponto de origem em comum, estas duas formas de expressão compartilham uma trajetória de mudanças e diálogos. Podendo ser percebida como um formato matricial do que se tem por histórias em quadrinhos, a tira de jornal (comic strips, em seu equivalente na língua norte-americana) surgiu e popularizou-se no final do século XIX nos Estados Unidos, a partir do artista Richard Felton Outcault, com o título original de At the Circus on Hogan´s Alley. Seu trabalho já era publicado desde 1893 no New York World, mas passou a chamar a atenção do público quando, pela primeira vez, foi publicado em cores. Retratando o ambiente e os tipos muito comuns na época (a história se passava numa favela de Nova Iorque), Outcault atingiu o sucesso particularmente através de um de seus personagens: o menino chinês, com seu camisolão amarelo, o Yellow Kid. Com o tempo, a indumentária do personagem tornou-se panfletária, com mensagens irreverentes e críticas, um toque da subversão que Outcault fez questão de imprimir em várias de suas criações (MOYA, 1993, p. 18).

Figura 01: At the Circus on Hogan´s Alley alterou permanentemente o panorama das tirinhas de jornal ao ser o primeiro trabalho em cores. Disponível em: https://cartoons.osu.edu/digital_albums/yellowkid/HoganAlley_Enlarge/D_1668.jpg. Acesso em: 06 jul. 2016.

Outra característica inovadora referente à tirinha do garoto amarelo era o fato de o texto, ou as falas do personagem aparecerem inseridas na composição da ilustração (uma vez que o camisolão do garoto mudava de enunciado conforme as intenções ou reações do personagem), quando normalmente apareciam apenas como legendas das imagens. Os editores notaram que o público preferia os textos com imagens e a possibilidade de lançar jornais coloridos aos domingos levou-os a encomendar máquinas especiais. Dizem que, quando o World instalou uma impressora em cores, em 1893, um dos técnicos do jornal, Benjamin Ben-day, se encaminhou à prancheta do ilustrador e pediu para tentar a cor amarela naquele camisolão. Nesse momento histórico, nasciam duas coisas importantes: os comics como os concebemos hoje,

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com personagens periódicos e seriados; e o termo ―jornalismo amarelo‖ para designar a imprensa sensacionalista, em busca do sucesso fácil com o grande público (MOYA, 1977, p. 35 – 36).

Um elemento que pode ser facilmente relacionado com o boom da circulação e consumo dos impressos e, analogamente, o das tirinhas de jornal é a população de imigrantes que se instalou nos Estados Unidos na época: entre 1870 e 1914, cerca de 27 milhões de europeus foram para o referido país do ―novo continente‖, em sua maioria da Alemanha e Irlanda, instalando-se principalmente nas grandes áreas urbanas como Nova Iorque e Chicago (MICHELON, POWELL, 2006). Com um público enorme, mas que não dominava completamente o novo idioma (a própria sociedade norte-americana ainda lidava com os elevados índices de analfabetismo), as publicações mais atraentes acabavam por ser aquelas com imagens, e particularmente aquelas cuja linguagem se faz universal, como a das histórias em quadrinhos. Com a popularização do gênero e a expectativa criada pela emergência do momento, uma série de quadrinistas iniciou seus trabalhos, oferecendo sua arte para variados veículos de imprensa. Nesse cenário, o meio quadrinístico observou o surgimento dos syndicates, que seriam o equivalente às agências de notícias para as histórias em quadrinhos: empresas que distribuíam os quadrinhos, intermediavam as relações entre os artistas e os jornais e respondiam pelos direitos de distribuição dos personagens (OLIVEIRA, 2013). A predileção pelo conteúdo humorístico dos trabalhos acabou por cunhar a expressão comics, que passou a representar, de forma generalizada, todas as publicações a partir de então. Nas primeiras décadas do século XX, os Estados Unidos assistiram a uma enxurrada de títulos, como: Katzenjammer Kids (Os Sobrinhos do Capitão, no Brasil), de Rudolph Dirks; Krazy Kat, de George Herriman; O Marinheiro Popeye, de Ellie Crisler Segan, com sua primeira história em 1929 (MOYA, 1977). Outro reflexo da popularização das histórias em quadrinhos foi o surgimento das compilações das séries diárias em semanários ou comic books, inaugurando o formato de venda de quadrinhos padronizado até os dias de hoje. A revista carrega um título especial, geralmente da história mais popular ou com maior volume, podendo contar ainda conter outros trabalhos de autores diversos. A iniciativa mostrou que as histórias em quadrinhos poderiam, a partir de então, serem comercializadas com certa autonomia em relação aos jornais impressos. O que poderia (ingenuamente) representar uma alternativa ou uma simples atenção aos gostos dos consumidores era também o reflexo da crise econômica nos Estados Unidos: devido ao conturbado período da quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, os comic books tiveram seu consumo aumentado perceptivelmente, representando uma alternativa econômica e reutilizável de diversão (mesmo sendo confeccionado com material barato, poderia ser manuseado inúmeras vezes e circular entre outros leitores). Nessa época os gêneros de aventura se fortaleceram, como as histórias de Flash Gordon, de Alex Raymond e Dick Tracy, de Chester Gold (GOIDANICH, 1990). A partir do sucesso comercial dos comic books, cerca de uma década depois tem início o período compreendido como a Era de Ouro dos Quadrinhos, com o surgimento do Superman, da Action Comics (1938), Batman, da Detetive Comics (1939) e do Capitão América, da Marvel Comics (1941) (RAMONE, 2006). A Era de Ouro é marcada pelo engajamento dos heróis: Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial - na qual os Estados Unidos só foram se envolver, depois do ataque japonês a Pearl Harbour, em dezembro de 1941 – muitos heróis e super-heróis foram ―convocados‖ para lutarem contra as forças do eixo (Alemanha, Itália e Japão). As histórias perderam seu caráter ingênuo e puramente aventureiro para se transformarem em objetos panfletários e ideológicos (GOIDANICH, 1990, p. 11).

Com o fim do conflito, os quadrinhos europeus internacionalizaram-se, e da Bélgica para o mundo apresenta-se Tintin, do cartunista Hergé (seu trabalho já era publicado desde 1929). Com a desmilitarização dos super-heróis, o humor retomou o fôlego com as tirinhas de jornal, com Pogo (1948), do quadrinista e anteriormente chargista político Walt Kelly e Peanuts (1950), de Charles Schulz, responsável por estabelecer os padrões das tiras de jornal e massificar o gênero boy-dog strip.

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Esta época também assistiu à revolução dos super-heróis com as criações de Stan Lee e Jack Kirby: Hulk, Thor, Homem de Ferro, Quarteto Fantástico, Homem-Aranha, X-Men, definindo a maneira Marvel Comics de quadrinhos e estabelecendo o início da Era de Prata dos Quadrinhos (RAMONE, 2006). Esta etapa foi marcada também pelo aparecimento dos supergrupos, como Os Vingadores, a reformulação da Liga da Justiça e os XMen. A fase correspondente à Era de Bronze se inicia na década de 70 e é definida pela inserção de temas da ordem do sensível (a morte de Gwen, namorada do Homem-Aranha, alterego de Peter Parker), realistas (a entrada de Robin na faculdade) e eróticos (elemento presente nas aventuras de Conan, o Bárbaro), em resumo, mais humanos. Sucedida pela Era Moderna, que começa nos anos 80 e se estende até os dias atuais, onde o aumento do romance gráfico coloca as histórias populares em tramas mais desenvolvidas e complexas, como as obras Dark Knight Returns, de Frank Miller e Whatchmen, de Alan Moore (RAMONE, 2006). Notas de rodapé: o retorno de Joe Sacco à Palestina e a construção do acontecimento Quase uma década após os trabalhos e experiências nos territórios ocupados na Palestina, Joe Sacco retornou à região em 2001 a fim de ocupar-se em uma nova abordagem do conflito entre israelenses e palestinos: desta vez sua investigação teve como foco um massacre de civis palestinos no ano de 1956 coordenado por tropas israelenses. Afetado pela pouquíssima quantidade de informações sobre o ocorrido, o autor iniciou então um trabalho de imersão na realidade local e busca de fontes que pudessem contribuir com o maior número de detalhes possível sobre o evento e o seu contexto. Para Sacco, eventos como estes, condenados a uma marginalidade visual, compõem aquilo que ele coloca como ―notas de rodapé da história‖: Fiquei bastante incomodado com isso. Esse episódio – ao que tudo indica o maior massacre de palestinos em seu próprio território, caso o número de 275 mortos fornecidos pela ONU esteja correto – não merece ser relegado à obscuridade. Porém, é lá que ele se encontra, junto com inúmeras outras tragédias históricas que ganham no máximo uma nota de rodapé no contexto mais amplo da história (SACCO, 2010, vii).

Os episódios relativos aos assassinatos abordados por Sacco apresentam detalhes que merecem ser levantados: em novembro do ano de 1956, as cidades de Khan Younis e Rafah foram invadidas por tropas do exército israelense sob o pretexto de estarem agindo na captura de guerrilheiros palestinos (os fedayee). Na noite do dia 03 de novembro, em Khan Younis, a incursão foi realizada durante a noite, e as vítimas (a maioria homens em idade militar) foram levadas à muralha de uma praça e executadas a tiros. Nove dias depois, em Rafah, os soldados israelenses convocaram as vítimas para um recenseamento masculino, que foram posteriormente executadas por atiradores ao chegarem ao local combinado. Conforme os escassos relatórios da ONU, em ambos os episódios, os soldados de Israel teriam respondido com tiros após se depararem com multidões de civis em fuga. Do outro lado, as fontes israelenses confirmam que as tropas teriam rechaçado rebeldes armados, mesmo não tendo sido relatada nenhuma baixa do lado israelense (SACCO, 2010). Para o autor, os eventos ocorridos nas duas cidades podem ser tomados como um dos vários elementos responsáveis pela escalada de violência no conflito entre palestinos e israelenses, porém, seu esquecimento histórico impossibilita uma série de reflexões pertinentes ao entendimento deste contexto, bem como revela a possibilidade de outra série de interesses quanto a este solapamento reflexivo. Se de um lado, o mundo ocidental não liga ou não tem acesso ao que acontece aos ―párias e farrapos humanos‖, do outro, ―a tinta nunca seca‖ na Faixa de Gaza, onde a tragédia e o sofrimento são constantemente sobrepostos por outros eventos ainda mais perturbadores (SACCO, 2010). Neste sentido, a obra de Sacco tem como um de seus contributos, além dos jornalísticos, permeando a noção do histórico, trazer à tona, ou para não adentrar no mito da objetividade jornalística, a interpretação do autor sobre os acontecimentos, que por um conjunto complexo de forças e interesses não especificados, continuariam reservados ao esquecimento.

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É dentro desta perspectiva que se observa o conceito de acontecimento emergindo do trabalho investigativo de Joe Sacco na Faixa de Gaza. Conquanto a rede de eventos trazida à luz pelo autor não figuram mais como algo recente ou imprevisível com relação ao seu contexto (vide a proporção de conteúdo noticioso relacionado à violência relativo à região de Gaza, se comparado a outros conteúdos de outras naturezas sobre o mesmo local), tomemos a noção prévia colocada por Rodrigues, onde se configura como acontecimento aquele episódio ―que irrompe na superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória de factos virtuais. [...] situa-se, portanto, algures na estrada das probabilidades de ocorrência, sendo tanto mais imprevisível quanto menos provável for‖ (RODRIGUES, 1988, p. 27). Tendo em vista as realidades que inquietaram o quadrinista, a pouca informação sobre os eventos, tanto das fontes oficiais quando dos próprios sujeitos, instituições e descendentes daqueles afetados pelos episódios, a prática de Sacco desemboca justamente num resgate, ou numa emulação desta irrupção histórica forçada, trazendo à luz o objeto e forçando um olhar sobre o mesmo. Seu interesse, percebemos, é o de trazer os episódios de 1956 de volta ao espaço social, de nomeá-los, para assim (re) inseri-los num discurso e a partir deles, constituir um acontecimento: O espaço social é uma realidade compósita, não homogênea, que depende, para a sua significação, do olhar lançado sobre ele pelos diferentes atores sociais, através dos discursos que produzem para tentar torná-lo inteligível. Mortos são mortos, mas para que signifiquem ‗genocídio‘, ‗purificação étnica‘, ‗solução final‘, ‗vítimas do destino‘, é preciso que se insiram em discursos de inteligibilidade do mundo que apontam para sistemas de valor que caracterizam os eventos sociais. Ou seja, para que o acontecimento exista é necessário nomeá-lo. O acontecimento não significa em si. O acontecimento só significa enquanto acontecimento em um discurso (CHARAUDEAU, 2006, p. 131 – 132).

O que Charaudeau oferece como discurso, pode ser (sob o risco de demasiada simplificação) colocado como uma combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve – as identidades de quem diz e as daqueles a quem a fala remete, as intenções que os conectam e inclusive as condições concretas relativas ao processo de troca – e a maneira como se fala, em resumo, a sobreposição das condições extradiscursivas e intradiscursivas em que se produzem determinados sentidos (CHARAUDEAU, 2006, p. 177). Não nos interessa aqui pormenorizar o processo de semiotização (transformação e transação) relativo à construção do sentido, mas explicitar duas condições, ainda embasados em Charaudeau, daquilo que Sacco trabalha dentro da noção de acontecimento: o olhar particular do autor sobre um real construído e a visada informativa de sua obra, que segundo o linguista francês, caracteriza um ―acontecimento comentado‖. Em seu processo de narração dos eventos, ou em seu relato jornalístico dos episódios, Sacco não demonstra um amparo consistente no que ficou conhecido como o Novo Jornalismo, o jornalismo informativo, cujo cerne é a separação entre ―fatos‖ e ―opiniões‖ (TRAQUINA, 1988, p. 167), mas se posiciona com um olhar particular, um filtro de um ponto de vista seu, onde constrói seu objeto como um fragmento do real, um real construído (CHARAUDEAU, 2006, p. 131), ou em suas palavras: O leitor deve levar em conta que essas histórias passaram ainda por mais um filtro [além do fato de valer-se de rememorações pessoais de suas fontes] antes de chegar ao papel – a saber, minha interpretação visual. Na prática, eu sou o diretor e cenógrafo de todas as cenas ocorridas nos anos 1940 e 1959 (SACCO, viii).

Já em sua visada informativa, o trabalho de Sacco imprime, se não as garantias ou veracidade das informações, o seu caráter explicativo: o comentário, podendo ser visto também como o seu comentário jornalístico, ligado à descrição dos acontecimentos é o que produz o ―acontecimento comentado‖ (CHARAUDEAU, 2006, p. 177). Concomitantemente a estas características, se insere outro fator por nós percebido, que permeia se não a obra de Joe Sacco, pelo menos as maneira como desenvolve sua prática de apreensão. Viajando,

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misturando-se, vivenciando e conhecendo os tipos que representa em suas linhas e texto, o quadrinista ―afunda‖ no acontecimento, mesmo estando separado deste temporalmente. Neste sentido, a força e o arrebatamento percebidos em suas obras, se devem, nesta perspectiva, por aquilo que Babo Lança coloca como a construção da identidade do acontecimento por aqueles que, em sua experiência, também são afetados por eles. A experiência pública do acontecimento pode ser assim interpretada como o elemento que contorna e conecta a estética e os sentidos do trabalho de Sacco, percebendo esta experiência pública como algo que: Se torna ao mesmo tempo na experiência e na história de quem é afetado, que se apropria dele e o incorpora no seu suportar e agir [...] a construção da identidade do acontecimento e a sua configuração dependem dos modos como o acontecimento é sentido, explorado, interpretado e apropriado pelo sujeito (ou sujeitos) a quem ele acontece, sendo que este também se altera com esta experiência. É a própria identidade do sujeito que se modifica, tornando-se um si-queexperienciou-este-acontecimento (BABO LANÇA, 2005, p. 90).

Capaz ainda de modificar os campos de experiência e o horizonte de expectativas, na medida em que: as maneiras como vivemos, como os interpretamos, como nos deixamos afectar por eles, como sofremos com eles ou rejubilamos, como lhes respondemos – em função da nossa sensibilidade moral, dos nossos usos e costumes, hábitos, formas de vida, normas do direito, capacidades; em função do nosso campo de experiência e do nosso horizonte de expectativa ou campo de possíveis; da nossa apreciação e aplicação na acção – elaboram seus sentidos e identificações (BABO LANÇA, 2005, p. 90).

A questão que propomos aqui é a de apreender estas afetações, os sentidos percebidos na experiência e nas transformações da apreciação à aplicação na ação. É esta ação que de fato interessa. É o efeito do ―querer-dizer‖ que pretendemos iluminar no trabalho de Joe Sacco, apontando para aquilo que Rodrigues (1988) coloca como meta-acontecimento, que seria o que as Notas sobre Gaza fazem emergir do esquecimento, como um tipo de acontecimento que não é regido pelas regras do mundo natural, mas sim pelas do mundo dos símbolos, da enunciação, em função do ―querer-dizer, do saber-dizer e do poder-dizer‖ (RODRIGUES, 1988, p. 30), podendo ser caracterizado por: Acontecimentos provocados pela própria existência e consequências do discurso jornalístico, cuja ―emergência é toda esta inscrita na ordem do discurso, na ordem da visibilidade simbólica da representação cênica. São factos discursivos e, como tais, associam valores inlocutórios e valores perlocutórios, na medida em que acontecem ao serem anunciados (RODRIGUES, 1988, p. 29 – 30).

Considerações finais Tentar abranger a riqueza da obra de um quadrinista reconhecido internacionalmente do calibre de Joe Sacco, e tensionar certos elementos desta com um conceito profundo e ainda repleto de fissuras e pontos de exploração em diversos campos do conhecimento não corresponde à pretensão do presente artigo, que por suas abordagens, optou por constituir um caminho mais provocativo do que explicativo ou didático, considerando também o grau elevado de inferências e ―tomadas de posição‖ em relação ao autor analisado. Neste sentido, os critérios em pauta foram majoritariamente pessoais e subjetivos, não respondendo, portanto, aos reais interesses ou objetivos do autor de Notas sobre Gaza. As relações tecidas nesta discussão nos permitem a interpretação das intenções do quadrinista ao ―desenterrar‖ os eventos por ele trabalhados, e com isso realçar o conceito de meta-acontecimento, sua capacidade de irrupção e fuga da ordem costumeira das coisas, instituições e sujeitos, quando se percebe que ―não é a morte nem a violência reais que os meta-acontecimentos visam, mas o direito à visibilidade, á encenação de quantos não considerem respeitados os seus direitos à palavra dentro da ordem midiática‖ (RODRIGUES, 1988, p. 30). 152 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


É nesta ―visibilidade‖ e no ―direito à palavra dentro da ordem midiática‖ que se reserva a posição percebida do trabalho de Sacco. Como coloca Ponte, Notas sobre Gaza cumpre e ilustra o papel de arena dos media, que ao expor problemas, possibilita uma reflexão sobre a natureza destes, tornando-os públicos, contribuindo assim para uma ―espiral de reconhecimento‖ (PONTE, 2005, p. 02).

FIGURA 02: O massacre em Khan Younis ilustrado por Sacco. Uma realidade construída é trazida à tona e com isso, a possibilidade de reconhecimento. In: SACCO, 2010, p.100.

Esta ―espiral de reconhecimento‖ iniciada pelo interesse de Sacco sobre o acontecimento que ele mesmo possibilita constituir-se, concebe em sua natureza o que Gomis coloca como o nosso presente social, que graças aos medias, encontra-se mais rico e estendido (GOMIS, 1991, p. 14): conjunto de los medios forma hoy um círculo de realidad envolvente que se convierte em referencia diária de nuestra vida, telón de fundo de la vida em común [...] la imagen periodística de la realidad se há convertido em la referencia general del presente social que nos envuelve (GOMIS, 1991, p. 15).

Se o nosso presente social pode ser assim estendido, se complexificar, fugir das aparências, ou mesmo fornecer possibilidades de entendimento e compreensão de realidades emergentes e mesmo solapadas do mundo, as Notas de Gaza permitem o acesso de sujeitos separados por barreiras espaciais, temporais e mesmo cognitivas a acontecimentos obscurecidos, e que através das apreensões aí possíveis, possibilidades de questionamentos e interesse nos ―comos‖ e ―porquês‖ de uma série de realidades naturalizadas pela ausência de um olhar atencioso, que de outras formas, correm o risco de continuar presentes apenas nas notas de rodapé. Como me disseram em Gaza, ―os eventos são contínuos‖. Os palestinos nunca puderam se dar ao luxo de digerir uma tragédia antes que outra lhes fosse imposta. Quando eu estava na região, muitos jovens ficavam perplexos ao tomar conhecimento de minha pesquisa sobre os acontecimentos de 1956. De que adiantaria para eles relembrar a história que eu tinha a contar se estavam sob ataque, se suas casas estavam sendo demolidas hoje? Porém, o passado e o presente não podem ser desassociados com tanta facilidade; eles são parte da mesma sucessão implacável de eventos, uma distorção histórica. Talvez valha a pena, sim, congelar no tempo o turbilhão daquela época e investigar um ou dois eventos que, além de uma tragédia pessoal para aqueles que a vivenciaram, também podem ser úteis para entender como e porque – nas palavras de El-Rantisi [um de seus entrevistados] – o ódio foi ―semeado‖ no coração dos palestinos (SACCO, 2010, ix).

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BELA, RECATADA E DO LAR: UM ACONTECIMENTO DISCURSIVO1 Vanessa Souza Rodrigues de Moraes 2 RESUMO O que é jornalismo? O que é notícia? O que é acontecimento? O que é meta-acontecimento?. Ao responder e articular essas questões consideradas fundamentais do campo jornalístico, este artigo discute como a revista Veja criou um acontecimento discursivo (ou um meta-acontecimento), a partir do momento que publicou o perfil de Marcela Temer, esposa do presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), intitulado ―Bela, recatada e do lar‖, na edição especial de abril de 2016. A edição extra foi produzida em razão da Câmara dos Deputados ter autorizado a instauração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Palavras-chave: Notícia, Meta-acontecimento, Veja.

Introdução

A

tualmente a Veja, da Editora Abril, e a ISTOÉ, da Editora Três, destacam-se dentre as revistas semanais de informação. As duas marcas se diferem das suas antecessoras - as ilustradas O Cruzeiro e Manchete por priorizarem a informação jornalística, o acontecimento que cria a notícia, e, muitas vezes, a notícia que cria o acontecimento (TRAQUINA, 1999, p.168). Apesar de serem concorrentes e consequentemente disputarem o mesmo público, a primeira ―situa-se como líder, com uma diferença de tiragem elevada se comparada a‖ segunda (MAGALHÃES, 2003, p.100). Citamos a ISTOÉ exclusivamente para contrapor as duas maiores revistas informativas do país, e, assim, ressaltar a importância da Veja no cenário nacional. Não pretendemos fazer uma análise comparativa entre as duas marcas, visto que, não contempla os objetivos de nosso trabalho. A liderança de mercado da revista Veja está intrinsecamente ligada à propagação de seus discursos, à repercussão de suas matérias, à difusão dos efeitos de sentido pretendidos e/ou produzidos e os comentários suscitados a partir deles, entre seus leitores, anunciantes, mídia e a sociedade de modo geral. Entendemos que para uma melhor compreensão desse fenômeno de ―visibilidade social‖ relacionado à revista supracitada, faz-se necessário uma breve contextualização política da época em que surgiu a publicação e que foi de suma importância para os contornos de sua trajetória. O nascimento da Veja ocorreu no dia 11 de setembro de 1968, quando foi lançada sua primeira edição, quatro anos após a instauração da ditadura militar, período em que os meios de comunicação sofreram intensa censura, principalmente após o decreto do Ato Institucional de número 5 (AI-5), considerado o golpe mais duro do regime ditatorial. ―A época caracteriza-se pela ausência de mecanismos democráticos, censura aos veículos de imprensa, suspensão dos direitos constitucionais, perseguição política e repressão a todos que se opunham ao regime militar‖ (HOHLFELDT & LEAL, 2014, p. 385). Hohlfeldt e Leal (2014) acentuam que no princípio a revista sofreu com as imposições do governo vigente, mas em pouco tempo começou a colaborar com o regime, que queria o apoio (voluntário ou não) dos meios de comunicação, para construir uma imagem favorável dos militares e assim conquistar a opinião pública. Magalhães (2003) em sua obra Veja, Isto É, Leia - Produções e Disputas de Sentido na Mídia, discorre sobre a construção da imagem do enunciatário da Veja, com base no que Verón denomina de contrato de 1

Trabalho apresentado no GT03 Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina-PI. E-mail: vanessasoromo@hotmail.com. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 155


leitura. De acordo com Magalhães, o discurso da publicação dirige-se para um enunciatário (a imagem daquele a quem o discurso é dirigido) cujo perfil condensamos no seguinte tripé: conservador, bem informado/culto e católico. A imagem desse enunciatário da Veja construído a partir do dito e do não dito em seus discursos fica evidente na matéria ―Bela, recatada e ‗do lar‘‖, nosso objeto de estudo. O texto é uma reportagem-perfil de Marcela Temer, esposa de Michel Temer, presidente da República em exercício, publicado em 18 de abril de 2016, um dia após a Câmara dos Deputados autorizar a instauração do processo de impeachment de Dilma, em uma edição extra que trouxe matérias sobre a peculiar situação política do país. Nesse artigo, realizamos uma empreitada teórica fundamentada principalmente nos estudos de Rodrigues (1999), Traquina (1999; 2005) e Wolf (1987) que investigam conceitos chaves do campo jornalístico, a exemplo: acontecimento e notícia. A partir das repostas de questões aparentemente simples, mas que são consideradas centrais para o debate do jornalismo contemporâneo, buscamos verificar como o texto noticioso ―Bela, recatada e do lar‖ tornou-se um meta-acontecimento, a partir de sua publicação na edição supracitada da revista, fato que desencadeou posteriormente uma série de outros dizeres, jornalísticos, ―memísticos‖ (referente à memes3), que também suscitaram comentários. O que é jornalismo Para entendermos o que é notícia, antes devemos entender o que é jornalismo. Para Traquina (2005), jornalismo é uma atividade social, pois seu papel primordial é informar os cidadãos sobre os principais acontecimentos que ocorrem ao seu redor, de modo literal, ou seja, em sua rua, bairro e/ou cidade. Ou de forma mais simbólica, no seu estado, país ou no mundo. E para que isso seja feito de maneira autêntica e autônoma é essencial que os direitos de liberdade de expressão e de imprensa sejam respeitados. Ao estudar a natureza do jornalismo, F. Fraser Bond (1962) explica que as definições da atividade podem ser formuladas a partir de diferentes perspectivas, mais especificamente a partir do ponto de vista do cínico e do idealista. No caso do cínico, o jornalismo é visto exclusivamente como um comércio, já do ângulo do idealista, mostra-se como uma responsabilidade, além de um privilégio. Corroborando os estudos de F. Fraser Bond, Traquina (2005) acrescenta que por trás da tensão entre o pólo positivo (pólo ideológico) e o pólo negativo (pólo econômico), os diversos atores que participam do jogo no ―campo‖ jornalístico ―tentam mobilizar, para as suas estratégias comunicacionais, os acontecimentos, os seus assuntos, ou as suas ideias e valores. São ‗promotores‘ que avançam as suas ‗necessidades de acontecimentos‘‖ (TRAQUINA, 2005, p. 28). Para o autor, essas estratégias são legítimas e só se caracterizam como ―manipulação‖, quando são utilizados métodos ilícitos como a falsificação de documentos e a ficção (mentira). O pólo positivo é o ―pólo ideológico‖ em que a ideologia profissional que se tem desenvolvido ao longo do tempo define o jornalismo como um serviço público que fornece cidadãos com a informação de que precisam para votar e participar na democracia e age como guardião que defende os cidadãos dos eventuais abusos de poder. [...] Para os jornalistas e para muitas vozes na sociedade, o pólo negativo do campo jornalístico é o pólo econômico, que associa o jornalismo ao cheiro do dinheiro e a práticas como o sensacionalismo, em que o principal intuito é vender o jornal [...], esquecendo valores associados à ideologia profissional. (TRAQUINA, 2005, pp. 27 e 28)

Traquina (2005) aponta também em sua proposta teórica o alto condicionamento do trabalho jornalístico. No entanto, reconhece que o jornalismo tem poder e por consequência seus profissionais, em razão do que o autor denomina de ―autonomia relativa‖, que o campo possui. ―Os jornalistas são participantes ativos

3

De acordo com o site da revista Superinteressante, memes ―trata-se de uma imagem, vídeo ou frase bem-humorada que se espalha na internet como um vírus‖ ( http://super.abril.com.br/multimidia/memes-682294.shtml). 156 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


na definição e na construção das notícias, e, por conseqüência, na construção da realidade.‖ (TRAQUINA, 2005, p. 26). Dentre outros modos, o jornalismo pode ser entendido como a atividade responsável pela construção do mundo em notícias e essas, por sua vez, podem ser vistas como uma construção social, que são resultantes de interações entre diversos agentes sociais: jornalistas, donos de empresas de comunicação/informação, anunciantes, leitores, cidadãos. ―Os jornalistas também interagem silenciosamente com a sociedade, por via dos limites com que os valores sociais marcam as fronteiras entre normal e anormal, legítimo e ilegítimo, aceitável e desviante‖ (TRAQUINA, 2005, p. 29). O que é notícia Citando Mauro Wolf (1987), Nelson Traquina ressalta a questão que considera central do campo jornalístico: o que é notícia? Essa questão é mais facilmente compreendida se a formularmos da seguinte forma: quais são os critérios que tornam um determinado acontecimento apto para se transformar em notícia, ou seja, que definem a sua noticiabilidade (newsworthiness)? (WOLF, 1987, p. 82). Para Walter Lippmann (2008), uma série de eventos precisa ganhar notoriedade, antes de qualquer coisa, para que possa se transformar em notícia. O jornalista americano afirma que esse ―se tornar notório‖ acontece por meio de um ato aberto, ou seja, os eventos necessitam ter um caráter realmente definido para que possam se constituir em notícia. ―A notícia não é um espelho das condições sociais, mas o relato de um aspecto que se impõe‖ (LIPPMANN, 2008, p. 167). O conceito de eventos de Lippmann (2008) é próximo aos conceitos de acontecimento estudado por Wolf (1987), Traquina (1999; 2005) e Rodrigues (1999), que iremos ver de forma mais detida adiante. Os acontecimentos e as notícias vivem uma relação simbiótica. Sobre isso, Traquina (2005) expõe que as notícias acontecem quando há/na conjunção de acontecimentos e de textos, e, ressalta ainda, que não devemos ter um olhar ingênuo sobre o processo de constituição da notícia, já que essas não emergem de forma natural do oceano de acontecimentos que ocorrem diariamente no mundo. ―Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento‖ (TRAQUINA, 1999, p.168). A afirmação acima só é possível devido à noticiabilidade de cada acontecimento, conceito que está ligado umbilicalmente aos processos de rotinização dos órgãos de informação e as práticas produtivas de seus profissionais. Esses são os responsáveis que irão ―peneirar‖ os inúmeros acontecimentos e que, para obterem o produto-notícia, devem cumprir as três obrigações descritas por Tuchman: (1) Devem tornar possível o reconhecimento de um facto desconhecido (inclusive os que são excepcionais) como acontecimento notável; (2) devem elaborar formas de relatar os acontecimentos que não tenham em conta a pretensão de cada facto ocorrido a um tratamento idiossincrático; (3) devem organizar, temporal e espacial, o trabalho de modo que os acontecimentos notáveis possam afluir e ser trabalhados de uma forma planificada. Estas obrigações estão relacionadas entre si (TUCHMAN, 1997, 45 apud WOLF, 1987, p. 82)

Essas três exigências apontadas por Tuchman são corroboradas pelo trabalho de Traquina (1999), que, por sua vez, explica que as notícias são resultado de um processo de produção que implica basicamente três fases – percepção, seleção e transformação – dos acontecimentos, que são a matéria prima do campo jornalístico, em notícias, definidas como produto (TRAQUINA, 1999, p. 169). O que é acontecimento e meta-acontecimento Adriano Duarte Rodrigues (1999) diferencia o acontecimento ordinário do acontecimento jornalístico. Segundo o autor, o acontecimento jornalístico é aquele que se distingue entre os demais em razão da sua imprevisibilidade, ou seja, ―quanto menos previsível for, mais probabilidades tem de se tornar notícia e de Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 157


integrar assim o discurso jornalístico‖ (RODRIGUES, 1999, p. 27). Esse caráter especial é a condição primordial para um fato/evento, ganhar o status de acontecimento jornalístico, o que quer dizer: digno de se transformar em notícia. A princípio essa explicação pode parecer um tanto líquida, mas a partir das definições de registos da notabilidade dos fatos feita por Rodrigues, fica mais fácil sua compreensão. Os três principais registos de notabilidade são classificados da seguinte forma (RODRIGUES, 1999, pp. 28 e 29): (1) Registo do Excesso - é aquele que irrompe com a normalidade dos corpos, tanto individuais, quanto coletivos. É o mais predominante de todos e é marcado por excessividades. Exemplo: um feito que entra para o Guiness Book; (2) Registo da Falha - é aquele caracterizado por um defeito ou funcionamento anormal, irregular dos corpos. Exemplo: um inocente que foi condenado à pena de morte; (3) Registo da Inversão - é aquele que cruza a barreira da lógica instituída das coisas. Exemplo: gatinhos que são amamentados por uma cadela. Como frisamos acima, os registos da notabilidade inventariados por Rodrigues são apenas os principais de um universo de acontecimentos notáveis. O que é meta-acontecimento Os meta-acontecimentos, chamados também de ―acontecimentos segundos‖, são uma categoria de acontecimentos bem característica da sociedade atual, que preza a informação jornalística, sendo que essa na maioria das vezes é utilizada como uma guia, uma forma do cidadão se referenciar no mundo em que vive. Além disso, a contemporaneidade é marcada também por uma demanda de diversidade de informação e das diversas formas de obtê-la. Nesse cenário, o discurso jornalístico, por meio da produção do seu principal produto – a notícia – torna-se imprescindível e um terreno fértil para que meta-acontecimentos se originem. Nesse momento é válido recorrer novamente à afirmação de Traquina, para o qual, ―enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento‖ (TRAQUINA, 1999, p.168). Ou seja, o discurso jornalístico também é um produtor de acontecimentos enquadrados nessa segunda categoria (metaacontecimentos). ―O que torna o discurso jornalístico fonte de acontecimentos notáveis é o facto de ele próprio ser dispositivo de notabilidade, verdadeiro deus ex machina, mundo da experiência autônomo das restantes experiências do mundo‖ (RODRIGUES, 1999, p 29). Segundo Rodrigues (1999), as figuras que definem os meta-acontecimentos, ou seja, seus registos de notabilidade são factos que se dão na ordem do discurso. Por serem acontecimentos discursivos, são regidos pelo o mundo da enunciação. ―O meta-acontecimento [...] é regido pelas regras do mundo simbólico, o mundo da enunciação. É sempre da ordem ditada em função das dimensões associadas do querer-dizer, do saber-dizer e do poder-dizer‖ (RODRIGUES, 1999, p. 30). Discini (2005) explica que o texto (enunciado) sempre pressupõe uma enunciação e essa, por sua vez, compreende o sujeito do dizer, aquele que se divide em dois: enunciador e enunciatário. ―A enunciação compreende um enunciador, o sujeito ―que fala‖ (eu, nós), e um enunciatário, o sujeito ―que escuta‖ (tu, você, vocês)‖ (DISCINI, 2005, p. 20). A autora ressalta ainda, que é a partir das relações entre o enunciado e a enunciação que podem ser recuperadas o que texto diz, além do ―porquê e o como do ato de dizer‖ (DISCINI, 2005, p. 29). Adiante, quando tivermos tratando prioritariamente do enunciado ―Bela, recatada e do lar‖, retornaremos ao conceito de meta-acontecimento proposto por Rodrigues (1999). Edição Especial Além do referencial bibliográfico examinado, realizamos uma pesquisa secundária que englobou textos jornalísticos e memes, suscitados pela publicação da matéria intitulada ―Bela, recatada e ‗do lar‘‖, com a finalidade de encontrar pontos essenciais para a fundamentação do objetivo do presente trabalho. Com esse mesmo intuito trazemos a nota do site Publiabril (portal de publicidade Abril) que anuncia a

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circulação de uma edição extra da revista Veja, em razão do processo de impeachment de Dilma e que foi construída da seguinte forma: Título: VEJA circula edição extra nesta segunda sobre o processo de impeachment Subtítulo: Publicação, que traz a cobertura completa, está disponível também no aplicativo de Veja na App Store e Play Store Texto da nota: A revista VEJA circula nesta segunda-feira (18/4), em todo o país, uma edição extra com a cobertura completa sobre o impeachment. A publicação traz reportagens sobre todo o processo, a participação popular, o governo Temer e análises sobre os desafios daqui para frente. A edição online está disponível gratuitamente no aplicativo de VEJA, que pode ser baixado pela App Store (http://abr.ai/1fawgNe) e Play Store (http://abr.ai/1TbMO5M).

O texto publicitário contorna a imagem da capa da edição extra, que traz uma mulher jovem, envolta por uma bandeira do Brasil, com a fase pintada de amarelo e verde (as cores representativas da nação), com um olhar que expressa emoção e a boca aberta simulando um grito de vitória, que casa perfeitamente com a chamada principal, com suas letras expostas em caixa alta, que na linguagem da internet tem o mesmo significado de ―gritando‖, ―falando alto‖.

Figura 1: ―Isabella Marquezini, 13 anos, na segunda manifestação popular de sua visa. Avenida Paulista, domingo, 17 de abril de 2016― (texto legenda da capa acima. Fonte: Veja - edição especial - ano 49) A capa da revista, em exposição na banca, funciona como cartaz que chama a atenção, pela espetacularidade do discurso gráfico visual, para os fatos que têm, como efeitos de real, apelo de interesse do enunciatário/consumidor, dizendo e mostrando sob certos modos, na perspectiva de seduzi-lo. O discurso de capa, mesmo situando-se no campo jornalístico, confunde-se com o discurso publicitário, da contracapa. Talvez por este fato, as editoras recorrem, cada vez mais, às técnicas de produção do discurso publicitário para produzir as capas de revistas (MAGALHÃES, 2003, p. 146)

É relevante trazer à luz o discurso multimodal que anuncia a publicação da edição extra, já que ele se mostra como uma espécie de aperitivo do que foi trazido posteriormente na Edição Especial – ano 49 (Veja 2474) abril de 2016, constituída por matérias com títulos curtos e assertivos, a exemplo: ―Dilma cai no limbo‖, ―A hora e a vez do vice‖, ―Tudo a favor de Temer‖ e ―O apogeu do PMDB‖. Em meio a esses títulos encontra-se ―Bela, recatada e do lar‖. A linha editorial da Veja; a forma como a revista apresenta a decisão histórica dos deputados federais brasileiros (em forma de placar), a favor do impeachment da presidenta Dilma; a construção da capa de um modo geral; tudo conduz para a forma como o acontecimento Impeachment de Dilma foi tratado na publicação de caráter especial e como os discursos da revista serão construídos visando à produção de determinados efeitos de sentindo, entre seus leitores, que comentaram as notícias e atuaram como ―abelhas polinizadoras‖ das informações tornadas notórias pela edição.

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Bela, Recatada e do Lar Se analisássemos o perfil ―Bela, recatada e do lar‖, a partir da perspectiva do que Wolf nomeia de critérios de noticiabilidade (1987) ou do que Traquina (1999; 2005) e Rodrigues (1999) descrevem como acontecimento, o perfil de Marcela Temer publicado pela revista Veja, em uma edição especial de abril de 2016, estancaria nas primeiras peneiras (ou filtros) que se encontram no processo de produção da notícia. No entanto, vale ressaltar que dentre os gêneros jornalísticos encontra-se o Perfil, que de acordo com Hérica Lene (2006), são textos noticiosos que dão destaque a um personagem e que tem como marca principal a apresentação e a caracterização do mesmo. A jornalista pontua que jornais e revistas começaram a investir mais nesse tipo de texto a partir da década de 1930. Perfil ou reportagem-perfil faz parte do gênero jornalístico informativo. E, dentro dessa classificação, podemos inseri-lo na categoria dos textos noticiosos chamados de feature, ou seja, uma notícia apresentada em dimensões que vão além do seu caráter factual e imediato, em estilo mais criativo e menos formal (LENE, 2006).

Lene (2006) frisa que o perfil é um gênero que se diferencia do tradicional produto-notícia, já que não prioriza a factualidade e o imediatismo dos acontecimentos, pelo contrário, lança mão da criatividade e da informalidade para caracterizar e apresentar o personagem em destaque. Podemos verificar que as características do gênero perfil podem ser identificadas no texto (o enunciado) assinado pela jornalista Juliana Linhares (o emissor), da revista Veja (o enunciador), que utilizou no título três termos singelos para caracterizar e apresentar Marcela Temer: bela, recatada, ―do lar‖. Os termos empregados adjetivamente carregam um teor de significação ainda maior no discurso jornalístico.

Figura 2: Perfil de Marcela Temer na Edição Especial – ano 49 (Veja 2474) abril de 2016

O perfil foi publicado nas páginas 28 e 29, na seção intitulada ―Como será‖ da versão impressa da Veja (disponibilizada também em versão digital pelos aplicativos da marca) e no site da Veja na seção ―Brasil‖. O texto aparentemente simples, sem grandes apelos do ponto de vista jornalístico, é acompanhado por uma fotografia de Marcela Temer (olhando em direção à câmera), que ocupa a metade superior da página 28. O fato da Edição Especial – ano 49 ter sido disponibilizada virtualmente por meio de seus aplicativos e de algumas matérias que compõem a publicação, incluindo o perfil de Marcela, terem sidos divulgados também no site da Veja, colaborou para a polêmica que iria se instaurar em poucas horas, já que atingiu um público conectado à rede e inteirado dos discursos criados pelo dispositivo internet.

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Em sua reportagem Entenda a polêmica após matéria de perfil de Marcela Temer, o jornalista Itamar Melo (2006), site do jornal Zero Hora, ilustra que o ―Bela, recatada e do lar‖ teve o poder de ―desencadear uma onda massiva de reações, mobilizando desde adolescentes até senhoras [...] O motivo: o texto foi entendido como a suprema celebração da mulher-bibelô-dócil, submissa e sem ambições profissionais‖ (MELO, 2006). A reportagem supracitada traz também trechos da entrevista com o professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em monitorar comportamento das redes sociais. Malini afirma em seu depoimento ao site Zero Hora que ―a reportagem não poderia ter sido publicada em um contexto pior. Além de vivermos no Brasil um momento de fortalecimento das causas feministas, ela apareceu um dia depois da aceitação do impeachment, que teve [Michel] Temer como um dos principais articuladores‖ (MALINI, 2006). O site da revista Carta Capital, na editoria Política, divulgou também uma matéria tratando sobre a repercussão em torno do perfil de Marcela Temer, intitulada Bela, recatada e do lar: matéria ‗Veja‘ é tão 1792, assinada pelo jornalista Djalma Ribeiro. Fica evidente a tentativa da revista de fazer uma oposição ao que Dilma representa. Uma mulher aguerrida, forte, fora do padrão imposto do que se entende que uma mulher deve se comportar. Mas, é como se dissessem: mulher boa é a esposa, a primeira dama, a ―que está por trás de um grande homem‖. [...] A matéria de Veja confirma isso ao enaltecer Marcela Temer como mulher que todas deveriam ser, à sombra, nunca à frente [...]‖ (RIBEIRO, 2006)

Como Traquina (1999) expõe não são apenas os acontecimentos que produzem a notícia, essas também

são dotadas de envergadura enunciativa, que lhes proporcionam o potencial de criarem novos acontecimentos, conhecidos também como já vimos, de meta-acontecimentos. ―Ao relatar um acontecimento, os media, além do acontecimento relatado, produzem ao mesmo tempo o relato do acontecimento como um novo acontecimento que vem integrar o mundo‖ (RODRIGUES, 1999, p. 31) O novo acontecimento que integrou o mundo de forma meteórica e assentado nas palavras ―bela, recatada e ‗do lar‘, a partir da publicação da edição extra da Veja, evidência a imagem do enunciatário da revista, ou seja, daquele a quem o discurso se dirige, do sujeito que escuta o discurso propagado. A forma como o perfil foi escrito revela as construções de sentido direcionadas ao enunciatário/consumidor da revista, que anteriormente condensamos no tripé: conservador, bem informado/culto e católico, a partir das ideias de Magalhães (2003). O enunciatário em Veja é bem informado e culto. Consome produções culturais sofisticados e reconhece citações discursivas no campo da arte, do cinema, do teatro, da literatura etc. Porém, por mais bem informado que seja, depende dos apontamentos e das informações ofertadas na revista. Por isso, aceita o contrato de leitura onde o discurso do enunciador é autoritário, pedagógico e arrogante (MAGALHÃES, 2003, p. 134).

No dia 20 de abril (quarta-feira), dois dias após a publicação da edição especial que trouxe o perfil de Marcela Temer, e um dia após o tema ―bela, recatada e do lar‖ ter se tornado o mais comentado na internet, o site Veja.com sob o título #belarecatadaedolar: os memes sobre a reportagem de VEJA reservou um espaço na editoria Tecnologia, para reproduzir os memes que o site considerou os mais engraçados. A reportagem ―Bela, Recatada e do Lar‖, publicada na edição extra de VEJA sobre a votação do impeachment na Câmara, e que traça um perfil de Marcela Temer, mulher do vice-presidente Michel Temer, viralizou na internet. O título se tornou hashtag no Twitter, rendeu página no Instagram e foi incorporado desde terça-feira a incontáveis memes. Há quem considere que a reportagem endossa o modo de vida de Marcela Temer, e é machista. Outros leram a ironia. E outros ainda simplesmente aproveitaram o título para fazer humor. A interpretação é livre. Esta página reproduz os memes mais engraçados (Veja.com, 2006)

Esse enunciador da Veja, diante da enxurrada de postagens e memes nas redes sociais criados para criticar e atacar o seu discurso conservador, e da impossibilidade de contradizer ―o já dito‖, incorporou em Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 161


seus próprios conteúdos, o discurso do ―outro‖, ou seja, dos sujeitos que produziram sentidos a partir da construção dos discursos nas redes. Considerações finais Um questionamento é suscitado a partir da descrição de Magalhães (2003) do enunciatário da Veja: se o enunciatário/consumidor da revista aceita o contrato de leitura de um enunciador autoritário, pedagógico e arrogante, qual a razão do levante feminino e do desprezo popular diante do perfil de Marcela Temer? Perfil no qual a personagem em destaque é chamada de ―a quase primeira-dama‖ e que revela que a mesma é ―43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho‖ com Michel Temer (LINHARES, 2006). Acreditamos que os diversos dispositivos de divulgação do conteúdo da Veja, principalmente os veiculados em suas plataformas digitais, possibilitaram que leitores, que não se enquadram no perfil do enunciatário/consumidor da revista informativa, tivessem acesso ao discurso propagado pela publicação e especificamente ao nosso objeto de estudo. Pondo em causa a noção de que os meta-acontecimentos são acontecimentos discursivos, regidos pela a enunciação e suas instâncias discursivas, este artigo defende a ideia de Rodrigues (1999) que afirma: ―Ao darem conta dos actos enunciativos, os media não só lhes conferem notoriedade pública, alargando assim indefinidamente o âmbito e o alcance das transformações que operam no mundo, como realizam igualmente novos actos ilocutórios e perlocutórios de acordo com suas próprias regras enunciativas‖ (RODRIGUES, 1999, p. 31).

Diante de todo o exposto fica evidente a capacidade dos veículos de comunicação (a mídia de modo geral) de produzir acontecimento (s), ou melhor, meta-acontecimento (s). Seguros disso, o que nos resta é lançar um questionamento para os futuros pesquisadores: de que modos o jornalismo e os veículos de comunicação podem contribuir para uma melhor produção jornalística e uma maior compreensão acerca das informações publicadas, a partir da sua capacidade de produzir meta-acontecimentos? Referências BOND, F. Fraser. Introdução ao jornalismo: uma análise do quarto poder em todas as suas formas. [Trad. Pinheiro de Lemos]. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1962, p. 15-65. DISCINI, Norma. Comunicação nos textos. São Paulo: Contexto, 2005. HOHLFELDT, A.; LEAL, R. Veja e a formação de uma opinião favorável ao regime militar. In: RÊGO, A.R.; QUEIROZ, T.; MIRANDA, M. (org). Narrativas do Jornalismo e Narrativas da História.1. ed. Porto: MediaXXI Formalpress, cap. 17, p. 383-410. LENE, Hérica. O personagem em destaque. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorioacademico/o-personagem-em-destaque/. Acesso em: 05 de julho de 2016. LIPPMANN, Walter. A natureza da notícia. In: BERGER, Christa; MAROCCO, Beatriz Alcaraz. A era glacial do jornalismo. Porto Alegre: Sulina, 2008, p. 165-178. MAGALHÃES, Francisco Laerte Juvêncio. Veja, Istoé, Leia: Produção e disputas de sentido na mídia. Teresina: EDUFPI, 2003. PUBLIABRIL.COM. Disponível em: http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja. Acesso em: 04 de julho de 2016. SUPER.ABRIL.COM. Disponível em: http://super.abril.com.br/multimidia/memes-682294.shtml. Acessado em: 03 de julho de 2016.

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MELO, Itamar. Entenda a polêmica após matéria com perfil de Marcela Temer. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/04/entenda-a-polemica-apos-materia-com-perfil-de-marcelatemer-5783059.html. Acessado em: 21 de junho de 2016. RODRIGUES, Adriano Duarte. O acontecimento. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e ―estórias‖. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999, p. 27-33. RIBEIRO, Djamila. Bela, recatada e do lar: matéria da „Veja‟ é tão 1792. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/bela-recatada-e-do-lar-materia-da-veja-e-tao-1792. Acessado em: 21 de junho de 2016. RIBEIRO, Zeca. Câmara autoriza instauração de processo de impeachment de Dilma com 367 votos a favor e 137 contra. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/507325-CAMARA-AUTORIZA-INSTAURACAO-DEPROCESSO-DE-IMPEACHMENT-DE-DILMA-COM-367-VOTOS-A-FAVOR-E-137-CONTRA.html. Acessado em: 21 de junho de 2016. TRAQUINA, Nelson. As notícias. In: ______ (org.). Jornalismo: questões, teorias e ―estórias‖. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999, p. 167-176. ______. Teorias do jornalismo, porque as notícias são como são. 2.ed., v.1, Florianópolis: Insular, 2005, p. 19-89. VEJA. Disponível em: https://acervo.veja.abril.com.br/#/edition/37715?page=1&section=1. Acesso em: 16 de junho de 2016. VEJA.COM. Disponível em: http://veja.abril.com.br/tecnologia/belarecatadaedolar-os-memes-sobre-a-reportagem-deveja/. Acessado em: 21 de junho de 2016. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação de Massa. 7. ed. Lisboa: Presença, 2002, p. 188-199.

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REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS DE TERESINA NO PROGRAMA RADIOFÔNICO “PAINEL DA CIDADE” Isabela Naira Barbosa Rêgo2 Janete de Páscoa Rodrigues3

RESUMO Conforme Meditsch (1999) o discurso jornalístico não deve ser visto como uma descrição tal qual da realidade, mas sim como uma construção. Ao mesmo tempo, em Bakhtin (1997) percebemos que essa construção se efetua através da linguagem, isto é, na esfera ideológica. Analisamos o Programa Painel da Cidade (PPC) da Rádio Pioneira de Teresina a partir de tais perspectivas. Utilizamos a técnica de Análise de Conteúdo Categorial formulada por Bardin (2011). O objetivo geral deste artigo é analisar as representações midiáticas que são feitas da cidade de Teresina no PPC. A partir da escuta do programa entre os meses de julho e setembro de 2015, foi compilado um áudio que é o objeto de análise deste trabalho. As análises do referido áudio revelaram que este apresenta sentidos identitários culturais teresinenses com foco em infraestrutura urbana, violência urbana, saudosismo e mobilidade urbana. Também, concluímos que, devido ao histórico da emissora, a moral católica tem bastante influência na linguagem e na forma como os conteúdos sobre a cidade são abordados. Palavras-chave: Radiojornalismo; Programa Painel da Cidade; Representações midiáticas; Teresina; Vida urbana.

Introdução

F

undada em 1962, a Rádio Pioneira de Teresina foi idealizada pelo bispo Dom Avelar Brandão Vilela que tinha o desejo de ampliar a influência da mensagem católica e também acreditava na possibilidade de um projeto educativo através do rádio para combater o analfabetismo que assolava a população. A rádio surgiu como integrante da Rede Nacional de Emissoras Católicas, de responsabilidade da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), responsável pela criação do Movimento de Educação de Base (MEB). A Rádio Pioneira de Teresina foi a terceira emissora a ser implantada no Piauí e se consolidou no mercado de comunicação do estado, sustentando o slogan de emissora que trabalha a ―serviço da verdade‖. Seu nome remete a esse pioneirismo de ter iniciado no estado um trabalho de educação à distância via rádio. O carro-chefe de sua programação é o radiojornalismo, mas a emissora também conta com programas esportivos, musicais e religiosos. O Programa Painel da Cidade (PPC) está no ar desde 1989. O PPC é veiculado no horário da manhã de segunda a sábado e tem como principal característica a participação dos ouvintes, que ligam para reclamar e fazer denúncias sobre problemas urbanos que dizem respeito ao cotidiano da cidade. Na apresentação, o radialista Joel Silva conversa com os ouvintes e entrevista no estúdio autoridades ou representantes do poder público local para tratar sobre as temáticas abordadas durante a programação. O apresentador costuma comentar as notícias e as reclamações dos ouvintes, cobrando soluções dos problemas por parte dos agentes públicos responsáveis. O objetivo deste artigo é analisar as representações midiáticas que são feitas da cidade de Teresina no PPC. O corpus da pesquisa é um áudio que foi compilado a partir de trechos do programa exibidos entre os meses de julho a setembro de 2015. Como procedimento metodológico, utilizamos a técnica de Análise de Conteúdo Categorial (AC) nos moldes propostos por Bardin (2011) que considera AC como um conjunto de técnicas de análise das comunicações. 1

Trabalho apresentado no GT 03. Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí – PPGCOM/UFPI. Teresina-PI. E-mail: isabelarego.nbr@gmail.com. 3 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Professora da Universidade Federal do Piauí . Teresina-PI. E-mail: janeteufpi@gmail.com. 164 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


O rádio e a cidade Conforme Raquel Rolnik (1995), a cidade é uma obra coletiva articulada pela imaginação e trabalho dos homens. Em virtude da essencial práxis humana, que marca os cenários urbanos, a concepção de cidade está diretamente ligada à questão das representações. Embora esse seja um conceito complexo, abordado por diferentes campos do conhecimento, entendemos representação aqui como ―sinônimo de signos, imagens, formas ou conteúdos de pensamento, atividade representacional dos indivíduos, conjunto de ideias desenvolvidas por uma sociedade‖ (FRANÇA, 2004, p.14). Borges (2009) elenca como sistemas de representação: o saber científico, o religioso e o senso comum; os quais operam como geradores de significados, que orientam os indivíduos a produzirem diferentes visões de mundo. Diante disso, Borges (2009) enfatiza que a intensa atividade representacional possibilita que as pessoas elaborem significações diversas sobre as cidades em que vivem. ―Estas representações podem ser apreendidas na fala cotidiana nas ruas, nos discursos dos intelectuais ou nas mensagens que circulam na mídia e, a despeito de seu caráter norteador, os sentidos que elas modelam não são uníssonos‖ (Borges, 2009, p.20). Sobre a representação das cidades na mídia, o autor prossegue. Contemporaneamente, os modernos meios de comunicação, associados às tecnologias da informática, constituem dispositivos fundamentais de materialização e circulação de informações e representações numa escala sem precedentes. (...) Antes, porém, da consolidação da comunicação midiática eletrônica, a pintura e os materiais impressos tiveram importância crucial na materialização de representações sobre a cidade e sobre a vida urbana (BORGES, 2009, p. 24).

No que se refere a identidades e processos de representação, podemos citar ainda as reflexões feitas por Tomaz Tadeu da Silva (2009) que explica que a representação não é o real em si, mas um sistema de significação caracterizado pela indeterminação, ambiguidade e instabilidade, que são inerentes à linguagem. ―A representação é, como qualquer sistema de significação, uma forma de atribuição de sentido. Como tal, a representação é um sistema linguístico e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder‖ (SILVA, 2009, p.91). Sobre este último ponto, o autor enfatiza que para questionar as identidades ou as diferenças, faz-se necessário questionar os sistemas de representação, pois quem tem o poder de representar tem o poder de determinar a identidade. Nessa perspectiva, Woodward (2009) enfatiza que as práticas de significação e os sistemas simbólicos que estão inclusos na representação possibilitam a produção de significados, permitindo assim que os indivíduos posicionem-se como sujeitos. Desse modo ela afirma que, ―é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos‖ (WOODWARD, 2009, p.17). Uma concepção comum compartilhada entre os diversos campos do conhecimento na interpretação da cidade é a sua dimensão cultural. Pois, ―a cidade não se expande só no território, porque ela não é apenas o espaço físico, mas todo um emaranhado de ideias, aspirações e utopias‖ (GASTAL, 2006, p.213). Nessa perspectiva, Angela Prysthon (2006) argumenta que a cidade deve ser analisada como integrante de um sistema comunicacional. A construção imaginária da cidade produzida pelas indústrias culturais é constituída e constitui-se a partir de um permanente diálogo com o cidadão, que contrasta sua experiência real e cotidiana com a versão midiática. Os habitantes da cidade negociam as leituras e propostas urbanas que a mídia oferece através da reconstrução constante de espaços imaginários. A cidade é um grande cenário de imagens e de linguagens, uma esfera intercambiante de fronteiras de sentidos. A cidade é um sistema de interação comunicativa entre os atores sociais, responsáveis pela produção de uma cultura e simbologias urbanas. Estudá-la sobre o ponto de vista comunicativo é descrever e interpretar a história e os cenários urbano e periférico. É pensar o papel da cidade através da leitura do espaço e suas representações como parte integrante de um sistema comunicacional (PRYSTHON, 2006, p.07).

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Dentro dessa lógica, Paul Virilio (1993) afirma que a experiência contemporânea da cidade, via meios eletrônicos, transforma os citadinos em interlocutores em um fluxo de informações permanente. Nessa argumentação, o autor salienta a constituição da interface, que permitiu o rompimento de barreiras espaciais e de distâncias temporais, desobrigando a interação face a face. Em uma problematização sobre essas mediações tecnológicas na América Latina, Martín-Barbero (2004) destaca que a cidade é marcada por uma ―heterogeneidade simbólica‖, proveniente de uma cultura eminentemente oral, que abarca diversas temporalidades e provoca mudanças nas formas de viver a identidade. Mudanças que se acham, se não determinadas, ao menos fortemente associadas às transformações tecnoperceptivas da comunicação, ao movimento de desterritorialização e internacionalização dos mundos simbólicos e ao deslocamento de fronteiras entre tradições e modernidade, entre o local e o global, entre cultura letrada e cultura audiovisual. Na investigação sobre esses modos de estar juntos aparecem em primeiro plano as transformações da sensibilidade que produzem os acelerados processos de modernização urbana e os cenários de comunicação que, em seus fluxos e fragmentações, conexões e redes, constroem a cidade virtual (MARTÍN-BABERO, 2004, p.279).

Martín-Barbero (2004) argumenta, ainda, que os meios de comunicação eletrônicos, como o rádio e a televisão, contribuem para compensar a desagregação que a urbanização promove entre as populações marginalizadas, tornando-se meios de resistência e de vinculação social. Quem corrobora com esse pensamento, é o autor mexicano Néstor García Canclini (2002). Do passeio flâneur que reunia informações sobre a cidade para depois transferi-las às crônicas literárias e jornalísticas, passamos em cinquenta anos, ao helicóptero que sobrevoa a cidade e oferece a cada manhã, através da tela do televisor e das vozes do rádio, o panorama de uma megalópole vista em conjunto, sua unidade recomposta por quem vigia e nos informa. Os desequilíbrios e incertezas engendrados pela urbanização que desurbaniza, por sua expansão irracional e especulativa, parecem ser recompensados pela eficiência tecnológica das redes de comunicação (CANCLINI, 2002, P.41).

Desse modo, Canclini (2002) considera que as informações veiculadas pelos meios de comunicação sobre o que acontece nos lugares mais distantes da cidade faz com que os indivíduos não se sintam deslocados em meio à explosão demográfica nas periferias. Na obra ―Rádio e cidade: vínculos sonoros‖, Menezes (2007) traz algumas considerações que entendemos serem pertinentes para a análise do PPC. Segundo o autor, as emissoras de rádio inserem os ouvintes em uma ordem simbólica. Ele afirma que, no momento da escuta radiofônica, ―indivíduos partilham de um ambiente sonoro, participam dos ritmos do rádio e da cidade, vivenciam um ritmo social que funciona como elo entre o ritmo cosmológico e o ritmo biológico‖ (MENEZES, 2007, p.61-62). Frente a isto, o autor lança um questionamento sobre a relação entre os ritmos dos corpos, os ritmos da cidade e os ritmos do rádio. E, nesse aspecto, propõe pensar sobre as complexas temporalidades que se inserem no contexto da participação comunicativa no rádio (MENEZES, 2007, p.63). Nesta perspectiva, os ouvintes são vistos não apenas como meros receptores, mas como co-produtores que constroem significações sobre a cidade ao participarem dos programas radiofônicos. O autor enfatiza ainda que ―o rádio é um dos meios que possibilitam a sincronização da vida urbana‖ e acrescenta que enxerga a cidade ―como o lugar onde a percepção do tempo passou a ser progressivamente acelerada‖ (MENEZES, 2007, p.74). Essa proposição de pensar o rádio a partir de sua relação com a vida urbana leva-nos a refletir no processo de midiatização por que passam as cidades, isto é, que cada vez mais organizam-se em torno de processos comunicacionais. ―Imagens e imaginários, modos de viver nas cidades que se espelham e se espalham através de veículos, formas e conteúdos midiáticos. Simbiose profunda entre o lugar midiático e o espaço tempo-urbanos‖ (ROCHA, 2008, p. 91).

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Nessa perspectiva, Rocha (2008) utiliza o termo cidade-mídia para retratar o espaço urbano que, na contemporaneidade, é atravessado por uma profusão de imaginários, afetos e sentidos possibilitada pelo intenso fluxo de processos comunicacionais. Diariamente, no estúdio do PPC, Joel Silva costuma entrevistar políticos, autoridades públicas ou representantes de entidades civis para a discussão de algum tema de interesse da população. Durante as entrevistas, os ouvintes podem ligar ou mandar mensagem pelas redes sociais para fazer perguntas aos entrevistados. Joel Silva costuma comentar os acontecimentos noticiados e as reclamações feitas pelos ouvintes, no sentido de cobrar soluções por parte dos setores responsáveis. Durante o programa, também são divulgadas notas de utilidade pública, dentre outros assuntos de cunho assistencialista, tais como: busca por desaparecidos, pedido de emprego, e solicitações de cadeiras de roda. Em entrevista4 concedida à autora deste estudo, Joel Silva considerou que o PPC realiza um jornalismo comunitário. O apresentador salientou a ênfase do programa na prestação de serviço e na participação do ouvinte. O termo usado pelo radialista insere-se na perspectiva da chamada comunicação comunitária. Peruzzo (1998) ressalta que na comunicação comunitária a participação da comunidade se estabelece em diferentes níveis: (1) no envio de mensagens referentes a questionamentos, denúncias ou sugestões; (2) na produção de conteúdos a serem veiculados; (3) no planejamento da política editorial do veículo; (4) na gestão administrativa da instituição de comunicação. Nessa perspectiva, nota-se que a comunicação comunitária no PPC, argumentada por Joel Silva, pode ser questionada, pois a participação dos ouvintes não atende a todos os níveis requisitados para ser denominada como tal. Em estudo sobre o rádio na era da informação, Meditsch (1999) apresenta a concepção do jornalismo na construção do conhecimento. Segundo o autor, o discurso jornalístico não deve ser visto como uma descrição tal qual da realidade, mas sim como uma construção. Essa perspectiva construcionista é defendida por Traquina (1993) que entende o fazer jornalístico como um processo de interação social. Destacam-se também os estudos de Tuchman (1976) com o conceito de enquadramento para tratar a delimitação da realidade pelo jornalismo. A construção da realidade pelo jornalismo, nos diversos veículos, efetua-se através da linguagem. Nesse sentido, Bakhtin (1997) adverte que, No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da fórmula jurídica, etc. Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social (BAKHTIN, 1997, p.33).

Diante dessas proposições de jornalismo como construção da realidade e da representação como discurso ideológico, analisamos o PPC a partir de tais perspectivas. O formato jornalístico alternativo do programa é marcado pelo intenso diálogo dos ouvintes com o apresentador. Os conteúdos dessas conversas são geralmente de interesse público e referem-se a informações sobre Teresina, tornando o PPC um espaço favorável para observar a produção de sentidos sobre a cidade. Teresina nas ondas do rádio O áudio analisado está organizado em cinco partes, que correspondem a diálogos entre o apresentador e os ouvintes e entre o apresentador e os colaboradores do programa. Para a AC, fizemos uma descrição de cada parte e consideramos como subcategorias palavras-chave que resumem o sentido do trecho em destaque. Conforme Bardin (2011), o critério de categorização pode ser semântico, por meio de categorias temáticas,

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Entrevista concedida por Joel Silva a esta pesquisadora na Rádio Pioneira no dia 18 de julho de 2013.

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modelo pelo qual optamos e, a partir disso, atribuímos uma categoria de acordo com a temática geral retratada. Assim, 39% do total das categorias verificadas inserem-se em Infraestrutura urbana, Violência urbana corresponde a 31% delas, Saudosismo corresponde a 19% e Mobilidade urbana equivale a 11% do total das categorias localizadas no áudio. Essas categorias foram encontradas a partir da análise das 26 falas que compõem o áudio. Constatamos que a categoria Violência urbana é recorrente nas duas primeiras partes do áudio e que as categorias Mobilidade Urbana, Saudosismo e Infraestrutura urbana correspondem respectivamente à terceira, quarta e quinta parte do mesmo. Já no início das análises, o áudio revela a primeira categoria observada nas narrativas do PPC, violência urbana. Este momento inicial do áudio consiste na participação de um ouvinte, por telefone, o qual chamamos de Ouvinte 1. Ele identifica-se como taxista e denuncia que pessoas travestidas de taxistas estariam assaltando passageiros. Bastante revoltado com a situação, o Ouvinte 1 alerta às pessoas que utilizam táxis para a violência e cobra da prefeitura de Teresina a fiscalização e a devida identificação e padronização dos carros para oferecer maior segurança para os taxistas e passageiros. A segunda parte do áudio também apresenta a primeira categoria identificada no PPC, violência urbana, consiste na participação do Ouvinte 2 por mensagem de texto que avisa sobre um assassinato que havia ocorrido há poucos instantes no bairro Lourival Parente, zona sul de Teresina. O operador de áudio do PPC, Edilson Melo, é quem repassa a informação para o apresentador Joel Silva e ambos travam um diálogo a respeito do ocorrido. De acordo com as informações dadas pelo ouvinte, o jovem que foi morto era conhecido como ‗Lourinho da Vila da Paz‘ e vivia na criminalidade. Nesse momento, o operador de áudio e o apresentador destacam o envolvimento dos jovens da periferia de Teresina com as drogas e a violência e atribuem a situação à falta de políticas públicas para a juventude. Sobre a questão da violência urbana, resgatamos aqui as considerações de Martín-Barbero (2004) que com um olhar apurado para a realidade das periferias na América Latina descreve a rua como ―lugar de uma violência particular no circuito insegurança-repressão‖ (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.113). Segundo o autor, a rua é um espaço que integra o conjunto da vida cotidiana e no qual é possível perceber as diversas mediações sociais que trabalham na conformação das identidades. Na terceira parte do áudio, surge a segunda categoria observada, mobilidade urbana. Nesse trecho, o Ouvinte 3 telefona para o PPC e reclama da engenharia de trânsito de Teresina. Ele cita uma obra prometida pelos governantes, que seria importante para melhorar o tráfego no centro da capital, o rebaixamento da Avenida Frei Serafim. Segundo o ouvinte, esta obra não acontece porque contraria interesses econômicos de proprietários de empresas localizadas no local. O ouvinte comenta que em Teresina os interesses econômicos privados são priorizados em detrimento do interesse público. Ainda no âmbito da mobilidade urbana, o ouvinte prossegue fazendo duras críticas à prefeitura de Teresina em virtude da implantação das faixas exclusivas para ônibus. O ouvinte critica esta medida, pois diz que atrapalha a livre circulação dos cidadãos. Defende, portanto, que a mesma deveria ser contestada na Justiça, pela Ordem dos Advogados do Brasil. Por fim, sobre este último ponto, ele considera que foi uma mudança que a prefeitura implementou à força, e critica a passividade da população de Teresina diante do fato, chamando o povo do lugar de ―acomodado‖. Na sequência, o apresentador endossa a crítica do ouvinte à engenharia de trânsito da capital. O locutor enfatiza que nenhuma empresa pode se sobrepor ao interesse público e que para isso basta que o gestor público tenha dignidade. Quanto às faixas exclusivas para ônibus, Joel Silva considera que um dos lugares onde essa medida causou mais problemas para os motoristas foi no cruzamento das avenidas Pires de Castro e Frei Serafim, no centro da cidade, onde os ônibus precisam dobrar à esquerda bloqueando os carros que vêm na paralela. Em tom de crítica, o radialista diz que a situação não tem lógica, pois aumenta o risco de acidentes e sugere mudanças no trajeto dos ônibus nessa região. A terceira categoria verificada é o saudosismo e se encontra na quarta parte do áudio, que consiste na fala do advogado Gilberto Ferreira, comentarista político no PPC aos sábados. Na ocasião, em virtude das comemorações do aniversário de 163 anos da capital, ele faz uma breve recordação de como era Teresina no 168 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


passado. Numa comparação do passado com o presente, o comentarista cita o poeta Arimathéa Tito Filho para dizer que Teresina que um dia foi uma menina hoje é uma senhora com vários e sérios problemas. Inicialmente, o comentarista critica a concentração de renda e o crescimento desordenado da cidade. Destaca a falta de assistência do poder público às pessoas que vivem na periferia e cobra das autoridades mais investimentos nas áreas da saúde, educação e segurança pública. Sobre este último ponto, enfatiza a violência e lamenta o elevado número de jovens mortos diariamente. Em seguida, Gilberto Ferreira fala de lugares que escondem memórias da cidade, como a Igreja São Benedito e o Mercado Central e destaca as praças, que no passado representavam centros de convivência e marcavam a vida noturna da juventude teresinense. Nesse contexto, relembra o Restaurante Carnaúba que não existe mais e o prédio do Quartel da Polícia Militar que virou a Central de Artesanato. O comentarista ressalta que as praças públicas foram trocadas pelas praças de alimentação dos shoppings e considera que isso provoca uma exclusão, pois nem todos têm dinheiro para frequentar esses espaços. Critica também a falta de valorização do patrimônio histórico, citando como exemplo a derrubada de prédios antigos no centro da cidade para dar lugar a estacionamentos. O comentarista diz que a vida dos teresinenses tem sido marcada pelo desemprego e pela violência urbana. Ele critica, ainda, a poluição dos rios Poti e Parnaíba e o baixo índice de saneamento básico, afirmando que em Teresina 85% da população não tem serviço de esgotamento sanitário. Por fim, o advogado reclama do silêncio das autoridades diante da violência que tem provocado a morte de muitos jovens. Ele argumenta que falta oposição ao governo estadual por parte dos deputados que ocupam a Assembleia Legislativa em Teresina e que isso favorece ao jogo de interesses, que atrapalha o desenvolvimento de verdadeiras políticas públicas. E finaliza criticando a falta de infraestrutura urbana a que a população é submetida em Teresina. Na quinta e última parte do áudio, detectamos a última categoria de análise encontrada, infraestrutura urbana. Trata-se de um diálogo entre Joel Silva e a Ouvinte 4 que vai aos estúdios da Rádio Pioneira de Teresina fazer uma reclamação contra a Agespisa (Agência de Águas e Esgotos do Piauí S/A) sobre vazamento de água num cano quebrado na rua de sua casa. A ouvinte diz para o apresentador que resolveu ir até os estúdios da emissora para chamar atenção das autoridades na tentativa de ter o problema solucionado. A ouvinte reclama que o vazamento de água acontece há uma semana, que já telefonou para a Agespisa e chegou a ir pessoalmente à agência, mas nada foi feito. Ela reclama da burocracia e do mau atendimento da empresa. A ouvinte diz ainda que no caminho para a emissora encontrou outro vazamento de água, desta vez no canteiro central da Avenida Frei Serafim, uma das maiores e mais movimentadas da capital, e cobra a resolução por parte das autoridades e se diz indignada com o desperdício de água na cidade. Joel Silva parabeniza a atitude da ouvinte em ter se dirigido até a rádio e denomina como ato de cidadania a atitude da ouvinte. Ele reitera a denúncia feita pela mulher, critica a ineficiência do Estado e cobra da Agespisa a resolução dos dois vazamentos. Segundo Martín-Barbero (2004), na América Latina, o processo de urbanização está ligado à busca das maiorias por melhores condições de vida, à cultura do consumo advinda dos países desenvolvidos e aos novos meios de comunicação. Ele explica que, no contexto urbano, a produção e circulação da cultura passaram a ser massivas, implicando não apenas em inovações tecnológicas, mas também em novas formas de sensibilidade, inclusive nos modos de vivenciar o dia a dia da cidade. É a partir das novas maneiras de juntar-se e excluir-se, de desconhecer-se e se reconhecer que adquire consistência social e relevância cognitiva aquilo que passa em e pelas mídias e pelas novas tecnologias de comunicação. Pois foi aí que as mídias começaram a construir o público, a mediar na produção de imaginários que de algum modo integram a desgarrada experiência urbana dos cidadãos (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.220).

Percebemos que o PPC é utilizado, prioritariamente, pelos ouvintes como um espaço midiático para reclamarem de problemas que atingem seus bairros. As falas observadas, no áudio, evidenciam discursos que constroem sentidos de identidade urbana. Teresina é descrita pelos ouvintes que ligam para o programa como uma cidade deficiente nos quesitos de mobilidade urbana, infraestrutura e segurança pública. Além disso, é Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 169


possível constatar um discurso saudosista que exalta o passado e critica o presente marcado pelos problemas urbanos já citados. Observamos, portanto, nesse áudio que o bairro se apresenta como um lugar de construção de identidades sociais, conforme defende Martín-Barbero (2004). Logo, ao reclamarem de problemas de seu bairro, os ouvintes estão reclamando de problemas que os atingem, demonstrando assim o vínculo de pertencimento ao local. Ou seja, essas participações são dotadas de socialidade, nos termos do autor supracitado, isto é, esses ouvintes exercem papel de porta-vozes de uma determinada comunidade. No áudio, os sentidos atribuídos à Teresina, que foram percebidos, expressam, em sua grande maioria, crítica e descontentamento com os gestores públicos. Notamos aqui o que é dito por Canclini (2001) sobre a mídia na supressão do papel dos sujeitos políticos, em que desapontados com a burocracia do Estado, dos partidos e dos sindicatos, enxergam nos veículos de comunicação a oportunidade de conseguirem o que as instâncias cidadãs não lhes providencia. Nesse escopo, Canclini (2002) destaca os programas de rádio que, a exemplo do PPC, abrem suas linhas telefônicas para que qualquer pessoa que queira manifestar sua opinião possa participar, servindo de fórum para os cidadãos. As frequentes referências dos ―ouvintes que falam‖ a instituições que não funcionam, funcionários que não atendem a seus pedidos ou somente os atendem mediante alguma forma de corrupção, expõem o rádio, bem como a imprensa e a televisão, como substitutos dos procedimentos ―normais‖ de representação e consideração do interesse público (CANCLINI, 2002, p.47).

Além disso, recorremos nestas análises àquilo que Reguillo (2005) destaca sobre a contribuição dos meios de comunicação na construção simbólica das cidades. ―A cultura urbana é, portanto, a articulação densa e complexa de um cenário, a posição dos atores, as regras e o domínio que possuem os atores sobre tais regras, os objetos – materiais e simbólicos – sobre os quais operam os atores‖ (REGUILLO, 2005, p.75-76).5 A autora alega que a cidade deve ser vista não apenas na perspectiva territorial, mas também como uma grande rede de comunicação que interpela os sujeitos de diversos modos, configurando-se assim em um espaço onde coexistem diferentes identidades. A autora explica que essa diversidade existe porque fatores como gênero, idade, classe social e religião interferem na forma como as pessoas experimentam a cidade e nela atuam. A perspectiva de Reguillo (2005) coaduna-se com as concepções de Martín-Barbero (2004) que propõe uma investigação da cidade com seus novos cenários urbanos de comunicação construídos pelos imaginários e pela mídia. Trata-se, conforme o autor, da cidade-acontecimento cujos cenários trazem à tona problemas como a corrupção e a ineficiência dos serviços públicos e que ao interpelarem a audiência contribuem para a conformação de uma identidade-cidadã entre os marginalizados. Nessa configuração, os sujeitos citadinos deparam-se com um contexto de Heterogeneidade simbólica e inabarcabilidade da cidade, cuja expressão mais certa está nas mudanças que atravessam os modos de experimentar a pertinência ao território e as formas de viver a identidade. Mudanças que se acham, se não determinadas, ao menos fortemente associadas às transformações tecnoperceptivas da comunicação, ao movimento de desterritorialização e internacionalização dos mundos simbólicos e ao deslocamento de fronteiras entre tradições e modernidade, entre o local e o global, entre cultura letrada e cultura audiovisual. Na investigação sobre esses novos modos de estar juntos aparecem em primeiro plano as transformações da sensibilidade que produzem os acelerados processos de modernização urbana e os cenários de comunicação que, em seus fluxos e fragmentações, conexões e redes, constroem a cidade virtual (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.279).

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(Texto original) La cultura urbana es entonces la articulación densa y compleja de un <<escenario>>, la posición de los actores, las reglas y el dominio que poseen los actores sobre dichas reglas, los objetos – materiales y simbólicos – sobre los que operan los actores (REGUILLO, 2005, p.75-76). 170 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Entendemos que o PPC deve ser visto dentro dessa perspectiva de construção simbólica da cidade de Teresina. A nosso ver, isso perpassa não apenas a produção, mas tem repercussões na recepção, ou seja, nas negociações de sentido que os ouvintes fazem com tal produto midiático e que convergem para a construção de concepções de identidades teresinenses. Considerações finais Nesse contexto participativo, propiciado pelo PPC, constitui-se um mosaico no qual a cidade vai sendo representada, por meio das diversas vozes. O próprio nome Painel da Cidade busca fazer uma analogia com a proposta comunicacional do programa. Dentre os diversos significados atribuídos à palavra painel no dicionário, encontramos o de ―panorama‖ e o de ―reunião para debate‖, que consideramos os mais próximos aos objetivos pretendidos pelo programa radiofônico. Na primeira perspectiva, entendemos que o PPC procura dar uma visão ampla da cidade e na segunda perspectiva destacamos a provocação do apresentador para que os ouvintes liguem e colaborem na construção do programa. A imagem de ―panorama‖ está associada à visão da produção midiática, que entende o jornalismo como lugar de observação da realidade. Por outro lado, em uma interpretação mais aprofundada estaria o significado de ―reunião para debate‖ de determinado assunto, que, no caso específico, seria a própria cidade. Acreditamos que essas duas perspectivas coadunam-se em virtude das proposições ideológicas que orientam a emissora no sentido de promover uma comunicação que valorize a participação das pessoas. Desse modo, o PPC pode ser visto como um painel construído pelas diversas vozes que o utilizam como canal de expressão e representação de uma cidade multifacetada, e que encontram na possibilidade de participação democrática pelo rádio sua visibilidade. Contudo, conforme aporte teórico aqui utilizado, ressaltamos que como qualquer outro programa de cunho jornalístico, o PPC não abarca ou veicula a total realidade da cidade de Teresina, mas sim opera por meio da linguagem e das técnicas jornalísticas uma construção da mesma. Pois, por mais que haja uma multiplicidade de vozes, que por vezes chegam a ser antagônicas, há um enquadramento, ou seja, um posicionamento institucional da emissora diante dos diversos acontecimentos, pautado na linha editorial, que no caso da Rádio Pioneira de Teresina está intimamente ligada à religião e moral católica, e esse enquadramento direciona a forma como os assuntos sobre a cidade são abordados, ou seja, o lugar de fala da emissora. Verificamos que Teresina é retratada no PPC por meio de discursos críticos relativos a problemas urbanos, além de manifestações que exaltam o passado, em decorrência do aniversário de 163 anos da capital. Diante das falas do apresentador Joel Silva e de seus interlocutores, percebemos uma construção identitária da cidade de Teresina por meio das representações do cotidiano no programa investigado. Esse entendimento condiz com a perspectiva dos teóricos dos estudos culturais tratados neste estudo, em que a cultura é concebida como fundamento das relações sociais. Nos diversos diálogos entre o locutor e os ouvintes dos PPC acontece o compartilhamento de valores, experiências, hábitos e rotinas, e, desse modo, ocorre a negociação simbólica por meio da qual a cidade é significada. Referências BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BORGES, Luiz Filipe Ciribelli. Sujeitos e espaços televisionados: configurações de sentidos sobre os habitantes do Rio no telejornal RJTV. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. CANCLINI, Néstor García. Cidades e cidadãos imaginados pelos meios de comunicação. Revista Opinião Pública. Campinas, Vol. 8, nº1, 2002, pp.40-53.

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“OI, FALA!”: TWITTER1

UMA ANÁLISE DISCURSIVA NA REPERCUSSÃO DO CASO DA JORNALISTA FERNANDA GENTIL NO

Débora da Rocha Sousa2 Joely da Rocha Sousa³ Francisco Laerte Juvêncio Magalhães4 RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar as estratégias discursivas das matérias de portais referentes ao caso da jornalista Fernanda Gentil, que após se separar do marido, assumiu um relacionamento com outra mulher, e foi alvo de muitas críticas. Em uma delas, um usuário do twitter colocou no perfil da jornalista a palavra ―sapatão‖ e o caso repercutiu em todo o país. Busca-se entender como e por meio de quais estratégias as matérias jornalísticas tratam o ocorrido. Adotamos como aporte teórico metodológico a Análise de Discurso Crítica (ADC), que busca perceber as práticas discursivas como práticas sociais. Neste sentido, utilizaremos autores como Fairclough e Resende Vieira, dentre outros. O corpus é composto de duas matérias jornalísticas que falam diretamente do caso. Com as novas tecnologias da informação, o webjornalismo tem se tornando uma grande fonte de informação aos seus usuários, que procuram por notícias atualizadas em tempo real. Palavras-chave: Twitter; Fernanda Gentil; Jornalismo; Preconceito.

Introdução

A

jornalista Fernanda Gentil se tornou nacionalmente conhecida ao começar a apresentar programas esportivos na Rede Globo de televisão, maior emissora do Brasil. Com a fama e a visibilidade e até mesmo por tratar de um assunto que é tão ―genuinamente‖ brasileiro e masculinizado – o futebol –, ela se tornou querida pela grande massa. Com a visibilidade e todos os elogios que a fama traz, vem também aspectos negativos, com a principal influência das redes sociais, que expõem figuras que já são públicas, mas abrem portas para a interatividade. E através dela, o dono do perfil tem uma espécie de feedback do que está acontecendo, do que falam e isso está cada vez mais presente do dia a dia dos brasileiros que usam as redes sociais para se comunicar, se informar e interagir. Fernanda gentil, no ano de 2016, viveu a experiência do lado negativo. Após de divorciar do então marido, com quem sempre postava fotos juntos e do nascimento do filho, ela assumiu um namoro com a também jornalista Priscila Montandon e a partir desse momento, mesmo tendo muito apoio dos seus fãs, Fernanda passa a sofrer séries de agressão em suas redes sociais. A mais recente e também a mais ofensiva, é a que vamos tratar no presente trabalho, quando a ofensa surge na página do twitter de Fernanda quando um internauta posta ―sapatão‖ e então, ironicamente, a jornalista responde com ―oi, fala‖. Isso gerou uma série de discussões envolvendo questões de dois lados: os que julgavam mal a escolha e mudança de Fernanda com relação ao seu parceiro e aqueles que apoiaram e torciam pelo novo casal assumido.

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Trabalho apresentado no GT 03 – Narrativas Midiáticas do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduanda da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: deborarochasousa@gmail.com ³ Graduada pela Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: joely.rocha@hotmail.com 4 Professor Doutor da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: flaerte@msn.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 173


Esse estudo pretende analisar as estratégias discursivas que os portais utilizaram na produção de sentidos acerca do caso ocorrido com Fernanda Gentil no twitter. O caso analisado aconteceu no dia 13 de fevereiro de 2017. Análise de Discurso A Análise de Discurso é uma abordagem científica interdisciplinar para estudos críticos da linguagem como prática social, que é, segundo Resende e Ramalho (2011) ―uma entidade intermediária que se situa entre as estruturas sociais, mais fixas e as ações individuais mais flexíveis, assim, tornando-se um instrumento de poder‖. O principal material empírico em Análise de Discurso Crítica é o texto, e tem por objetivo entender como é gerada a produção de sentidos no âmbito social (RESENDE E RAMALHO, 2011). Em ―Discurso e Mudança Social‖, Fairclough (2011) diz que quando se utiliza do termo ‗discurso‘, está querendo considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual. O autor diz que isso gera reflexos, como, por exemplo, o discurso ser um modo de ação – uma forma de representação do eu e do outro –, depois, cria uma relação dialética entre discurso e estrutura social. Ele diz ainda que o discurso é formado e ―limitado‖ pela estrutura social e também contribui para todas as dimensões da mesma. ―O discurso é uma prática, não apenas de representação no mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.‖ (2011, p. 91). Diante da produção de sentido, Fairclough analisa que: As ideologias construídas nas convenções podem ser mais ou menos naturalizadas e automatizadas, e as pessoas podem achar difícil compreender que suas práticas normais poderiam ter investimentos ideológicos específicos. Mesmo quando nossa prática pode ser interpretada como de resistência, contribuindo para a mudança ideológica, não estamos necessariamente conscientes dos detalhes de sua significação ideológica. (FAIRCLOUGH, 2011, p. 120)

Webjornalismo: informação online Com o surgimento da internet entre 1970 e 1980, a sociedade passa a se modernizar, utilizando essa nova ferramenta para variados fins. Mielniczuk (2001, p. 01) fala que antes mesmo da invenção da sigla www (World Wide Web) a internet já era utilizada para que houvesse troca de informações, porém os recursos eram escassos e só determinadas pessoas poderiam utilizá-los. Mielniczuk (2001, p. 01) aponta que a internet só começa a ser usada para fins jornalísticos no início dos anos 90, o que podemos perceber uma lacuna de tempo de dez anos. A autora fala das diversas nomenclaturas que foram criadas para tentar explicar essa nova fase do jornalismo, visto que, até então, o comum eram apenas o jornal impresso, o rádio e a televisão. (MIELNICZUK, 2001, p. 01). Esse novo jeito do fazer jornalístico vai encontrar nomenclaturas como, por exemplo, ciberjornalismo, jornalismo online, webjornalismo, jornalismo eletrônico, jornalismo digital e todas as expressões denotam mesmo significado, embora alguns autores na atualidade já afirmem existir diferenças entre eles. Ainda segundo Mielniczuk (2011, p.2), podemos identificar três fases do jornalismo online. A primeira fase é quando as informações dispostas na internet eram apenas tiradas dos jornais impressos, inclusive com a mesma linguagem que esses grandes jornais utilizavam para elaboração dos textos, como se fosse apenas uma reprodução. A atualização do material da web, diferente do que é hoje, tinha um espaço de tempo de 24 horas e no máximo duas matérias eram reproduzidas online.

A segunda fase foi possível quando a tecnologia dos computadores e da internet começou a melhorar e passou-se a não somente copiar as matérias dos impressos, mas de se fazer a tentativa de algo novo, possível através dessa modernização.

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Foi na segunda fase do jornalismo online que os links começaram a aparecer trazendo notícias sobre o que havia acontecido entre o período de uma publicação e outra, o e-mail passa a ser uma das primeiras formas de interatividade, ajudando o leitor a se conectar com o jornalista, bem como outros recursos de hipermídia já conhecidos e bem explorados hoje. O cenário começa a modificar-se com o surgimento de iniciativas empresariais e editoriais destinadas exclusivamente para a Internet. Os sites jornalísticos ultrapassaram a idéia de uma simples versão para a Web de um jornal impresso e passam a explorar de forma melhor as potencialidades oferecidas pela rede. A partir daí, temos então o webjornalismo de fato. Na terceira fase, Mielniczuk (2001, p. 3) afirma que é um momento que pode-se ver o grande avanço da estrutura técnica relacionada às redes, tecnológico- no que diz respeito aos computadores pessoais- e esse conjunto de progresso dá possibilidade a um acesso mais rápido à sons, imagens, vídeos ao uso completo do que a internet oferece para o jornalismo de forma instantânea. Dentro desse novo jeito do fazer jornalístico, encontramos infinitas opções de melhorias, novas técnicas, possibilidades que incrementam e auxiliam a divulgar o jornalismo online na internet para cada vez ter mais acessos. Ao se falar em jornalismo online, muitas vezes só pensamos em textos e fotos, mas o que percebemos ao longo dos anos é a gama de ações e possibilidades na plataforma digital. Análise e resultados FERNANDA GENTIL Histórico Após passar pelo canal a cabo SporTV em 2009 fazendo produção e reportagem e em seguida apresentando o programa ―É Gol‖, cobrindo eventos como Olimpíadas de Inverno, Copa do Mundo 2010 e Copa América 2010; a jornalista Fernanda Machado Soares Gentil foi para a TV Globo em 2011. Em 2012 passou a apresentar o quadro ―Placar da Rodada‖, no "Jornal da Globo", além de apresentar eventualmente o "Globo Esporte". Ao ganhar destaque na cobertura ao vivo da Seleção Brasileira, Fernanda Gentil ganhou o título de musa da Copa das Confederações em 2013. Em setembro de 2014, assumiu o posto de apresentadora fixa do programa "Globo Esporte" no Rio de Janeiro, substituindo o posto deixado pelo jornalista Tiago Leifert. Atualmente a jornalista atua como repórter e apresentadora do programa Esporte Espetacular. Redes Sociais Com mais de um milhão de seguidores no Twitter, Fernanda Gentil interage diariamente na rede social abordando temas profissionais (pautas do programa que apresenta) e pessoais, como a rotina dos filhos e relacionamentos. As publicações, quase sempre em tons de bom humor, são carregadas de hashtags3 que acompanham as legendas das fotos que a jornalista publica na rede social Instagram, vinculada ao Twitter. A partir de suas publicações, os seguidores respondem e também são respondidos por ela. Quando casada com o empresário Matheus Braga, com quem namorou desde a adolescência, a jornalista fazia declarações de amor para o esposo com fotos dos dois e também com os filhos e recebia muitos comentários em resposta, com elogios e admiração dos seguidores. Após o final do de casamento, que durou três anos, e com o sucesso nas redes sociais, Fernanda foi convidada e aceitou transformar em livro o seu blog Gentil como a Gente, criado em março de 2013 – no qual contava sua experiência da vida a dois, homenageando o ex-marido na dedicatória do livro.

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Expressão comum utilizada pelos internautas que utilizam redes sociais que consiste em uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, popularmente conhecido no Brasil como ―jogo da velha‖. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 175


Em abril de 2016, a apresentadora confirma sua separação sem muitos detalhes do motivo e os fãs reagem, em sua maioria, com mensagens de apoio, apesar de se mostrarem chateados. No mesmo ano, alguns meses depois, Fernanda assume namoro com a jornalista Priscila Montandon. Desta vez, houve reações diversas. O nome da jornalista foi para o topo do "Trending Topics ", que são os assuntos mais comentados do Twitter. Alguns internautas elogiaram a atitude e desejaram felicidade às duas, outros manifestaram surpresa e alguns enviaram mensagens homofóbicas e irônicas, criticando o relacionamento, alegando, dentre outras coisas, as consequências que este poderia trazer para a vida dos filhos. “Sapatão” – “Oi, fala” Um dos comentários que mais repercutiu foi do internauta que, com o intuito de insultar a jornalista, marcou seu perfil no Twitter e escreveu ―sapatão‖ 4. Ironicamente e sem perder o bom humor característico, Fernanda respondeu o comentário apenas com ―Oi, fala‖.

Figura 1. Twitter da jornalista com resposta ao comentário do seu seguidor.

O caso viralizou por toda web; tanto nos sites de notícias quanto nas redes sociais. Milhares de pessoas elogiaram a atitude de Fernanda e, ao mesmo tempo, enviavam respostas para o usuário, que pouco tempo depois apagou o tweet e teve a conta suspensa da rede social. Análise Textual Nos dois textos, alguns dos atores sociais mais utilizados e representativos são internauta, Fernanda Gentil, sapatão, Priscila Montandon, Twitter, fãs e herdeiros. O primeiro texto analisado será do site extra.globo e tem como título ―Internauta que chamou Fernanda Gentil de 'sapatão' é suspenso do Twitter‖, publicado no dia 15 de fevereiro de 2017. O internauta é, inicialmente, incluído por ativação, como personagem que age de forma agressiva à opção sexual da jornalista, usando um termo de forma pejorativa, sendo apresentado como uma figura hostil. Sem ter seu nome citado em nenhum momento, a matéria adiciona uma característica à ele no segundo parágrafo, chamando-o de internauta homofóbico. Tal representação corresponde à abstração e avaliação negativa. Fernanda Gentil é outro ator social, representada primeiro por passivação, e apresentada por sua profissão de apresentadora, o que corresponde à categoria de funcionalização. Em seguida, é representada por ativação, quando responde a mensagem do internauta. A resposta classificada como irreverente, atrelada à naturalidade do comportamento de Fernanda, fazendo a figura da jornalista ser representada como afirmação avaliativa. Priscila Montandon é classificada por passivação, sendo referida apenas como a namorada de Fernanda. 4

Apelido vulgar para o termo lésbica

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O Twitter é identificado por passivação, quando a matéria afirma que a conta do internauta foi suspensa; por nomeação, fazendo-se subentender que o leitor consegue identificar a rede social, sem definição ou identificação prévia. Por último, a matéria cita o Twitter outra vez por inclusão, mas, neste ponto, por passivação, ao utilizar trecho da Central de Ajuda da rede social.

Figura 2. Site Extra Globo

Figura 3. Matéria Extra Globo

O segundo texto analisado tem como título ―Fernanda Gentil é chamada de 'sapatão' por internauta e ironiza: 'Oi, fala'‖, publicado no dia 13 de fevereiro de 2017 pelo site purepeople.com. A matéria inicia com a identificação de Fernanda por nomeação e, logo em seguida, fala dos traços da personalidade de Fernanda como o bom humor nas redes e sua espontaneidade, caracterizando-a como afirmação avaliativa, assim como na primeira matéria. Quando a matéria cita ―(...) escreveu a apresentadora do "Esporte Espetacular" e ―a namorada de Priscila Montandon - com quem assumiu o relacionamento em setembro de 2016(...)‖ e, ela passa a ser classificada como passivação e Priscila, como inclusão.

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Figura 4. Matéria do site Pure People

Ao incluir uma retranca na matéria, o foco muda, e Fernanda é apresentada como uma mãe que luta contra o tempo para cuidar de seus filhos; que o sentido de seu trabalho passou a ser o meio de atender as necessidades das crianças, caracterizando-a novamente como afirmação avaliativa. Nos dois textos, o ator social sapatão é classificado como avaliação negativa, pois caracteriza um tom pejorativo e o que é mais grave, um crime que caracteriza homofobia, tão combatido nos dias atuais. Os fãs também aparecem na matéria como atores sociais, por inclusão por passivação, já que não são identificados nominalmente, mas possuem lugar de fala. Escolha dos portais Escolhemos o site Extra por este fazer parte das empresas jornalísticas do grupo Globo que, segundo os princípios editoriais da própria empresa, encontrado no site http://extra.globo.com/principios-editoriais/, ―terá sempre e apenas veículos cujo propósito seja conhecer, produzir conhecimento, informar‖. É um site jornalístico que aborda várias categorias como saúde, esporte, polícia, famosos, tv e lazer, entre outros. Já o site PurePeople é voltado especialmente para notícias de famosos. É possível encontrar matérias utilizando tags como justiça, morte, preconceito, curiosidades, mas todas essas serão voltadas para notícias de pessoas famosas nacional ou internacionalmente. Considerações finais Os dois textos apresentam semelhanças ao retratar Fernanda e o caso ocorrido; também não possuem o lado do internauta em suas matérias. No segundo texto foi possível perceber uma matéria mais completa, utilizando outros atores sociais como os fãs, por exemplo. As duas abordaram de forma rasa a homofobia, sem aprofundar ou criar, a partir delas, outras retrancas abordando o tema, levando mais informações e conhecimento aos leitores. Referências FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. MIELNICZUK, Luciana. Características e implicações do jornalismo na Web. II Congresso da SOPCOM. Lisboa. 2001. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/jol/pdf/2001_mielniczuk_caracteristicasimplicacoes.pdf> Acesso em: 02 abril 2017.

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Portal de notícias Extra. Internauta que chamou Fernanda Gentil de 'sapatão' é suspenso do Twitter. Disponível em: <http://extra.globo.com/famosos/internauta-que-chamou-fernanda-gentil-de-sapatao-suspenso-do-twitter20931834.html >. Acesso em: 15 abril 2017. Portal de notícias Extra. Princípios Editoriais do grupo Globo. Disponível em: < http://extra.globo.com/principioseditoriais/>. Acesso em: 15 abril 2017. Portal de notícias PurePeople. Fernanda Gentil é chamada de 'sapatão' por internauta e ironiza: 'Oi, fala‟. Disponível em: http://www.purepeople.com.br/noticia/fernanda-gentil-e-chamada-de-sapatao-por-internauta-e-ironiza-oifala_a159740/1>. Acesso em: 15 abril 2017. RAMALHO, V. RESENDE, V. Análise de Discurso (para a) Crítica: O texto como Material de Pesquisa. Campinas: Pontes, 2011. v. 1.

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LUTA LIVRE NAS MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS: CONTEÚDOS DE FÃS E EMPRESAS1 Carlos Cesar Domingos do Amaral2 RESUMO A Luta Livre é um sucesso em diversos países do mundo. Estados Unidos, México e Japão são os maiores centros desse esporte de entretenimento. O objetivo desse trabalho é conhecer o conteúdo postado nas mídias sociais digitais: Facebook, Twitter, YouTube, Flicker, Instagram e MySpace. A justificativa fica por conta da insuficiência de trabalhos de Luta Livre, assim como o crescimento de artigos que buscam compreender o comportamento de aficionados. A metodologia compreende breve revisão bibliográfica com DoAmaral (2014), Barthes (1972) e Drago (2007), além de pesquisa documental nas plataformas mencionadas. Resultados apontam que a Luta Livre se tornou em um fenômeno mundial graças a seus fãs. Em um mundo na qual qualquer indivíduo pode criar seu próprio conteúdo frente a seu fanatismo a saída para se fazer parte dessa atmosfera é alimentar essas mídias sociais com fotos, vídeos, textos, músicas e etc. De forma também são importantes peças para a divulgação de equipes e seus combates. Palavras-chave: Fãs; Luta Livre; Mídias Sociais Digitais; Pro-Wrestling; Pro-Wrestling Promotions.

Introdução

A

Luta Livre é um sucesso em diversos países do mundo. Estados Unidos, México e Japão são os maiores centros desse esporte de entretenimento. O objetivo desse trabalho é conhecer o conteúdo postado nas mídias sociais digitais: Facebook, Twitter, YouTube, Flicker, Instagram e MySpace. A justificativa fica por conta da insuficiência de trabalhos de Luta Livre, assim como o crescimento de artigos que buscam compreender o comportamento de aficionados. Mídias sociais digitais Miskolci (2011, p. 9) comenta sobre as mídias digitais em nosso cotidiano. O uso de mídias digitais se disseminou de tal forma na sociedade contemporânea que corremos o risco de naturalizá-lo partindo da experiência atual sem refletir sobre como ela rearticula meios de comunicação anteriores assim como formas relacionais pré-existentes. Neste artigo, fornecerei alguns elementos históricos, teóricos, mas, sobretudo metodológicos, que podem auxiliar interessados nessa área de pesquisa a explorá-la sem se deixar levar irrefletidamente pelo entusiasmo atual pelas mídias digitais (MISKOLCI, 2011, p. 9).

―Mídias digitais são uma forma de se referir aos meios de comunicação contemporâneos baseados no uso de equipamentos eletrônicos conectados em rede‖ (MISKOLCI, 2011, p. 12). Sendo ao olhar dele a possibilidade de conexão por celulares e tablets, algo comum em nosso dia a dia. Junior (2009, p. 95) afirma que ―as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estruturaram configurações robustas e acessíveis nas redes computacionais, permitindo um fluxo informacional jamais imaginado‖ (JUNIOR, 2009, p. 95). Ele continua. ―(...) O impacto social dessa penetração e difusão tecnológica é,

1

Trabalho apresentado no GT 07 - Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestre em Comunicação na Universidade São Caetano do Sul – USCS. Jornalista pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), Especialista em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte pela FMU Faculdades Metropolitanas Unidas. carlaomestre@hotmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 183


agora, notada devido a mudanças no comportamento do consumo de informações‖ (JUNIOR, 2009, p. 95). O que ao olhar dele é apenas o primeiro campo a ser inovado. É o ambiente que mais cresce em número de acessos na web. Um estudo sobre a frequência do uso das mídias sociais na Europa demonstra que os 10 serviços mais acessados na internet são: sistemas de buscas (87%), e-mail (81%), comunicação por meio de redes sociais (42%), mensageiros instantâneos (37%), download de músicas (31%), acesso a rádios on-line (31%), assistir a filmes, televisão e videoclipes (30%), avaliação e comentários (27%), compartilhamento de pensamentos em fóruns (26%) e download filmes, televisão e vídeo (20%) (JUNIOR, 2009, p. 97 apud KIRSTI, 2008, p. 6).

Combates e luta livre Barthes (1972, p. 15) afirma que a Luta Livre é o confronto dos lutadores ―sujos‖ (lutadores do mal) contra os lutadores ―limpos‖ (os bonzinhos). Sendo seu objetivo a redenção do bem frente ao mal. Assim o malvado terá que ―pagar‖ por suas atitudes ruins. Mundialmente esse enredo é chamado de storyline. Amezquita Mercado et al (2009 p. 3) afirma que muitos foram os tipos de combates que acontecerão entre os homens durante a civilização e dentre eles: Wrestling das Canárias e o leonês, duas formas tradicionais de luta na Espanha. Dos Jogos Olímpicos gregos, introduziu cerca de 800 A. C. Creta, foram provas que aconteceram no ano 1600 A.C. (AMEZQUITA MERCADO et al, 2009, p. 3).

Em seguida vieram as lutas entre os gladiadores romanos e seguiu junto aos demais povos. ―As lutas nas culturas da Suméria, datado de 2300 antes da era comum. A evidência arqueológica da Babilónia datando de 2600 A.C.‖ (AMEZQUITA MERCADO et al, 2009, p. 3). Os autores lembram das ―lutas entre os hititas. Os etruscos murais representando a luta em seus túmulos. A luta no Japão. A primeira gravada história é do ano de 23 D.C.‖ (AMEZQUITA MERCADO et al, 2009, p. 3). Alves (2011, p. 13) entende que o Pro-Wrestling nasceu após a 2° Guerra Mundial junto do surgimento de uma modalidade da Luta Livre de competição; ―shoot (tiro), na qual os lutadores realmente competiam, e show (demonstração, apresentação), que evoluiu para os modernos shows de Luta Livre Profissional‖ (ALVES, 2011, p. 13). Nos dias atuais existem outros estilos de Luta Livre, mas apenas o Pro-Wrestling é destinado ao entretenimento. DoAmaral (2014, p. 2) apresenta as outras correntes: A Luta Livre possui outros estilos, como a Esportiva que tem por objetivo vencer o adversário com estratégias, calma e maior precisão na aplicação dos golpes, para que possa surtir o efeito necessário. (…) Na Luta Livre Vale Tudo se aceita o uso de chutes, socos e golpes de finalização; entre os estilos de artes marciais, essa modalidade é a que mais se parece com o MMA (do inglês mixed martial arts ou ―artes marciais mistas‖). Pouco conteúdo se encontra sobre esse estilo; mas, aparentemente, ele se difundiu a partir do Jiu-Jitsu, do próprio MMA e da Luta Livre Esportiva. A Luta Livre T36 é composta por 36 habilidades da Luta Livre e é direcionada para vencer combates reais, a partir de finalizações como o estrangulamento e outras técnicas de defesa pessoal. Atualmente, é trabalhada pela International Luta Livre Organization que se localiza na Alemanha. Por fim, a Luta Livre Catch que é conhecida mundialmente como Pro-Wrestling (ou Luta profissional, professional wrestling) (DOAMARAL, 2014, p. 2).

Gladiatorium (2014) afirma que a partir do final dos anos de 1920 as lutas mudaram seu âmbito de competição para o entretenimento e assim nasceu a Luta Livre como é conhecida até hoje. ―As competições se mantiveram com confrontos sem lutas combinadas, mas os profissionais perceberam que era mais vantajoso participar de companhias que priorizavam os espetáculos sem se machucarem (GLADIATORIUM, 2014). Ao olhar de Gladiatorium (2014) os lutadores teriam a oportunidade de lutar mais vezes por semana e enriquecerem. ―O Professional Wrestling ou Pro-Wrestling ficou associado apenas às lutas combinadas‖

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(GLADIATORIUM, 2014). E salienta: ―Para o público leigo eram mais atrativos esses espetáculos aonde as técnicas eram ensaiadas e o apelo dos movimentos plásticos tinham maior audiência‖ (GLADIATORIUM, 2014). Assim os confrontos esportivos de competição perderam espaço. O que era apresentado nas praças e feiras se mudou para o circo e depois ―passou a ser um espetáculo puro de entretenimento, ainda hoje há quem acredite que a luta é real‖ (GLADIATORIUM, 2014). Porter (2011, p. 3) diz que ―a chave para o wrestling é a presença de artistas capazes de dominar suas muitas nuances. A fim de alcançar o sucesso no negócio, os lutadores têm que se tornar artistas híbridos‖ (PORTER, 2011, p. 3). E que ―(…) o lutador como um ícone de perfeição física, busca colocar seus talentos físicos (e aparências) como um campo relacionado‖ (PORTER, 2011, p. 3). Que é a maneira de como o atleta apresenta aos espectadores a dor e a superação durante as lutas. ―Para realmente ter sucesso, é preciso desenvolver inúmeras habilidades para condicionamento físico‖ (PORTER, 2011, p. 3). Um lutador que apresenta diversos golpes plásticos é sempre mais bem recebido pelo público. ―Como uma produção essencialmente ficcional se está em constante necessidade de características que podem apelar para o mais vasto possível, garantindo lucrativas receitas‖ (PORTER, 2011, p. 3). A forma de se transmitir a guerra entre o bem e o mal no ringue, assim como a superação heroica sobre as atrocidades do malvado são os objetivos a serem construídos por esse esporte de entretenimento. ―Portanto, um lutador é necessário para cativar, para chamar o público para a emocional luta que acontece dentro do ringue‖ (PORTER, 2011, p. 3). Chow (2012, p. 14 – 15) explica que no desenvolvimento do combate podem acontecer de o ataque ser repetido apenas em uma parte do corpo. Ex: Diversos chutes em um joelho machucado. Além de golpes improvisados, pois a única coisa que os lutadores sabem é como ela será finalizada. É normal que os lutadores apenas se vejam na hora da luta, o que dificulta um melhor estudo do oponente na forma do que acontecerá no ringue. O autor continua. ―A capacidade de ‗vender‘ o movimento como real; e a capacidade de trabalhar com e para o próprio oponente. (…) sempre presente a possibilidade de violência real, lesão e dor‖ (CHOW, 2012, p. 14 – 15). Os lutadores têm o dever de protegerem a si mesmos, assim como o adversário, as lutas sempre foram abominadas pelo o que fazem com quem perde, mas no Pro-Wrestling a matança dá lugar a entretenimento dos espectadores. Smith (2008, p. 164) salienta que os lutadores fazem agarras maleáveis (chave de braço, pescoço e pernas) contra os adversários durante os combates, apenas com o intuito de que a qualquer momento a luta possa mudar e assim eles recuperam o fôlego, como também prendem o público no sentido da luta terminará naquele instante ou não. O autor explica que ―a Luta Livre profissional, por outro lado, apresenta um caso de artistas servindo os clientes com zombarias, rosna e carrancas‖ (SMITH, 2008, p. 174). E finaliza. ―(...) em vez de induzindo-os a um confortável, estado emocional relaxado, os artistas trabalham para alcançar um estado de agitação, indignação e desprezo nos outros‖ (SMITH, 2008, p. 174). Veja (1969, p. 64) afirma ―Telecatch – o mais popular programa de lutas da televisão, com dois milhões de telespectadores por semana‖ (VEJA, 1969, p. 64). Isso demonstra como era popular as atrações desse esporte de entretenimento em anos que outros esportes brasileiros eram pouco profissionalizados. Passos (2013, p. 8) e Drago (2007, p. 44) mostram concordância em um fato histórico de 1969, na qual o coronel Aloysio Muhlethaler, Chefe do Serviço de Censura da Polícia Federal proibiu os shows de Telecatch nos canais de TV até as 23 horas; para ele havia muita violência e sangue. "O que fez os patrocinadores deixarem de investir nesse esporte" (DRAGO, 2007, p. 44). Metodologia A metodologia compreende revisão bibliográfica com DoAmaral (2016), Barthes (1972), Drago (2007) e outros, além de pesquisa documental nas plataformas mencionadas. Em todas elas foram pesquisadas a palavra-chave Pro-Wrestling e os resultados de cada uma estão abaixo.

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Youtube YouTube apresenta 849 mil resultados sobre Pro-Wrestling. A maioria é em lutas, sendo que por serem empresas como a WWE, esse conteúdo postado é de certa forma pirata, pois eles não têm autorização para utilizar os mesmos. Uma forma de ―punir‖ esses canais é a WWE entrado em contato com a plataforma citada e é apresentado tais vídeos. Assim o YouTube pegar todo o dinheiro que as visualizações geraram e repassa a WWE. Em outros casos mais críticos, os canais são deletados ou punidos com a pena de não poderem postar nada por 30 dias. As entrevistas, conteúdos próprios sobre possíveis resultados e análises de lutas são materiais que ficariam em segundo lugar nesse site. Assim como em seguida ficariam as gameplays dos diversos jogos existentes sobre esse esporte de entretenimento. São encontrados vídeos de brasileiros e estrangeiros. Ao se pesquisar por Luta Livre o número chega a 312 mil e os vídeos que aparecem são dentre os já descritos. Myspace Nessa mídia social existem 42 músicas na qual aparecem a palavra Pro-Wrestling aparece, contudo, os nomes dos compositores não aparecem nomes mais conhecidos da música, assim como também nenhum nome de empresa aparece também. 1330 vídeos, 35 mixes e dois álbuns. Além disso aparecem dez artigos que na verdade são postagens em forma de notícia ou simplesmente textos como são feitos em blogs. Os nomes de cada um deles são: Greatest Managers in Pro Wrestling History; Hilarious Songs Sung by Pro Wrestlers; Best Wrestling Cartoon Incarnations; Things We Learned From WrestleMania 32; When Worlds Collide: Comic-Con and Pro Wrestling; Things WWE Should Do With AJ Styles and Shinsuke Nakamura; Reasons Why Kevin Owens is Must See TV (MYSPACE, 2017).

Por fim quatro perfis: ―Rampage Pro Wrestling, NFW Pro Wrestling, Pro Wrestling World, Pro Wrestling School‖ (MYSPACE, 2017). Facebook Dentro dessa plataforma o resultado total de 2940 sendo a divisão de 735 ligados a perfis de lutadores e fãs que criam contas com nomes de wrestlers ou que mudam seus dados misturando aos combatentes que mais gostam. Ex: Carlos Cena ou AJ Amaral que seriam homenageando John Cena e AJ Styles, lutadores da WWE. Aplicativos e Jogos apareceram em 315 vezes. Por fim, Grupos são ao todo 1895, o que demonstra a força desse tema para debate entre os fãs. Instagram Ao adentrar ao Instagram a pesquisa foi feita em cima de algumas palavras-chave para se descobrir a quantidade de materiais em fotos e vídeos. Todo esse conteúdo é usado para interagir com os fãs, promover os eventos, mostrar a vida fora do espetáculo, e aos aficionados é de serventia para compartilhar esses produtos, assim como criar os seus próprios. Na pesquisa #prowrestling (fig. 1) tem 1.005.923 publicações. Sendo 99 perfis de lutadores e dos oficiais das equipes.

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Fig. 1 – Amostra #pro-wrestling. Disponível em: <https://www.instagram.com/explore/tags/prowrestling/> Acesso em 18 fev. 2017.

Enquanto que #wwe possui 7.170.647 publicações. Na sequência vem #tna com 681.471 publicações e #ringofhonor 192.428 publicações (fig. 2).

Fig. 2 – Amostras #wwe, #tna #roh. Disponíveis em: <https://www.instagram.com/explore/tags/wwe/> <https://www.instagram.com/explore/tags/tna/> <https://www.instagram.com/explore/tags/roh/> Acessos em 18 fev. 2017.

Flicker No Flicker existe mais de 95 mil fotos sobre Luta Livre. São elas de cinturões, das lutas e lutadores. Membros do Flicker: Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 187


Pro Wrestling Revolution; RONIN PRO WRESTLING, New Horizons Pro Wrestling; Pro Wrestling Fusion, Mongol Santino, Phoenix Pro Wrestling, North Shore Pro Wrestling, GOUGE Pro Wrestling, Ananzi Pro Wrestling, USIWF Pro Wrestling, Bryan Smith, Pro Wrestling Rush, Pro Wrestling Report, I Live For Pro Wrestling, Lancaster Championship Wrestling, FACD NEWS, Victory Pro Wrestling, Matthew Huntley, Pro Wrestling NEXT, D2W Pro Wrestling, NTWA PRO WRESTLING, pro wrestling fan, Brandon Tolle, Brandon Tolle Pro Wrestling Referee, NCA Pro Wrestling, phoenix Women Pro Wrestling, Flatline Pro Wrestling, one pro wrestling, Michal Petrgál, Red River Pro Wrestling, New Wave Pro Wrestling, Impact Pro Wrestling, Pro Wrestling, Pro Wrestling in Texas, Pro Wrestling in New England, Independent Wrestling Photography, プロレス写真館(Pro Wrestling Photo), nWo / WCW / WWE and other Wrestling Organisations, Indie Pro Wrestling, WWE "On Tour" Pics, Alt Wrestling, Masked Wrestlers, WWE (World Wrestling Entertainment), Lo-Fi App, British Wrestling, wwe (MYSPACE, 2017).

Essas são algumas das fotos que são encontradas nessa mídia social (fig. 3).

Fig. 3 – Amostra Pro-Wrestling. Disponível em: <https://www.flickr.com/search/?text=pro-wrestling> Acesso em 18 fev. 2017.

Twitter A amostra colhida do Twitter é do intervalo entre 08 de novembro até 08 de dezembro de 2016. Dentro desse recorte foram mais de 54 mil mensagens. Os lutadores são responsáveis por 18. 000 mensagens. As empresas publicaram mais de 13.500 vezes na promoção de seus eventos e lutas, o mais marcante dentre esses resultados é que a maioria das mensagens envolvem a defesa de título de Becky Lynch contra Alexa Bliss no SmackDown Live do dia 08 de novembro. A empresa envolvida nisso é a WWE. Os perfis em geral dos fãs ou meios de comunicação que noticiam a Luta Livre chegou a 22.500 postagens. O assunto mais lembrado foi a luta já mencionada, mas outros eventos das demais empresas de Pro-Wrestling foram lembradas e compartilhadas da mesma forma . Resultados Resultados apontam que a Luta Livre se tornou em um fenômeno mundial graças a seus fãs. Em um mundo na qual qualquer indivíduo pode criar seu próprio conteúdo frente a seu fanatismo a saída para se fazer parte dessa atmosfera é alimentar essas mídias sociais com fotos, vídeos, textos, músicas e etc. De forma também são importantes peças para a divulgação de equipes e seus combates. Em geral pode-se dizer que os fãs alimentam muito todo esse trabalho que as empresas proporcionam. Ambos fazem o seu papel, empresa faz o evento e divulga nas mídias sociais, em seguida os fãs começam a falar disso e a opinar sobre tudo o que aconteceu. Isso acontece principalmente no Instagram,

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Facebook, Twitter e YouTube. Nas demais plataformas analisadas as equipes menores e os fãs dominam, pois criam seus próprios conteúdos em desenvolver a Luta Livre seja em gameplays, opiniões, podcasts, fotos e etc. Considerações finais As mídias sociais são algo que sem dúvida nos servem para as mais diversas aplicações, trabalho, entretenimento e etc. A Luta Livre soube buscar o seu espaço dentro desse nexo e aparece em todas essas plataformas que foram analisadas. Sendo que a sua participação é alta e de resultados significantes. Esses sites deram a voz aos fãs e assim eles opinam o que acreditam ser o certo, mas inúmeras as vezes as discussões não levam a lugar nenhum. Entretanto é importante a existência delas para que a democracia possa ser cada vez mais trabalhada, mesmo que em alguns países não seja esse o modelo de governança. Assim sendo fica notório que toda essa habitualidade constitui um ambiente que empresa e fãs se complementam e vivem unidas. Seja das mais pequenas até a WWE. O que aproxima conteúdo do outro lado do mundo também serve para a aproximação de todos os envolvidos e possibilita maior expansão desse esporte de entretenimento. Referências ―A Farsa do Telecatch‖. In: Veja, São Paulo, n. 31, p. 64, abril. 1969. ALVES, Luiz. MMA: Mixed Martial Arts: História, Teoria, Grandes Eventos, Técnicas. São Paulo: On Line, 2011. AMEZQUITA MERCADO, Claudia Stephanie. CASTILLO LÓPEZ, Stephany Libertad. GARCÍA, Vicente Jaime. LÓPEZ, Ramírez Zyanya Argelia. MÉNDEZ DUARTE Claudia. SÁNCHEZ ALVARENGA, Sara Paola. TAPIA CARRILLO, Erika Alejandra. La Lucha Libre en México. 52 f. Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na Disciplina Comunicación y Periodismo da Universidad Nacional Autónoma de México. 2009. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/academica/lucha-libre-2795537?qid=c29a4768-1d48-4903-a5f6d9360f15ceed&v=default&b=&from_search=8> Acesso em: 12 out. 2014. BARTHES, Roland. Mitologias. Trad. Rita Buongermind e Pedro de Souza. - São Paulo: Difusão Européia do Livro. 1972. CHOW, Broderick. WELLS, Tom. Professional Wrestling and Embodied Politics. How Performance Thinks. In: INTERNATIONAL CONFERENCE CO-ORGANIZED BY THE PSI PERFOMANCE & PHILOSOPHY WORKING GROUP AND KINGSTON UNIVERSITY. 2012, Reino Unido. Anais... Disponível em: <http://www.academia.edu/1715082/Work_and_Shoot_wrestling_ and_embodied_politics> Acesso em: 18 out. 2014. DOAMARAL, Carlos Cesar Domingos. A Luta Livre no Brasil e o Marketing Esportivo. In: REGS Educação, Gestão e Sociedade: Revista da Faculdade Eça de Queirós. São Paulo, n. 14, p. 1-10, jun. 2014. Disponível em: <http://www.faceq.edu.br/regs/downloads/numero14/LutaLivreBrasilMarketingEsportivo.pdf> Acesso em: 09 nov. 2014. DRAGO. Telecatch: Almanaque da Luta Livre. São Paulo: Vozes, 2007. JUNIOR, Walter Teixeira Lima. Mídia social conectada: produção colaborativa de informação de relevância social em ambiente tecnológico digital. In: Líbero – São Paulo – v. 12, n. 24, p. 95-106, dez. 2009. Disponível em: <http://seer.casperlibero.edu.br/index.php/libero/article/view/500/474> Acesso em 18 fev. 2017. GLADIATORIUM. [S.l.]: 2014. Disponível em:<http://www.gladiatorium.com.br/2014/03/06/catch-as-catch-can-na-origemda-luta-livre-brasileira-primeira-chegada-ao-brazil/ > Acesso em: 21 mar. 2014. MISKOLCI, Richard. Novas conexões: notas teórico-metodológicas para pesquisas sobre o uso de mídias digitais. In: Cronos – Natal, v. 12, n.2, p. 09-22, jul./dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ld/v11n3/a09v11n3> Acesso em 18 fev 2017. PASSOS, Daniela de Alencar. Os Artistas do Ringue: Memórias do Telecatch Curitibano. ANAIS DO XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA ANPUH: CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL, 2013, Natal. Anais... Natal: ANPUH, 2013. Disponível Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 189


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MINECRAFT,

CONSTRUINDO SUBJETIVIDADES: O JOGO

INTERSUBJETIVIDADE

1

MINECRAFT

NO

BRASIL

COMO ESPAÇO DA

Gustavo Fortes Said² Antonio Áthyllas Lopes de Oliveira³

RESUMO O presente artigo trata do jogo Minecraft, de enorme sucesso entre o público infanto – juvenil, como meio para melhor se compreender a mídia e seu papel no processo de intersubjetividade no Brasil. Para tanto, propõe a análise de como o jogo se constitui, quais seus fundamentos nos planos do conceito e da expressão visual – interativa, o que isso revela acerca da relação mídia – construção de subjetividades, e o caráter comercial que permeia a relação ―jogo‖ – público, desde o acesso ao produto inicial à oferta no mercado de produtos dele derivados, como brinquedos e livros, sem esquecer o fato de que o Brasil tem se tornado cada vez mais um país marcado em seu cotidiano pela tecnologia. Considera que o jogo em análise é um exemplo de como a mídia tem assumido uma relação simultânea de expressão e construção das subjetividades humanas, tomando como matérias – prima as vivências humanas e os recursos tecnológicos, formando, por seu caráter interacionista e colaboracionista, sujeitos nesse novo ambiente (digital), permeado pelo aspecto comercial. Esta abordagem serve para melhor conhecermos como se revela e se constrói o que somos a partir da mídia, e, portanto, convida – nos a maior consciência, criticidade como sujeitos da comunicação, processo vital ao homem. Palavras-chave: Mídia; Jogos digitais; Minecraft; Intersubjetividade.

Introdução

U

ma das características marcantes do homem é a sua capacidade de construir. Conceber possibilidades, planejar, reunir recursos e efetivar o trabalho com eles, criar, transpor limitações. Ter maiores condições de conforto e segurança. É assim que a humanidade tem se desenvolvido, foi assim que passamos de nômades a moradores de metrópoles e megalópoles, e até mesmo a viajantes do espaço sideral. Se construir é uma necessidade das mais básicas a sobrevivência, para a resguarda e deslocamento dos indivíduos, é também a materialização de sua visão de mundo e seus valores, como provam os contextos motivadores e as diferentes formas para que e como se constrói. A atividade de construir pressupõe uma necessidade a ser suprida (uma casa mais segura, um prédio para abrigar mais pessoas, uma ferrovia, uma ponte...) e se constitui num exercício de externar e desenvolver habilidades. Ora, parte - se de um ambiente desafiador, tanto na necessidade que se apresenta quanto na aquisição de materiais, estratégias de ação e efetivação. É um convite a protagonizar. Nessa realidade, serão palavras - chave as subjetividades que definem o porquê e o como de que falamos, competências e habilidades em adquirir recursos e gerenciá-los. É técnica, é sentimento; necessidade e desafio.

1

Trabalho apresentado no GT 07 (Discurso e Cultura Digital) do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. ² Doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Professor titular do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí, Teresina – PI. Email: gsaid@uol.com.br ³ Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI), Venda Nova do Imigrante - ES. Email: athyllas.lopes@hotmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 191


Assim considerando, não é de se admirar construções - ícones como as Pirâmides do Egito, o Taj Mahal e a Torre Eifel, carregadas de significação pelo que representam em seus contextos históricos, a saber, expressão de poder, enfoque estético e modernidade, respectivamente. As construções são como repositórios das subjetividades. Nelas estão nossos esforços, nossas capacidades, nossas conquistas. É baseado nessa importância que o jogo Minecraft, trabalhando basicamente com a capacidade de construir de seus jogadores, muito além das bases de suas construções, tem assentado sua própria existência (e sucesso). Ele trata da vivência de um mundo feito de blocos, dos cenários aos personagens. Nele se deve construir, lutar para sobreviver, e se desenvolver. Contando com recursos no âmbito do design gráfico, eis à disposição dos jogadores, individuais e em colaboração, um mundo de desafios, onde cabe muita estratégia e criatividade. Não se visa a um ―vencedor‖, mas às conquistas contínuas dos indivíduos que o jogam, seja atuando sozinhos ou em redes de colaboração. Criado por Markus Persson, numa pequena empresa sueca de games, o jogo passou a movimentar bilhões de dólares, sendo vendido à Microsoft, em 2014. Saiu do digital e hoje chega ao mercado editorial impresso, depois de já ter passado pelo de brinquedos. A escolha por este objeto de análise se deu por conta de seu enorme sucesso no Brasil, sua proposta conceitual (trabalhar a capacidade de planejar e construir do jogador) e veiculação midiática contemporânea, o que nos permite analisar e discutir a mídia digital em sua relação com a produção de subjetividades, num contexto marcado pela globalização de mercados e culturas, com a tecnologia como elemento fundamentalmente partícipe e catalisador desse processo. Ressalte – se que se considera com enfoque primordial a criança e adolescente como particularmente ávidos de oportunidades de protagonização, o que é próprio dessas etapas do desenvolvimento humano. Parte – se do entendimento da identidade, enquanto matriz para a produção de subjetividades, não como produto acabado, mas como processo: (...) a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através dos processos inconscientes, e não algo inato, inexistente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo ―imaginário‖ ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre ―em processo‖, sempre ―sendo formada‖ (...) em vez de falar em identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar em identificação, e vê – la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ―preenchida‖ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros (...) (HALL, 2002, pp. 38 - 39)

Nesse espaço de contínua existência de lacunas a serem preenchidas, a mídia tem um poder fundamental ao propiciar, de forma rica e dinâmica, a construção de subjetividades, aliando as dimensões temática, espaço, tempo, e sensorial. Vemos isso de forma bastante robusta no universo multimídia oportunizado pelo digital. A abordagem proposta por este artigo se dará em três partes principais. Na primeira, a natureza e a funcionalidade do lúdico na cultura: por que brincamos, o que o brincar revela sobre nós e o mundo de que fazemos parte, e os saberes nele contidos, envolvidos. Sequenciando, a absorção e veiculação do lúdico pela mídia, na perspectiva da cultura de massas, com enfoque ao digital, onde o desenvolvimento tecnológico assume papel fundamental, e a consideração da globalização enquanto contexto que marca a veiculação de bens tangíveis e intangíveis de forma rápida, intensa e sob os auspícios da lucratividade financeira. A terceira parte se detém na análise do jogo Minecraft em sua constituição conceitual, midiática (forma de expressão, recursos e design), como produto midiático veiculado no contexto da globalização, e seus impactos na produção de subjetividades no público brasileiro, falando numa extensão mais condizente à importância da implicação do jogo em análise, seu papel na intersubjetividade no ambiente digital vivenciada cada vez mais pelas crianças e adolescentes brasileiros. 192 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Para tanto, procede – se a revisão de literatura, com autores como Huizinga (2000), Morin (2011) e Basbaum (2012). Sem dúvida, faz - se necessário, visando a uma consciência qualitativa que nos permita clareza e maximização de nosso lidar com a comunicação, analisar, refletir o que significa essa relação de oferta (e troca) de sentidos entre culturas, seus impactos, o que se revela acerca de nossa relação com a mídia. “Homo ludens” O sucesso de Minecraft traz a um patamar de grande relevância de discussão o papel da ludicidade, do jogo. O que significa ―jogar‖, o que o jogo revela sobre o que somos, quais os valores por ele revelados, os saberes nele envolvidos, qual seu poder de implicação na produção de subjetividades, e a relação disso com nossa constituição como sujeitos individuais, histórico – sociais. Johan Huizinga é um autor holandês que deixou uma contribuição muito importante no estudo da ludicidade. Seu livro Homo ludens: o jogo como elemento da cultura (1938) propõe a discussão da ludicidade como partícipe ativa em diferentes dimensões, como Direito, Conhecimento, Poética, indo de encontro à ideia de uma ação meramente voltada ao descanso, descompromissada, sem maiores consequências na formação do Homem. Embora de um período em que não havia jogos digitais, sua pertinência se aplica ao contexto destes jogos por abordar sua gênese, servir como ponto de partida para importantes reflexões acerca de sua funcionalidade, de como lidamos com essa realidade. Diz Huizinga (2000, pp. 13 – 14) acerca das características do jogo: (...) poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como "não-séria" e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.

Mais adiante (p. 14), completa: A função do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos interessam, pode de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa. Estas duas funções podem também por vezes confundir-se, de tal modo que o jogo passe a "representar" uma luta, ou, então, se torne uma luta para melhor representação de alguma coisa.

Vemos aí o forte enfoque que cabe no entendimento do jogo como um meio rico de expressividade simbólica daquilo que somos, com muito destaque à realidade em que vivemos como sujeitos histórico – sociais. Na cena do melhor entendimento do jogo, entra a sociedade. Jogamos com outras pessoas, sujeitos sociais, como nós. Ela é palco do jogo, ao conferir aos jogadores um instrumental simbólico (nos planos conceitual, imagético, verbal e de outros signos) pelo qual o jogo se faz linguagem, comunica e é aceito. Nesse ponto, o (s) objetivo (s) e regras do jogo estão imbuídos da visão de mundo e dos valores dos jogadores. Porém, ao mesmo tempo que tem um aspecto de refletir um padrão comportamental advindo do processo de convivência do coletivo, o jogo é um reinventar da sociedade, à medida que há a quebra de padrões e até mesmo um reordenamento de grupos sociais. Eis aí de forma bem convidativa a questão da relação nada distante, mas de alto impacto, do jogo com a produção de subjetividades. A ludicidade vista sim em sua dimensão de lazer, de distensão, mas também como prática social, como exercício de comunicação e construção simbólica de efeitos concretos.

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Dessa forma, tem – se uma maior (e devida) valorização do jogo, que passa a ser visto com maior poder de impacto, e importância, portanto, na vida humana. É uma visão do Homem que brinca e se faz sujeito, protagonista na existência; responsável por si e por outrem. Cientes dessa dimensão de implicação da ludicidade, é preciso aprofundar a análise em seus produtos, aprimorar nossa capacidade de criticidade, atingir a maior pontuação qualitativa possível em nossas vidas como indivíduos e membros de um corpo social, num jogo limpo com regras claras e o quanto mais possíveis justas. A absorção e veiculação do lúdico pela mídia, na perspectiva da cultura de massas, com enfoque ao digital Edgar Morin (2011) aborda a comercialização em caráter industrial das sensações humanas. Resultado de um processo secular de desenvolvimento tecnológico e comercial, a indústria passa a ofertar como mercadorias uma gama de produtos, veiculados e montados de forma deliberada com o fim de proporcionar subjetividades. É o tempo da cultura de massas. A segunda industrialização, que passa a ser a industrialização do espírito, e a segunda colonização, que passa a dizer respeito à alma, progridem no decorrer do século XX. Através delas, opera – se esse progresso ininterrupto da técnica, não maisunicamente votado à organização exterior, mas penetrando no domínio interior do homem e aí derramando mercadorias culturais. Não há dúvida de que já o livro, o jornal eram mercadorias, mas a cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial, nunca os murmúrios do mundo – antigamente suspiros de fantasmas, cochichos de fadas, anões e duendes, palavras de gênios e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes levados através de ondas – haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e vendidos comercialmente. Essas novas mercadorias são as mesmas humanas de todas, pois vendem a varejo os ectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma. (MORIN, 2011, pp. 03 – 04)

Ganha enorme destaque o papel do aspecto econômico. O desenvolvimento da economia, em volume, conexões e intensidade, foi um dos fatores determinantes na configuração da globalização. Esta, por sua vez, com pontos de contato e ressonância em diferentes áreas e dimensões, tem relação direta com a configuração de nossas vidas, nos planos individual e social. Esse contexto de múltiplas possibilidades, que circulam o globo de forma intensa e dinâmica, constitui – se num universo rico e multilateral, uma ampla oferta de possibilidades para a construção de subjetividades. O mercado – alvo é uma sociedade que sai da predominância da zona rural e passa a ser tecnológica, organizada em novos espaços de significação sociocultural, com o trabalho institucionalizado e a burocracia como referências na definição de uma agenda sociocultural. Sim, sem dúvida são novos tempos, mas para um mesmo Homem marcado pela capacidade de sentir e expressar amor, raiva, que gosta de aventura, chora, luta, sofre, sonha. Nessa perspectiva, não poderia ser outra a destinação da ludicidade senão passar a integrar esse processo de comercialização. Isso se deu em diferentes áreas. O lúdico se fez expressar como produto comercial em distintas dimensões. Tomaremos aqui algumas delas, expressivas para a abordagem que se propõe com este trabalho: a Pintura, o Teatro, a Literatura, o Cinema. Foram aqui trazidas não apenas com a finalidade de mostrar categorias diferentes, mas também uma evolução, de forma que se possa estabelecer, evidenciar a cultura de massas como diretamente associada aos contextos que lhe eram contemporâneos e que, por força da natural sucessão dos avanços, permitiu – nos chegar a atual realidade multimídia. Elas estão, respectivamente, relacionadas ao Visual, à Representação com o corpo, ao Discurso, a uma narrativa fruto de cenas em movimento.

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Tal evolução na forma de expressão, veiculação foi resultado do desenvolvimento tecnológico, que permitiu também uma contínua e cada vez mais elaborada combinação dos diferentes produtos dessas categorias. Os contínuos avanços tecnológicos trouxeram o que chamamos de convergência midiática, a hibridização de diferentes formas de expressão de conteúdos (mídias). A mídia passou por significativos processos de transformação e acelerou os avanços tecnológicos que envolviam os aparatos comunicacionais. Nesses processos, alterou, inclusive, a natureza da comunicação massiva. O ponto chave dessa alteração é a revolução digital: a digitalização reduziu os textos, as imagens e os sons a bits, dando origem à técnica da convergência midiática, modos de codificação, de possibilidade de empacotar, em um único formato ou suporte, elementos que, originalmente, pertencem a categorias semióticas distintas. (FRAGOSO, 2005, p. 17 apud SILVA, COUTO, 2008, p. 10)

A mídia digital, portanto, reorganiza e ressignifica nosso modo de ser perceptíveis, trazendo a nós muito conteúdo, de forma dinâmica nos seus formatos, e em grande intensidade. É nesse contexto que surgem os jogos digitais. Lima (2011, p. 14) muito oportunamente coloca acerca da relação ―jogador‖ – ―jogo‖: Tal experiência não ocorre de forma isolada, mas sempre envolvida e paralelamente a outras relações objetais e subjetivas e, tal qual qualquer relação do tipo sujeito/objeto, segundo disposições sócio-culturais. O jogador ao adentrar o mundo construído no espaço de jogo não se separa de seu espaço subjetivo. Há todo tipo de interferências, que podem começar pelas barreiras físicas, como a falta de habilidade em responder aos estímulos oriundos do espaço de jogo, disposições culturais divergentes do universo explorado pelo game em questão (pergunta-se, por exemplo, o quão facilmente um jogador judeu irá simpatizar com um jogo que o coloque na condição de um palestino tentando escapar dos ataques do exército israelense na Faixa de Gaza?), barreiras de linguagem (principalmente no caso dos jogos que privilegiam a função narrativa), ou mesmo a própria narrativa do jogo pode atuar para quebrar o laço entre jogador e jogo. A experiência de jogo é sempre declinada segundo a história de vida do sujeito que com ele se relaciona: suas preferências quanto ao nível de dificuldade, as referências intertextuais que consegue concretizar, se prefere jogar solitário ou em grupo, se é metódico, apressado, cauteloso ou intrépido, etc. Entretanto, parte essencial deste relacionamento reside na potência do jogador de relevar a fragilidade das coisas a serem percebidas e atuadas que o universo regrado do jogo propõe. Isto é, para a máquina de estados concretizada nos videogames não existe o quase: ou se atinge o objetivo e obtém sucesso, ou se falha. No primeiro caso, o jogo prossegue; no segundo ele pára e o jogo tem de ser reiniciado. Ainda que alguns desenvolvedores desafiem o dualismo sucesso/fracasso aumentando a quantidade de estados que esta máquina contempla em seu programa, como o caso dos jogos que disponibilizam diferentes finais, ou mesmo diferentes caminhos de desenvolvimento narrativo segundo a performance do jogador, a inteligência limitada da máquina, que não calcula as consequências, mas distribui as ocorrências a um número de estados previamente estabelecidos, é um convite a brutalidade. Eis aí um dos maiores desafios (não apenas para os game designers) que se abrem com a adoção em grande escala dos jogos eletrônicos: relacionar inteligência humana e não-humana.

Os designs dos jogos cada vez mais elaborados, com maior oferta de formas, cores e efeitos, os recursos funcionais oferecendo de forma crescente possibilidades, a interatividade como fator que ganha cada vez mais importância (...), sem dúvida, um tempo de muitas opções para o público consumidor. É preciso, porém, atentar para a criticidade, para que se possa sim aproveitar os benefícios desses avanços, mas sem o comportamento alienado de consumidores compulsivos, conforme propõe Magnani (2007). Com tantas opções, avaliar a oferta de subjetividades que fazem os produtos midiáticos é uma necessidade. Permitirá uma positiva seleção de consumo, conferindo um poder de protagonista na escolha do

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produto ofertado, seja na recusa ou aceitação dos mesmos. Dessa maneira, o próprio aproveitamento do produto adquirido será maximizado. O jogo Minecraft: a ludicidade como produto da cultura de massas e seus impactos na produção de subjetividades no Brasil O jogo Minecraft é assim mais um produto da busca de formas pelas quais o Homem pratica a ludicidade, de forma alinhada a interesses econômicos, pois nasce no seio do mercado de games, aliás, um dos maiores no mundo do entretenimento, movimentando bilhões de dólares anualmente. Não podemos deixar de pontuar, para substanciar qualitativamente a discussão, o fato de que a tecnologia tem se tornado cada vez mais presente no Brasil, principalmente a partir dos anos de 1990, sob um crescimento comercial exponencial. Essa nova realidade pulveriza, em maior ou menor grau, o acesso à tecnologia pelas diferentes regiões e classes sociais. Não dá para ignorar as suas (reais!) implicações nos indivíduos. O crescente sucesso individual do jogo desembocou numa natural nova de participação de jogadores, passando de individuais a grupos. Para melhor compreendermos o plano da estruturação do jogo e suas implicações, passemos aos eixos seguintes: Com o Minecratf se constrói, e ele, de que é feito? O jogo é, em si mesmo, um ambiente que convida a agir, criar. Estar no jogo implica lutar para sobreviver e desenvolver a infra – estrutura criada pelo jogador. Há a propiciação de protagonismo, livre – criação, e, aí, respeito e espaço à individualidade, convite a se traçar as próprias estratégias de aquisição de materiais, seu uso efetivo e proteção do que fora construído. Essa condição viabiliza seu sucesso transnacional. Minecraft carrega a natural necessidade de construir, uma prática lúdica infanto-juvenil já existente de montagem em blocos, de que os legos são verdadeiros expoentes. Tal prática é propícia à infância, etapa de intenso aprendizado de formas geométricas e suas possibilidades de combinação. Quando na adolescência, dá – se o contínuo da atividade construtora, desta vez não tanto ―para aprender‖, mas como exercício, desenvolvimento da habilidade de construir formas. O ambiente do jogo é marcado pela tecnologia enquanto fonte de recursos para se construir em novos formatos (na dimensão digital), permitir a maximização da sinestesia, e a interação colaboracionista de jogadores. A tecnologia a serviço das sensações do jogador, como o elemento de design do jogo ―enderpearl‖, que, ao se mover pelo espaço do jogo, leva consigo o jogador, fazendo – o transpor situações de perigo, economizar tempo e recursos em deslocamentos, e até mesmo fazendo economizar o nível de vida do personagem. Outro exemplo muito importante são os procedimentos – desafio, fazendo o jogador avançar ou não mediante sua capacidade de usar os recursos do jogo em cada situação proposta pelo jogo, como se vê no uso da ―craftingtable‖, uma espécie de oficina de ferramentas, sendo, portanto, de fundamental importância para o jogador. Destaque - se a utilização de cubos de forma predominante. Isso vai como que de encontro a uma realidade contemporânea de um muito diversificado leque de opções quanto a formas, cores e efeitos no âmbito digital. Num mundo que vai dando passos largos no sentido de designs não lineares, não fixos, o sucesso do jogo parece ser um contrassenso. Porém, justamente essa forma diferente pode ser encarada como uma proposta de contraponto, e, portanto, uma forma de inovação nessa realidade de que falamos. Os desafios do jogo envolvem diferentes criaturas (mobs), como zumbis, aranhas, Enderman, Esqueleto Arqueiro. Daí, infere – se que se parte de uma temática – a sobrevivência e sua relação com a capacidade de construir – e, depois, faz - se um dinâmico arranjo de elementos, reais (aranha) e irreais (zumbis), na perspectiva da cultura de massas: a composição de um produto que vende ação, aventura, imaginação. Tal dinamismo é estratégia de maximizar o potencial de expressividade desse mesmo produto para seu público consumidor. Poder ser jogado tanto de forma individual quanto em grupo, neste caso, constituindo – se espaço de uma 196 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


forte interação e colaboração entre jogadores. O dinamismo, pois, marca o jogo: há elementos como diamantes, ascensões de nível, efeitos especiais, com a participação simultânea e conectada de jogadores. Não é meramente construir. É uma reunião de elementos que compõem o discurso midiático da construção como algo interessante, uma união de interesses que o tornam empolgante, com espaço valorativo às criações individuais. Subjetividades propiciadas por Minecraft: O “eus” se expressam e se (re) constroem no jogo Minecraft propicia valorização de si enquanto ser capaz, protagonista, nas vias cognitiva e criativa – estética, bem como em vencer desafios. (...) Como um autêntico jogo sandbox, o Minecraft disponibiliza ferramentas para criar e modificar o mundo em que o usuário percorre virtualmente, fazendo com que o usuário transforme a forma com que ele mesmo joga. A liberdade dada ao usuário na construção de seu próprio espaço faz com que o jogo rompa com a linearidade encontrada em outros games (...) o jogo não possibilita um vencedor, mas possibilidadesdese superar por meio de processos imaginativos, inovadores, originais e singulares (...) o jogador deve pensar, resolver problemas, gerar conhecimento que estão armazenados em ferramentas, tecnologias, objetos materiais, no ambiente (...). (MURTA, VALADARES, FILHO, 2015, pp. 04 - 05)

Cumpre aqui retomar a discussão acerca da sinestesia proporcionada pelo jogo em análise. Há um grande envolvimento dos indivíduos que o jogam a partir de uma relação intrínseca entre suas sensações (superação de desafios, conquistas, medo, expressão valorativa do eu – construtor/fazedor) e a tecnologia que o compõe. Há uma relação de muito intensa sinestesia do ―jogador‖ com o ―jogo‖. A tecnologia é, aí, ponto de encontro, potencialização, irradiação e (re) significação das sensações humanas. a inundação de imagens e ambientes digitais nas últimas décadas marca, também, o retorno do espaço tridimensional, do espaço acústico, num vasto número de trabalhos que envolvem realidade virtual e ambientes imersivos tridimensionais – freqüentemente preenchidos por sons que reiteram a ilusão espacial. Entretanto, as ligações entre a sinestesia e a cultura digital vão ainda além. Ao codificar todos os sentidos a partir de um código matemático comum, estamos de volta ao pitagorismo. Assim, não é de surpreender que a complementaridade da harmonia digital de John Whitney vá reunir cores e sons a partir das relações matemáticas da harmonia musical, cuja origem remonta a Pitágoras. Ou que Ron Pellegrino prepare um conjunto de animações com laser e sons num diálogo explícito com a tradição pitagórica. A tradução dos dados de um sentido em termos de outros pela via matemática de um algoritmo pode ser encontrada num vasto número de softwares, interfaces, sensores corporais ou ambientes imersivos, que aspiram diferentes registros sinestésicos. Como resultado, apontam para o tipo de experiência agórica que há pouco definimos. Seu caráter não linear passa ao largo das qualidades do pensamento verbal, sua temporalidade é circular. Mesmo em games de realidade virtual, que possuem aspectos narrativos, o caráter imersivo da experiência é ainda o mais decisivo. A cultura digital imprimiu notável aceleração ao mundo. Estes ambientes que chamamos imersivos são apenas espaços distintos dentro do ambiente maior de uma cultura planetária em que estamos mais e mais imersos no instante: a noção de historicidade dissolve-se na circularidade do instante sinestésico; as experiências do tempo narrativo e do espaço contemplativo visual se dissolvem em sensação. Estamos, novamente, num mundo mágico, onde emergem todo o tipo de metáforas e discursos espirituais e míticos de nossa experiência - o xamanismo de Roy Ascott, ou a techgnosis de Erik Davis são apenas dois entre muitos exemplos. A estes aspectos, largamente sinestésicos, de nossa experiência contemporânea, chamo percepção digital. (BASBAUM, 2012, pp. 263 - 254)

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Outro aspecto relevante é seu caráter interativo e colaborativo, que suscita novas formas de relacionamento e sociabilidade, gerando, portanto, sujeitos nesse novo ambiente (digital). Toda a experiência criativa do jogo pode ser compartilhada no Youtube pelos usuários, que fazem uso de softwares livres, ou não, de gravação para registrar os ambientes e obras de arte criados, suas rotinas no jogo e também a composição de histórias. Pode-se considerar parte da diversão do jogo a possibilidade de compartilhar suas experiências com outrem. (MURTA, VALADARES, FILHO, 2015, p. 05)

Essa combinação de interesses, esforço conjunto, troca de experiências se constitui exposição, relação e combinação de diferentes subjetividades dos que participam desse ambiente digital. Tais condições são, portanto, muito valorosas para a uma exposição valorativa do que se é (aptidões, forma de agir), contribuindo para que sejam colocadas em paralelo e combinação diferentes formas na construção de quem se é, conforme fala Hall (2002), o que, por sua vez, favorece a capacidade de exercício crítico pelos jogadores. Apesar do Minecraft ser um jogo que pode ser jogado de modo solitário, quando este é jogado em conjunto com outras pessoas, torna-se uma grande ferramenta de trabalho de equipa e socialização. No jogo existem monstros que ameaçam de modo constante destruir as construções dos jogadores, assim como podem existir outros jogadores que querem destruir o trabalho realizado por outros ou até roubar recursos. Sendo assim, a gestão de confiança das relações no jogo, a capacidade de comunicação, a gestão de conflitos, a capacidade de negociação, o trabalho de cooperação são tudo capacidades trabalhadas neste jogo, capacidades estas essenciais para uma vida social saudável. (ANDRADE, 2015)

Tal configuração interativa – colaboracionista tem ressaltada sua importância quando consideramos o fato de que o ―mundo‖ digital é geralmente visto como um mundo solitário e mecânico. É preciso que o potencial comunicativo do Homem em sua importância se dê também nos novos espaços que a tecnologia propicia para a expressão deste. Assim, haverá uma contribuição efetiva para o desenvolvimento, ou seja, ampliamos a tecnologia sem perder nossa capacidade de sermos perceptíveis – protagonistas críticos no Mundo, como indivíduos e membros de uma sociedade. A intersubjetividade aqui se configura na forma interativa e lúdica como o jogo é programado. Na forma como o jogo está estruturado temos dois componentes básicos que se desenvolvem e são ofertados na plataforma digital: um modo de experiência (sujeitos com objetos/mundo real e virtual) e um modo de relação (sujeito com sujeitos virtuais ou reais). Revela – se, portanto, um processo dinâmico, condição essa que vai ao encontro da palavra ―jogo‖, utilizada no subtítulo. É isso que configura/reconfigura a subjetividade no jogo Considerações finais Os jogos digitais são hoje uma realidade de inconteste presença nos lares brasileiros e não só nestes, mas em espaços próprios, como pontos comerciais destinados exclusivamente a esse mercado. Envolvendo cultura e economia, ação, emoção, criatividade, tecnologia e interação, tem – se uma nova configuração nos modos como se dá a produção de subjetividades nos sujeitos dela participantes. Ressalte – se que a era digital trouxe não apenas a maximização de possibilidades num único jogo, mas sua extensão em outros espaços midiáticos, como os vídeos no Youtube de jogadores expondo suas experiências, no intuito de expressar e interagir com outros jogadores. Precisamos atentar para esses novos condicionantes e os espaços dele nascidos, se queremos um lidar cônscio, qualitativo com a comunicação a partir da mídia, produto e catalisador seu. O jogo Minecraft, de produção internacional e enorme sucesso entre crianças e adolescentes no Brasil, é um exemplo desse novo contexto em que as subjetividades, de forma tão dinâmica e permeada pelas

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dimensões comercial e tecnológica, são ofertadas, atingindo os eixos da experiência e da relação, vivenciados pelos jogadores com o jogo e entre eles. Tem – se a ludicidade, prática natural do Homem, abarcada pelo interesse comercial, compondo, integrados, nosso cotidiano, seja nas telas dos computadores e celulares de nossas casas, seja pelo digital que nos rodeia nas lojas, na rua, no trabalho. Consideramos que a rapidez com que se dá o avanço tecnológico e a multiplicidade de ofertas do mercado são fatores que tornam um tanto desafiadora a atitude de análise crítica por parte dos consumidores. Não podemos, entretanto, deixar de assumir esse importante papel, principalmente quando consideramos que os produtos midiáticos têm um muito significativo poder de implicação naquilo que nos constitui como seres que compram mas que, sobretudo, têm emoções. São elas que nortearão nossas vidas nos cenários individuais e sociais. É necessário reconhecer a importância da mídia como espaço que nos permite o encontro com o que somos e a expressão disso, mas também a consciência de que devemos ser partícipes ativos da comunicação, de que a mídia digital é um campo de vivência. Assim, todos ganharão. E muitos pontos. Referências bibliográficas ANDRADE, Maria. Alguma psicologia por trás do Minecraft. Disponível em http://www.growupgaming.com/articles/blogs/No%20Category/31/alguma-psicologia-por-tras-do-minecraft. Acesso em 29 de outubro de 2016. BASBAUM, Sérgio. Sinestesia e percepção digital. Revista Digital de Tecnologias Cognitivas da PUC – SP, n. 6, 307 p, jan.jun, 2012. Disponível em http://www4.pucsp.br/pos/tidd/teccogs/artigos/2012/edicao_6/9sinestesia_e_percepcao_digital-sergio_basbaum.pdf. Acesso em 27 de outubro de 2016. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós – modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 7ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4ª ed. Tradução por João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2000. Disponível em http://jnsilva.ludicum.org/Huizinga_HomoLudens.pdf. Acesso em 27 de outubro de 2016. LIMA, Leonardo Souza de. A produção de subjetividades nos jogos eletrônicos. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em São Paulo, 2011. Disponível em https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18077/1/Leonardo%20Souza%20de%20Lima.pdf. Acesso em 27 de outubro de 2016. MAGNANI, Luiz Henrique. Por dentro do jogo: videogames e formação de sujeitos críticos. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/tla/v46n1/a09v46n1.pdf. Acesso em 27 de outubro de 2016. MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: espírito do tempo. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. MURTA, Cláudia Almeida Rodrigues; VALADARES, Marcus Guilherme Pinto de Faria; FILHO, Waldenor Barros Moraes. Possibilidades pedagógicas do Minecraft: incorporando jogos comerciais na educação. Disponível em http://docplayer.com.br/681090-Possibilidades-pedagogicas-do-minecraft-incorporando-jogos-comerciais-naeducacao.html. Acesso em 26 de outubro de 2016. SILVA, Valdirene Cássia da; COUTO, Evaldo Souza. Convergência cultural-midiática: as tecnologias e a fruidez da juventude na cibercultura. Disponível em http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14165.pdf. Acesso em 27 de outubro de 2016.

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O

DISCURSO AMBIENTAL NO WEBJORNALISMO PIAUIENSE: O CASO DOS TRÊS SITES JORNALÍSTICOS MAIS

ACESSADOS DO ESTADO E SUA QUASE MUDEZ ACERCA DE ASSUNTOS SOBRE MEIO AMBIENTE1

Orlando Maurício de Carvalho Berti2 Samara Silva Leal3 RESUMO Este trabalho visa refletir, discutir e polemizar sobre o papel do webjornalismo no estado do Piauí sobre as questões da exacerbação, ou não, do discurso de temas relacionados à questões ambientais. Analisa-se os três sites jornalísticos mais acessados do estado: 180 Graus (www.180graus.com), Cidade Verde (www.cidadeverde.com) e Meio Norte (www.meionorte.com). Neles buscou-se, durante o ano de 2016, em plenas discussões quase globais sobre meio ambiente, como ocorre o discurso ambiental, suas faces, interfaces e, principalmente os motivos de tanta mudez mesmo em um assunto contemporaneamente tão premente. São analisados os materiais sobre questões ambientais e debatidos os motivos da mudez, mostrando-se que uma sagacidade quase sempre por hard news prejudica a maior construção de um discurso ambiental no webjornalismo piauiense. Palavras-chave: Discurso ambiental; webjornalismo; Internet; Piauí; meio ambiente.

Introdução

A

s questões ambientais são mais que prementes em nossa sociedade e contemporaneidade. Todo o discurso relacionado ao desenvolvimento, seja ele em uma visão puramente capitalista ou então em questões sustentáveis, passa pelo debate ambiental e suas consequências práticas. O Jornalismo tem como uma de suas funções básicas realizar a mediação de fatos da cotidianidade, notadamente os que têm forte penetração e reflexão social. Debater, refletir e polemizar sobre as questões ambientais é uma das funções contemporâneas do Jornalismo. A imprensa nacional, notadamente após o ano de 1992 com a realização da conferência mundial sobre Meio Ambiente, a Rio-92, começou a dar mais espaços para questões do tipo. Seja no hard news (no noticiário mais quente e mais premente) ou nas soft news (notícias mais frias, com maior possibilidade de serem melhor trabalhadas e também podendo gerar mais reflexões) as questões ambientais têm aparecido e feito parte da agenda. Será que essas questões têm sido aprofundadas ou apenas cumprem um papel de pura mediação informacional tão criticada contemporaneamente? A mídia realmente tem realizado um discurso positivo ou negativo sobre as questões ambientais? Esta pesquisa tem como corpus o estudo dos fenômenos do discurso ambiental no webjornalismo do Estado do Piauí, que é a nona maior unidade federativa do Brasil. Segundo o IBGE (2017) tem 251.611,9 quilômetros quadrados, população estimada até o final de 2016 em 3.212.180 habitantes. Esse discurso realmente ocorre? Como ocorre? Como é posto, como é destacado e também como é enfatizado? Ou apenas 1

Trabalho apresentado no GT 07 – Discurso e Cultura Digital – do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017 na UFPI – Universidade Federal do Piauí, em Teresina (PI). 2 Jornalista. Professor, pesquisador e extensionista do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo – da UESPI (Universidade Estadual do Piauí – campus de Teresina – PI). Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Alternativa, Comunitária e Popular da UESPI. Está no último semestre do Pós-doutorado em Comunicação, Região e Cidadania na UMESP – Universidade Metodista de São Paulo (SP). É doutor e mestre em Comunicação Social pela UMESP, com estágio doutoral na Universidad de Málaga (em Málaga, Espanha). Endereço eletrônico: orlandoberti@yahoo.com.br 3 Economista. Pesquisadora e membro titular do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Alternativa, Comunitária e Popular da UESPI. Atualmente desenvolve pesquisas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e temáticas interdisciplinares e transdisciplinares. Endereço eletrônico: sam_mara.leal@hotmail.com 200 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


cumpre um simples papel de mediação ou de reverberação de materiais de assessorias de comunicação? Fazse realmente um jornalismo ambiental ou apenas há remendos? Utiliza-se como fenômeno o discurso ambiental nos três mais acessados sites jornalísticos do estado: 180 Graus (www.180graus.com), Cidade Verde (www.cidadeverde.com) e Meio Norte (www.meionorte.com). Metodologicamente elencou-se nos mecanismos de buscas desses três sites o termo ―Meio Ambiente‖ para fortalecer o escopo se há ou não silenciamento no discurso sobre a temática em voga. Foram encontrados em todo o ano de 2016 apenas 124 matérias relacionadas à temática, sendo que a grande maioria é oriunda de assessorias de Comunicação e também de inspiração de sites nacionais. O trabalho é dividido em três partes. O primeiro, nomeado ―Questões ambientais contemporâneas – um debate mais que necessário‖, de caráter teórico, realiza reflexões sobre as premências sobre Meio Ambiente na contemporaneidade. O segundo, nomeado ―Interfaces do webjornalismo piauiense – o 2016 de discursos ambientais nos três principais sites jornalísticos do Piauí ‖, de caráter de identificação do objeto e apresentação do escopo do trabalho, destaca os três sites estudados (180 Graus; Cidade Verde e Meio Norte) e apresenta as notícias divulgadas pelos mesmos durante 2016 sobre Meio Ambiente. O terceiro e último, nomeado ―Mudez no discurso ambiental dos três sites mais acessados do Piauí. Por que praticamente silenciase sobre essa importante temática?‖, envereda sobre a análise do trabalho propriamente dito e mostra as faces e interfaces do sujeito-objeto do trabalho e explica os motivos do silenciamento sobre questões ambientais nos três mais acessados sites webjornalísticos do Piauí. Questões ambientais contemporâneas – um debate mais que necessário Por que debater sobre meio ambiente é mais que necessário? Realmente está temática está na linha de frente das questões sociais contemporâneas? Ou é apenas ―mais uma‖ moda midiática? Responder esses, e outros, questionamentos, é o ponto central deste capítulo, que tem como destaque as premências das questões de um discurso ambiental versus o desenvolvimentismo a qualquer custo balizados nas questões desenvolvimentistas da contemporaneidade. Se pretendemos ter um presente e um futuro sustentável devemos saber da importância do meio ambiente e buscar ter atitudes de conservação sempre que possível. Historicamente é sabido que o humano se desenvolveu sem muita preocupação com esse tema e muito menos sabia o seu valor e, talvez, muitos continuam sem saber. Se a massa social desse conta que se alguns recursos naturais essenciais para sobrevivência da espécie humana continuar no ritmo de prejuízo que está, ela teria e cobraria mais atitudes dela própria e dos que estão no poder a representado. A vida moderna, a comodidade e a busca da qualidade de vida acabam acobertando verdades necessárias, fica claro que hoje dispomos de muitos elementos que deixam a vida mais agradável e cômoda e essa urgência do hoje acaba prejudicando o amanhã. Devido ao fato de que boa parte dos prejuízos causados ao meio ambiente ainda não estarem afetando diretamente o cotidiano do homem, mesmo acontecendo aqui e acolá fatos impactantes. Historicamente, esses impactos começam a ser visualmente reconhecidos a partir das duas grandes guerras mundiais, principalmente devido a extensa devastação de habitats naturais e a contaminação radioativa. Logo após veio a nova Revolução Industrial caracterizada pela nova necessidade de reconstrução econômica pós-guerra em um curto período de tempo, fomentada pela construção de novas e maiores indústrias por todo o mundo a consequência foi a rápida exploração dos recursos naturais e o aumento do nível de contaminação. Mas foi somente nos anos 1960 que foram surgindo vozes de alarmes que poriam em pauta a problemática ambiental gerada pelo desenvolvimento crescente da industrialização, crescimento populacional e consequentemente do consumo. Antes, acreditava-se que a grande maioria dos recursos naturais e energéticos eram inesgotáveis e a natureza seria capaz de suportar qualquer nível de agressão, ainda há aqueles que pensam assim. Depois, alguns acidentes ambientais chamaram atenção para como a exploração descontrolada prejudica e afeta sim diretamente o ser humano.

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Maria Teresa Mercado (2012, p.1141, tradução livre) enfatiza que as questões da inclusão das dimensões ambientais e as perspectivas da sustentabilidade não são opções, mas sim imperativo na contemporaneidade com vista para o futuro das sociedades. Não se trata de uma opção a abordagem da temática ambiental e a preocupação com as consequências causadas pelo atual modelo de desenvolvimento capitalista, mas sim de uma necessidade que surgiu no decorrer do tempo e do contexto em que se vive. Enrique Leff (2012, p.30-31) reflete sobre as questões e premências da sustentabilidade. Essa questão aparece como uma resposta à repartição trazida pela modernização e como uma condição para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. O mesmo autor (2012, p.22) enfatiza que é necessário que haja uma racionalidade ambiental, que ―busca reconstruir as bases éticas e produtivas de um desenvolvimento alternativo‖. Por algum tempo, desenvolvimento foi tido como sinônimo de crescimento. Porém, é possível perceber que essa simplificação do conceito não abrange a totalidade das questões envolvidas. O desenvolvimento a qualquer custo é ponto-chave e tem de ser claro as diferenças entre desenvolvimento e crescimento. Luciana Lopes (2006, p.25) afirma que ―o enfoque do crescimento está, cada vez mais, em produzir mais e diferentes produtos para satisfazer as necessidades criadas, muitas vezes, para alimentar o consumo excessivo e a própria racionalidade de desenvolvimento‖. Ou seja, para a autora o crescimento não se preocupa com a questão dos recursos naturais, se limitando à questão econômica. Luciana Lopes (2006) ainda traz como ponto importante o crescimento como incentivador constante de um mercado consumidor que cria necessidades. Nesse enfoque está a mídia, ou seja, os meios de Comunicação. Esse fator é refletido por BARROS; BERTI; SOUSA (2015) no sentido da importância dos meios de Comunicação estarem em consonância com as questões contemporâneas. Será que realmente as interfaces do webjornalismo piauiense realmente faz um discurso de evidência ou emissão sobre as questões ambientais? É o que será visto no capítulo a seguir. Interfaces do webjornalismo piauiense – o 2016 de discursos ambientais nos três principais sites jornalísticos do Piauí O webjornalismo piauiense tem mais de 200 empresas, o que corresponde a quase uma para cada um dos 224 municípios do estado. Quantitativamente é a mídia que mais cresce no estado principalmente por conta da rapidez em divulgação de informações e quase anarquia no sentido de socialização de fatos e não fatos. Destaca-se que há uma diferenciação muito grande entre jornalismo e fato, sendo que ao ser retratado os conceitos sobre webjornalismo nota-se que a profusão de notícias verdadeiras cai para menos da metade dessas empresas. No Piauí o webjornalismo começa a ganhar forma no início do Século XXI. Webjornalismo é caracterizado, segundo João Canavilhas (2017, p.03), como sendo um jornalismo participado por interação entre emissores e receptores. Mas também, segundo CANAVILHAS (2017, p.05) ―não basta juntar à notícia um conjunto de novos elementos multimédia, pois esse acto pode apenas criar redundância e até mesmo ruído‖. Em livro de Allisson Paixão da Silva e Orlando Maurício de Carvalho Berti (no prelo) um dos pontos que fez o webjornalismo no Piauí crescer foi a questão de sua credibilidade alcançada pela falência dessa interface da considerada mídia tradicional. A nova mídia em seus primeiros passos no Piauí trouxe uma série de temáticas polêmicas e assuntos pouco abordados pelos jornais, emissoras de TV e de rádio. Um dos expoentes nessa interconexão foi justamente o trabalho feito pelo 180 Graus. Costuma-se chamar os sites jornalísticos do Piauí de portais. Apesar de errôneo o termo é empregado primordialmente porque um dos primeiros expoentes de sucesso foi o Portal AZ (www.portalaz.com.br) existindo ainda em 2017. A nomenclatura serviu para ajudar os sites jornalísticos a se consolidarem como veículos de informação e comunicação, bem como para a socialização de notícias em diversas interfaces. Mas foram os sites que fizeram crossmidia, como enfatiza Pollyana Ferrari (2003) foram os que mais conseguiram sobreviver e ter capilaridade, principalmente no agendamento de uma série de pautas e fatos sociais. No Piauí o jornalismo é bem pautado em questões do declaratório e é bem efusivo nas perspectivas do 202 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


hard news. Seus maiores expoentes, principalmente por virem de grupos comunicacionais, econômicos e também políticos são os três sites objetos de estudo deste trabalho. Os três sites webjornalísticos mais acessados do Piauí Segundo RANKING DE SITES (2017) os três sites webjornalísticos mais acessados do Piauí são, respectivamente, Meio Norte (www.meionorte.com); 180 Graus (www.180graus.com) e Cidade Verde (www.cidadeverde.com)4. A escolha entre os três mais acessados foi dada justamente pelo fato de sua tradição no webjornalismo do Piauí, pelos mesmos estarem interligados a grupos empresariais e ainda por sua repercussões não só na capital do estado, Teresina, mas também em todo o interior piauiense. Site 180 Graus O site 180 Graus pertence ao polêmico empresário Helder Eugênio. Ele comanda uma equipe de quase cem profissionais, a maioria interligada em funções comerciais e publicitárias. O 180 Graus é um dos sites webjornalísticos mais antigos do Piauí. Foi fundado em 2001 e teve como ponto-chave tentar realizar jornalismo na Internet. É voltado para notícias polêmicas e tem a maior capilarização de correspondentes trazendo fatos e notícias de todo o interior do Piauí. O 180 Graus é o único site jornalístico do estado, com abrangência regional, a ter exclusivamente uma seção destinada a Meio Ambiente. Site Cidade Verde O Cidade Verde existe há mais de uma década e faz parte do Grupo empresarial Cidade Verde, que é dono de vários meios de comunicação, entre eles uma emissora de TV (a TV Cidade Verde – afiliada ao SBT no Piauí), a FM Cidade Verde e a Revista Cidade Verde, além de quase uma dezena de concessionárias de veículos de várias marcas. O Grupo é gerido pelo empresário Jesus Tajra Filho, conhecido por Jesus Filho. O portal Cidade Verde é composto por mais de dez profissionais, praticamente todos jornalistas graduados e mais uma equipe de quase 20 colunistas que colaboram esporadicamente com textos. É conhecido por ser um dos que mais procura dar informações mais corretas e sem usar muito o fetiche da velocidade. Opera muito no sistema de jornalismo na Internet, com informações, muitas vezes balizadas em seus outros veículos. Site Meio Norte O Meio Norte, ou MeioNorte.Com, como gosta de ser chamado tem mais de dez anos de existência e pertence ao Sistema Meio Norte de Comunicação, um dos maiores grupos comunicacionais do Nordeste. O Sistema conta, além do site de notícias, com várias emissoras de TV, mais de uma dezena de rádios, o maior jornal impresso do estado e também faz parte da maior rede de concessionárias de veículos do Piauí. Tem uma linha mais popular e persegue, sem negar, a questão da audiência a qualquer custo. Tem mais acessos não só em sua página, mas também, juntamente com seus profissionais de comunicação, lidera a preferência e acesso nas redes sociais virtuais.

4

Da lista dos dez sites jornalísticos mais acessados do Piauí, segundo o RANKING DE SITES (2017) também são encontrados: GP1 (www.gp1.com.br), de Teresina; Portal AZ (www.portalaz.com.br), de Teresina; Portal O Dia (www.portalodia.com.br), de Teresina; Folha de Parnaíba (www.folhadeparnaiba.com.br), de Parnaíba; Portal Riachão (www.riachaonet.com.br), de Picos; Piripiri Repórter (www.piripirireporter.com), de Piripiri, e Jornal ESP (www.jornalesp.com), de Esperantina. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 203


Marcas do discurso ambiental nos três principais sites webjornalísticos do Piauí durante o ano de 2016 Os dados a seguir fazem parte de um apanhado no sentido de tentar entender se ocorre ou não o silenciamento de temáticas ambientais nos três principais sites webjornalísticos do Piauí. Eles correspondem a quase metade dos acessos registrados no estado na área jornalística, segundo o RANKING DE SITES (2017). Metodologicamente foi feito um apanhado em cada um dos três sites no sentido de entender como os mesmos evocam a temática ambiental. Para isso utilizou-se o termo de busca ―Meio Ambiente‖ o que mostrou ser plenamente eficaz apenas no Meio Norte. No Cidade Verde a busca teve de ser manual. No caso do 180 Graus há uma seção específica sobre Meio Ambiente (http://180graus.com/meio-ambiente) que era capitaneado pela estudante de Jornalismo Illa Marinho. O Cidade Verde e o Meio Norte não têm espaços específicos para questões ambientais em suas seções. A maioria do material vem sempre nas seções de Geral, Cidades, Economia e Política. Um ponto interessante é que nos três sites a maioria da autoria do material denotado como da área de Meio Ambiente é oriundo de secretarias municipais e da secretaria estadual de Meio Ambiente, além de outra parte vir de materiais de meios de comunicação nacionais, sendo apenas simples reprodução de conteúdo. A seguir, os dados, partindo de datas e horários de veiculação e títulos das matérias. Para possíveis novos estudos e maior conhecimento do que foi trazido todas as 47 matérias do 180 Graus, 71 matérias do Cidade Verde e 6 matérias do Meio Norte encontram-se lincadas em notas de rodapé. Sobre o 180 Graus foram encontrados: QUADRO I – MATÉRIAS DO PORTAL 180 GRAUS VEICULADAS NO ANO DE 2016 SOBRE A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE

Nª da matéria

Data e horário de veiculação

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16 de janeiro, 9h10 19 de janeiro, 12h01 22 de janeiro, 17h04 24 de janeiro, 15h20 26 de janeiro, 12h39 16 de fevereiro, 16h22 20 de fevereiro, 19h07 06 de março, 15h57 11 de março, 8h46 03 de abril, 17h56 13 de abril, 17h51 22 de abril, 12h19 06 de maio, 9h55 14 de julho, 21h37 02 de agosto, 15h12 14 de agosto, 9h37

Título da matéria Semam contabilizará emissão de gases durante Corso de Teresina5 Semar realiza audiências públicas do Projeto Eólico Ventos do Piauí6 Carro é arrastado após chuva forte e contínua na região sul do Piauí; foto 7 Chuva arrasta aguapés para a ponte do Mocambinho e acumula lixo; foto8 Chuva por todo Piauí embeleza, mas também provoca transtornos; Fotos 9 Sem coleta, moradores jogam lixo na sede da prefeitura da cidade10 Foto: Nuvens prateleiras reaparecem no céu de Teresina no final da tarde 11 Sem água no maior açude do Ceará, criadores de tilápia vieram para o PI12 Chuvas irão continuar nos próximos dias, mas abaixo da média de março13 Imagens de satélite mostram 'recuo' da água na Lagoa do Portinho; fotos14 Canal aberto leva grande volume de água para a Lagoa do Portinho; foto15 Grupo finaliza abertura de canal que levará água para Lagoa do Portinho16 Emissões de gases do efeito estufa do Brasil caem 50% nos últimos 5 anos17 Ziza cita proposta de ministro por lei geral para Licenciamento Ambiental18 Profecia se cumprindo? Mar invade rio São Francisco e deixa água salgada19 Semar autua lixão irregular e multas podem atingir o valor de R$1 milhão20

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http://180graus.com/meio-ambiente/semam-contabilizara-emissao-de-gases-durante-corso-de-teresina http://180graus.com/meio-ambiente/semar-realiza-audiencias-publicas-do-projeto-eolico-ventos-do-piaui 7 http://180graus.com/meio-ambiente/carro-e-arrastado-apos-chuva-forte-e-continua-na-regiao-sul-do-piaui-foto 8 http://180graus.com/meio-ambiente/chuva-arrasta-aguapes-para-a-ponte-do-mocambinho-e-acumula-lixo-foto 9 http://180graus.com/meio-ambiente/chuva-por-todo-piaui-embeleza-mas-tambem-provoca-transtornos-fotos 10 http://180graus.com/meio-ambiente/sem-coleta-moradores-jogam-lixo-na-sede-da-prefeitura-da-cidade 11 http://180graus.com/meio-ambiente/fotonuvens-prateleiras-reaparecem-no-ceu-de-teresina-no-final-da-tarde 12 http://180graus.com/meio-ambiente/sem-agua-no-maior-acude-do-ceara-criadores-de-tilapia-vieram-para-o-pi 13 http://180graus.com/meio-ambiente/chuvas-irao-continuar-nos-proximos-dias-mas-abaixo-da-media-de-marco 14 http://180graus.com/meio-ambiente/imagens-de-satelite-mostram-recuo-da-agua-na-lagoa-do-portinho-fotos 15 http://180graus.com/meio-ambiente/canal-aberto-leva-grande-volume-de-agua-para-a-lagoa-do-portinho-foto 16 http://180graus.com/meio-ambiente/grupo-finaliza-abertura-de-canal-que-levar-agua-para-a-lagoa-do-portinho 17 http://180graus.com/meio-ambiente/emissoes-de-gases-do-efeito-estufa-do-brasil-caem-50-nos-ultimos-5-anos 18 http://180graus.com/meio-ambiente/ziza-cita-proposta-de-ministro-por-lei-geral-para-licenciamento-ambiental 19 http://180graus.com/meio-ambiente/profecia-se-cumprindo-agua-do-mar-invade-rio-sao-francisco-e-deixa-agua-salgada 6

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17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45

19 de agosto, 10h14 13 de setembro, 18h16 16 de setembro, 17h58 23 de setembro, 11h52 13 de outubro, 17h25 14 de outubro, 12h00 17 de outubro, 9h22 17 de outubro, 14h47 17 de outubro, 16h17 20 de outubro, 21h53 23 de outubro, 9h29 24 de outubro, 10h48 24 de outubro, 19h33 26 de outubro, 06h07 26 de outubro, 10h17 27 de outubro, 6h06 28 de outubro, 6h12 04 de novembro, 18h12 13 de novembro, 12h45 27 de novembro, 18h30 03 de dezembro, 18h42 17 de dezembro, 12h19 17 de dezembro, 14h22 18 de dezembro, 16h48 20 de dezembro, 11h55 20 de dezembro, 12h21 21 de dezembro, 15h33 24 de dezembro, 9h38 26 de dezembro, 13h01

Piauí registra cinco das dez maiores temperaturas do Brasil no dia 17/08 21 Vídeo: Vendaval destrói estrutura da rodoviária de Miguel Alves, no Piauí22 B-R-O-Bró: irresponsabilidade paira em forma de fumaça no céu de THE23 Chuvas 'isoladas' na capital poderão persistir hoje e amanhã; veja boletim 24 Imagens aéreas mostram a extensão do incêndio que 'assustou' Teresina25 Dos focos de incêndio registrados no último mês, 9,3% foram no Piauí26 Incêndios persistem, mas ações dos Bombeiros controlam a propagação27 Em uma semana, equipe de combate a incêndios aumenta quase 10 vezes 28 Secretário pede mais equipamentos para combater os incêndios no Piauí29 Chuva alivia calor em Teresina, mas deixou estragos em diversos bairros 30 Seca avança no Nordeste e assume 'contornos severos', mostra estudo31 Semam inicia Natal Natureza e distribui 780 mudas para crianças em Teresina32 Projeto de agroecologia torna possível a convivência com o semiárido33 Balanço feito pelo IBAMA mostra atraso de obras da Samarco para conter lama34 Desmatamento é responsável pelo aumento de gases do Efeito Estufa no Brasil35 Agropecuária é a atividade econômica que mais emite gases poluentes no Brasil36 Novos preços para entradas nos parques nacionais entram em vigor em novembro37 Primavera e verão são períodos com maior incidência de raios no País 38 Cursos gratuitos em eficiência energética serão oferecidos a partir de dezembro39 Fotógrafo da Serra da Capivara roda o país para documentário da NatGeo40 PI: Incêndio consome vegetação em área de 2 municípios da região norte41 Água Doce beneficia mais de 120 mil pessoas42 Estratégia nacional: Brasil dialoga com sociedade sobre metas do clima 43 Recursos hídricos podem se esgotar do planeta em 2050, dizem cientistas44 Cobra com cabeça de arco-íris e outras espécies foram encontradas na Ásia45 Mantida a proibição de caputra de espécies aquáticas ameaçadas46 Italianos farão estudos para produzir energia com resíduos sólidos no Piauí47 Dez maiores multas por desmatamento somam R$ 260 milhões, diz Greenpeace48 Coordenação de Arborização prepara mudas para janeiro; doação e plantio49

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http://180graus.com/meio-ambiente/semar-autua-lixao-irregular-e-multas-podem-atingir-o-valor-de-r1-milhao http://180graus.com/meio-ambiente/piaui-registra-cinco-das-dez-maiores-temperaturas-do-brasil-no-dia-1708 22 http://180graus.com/meio-ambiente/video-vendaval-destroi-estrutura-da-rodoviaria-de-miguel-alves-no-piaui 23 http://180graus.com/meio-ambiente/brobro-irresponsabilidade-paira-em-forma-de-fumaca-no-ceu-de-the 24 http://180graus.com/meio-ambiente/chuvas-isoladas-na-capital-poderao-persistir-hoje-e-amanhaveja-boletim 25 http://180graus.com/meio-ambiente/imagens-aereas-mostram-a-extensao-do-incendio-que-assustou-teresina 26 http://180graus.com/meio-ambiente/dos-focos-de-incendio-registrados-no-ultimo-mes-93-foram-no-piaui 27 http://180graus.com/meio-ambiente/incendios-persistem-mas-acoes-dos-bombeiros-controlam-a-propagacao 28 http://180graus.com/meio-ambiente/em-uma-semanaequipe-de-combate-aos-incendios-aumenta-ate-10-vezes 29 http://180graus.com/meio-ambiente/secretario-pede-mais-equipamentos-para-combater-os-incendios-no-piaui 30 http://180graus.com/meio-ambiente/chuva-alivia-calor-em-teresina-mas-deixou-estragos-em-diversos-bairros 31 http://180graus.com/meio-ambiente/seca-avanca-no-nordeste-e-assume-contornos-severos-mostra-estudo 32 http://180graus.com/meio-ambiente/semam-inicia-natal-natureza-e-distribui-780-mudas-para-criancas-em-teresina 33 http://180graus.com/meio-ambiente/projeto-de-agroecologia-torna-possivel-a-convivencia-com-o-semiarido 34 http://180graus.com/meio-ambiente/balanco-feito-pelo-ibama-mostra-atraso-de-obras-da-samarco-para-conter-lama-datragedia 35 http://180graus.com/meio-ambiente/desmatamento-e-responsavel-pelo-aumento-de-gases-do-efeito-estufa-no-brasil 36 http://180graus.com/meio-ambiente/agropecuaria-e-a-atividade-economica-que-mais-emite-gases-poluentes-no-brasil 37 http://180graus.com/meio-ambiente/novos-precos-para-entradas-nos-parques-nacionais-entram-em-vigor-em-novembro 38 http://180graus.com/meio-ambiente/primavera-e-verao-sao-periodos-com-maior-incidencia-de-raios-no-pais 39 http://180graus.com/meio-ambiente/cursos-gratuitos-em-eficiencia-energetica-serao-oferecidos-a-partir-de-dezembro 40 http://180graus.com/meio-ambiente/fotografo-da-serra-da-capivara-roda-o-pais-para-documentario-da-natgeo 41 http://180graus.com/meio-ambiente/pi-incendio-consome-vegetacao-em-area-de-2-municipios-da-regiao-norte 42 http://180graus.com/meio-ambiente/agua-doce-beneficia-mais-de-120-mil-pessoas 43 http://180graus.com/meio-ambiente/brasil-dialoga-com-sociedade-sobre-metas-do-clima 44 http://180graus.com/meio-ambiente/recursos-hidricos-podem-se-esgotar-do-planeta-em-2050-dizem-cientistas 45 http://180graus.com/meio-ambiente/cobra-arcoiris-e-outras-especies-foram-encontradas-na-asia 46 http://180graus.com/meio-ambiente/mantida-a-proibicao-de-caputra-de-especies-aquaticas-ameacadas 47 http://180graus.com/meio-ambiente/italianos-farao-estudos-para-produzir-energia-com-residuos-solidos-no-piaui 48 http://180graus.com/meio-ambiente/dez-maiores-multas-por-desmatamento-somam-r-260-milhoes-diz-greenpeace 21

Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 205


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28 de dezembro, 16h03 31 de dezembro, 8h45

Piauí recebe R$ 5,8 milhões para o Água Doce do Ministério de Meio Ambiente50 Ministério da Saúde dá autonomia aos gestores das UPAs 24h; regras flexíveis 51

Fonte: Elaboração própria dos autores do trabalho com dados obtidos no site 180 graus (2007).

Sobre o Cidade Verde e seu discurso ambiental em 2016 foram encontrados: QUADRO II – MATÉRIAS DO PORTAL CIDADE VERDE VEICULADAS NO ANO DE 2016 SOBRE A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE

Nª da matéria

Data e horário de veiculação

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

13 de janeiro, 10h54 13 de janeiro, 17h43 13 de janeiro, 19h31 16 de janeiro, 10h12 18 de janeiro, 18h26 19 de janeiro, 20h52 27 de janeiro, 18h15 28 de janeiro, 18h05 03 de fevereiro, 9h37 23 de fevereiro, 9h47 23 de fevereiro, 10h57 24 de fevereiro, 16h25 02 de março, 15h07 02 de março, 17h19 15 de março, 13h20 17 de março, 7h30 17 de março, 17h01 18 de março, 10h40 21 de março, 8h22 22 de março, 17h49 25 de março, 8h45

Título da matéria Governo autoriza concurso público para 20 vagas na Semar52 Município do Piauí completa 30 dias sem água e população reclama de barragem 53 PF indicia Samarco, Vale e consultoria por crime ambiental em Mariana54 Prefeitura fará plantio de 800 árvores para compensar emissão de gases durante o Corso55 Audiências públicas discutirão Projeto Eólico Ventos do Piauí56 Semar investiga camarões mortos às margens do Rio Poti57 Samarco informa novo deslizamento em Mariana58 Papa recebe Leonardo DiCaprio para discutir meio ambiente59 Limpeza e implantação de lixeiras estão sendo feitas no litoral60 Zoobotânico conta com academia ao ar livre e pista de corrida e patinação61 Rosário lembra que Lei do Lixo Zero pode entrar em vigor em todo o país 62 Comissão aprova projeto de Ciro que estimula geração de energia limpa63 Semar aplica R$ 600 mil em multas em combate ao tráfico de animais e madeira 64 Samarco pagará R$ 4,4 bi para compensar tragédia de Mariana65 Prefeito entrega esgotamento no Matadouro e diz que Instituto de Águas é problema do governo66 Governo do Estado autoriza R$ 700 mil ao Parque Serra da Capivara para amenizar crise 67 Secretário Ziza Carvalho se filia ao PDT nesta sexta-feira68 Pearl Jam doa R$ 120 mil para vítimas da tragédia de Mariana69 Presidente do ICMBio recorrerá da ação que destina R$ 4 milhões a Serra da Capivara70 Justiça Federal absolve indústria de camarão e licenças são mantidas71 Brasil desperdiça 36,4% da água disponível, diz ministério72

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http://180graus.com/meio-ambiente/coordenacao-de-arborizacao-prepara-mudas-para-janeiro-doacao-e-plantio http://180graus.com/meio-ambiente/piaui-recebe-r-58-milhoes-para-o-agua-doce-do-ministerio-de-meio-ambiente 51 http://180graus.com/meio-ambiente/ministerio-da-saude-da-autonomia-aos-gestores-das-upas-24h-regras-flexiveis 52 http://cidadeverde.com/noticias/210905/governo-autoriza-concurso-publico-para-20-vagas-na-semar 53 http://cidadeverde.com/noticias/210952/municipio-do-piaui-completa-30-dias-sem-agua-e-populacao-reclama-de-barragem 54 http://cidadeverde.com/noticias/210964/pf-indicia-samarco-vale-e-consultoria-por-crime-ambiental-em-mariana 55 http://cidadeverde.com/noticias/211145/prefeitura-fara-plantio-de-800-arvores-para-compensar-emissao-de-gases-durante-ocorso 56 http://cidadeverde.com/noticias/211307/audiencias-publicas-discutirao-projeto-eolico-ventos-do-piaui 57 http://cidadeverde.com/noticias/211392/semar-investiga-camaroes-mortos-as-margens-do-rio-poti 58 http://cidadeverde.com/noticias/211946/samarco-informa-novo-deslizamento-em-mariana 59 http://cidadeverde.com/noticias/212034/papa-recebe-leonardo-dicaprio-para-discutir-meio-ambiente 60 http://cidadeverde.com/noticias/212372/limpeza-e-implantacao-de-lixeiras-estao-sendo-feitas-no-litoral 61 http://cidadeverde.com/noticias/213725/zoobotanico-conta-com-academia-ao-ar-livre-e-pista-de-corrida-e-patinacao 62 http://cidadeverde.com/noticias/213738/rosario-lembra-que-lei-do-lixo-zero-pode-entrar-em-vigor-em-todo-o-pais 63 http://cidadeverde.com/noticias/213865/comissao-aprova-projeto-de-ciro-que-estimula-geracao-de-energia-limpa 64 http://cidadeverde.com/noticias/214389/semar-aplica-r-600-mil-em-multas-em-combate-ao-trafico-de-animais-e-madeira 65 http://cidadeverde.com/noticias/214408/samarco-pagara-r-44-bi-para-compensar-tragedia-de-mariana 66 http://cidadeverde.com/noticias/215328/prefeito-entrega-esgotamento-no-matadouro-e-diz-que-instituto-de-aguas-e-problemado-governo 67 http://cidadeverde.com/noticias/215449/governo-do-estado-autoriza-r-700-mil-ao-parque-serra-da-capivara-para-amenizarcrise 68 http://cidadeverde.com/noticias/215525/secretario-ziza-carvalho-se-filia-ao-pdt-nesta-sexta-feira 69 http://cidadeverde.com/noticias/215568/pearl-jam-doa-r-120-mil-para-vitimas-da-tragedia-de-mariana 70 http://cidadeverde.com/noticias/215707/presidente-do-icmbio-recorrera-da-acao-que-destina-r-4-milhoes-a-serra-da-capivara 71 http://cidadeverde.com/noticias/215875/justica-federal-absolve-industria-de-camarao-e-licencas-sao-mantidas 72 http://cidadeverde.com/noticias/216056/brasil-desperdica-364-da-agua-disponivel-diz-ministerio 50

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28 de março, 19h15 01 de abril, 17h47 03 de abril, 14h33 04 de abril, 10h36 04 de abril, 16h01 05 de abril, 11h40 12 de abril, 15h50 13 de abril, 10h28 16 de abril, 23h30 18 de abril, 11h45 20 de abril, 16h44 22 de abril, 13h51 24 de abril, 14h23 26 de abril, 15h12 11 de maio, 8h33 11 de maio, 10h55 17 de maio, 9h31 18 de maio, 9h49 26 de maio, 9h45 04 de junho, 9h55 07 de junho, 17h28 24 de junho, 17h30

44 45 46 47 48 49 50

25 de junho, 10h40 03 de julho, 10h43 06 de julho, 15h53 19 de julho, 17h20 26 de julho, 16h22 18 de agosto, 17h03 08 de setembro, 19h00

Laudo da PF constata que Agespisa lança nos rios produtos que causam poluição73 Piauí vai receber R$ 24 milhões para combate aos efeitos da seca74 Bairro Porto Alegre recebe primeiro Ponto de Recebimento de Resíduos nesta segunda (3)75 Convênio vai permitir instalação de mais 8 parques eólicos no Piauí76 Semar promete intensificar fiscalização de venda e criação de aves 77 Shopping Natureza gera renda para cerca de 60 produtores em Teresina78 Semar lança edital do ICMS Ecológico para municípios79 Criada comissão para combater deposição irregular de lixo em Teresina 80 Governo nomeia nova direção do Instituto Chico Mendes no Piauí81 Teresina participa do Mayors Challenge com projeto de redução da temperatura 82 Prefeitura recupera acesso ao aterro sanitário de Piracuruca83 Superintendente do IBAMA no Piauí é exonerado após PSD votar por impeachment84 Deputado australiano ateia fogo a rio em denúncia a fraturamento hidráulico85 Ibama abre mais de 40 vagas para brigadistas; confira edital86 MPE firma acordo com prefeitura de Cocal para correta destinação do lixo87 Ministra garante regularização do Parque Nacional da Serra das Confusões88 Firmino lança programa que combate lixões urbanos e multa sujões na capital89 ANA fará estudo sobre situação de recursos hídricos do Piauí90 Corrida do Meio Ambiente deve reunir 300 competidores no Zoobotânico91 Frei Serafim recebe mobilização pelo Dia Mundial do Meio Ambiente92 Semana do Meio Ambiente leva mutirão de limpeza a praia de Barra Grande93 http://cidadeverde.com/noticias/222896/angico-branco-firmino-diz-que-ficou-sabendo-de-derrubadapela-internet94 Movimento reforça ações para evitar corte de antiga árvore na zona Leste95 Jucepi disponibiliza licenças ambiental e sanitária pelo Piauí Digital96 Piauí terá maior usina de energia solar da América Latina97 Quase 90% do território piauiense têm seca extrema em junho, aponta Mapa98 Acessos da nova ponte Wall Ferraz receberão asfalto ecológico99 Gilbués registra a maior temperatura do País e Piauí vive estado de alerta100 Piauí registrou 360 incêndios só nos primeiros 8 dias de setembro, diz INPE101

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http://cidadeverde.com/noticias/216290/laudo-da-pf-constata-que-agespisa-lanca-nos-rios-produtos-que-causam-poluicao http://cidadeverde.com/noticias/216621/piaui-vai-receber-r-24-milhoes-para-combate-aos-efeitos-da-seca 75 http://cidadeverde.com/noticias/216687/bairro-porto-alegre-recebe-primeiro-ponto-de-recebimento-de-residuos-nestasegunda-3 76 http://cidadeverde.com/noticias/216742/convenio-vai-permitir-instalacao-de-mais-8-parques-eolicos-no-piaui 77 http://cidadeverde.com/noticias/216778/semar-promete-intensificar-fiscalizacao-de-venda-e-criacao-de-aves 78 http://cidadeverde.com/noticias/216841/shopping-natureza-gera-renda-para-cerca-de-60-produtores-em-teresina 79 http://cidadeverde.com/noticias/217409/semar-lanca-edital-do-icms-ecologico-para-municipios 80 http://cidadeverde.com/noticias/217464/criada-comissao-para-combater-deposicao-irregular-de-lixo-em-teresina 81 http://cidadeverde.com/noticias/217738/governo-nomeia-nova-direcao-do-instituto-chico-mendes-no-piaui 82 http://cidadeverde.com/noticias/217833/teresina-participa-do-mayors-challenge-com-projeto-de-reducao-da-temperatura 83 http://cidadeverde.com/piracuruca/76452/prefeitura-recupera-acesso-ao-aterro-sanitario-de-piracuruca 84 http://cidadeverde.com/noticias/218176/superintendente-do-ibama-no-piaui-e-exonerado-apos-psd-votar-por-impeachment 85 http://cidadeverde.com/noticias/218281/deputado-australiano-ateia-fogo-a-rio-em-denuncia-a-fraturamento-hidraulico 86 http://cidadeverde.com/noticias/218452/ibama-abre-mais-de-40-vagas-para-brigadistas-confira-edital 87 http://cidadeverde.com/noticias/219552/mpe-firma-acordo-com-prefeitura-de-cocal-para-correta-destinacao-do-lixo 88 http://cidadeverde.com/noticias/219579/ministra-garante-regularizacao-do-parque-nacional-da-serra-das-confusoes 89 http://cidadeverde.com/noticias/219997/firmino-lanca-programa-que-combate-lixoes-urbanos-e-multa-sujoes-na-capital 90 http://cidadeverde.com/noticias/220088/ana-fara-estudo-sobre-situacao-de-recursos-hidricos-do-piaui 91 http://cidadeverde.com/noticias/220673/corrida-do-meio-ambiente-deve-reunir-300-competidores-no-zoobotanico 92 http://cidadeverde.com/noticias/221311/frei-serafim-recebe-mobilizacao-pelo-dia-mundial-do-meio-ambiente 93 http://cidadeverde.com/noticias/221546/semana-do-meio-ambiente-leva-mutirao-de-limpeza-a-praia-de-barra-grande 94 http://cidadeverde.com/noticias/222896/angico-branco-firmino-diz-que-ficou-sabendo-de-derrubada-pela-internet 95 http://cidadeverde.com/noticias/222920/movimento-reforca-acoes-para-evitar-corte-de-antiga-arvore-na-zona-leste 96 http://cidadeverde.com/noticias/223486/jucepi-disponibiliza-licencas-ambiental-e-sanitaria-pelo-piaui-digital 97 http://cidadeverde.com/noticias/223747/piaui-tera-maior-usina-de-energia-solar-da-america-latina 98 http://cidadeverde.com/noticias/224806/quase-90-do-territorio-piauiense-tem-seca-extrema-em-junho-aponta-mapa 99 http://cidadeverde.com/noticias/225460/acessos-da-nova-ponte-wall-ferraz-receberao-asfalto-ecologico 100 http://cidadeverde.com/noticias/227559/gilbues-registra-a-maior-temperatura-do-pais-e-piaui-vive-estado-de-alerta 74

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10 de setembro, 08h01 25 de setembro, 16h05 04 de outubro, 16h20 13 de outubro, 12h56 13 de outubro, 19h00 17 de outubro, 13h35 18 de outubro, 13h38 18 de outubro, 19h07 22 de outubro, 11h25 27 de outubro, 11h15 29 de outubro, 10h56 01 de novembro, 17h10 02 de novembro, 18h20 04 de novembro, 08h17 04 de novembro, 19h01 07 de novembro, 7h44 19 de novembro, 11h36 29 de novembro, 14h30 02 de dezembro, 7h00 13 de dezembro, 16h18 25 de dezembro, 15h27

Levantamento do Dnocs mostra três açudes do Piauí em volume morto102 Empresa de energia eólica alemã fará medições em Pio IX103 Queimadas deixam mais de 112 mil piauienses no escuro este ano, revela Eletrobras104 Ibama e secretarias criarão brigada civil contra incêndios em Teresina105 Tempo fica mais quente e umidade cairá no Piauí, prevê meteorologista da Semar106 Queimadas avançam, Estado decreta situação de emergência e monta QG na Expoapi107 Prefeito decreta situação de emergência em Teresina por causa de incêndios e queimadas108 Governo suspende autorização para queimadas controladas no Piauí109 Queimadas em Teresina serão tema de audiência pública na Câmara110 Teresina teve 8 mil hectares de matas queimadas, aponta Semar111 Operação apreende pássaros e multa a criadores chega a mais de R$ 100 mil112 Governo quer que prédios públicos gerem energia113 Teresina registra umidade de deserto e tem nova invasão de 'nuvem' de fuligem 114 Acordo do Clima de Paris entra oficialmente em vigor nesta sexta-feira115 Com 50% das barragens com nível crítico, governo reforça racionamento116 Governador declara SOS ao rio Piauí e dá 45 dias para equipe elaborar projeto117 Mainha apresenta projeto para proibir crueldade a animais em vaquejadas no país 118 Técnicos da Semar vão monitorar 30 barragens do Piauí119 Só dois municípios recebem ICMS ecológico por cumprirem critérios ambientais 120 Período chuvoso começa oficialmente em Teresina e temperaturas caem121 Semar nega maus tratos a ursos no Parque Zoobotânico, após vídeos 122

Fonte: Elaboração própria dos autores do trabalho com dados obtidos no site Cidade Verde (2017).

Acerca do discurso ambiental do Meio Norte foram encontrados: QUADRO III – MATÉRIAS DO PORTAL MEIO NORTE VEICULADAS NO ANO DE 2016 SOBRE A TEMÁTICA MEIO AMBIENTE

Nª da matéria

Data e horário de veiculação

1 2 3 4

29 de janeiro, 11h34 15 de maio, 11h24 26 de maio, 13h37 18 de agosto, 08h13

Título da matéria DiCaprio e Papa Francisco se reúnem para falar sobre meio ambiente123 Semar prepara a Semana do Meio Ambiente em junho deste ano124 Corrida do Meio Ambiente deve reunir 300 competidores em THE 125 Ministro do Meio Ambiente anuncia R$ 1 mi para Serra da Capivara126

101

http://cidadeverde.com/noticias/229170/piaui-registrou-360-incendios-so-nos-primeiros-8-dias-de-setembro-diz-inpe http://cidadeverde.com/noticias/229333/levantamento-do-dnocs-mostra-tres-acudes-do-piaui-em-volume-morto 103 http://cidadeverde.com/noticias/230538/empresa-de-energia-eolica-alema-fara-medicoes-em-pio-ix 104 http://cidadeverde.com/noticias/231263/queimadas-deixam-mais-de-112-mil-piauienses-no-escuro-este-ano-revela-eletrobras 105 http://cidadeverde.com/noticias/231974/ibama-e-secretarias-criarao-brigada-civil-contra-incendios-em-teresina 106 http://cidadeverde.com/noticias/231979/tempo-fica-mais-quente-e-umidade-caira-no-piaui-preve-meteorologista-da-semar 107 http://cidadeverde.com/noticias/232233/queimadas-avancam-estado-decreta-situacao-de-emergencia-e-monta-qg-na-expoapi 108 http://cidadeverde.com/noticias/232316/prefeito-decreta-situacao-de-emergencia-em-teresina-por-causa-de-incendios-equeimadas 109 http://cidadeverde.com/noticias/232352/governo-suspende-autorizacao-para-queimadas-controladas-no-piaui 110 http://cidadeverde.com/noticias/232623/queimadas-em-teresina-serao-tema-de-audiencia-publica-na-camara 111 http://cidadeverde.com/noticias/232976/teresina-teve-8-mil-hectares-de-matas-queimadas-aponta-semar 112 http://cidadeverde.com/noticias/233165/operacao-apreende-passaros-e-multa-a-criadores-chega-a-mais-de-r-100-mil 113 http://cidadeverde.com/noticias/233418/governo-quer-que-predios-publicos-gerem-energia 114 http://cidadeverde.com/noticias/233492/teresina-registra-umidade-de-deserto-e-tem-nova-invasao-de-nuvem-de-fuligem 115 http://cidadeverde.com/noticias/233601/acordo-do-clima-de-paris-entra-oficialmente-em-vigor-nesta-sexta-feira 116 http://cidadeverde.com/noticias/233586/com-50-das-barragens-com-nivel-critico-governo-reforca-racionamento 117 http://cidadeverde.com/noticias/233779/governador-declara-sos-ao-rio-piaui-e-da-45-dias-para-equipe-elaborar-projeto 118 http://cidadeverde.com/noticias/234819/mainha-apresenta-projeto-para-proibir-crueldade-a-animais-em-vaquejadas-no-pais 119 http://cidadeverde.com/noticias/235634/tecnicos-da-semar-vao-monitorar-30-barragens-do-piaui 120 http://cidadeverde.com/noticias/235844/so-dois-municipios-recebem-icms-ecologico-por-cumprirem-criterios-ambientais 121 http://cidadeverde.com/noticias/236710/periodo-chuvoso-comeca-oficialmente-em-teresina-e-temperaturas-caem 122 http://cidadeverde.com/noticias/237571/semar-nega-maus-tratos-a-ursos-no-parque-zoobotanico-apos-videos 123 http://www.meionorte.com/noticias/dicaprio-e-papa-francisco-se-reunem-para-falar-sobre-meio-ambiente-286719 124 http://www.meionorte.com/noticias/semar-prepara-a-semana-do-meio-ambiente-em-junho-deste-ano-293778 125 http://www.meionorte.com/noticias/corrida-do-meio-ambiente-deve-reunir-300-competidores-em-the-294673 102

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5 6

19 de agosto, 18h19 15 de setembro, 15h22

Meio Ambiente libera R$ 1 milhão para Serra da Capivara127 Secretaria de Meio Ambiente avalia situação da Lagoa do Portinho128

Fonte: Elaboração própria dos autores do trabalho com dados obtidos no site meio norte (2017).

Mudez no discurso ambiental dos três sites mais acessados do Piauí. Por que praticamente silencia-se sobre essa importante temática? Questiona-se se realmente há uma mudez no discurso ambiental entre os três mais acessados sites webjornalísticos do Piauí. Como ela ocorre? Como se dá? É feito um discurso que instiga a mudez ou é apenas uma simples consequência do próprio trabalho webjornalístico, pautado pelo fetiche da velocidade, como enfatiza Silvia Moretzsohn (2002). No mundo do fetiche da velocidade webjornalística há uma preocupação, muito mais de produção jornalística, do que propriamente dito em termos dos consumidores de informação. A rapidez, o furo, são essenciais, mesmo que mais importantes do que a própria informação. A autora destaca que o consumidor da informação não quer saber da velocidade em si, mas de como a informação chega até ele de uma maneira credível. Em uma visão quantitativa nota-se que a maior mudez desse discurso é dado justamente pelo maior de todos os sites, o Meio Norte. E, paradoxalmente, é o site que tem a maior quantidade de informações disponíveis, já que tem possibilidade de crossmídia com vários dos meios de Comunicação do Sistema. E todas as matérias elencadas no Meio Norte durante o ano de 2016 trazem conteúdo de assessorias ou de outros meios nacionais. Ou seja, ao menos em termos de assuntos ambientais é notório o silenciamento do Meio Norte. Já no Cidade Verde é o que dá mais no sentido quantitativo vazão à questões ambientais, mas também segue o mesmo padrão do Meio Norte, principalmente em trazer matérias advindas de assessorias de comunicação ou de sites nacionais. As exceções de um agendamento constante de material foram as questões das queimadas desenfreadas durante o mês de outubro de 2016 na região metropolitana da capital piauiense. O assunto chegou a ser assunto nacional e também pautou uma série de matérias no 180 Graus. Nota-se que em nenhum dos três sites estudados há uma preocupação evidente e premente em trazer grandes notícias sobre os fatos e somente as questões do grande número de incêndios ocorrido na capital do estado e em sua região metropolitana chamaram atenção de uma maneira de cobertura mais sistematizada sobre o fenômeno em voga. Em nenhum dos três há matérias especiais locais que reflitam a temática, mesmo havendo tanta premência social em todo o estado do Piauí. A resposta para esse silêncio é dada não por conta de haver uma repulsa partindo dos meios, mas sim devido a uma rotina própria, que espera os fatos virem até os meios e não os meios terem mecanismos próprios de buscarem as informações. Esse fenômeno é um reflexo contemporâneo do próprio jornalismo e do enxugamento das redações e das próprias ações dos profissionais de imprensa. Ao menos durante o ano de 2016 nota-se que pouco menos de 10% das matérias há um discurso próprio do meio, ou seja, com direcionamento para conteúdo próprio sobre temáticas ambientais e quando há esse discurso uníssono ele ocorreu por conta do mega-agendamento dos fatos de outubro de 2016. Um dos pontos interessantes é que o 180 Graus tem um espaço exclusivo para notícias sobre Meio Ambiente. Em uma análise mais profunda nota-se que apesar da garantia e do reconhecimento institucional da empresa à temática não há um conteúdo para discurso próprio, mas sim, igual aos concorrentes, um agendamento prévio ou apenas reprodução de conteúdo de outras fontes. A própria seção ambiental do 180 Graus passa de semanas, e até meses sem atualização e há uma constante, e quase, mantra, no sentido de chamar a atenção nos títulos e materiais para fotos, como se a questão semiótica do material apresentado fosse muito mais premente do que sua própria qualidade conteudística. 126

http://www.meionorte.com/noticias/ministro-do-meio-ambiente-anuncia-r-1-mi-para-serra-da-capivara-300835 http://www.meionorte.com/noticias/meio-ambiente-libera-r-1-milhao-para-serra-da-capivara-300995 128 http://www.meionorte.com/noticias/secretaria-de-meio-ambiente-avalia-situacao-da-lagoa-do-portinho-302968 127

Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 209


Uma das questões-chave é que em alguns meses os sites 180 Graus e Cidade Verde dão mais espaço à temática Meio Ambiente do que o Meio Norte em um único ano. Uma das respostas podem estar nas maneiras de socialização de conteúdo desses sites. Por isso é fato e mais que notório que o 180 Graus, o Cidade Verde e o Meio Norte, o último (principalmente) silenciaram durante quase todo o 2016 materiais refletindo questões ambientais no Piauí. Considerações Considera-se, principalmente, que há um silenciamento seletivo, na questão da exacerbação do discurso ambiental entre os três principais sites webjornalísticos do Piauí. Esse silenciamento confunde-se com as questões do hard news (tentativa constante de trazer notícias mais quentes e ―do momento‖) com a necessidade premente de um agendamento constante, tanto por parte dos meios como também por parte de quem tem interesse social ou político sobre a questão ambiental no Piauí. O problema de pesquisa foi respondido a partir do encontro quantitativo e qualitativo de menos de 200 matérias em um universo em que 200 matérias é menor do que a quantidade diária de materiais jornalísticos nos três sites em questão. Ou seja: o desfile de matérias de caráter ambiental é muito menor que o de 1% do conteúdo oferecido anualmente pelos sites em questão, importantes, principalmente, por serem responsáveis por grande quantidade de acessos e públicos cujo qual influenciam. Uma das soluções para essa mudez pode ser uma maior produção de material das assessorias, não só das secretarias (municipais e estadual) do Meio Ambiente, mas também dos órgãos ambientais. De quase a totalidade da amostra do discurso apenas a questão do gás xisto, no interior do Piauí, ganhou destaque. Mesmo assim o material é advindo de assessoria de Comunicação. Sugere-se uma maior provocação desses meios e uma maior cobrança de participação dos consumidores da informação nos processos comunicacionais. Só assim o dessilenciamento pode ser quebrado e as temáticas ambientais fazerem parte de reflexões constantes e não apenas em situações pontuais. E que seja válido não só para o Piauí, mas também para todo o Brasil e o Mundo, já que o assunto é premente em caráter global. Referências 180 GRAUS. Busca sobre notícias relacionadas a Meio Ambiente na seção Meio Ambiente durante o ano de 2016. Disponível em: <http://180graus.com/meio-ambiente>. Acesso em: 27.fev.2017; 28.fev.2017. BARROS, Denis Barros de; BERTI, Orlando Maurício de Carvalho; SOUSA, Elinara Soares Barros de. A abordagem da temática ambiental nos TCCs do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Piauí. La Corunha: Universidade da Coruña, Revista Ambientalmente Sustentable, V.2, n.20, 2015, pp.811-826. BERTI, Orlando Maurício de Carvalho; SILVA, Allisson Paixão da. Faces e interfaces do webjornalismo no Piauí. No prelo. CANAVILHAS, João Messias. Webjornalismo. Considerações gerais sobre jornalismo na web. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf>. Acesso em: 27.fev.2017. CIDADE VERDE. Busca sobre notícias relacionadas a Meio Ambiente no portal durante o ano de 2016. Disponível em: <http://cidadeverde.com/buscar.php?por=Meio+Ambiente>. Acessos em: 30.jan.2017; 05.fev.2017; 06.fev.2017; 25.fev.2017; 26.fev.2017. FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2003. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – ESTADOS. Dados sobre o Piauí. Disponível em: <http://ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pi>. Acesso em: 12.fev.2017. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2012.

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LOPES, Luciana. Gestão e gerenciamento integrados dos resíduos sólidos urbanos: alternativas para pequenos municípios. São Paulo: Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, 2006. MEIO NORTE. Busca sobre notícias relacionadas a Meio Ambiente no portal durante o ano de 2016. Disponível em: <http://www.meionorte.com/buscas?utf8=%E2%9C%93&search%5Btitulo_contains%5D=Meio+Ambiente&commit= Buscar>. Acesso em: 20.fev.2017. MERCADO, Maria Teresa Bravo. La UNAM y sus procesos de ambientalización curricular. Cidade do México: Revista Mexicana de Investigación temática, V.17, N.55, pp. 1119-1146, 2012. MORETZSOHN, Sylvia Debossan. Jornalismo em tempo real: o fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. RANKING DE SITES. Sites jornalísticos mais acessados <http://www.rankingdesites.com.br/>. Acesso em: 27.fev.2017.

no

Piauí

em

2016.

Disponível

em:

Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 211


FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS NA TESSITURA DA CONVERSAÇÃO NA WEB1 Elisiane Araújo dos Santos Frazão 2 RESUMO Na atual sociedade conectada, os discursos produzidos durante uma conversação têm se desenvolvido também nas mídias digitais, delineando novas práticas discursivas e novas formas de sociabilidade. Este trabalho discute o processo por meio do qual as formações imaginárias colaboram na tessitura da conversação, ―gênero básico da interação humana‖, segundo (MARCUSCHI, 1986), utilizando como aporte teórico a AD segundo Michel Pêcheux (1993) e Pêcheux e Fuchs (1993). A metodologia é de base qualitativa e por meio da construção de um corpus na rede social Facebook, selecionamos para análise duas sequências discursivas produzidas no dia 01 de setembro de 2016, cuja temática volta-se para o impeachment da então presidente do Brasil Dilma Roussef. Com este trabalho, esperamos lançar uma contribuição para o debate acerca da conversação na Web e de como o sujeito representa as condições de produção do discurso por meio de jogos de imagem. Palavras-chave: Formações Imaginárias; Conversação; Web; Discurso.

Introdução

A

criação dos softwares de código aberto alavancou a popularização das redes sociais, que na sociedade conectada passam a se constituir em mais um ―espaço de conversação‖ à disposição do homem contemporâneo. Diante desse fato, muitos estudiosos têm se debruçado sobre a seara da internet, um espaço que comporta múltiplas materialidades, resultantes das mutações no processo discursivo emergentes com o advento das tecnologias digitais. Tal fato confere a legitimidade de estudos inclusive nos domínios teóricos da AD, visto que essa corrente se assenta sobre o primado do histórico na constituição dos discursos, na sua heterogeneidade, considerando a problemática da língua. Recuero (2008) defende a necessidade de compreender a conversação também de uma perspectiva ampla e, especialmente, a sua inclusão nas discussões sobre a Cibercultura no Brasil. Assim, o trabalho que propomos considera parte dos postulados da Linguística, mas não se reduz a eles, uma vez que reconhece que as conversações veiculadas pelas mídias digitais não se prendem à literalidade do significante, uma vez que são recortadas a um só tempo pela língua, pela ideologia e pela história. Noutros termos, a língua, matéria-prima das conversações, aqui é compreendida não como sistema transparente, mas como ―um real específico que forma o espaço contraditório do desdobramento das discursividades‖ (PÊCHEUX, 1984, p. 101). Mas qual o papel das formações imaginárias na interação discursiva mediada pelo computador? De que forma colaboram para a construção de sentidos nos discursos produzidos pelos interlocutores? Para responder a estes questionamentos, optamos por utilizar os instrumentos da Análise do Discurso (AD), pois Ao eleger o discurso como seu objeto a AD procura compreender a língua fazendo sentido, como trabalho simbólico, e parte do trabalho social geral, que é constitutivo do homem e de sua história sendo utilizada como instrumento para a construção da figura do homem e de sua história. (GRANTHAM, 2005, p.138).

Nesse trabalho, elegemos como lócus de estudo a página de perfil do Facebook da ex-presidente Dilma Rousseff, pelo fato de que a proprietária é uma figura pública cujas publicações costumam render um número expressivo de comentários. Dessa página, recortamos para análise uma publicação de Dilma Rousseff e 1

Trabalho apresentado no GT Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão. São Luís – MA. Endereço eletrônico: eafrazao@bol.com.br 212 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


22 comentários posteriores a essa publicação através dos quais pretendemos investigar de que modo o conceito de ―formações imaginárias‖ em Pêcheux (1993) colabora na tessitura de sentidos das conversações mediadas pelo computador. Partindo do que afirma Pêcheux (1993), para quem o discurso é antes de tudo efeito de sentido entre os interlocutores, os quais representam lugares determinados na estrutura da formação social e que do funcionamento discursivo3 fazem parte as condições de produção que situam os protagonistas, o objeto do discurso e o contexto, o presente trabalho está organizado em quatro momentos: Iniciaremos a discussão trazendo autores que articulam teorias acerca da nova configuração que a conversação assume no espaço virtual propiciado pelas tecnologias digitais, defendendo aqui a ideia de que o espaço virtual não está apartado da realidade, mas é por ela re (significado). Em seguida, trabalharemos o conceito de condições de produção e o de formações imaginárias. Por último, discutiremos, com base nos dados coletados, como a língua funciona para produzir sentidos, ou seja, a presença das formações imaginárias como elemento discursivo na tessitura dos dizeres na esfera virtual. Nesse trabalho, o funcionamento discursivo será observado tomando por foco o impeachment da Presidente Dilma, fato que tem sido exaustivamente discutido/conversado entre os internautas. No entanto, enfatizamos que outras formações discursivas4 também poderiam se ajustar aos propósitos de uma análise como a que propomos, dada a produtividade da conversação no espaço virtual de redes sociais como a que constituímos como lócus de estudo. A conversação na web A necessidade de comunicação é algo inerente à existência humana e desde a formação das primeiras comunidades, perpassando todos os estágios de evolução da nossa espécie, muitos foram os meios inventados e aprimorados para favorecer a interação entre os mais variados grupos sociais. O estudo dessa prática social já fez verter muita tinta entre estudiosos, de formações teóricas as mais diversas e sob diferentes enquadres. Marcuschi (1986), ao plantar o gérmen da Análise da Conversação no Brasil, afirma que a organização básica da conversação compreende as seguintes características: (a) Interação entre pelo menos dois falantes; (b) Ocorrência de pelo menos uma troca de turnos; (c) Presença de uma sequência de ações coordenadas; (d) Execução numa identidade temporal; (e) Envolvimento numa interação centrada. (MARCUSCHI, 1986, p.15)

No entanto, com o advento da Web 2.0 a interação recebeu uma nova ―formatação‖, razão pela qual a ―execução numa identidade temporal‖, postulada por Marcuschi (1986) não é mais condição necessária. Configura-se nessa nova dinâmica conversacional a plasticidade da Língua que se modifica continuamente para atender às demandas inerentes a cada momento da história. Assim, outras formas de interação têm sido observadas nas ―novas tribos da imensa rede mundial‖, no dizer de Marcuschi (2004). Redes sociais de relacionamentos como o Facebook, popularizam-se rapidamente, conectando pessoas de acordo com interesses em comum, maximizando o alcance das interações, que rompem os limites do face a face para alcançarem também o espaço virtual. Para Crystal (2001), o impacto da internet é menor como revolução tecnológica do que como revolução dos modos sociais de interagir linguisticamente. Michel Pêcheux, em Análise do Discurso e informática, texto escrito em 1981, destaca a ―heterogeneidade contraditória de todo campo de arquivo‖ (PÊCHEUX, 2014, p.281). Dessa forma, tomando como 3

Pêcheux (1993) ao definir os elementos teóricos que permitem pensar os processos discursivos em sua generalidade postula que os fenômenos linguísticos de dimensão superior à frase só devem ser pensados como um funcionamento se este não for integralmente linguístico, no sentido atual desse termo, e definir esse funcionamento implica levar em conta a colocação dos protagonistas e do objeto de discurso, mecanismo que o autor chama de ―condições de produção do discurso.‖ 4 Servimo-nos do conceito de formação discursiva em Pêcheux e Fuchs (1993) quando afirmam que as relações de sentido entre as palavras se dão a partir de uma matriz de sentido, que se organiza no interior de uma Formação Discursiva (FD). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 213


base a noção de arquivo em Michel Pêcheux e a sua proposta de considerar, na leitura de arquivo, ―a relação entre língua como sistema sintático intrinsecamente passível de jogo, e a discursividade como inscrição de efeitos linguísticos materiais na história‖ (PÊCHEUX, [1982]2010, p. 58), propomos alçar as conversações emergentes no século XXI, à categoria de materialidades discursivas, cujos sentidos, atrelados às condições de produção dos discursos, exorbitam e muito a mera transmissão e recepção de mensagens online. Assim, embora a tecnologia propicie um funcionamento diferente em termos de acesso, as redes sociais de relacionamento também podem ser vistas como um arquivo, nos termos de Pêcheux ([1982]2010), uma vez que nelas repousam diferentes discursividades. Mas o que caracterizaria o espaço virtual que abriga esses ―novos espaços de conversação‖? Para Lévy (1996, p. 16) O virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação [...] o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam, as questões que o movem, são parte essencial de sua determinação.

A forma como esses sujeitos têm materializado os discursos na esfera virtual, tem despertado um interesse crescente entre os estudiosos da linguagem. Recuero (2012) sublinha que as conversações mediadas pelas ferramentas digitais não são determinadas pela existência desses novos meios, mas são resultantes de uma apropriação de um sistema técnico para uma prática social. Oliveira (2013) em pesquisa relacionada ao potencial conversacional dos blogs constata que ―Apesar de os comentários serem publicados de maneira escrita e via internet, eles apresentam, em alguns momentos, marcas típicas de conversações genuínas.‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 177). Em nosso trabalho vamos colocar a lupa na rede social de relacionamentos Facebook, que é de propriedade privada da Facebook Inc. Kirkpatrick ( 2011, p.17) afirma que, No facebook, todos podem ser editores, criadores de conteúdo, produtores e distribuidores. Os clássicos papéis da velha mídia estão sendo desempenhados por todos. O Efeito Facebook pode criar uma repentina convergência de interesses em torno de uma notícia, uma música ou vídeo do

Youtube.

Nesse sentido, Lévy (2000 apud Galli, 2004, p. 124), sublinha que no espaço cibernético ―todas as mensagens se tornam interativas, ganham uma plasticidade e têm uma possibilidade de metamorfose imediata.‖. É o que se observa em redes sociais como o Facebook, uma vez que propicia um espaço de interlocução discursiva5 que vai desde comentar o perfil de um amigo, uma publicação, por exemplo, até o engendramento de conversações genuínas, motivadas pela relevância de temáticas ou comentários postados. Formações imaginárias A AD rejeita a ideia de uma língua transparente, autônoma, sinônimo de transmissão de informação, cuja literalidade do significante dispensa o papel da Semântica na análise linguística, pois compreende o discurso como algo que ―(...) põe em relação sujeitos afetados pela língua e pela história, em um complexo processo de constituição de sentidos‖ (GRANTHAM, 2005, p. 137). Isto posto, a ideia de enunciado estável (mensagem), transmitido de um locutor para um destinatário dentro de um referente, a fim de construir um sentido pré-determinado é abalada pelas condições de produção do discurso. Para Pêcheux (1993, p. 79): 5

O conceito de interlocução discursiva em que se ancora esse trabalho é o de Grigoletto (2011) ―[...] ao se inscrever, num determinado discurso, afetado pelo que pode e deve ser dito na FD com a qual se identifica, o sujeito do discurso produz movimentos de (des)identificação, de contra-identificação com outros discursos, que circulam em outras FDs, em outros discursos, estabelecendo relações de intersubjetividade‖ (GRIGOLETTO, 2011, p. 63).

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(...) a um estado dado das condições de produção corresponde uma estrutura definida dos processos de produção do discurso a partir da língua, o que significa que, se o estado das condições é fixado, o conjunto dos discursos suscetíveis de serem engendrados nessas condições manifesta invariantes semântico-retóricas estáveis no conjunto considerado e que são características do processo de produção colocado em jogo. Isso supõe que é impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma sequência linguística fechada sobre si mesma, mas que é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção (...).

Partindo da ideia de que os lugares ocupados pelos protagonistas do discurso são marcados por propriedades diferenciais determináveis, Pêcheux (1993, p.82) propõe os diferentes elementos estruturais das condições de produção do discurso, Nossa hipótese é a de que esses lugares estão representados nos processos discursivos em que estão colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo supor que o lugar como feixe de traços objetivos funciona como tal no interior do processo discursivo; ele se encontra aí representado, isto é, presente, mas transformado; em outros termos, o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles fazem do seu próprio lugar e do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos de qualquer formação social regras de projeção, que estabelecem as relações entre as situações (objetivamente disponíveis) e as posições (representações destas situações). (PÊCHEUX, 1993, p.82).

Acerca dessa teoria, cabe ressaltar que todas as imagens que A e B atribuem a si mesmos, ao outro e ao referente do discurso são diferentes instâncias do processo discursivo, que remontam a processos discursivos anteriores, frutos de outras condições de produção e que, portanto, abrem possibilidades para outras ―tomadas de posição‖. Necessário também explicitar que o sujeito A e B em foco não advêm de uma concepção empírica, mas de uma posição-sujeito que é projetada através do discurso. Noutros termos, instaura-se neste ponto, a tomada de posição através de ―uma condição pré-discursiva do discurso, supomos que a percepção é sempre atravessada pelo ‗já ouvido‘ e o ‗já dito‘, através dos quais se constitui a substância das formações imaginárias enunciadas.‖ (PÊCHEUX, 1993, p.85). Assim, o conceito de formação imaginária pressupõe três categorias (antecipação, relações de força e relações de sentido), através das quais é capaz de se manifestar no processo discursivo. Pêcheux (1993) toma o discurso político como um representante exemplar de diversos tipos de processos discursivos que como todo discurso, partem de condições de produção dadas e através do qual ilustra a categoria antecipação afirmando que a antecipação do que o outro vai pensar parece constitutiva de qualquer discurso, através de variações que são definidas ao mesmo tempo pelo campo dos possíveis da patologia mental aplicada ao comportamento verbal e pelos modos de resposta que o funcionamento da instituição autoriza ao ouvinte (...) (PÊCHEUX 1993, p. 77-78)

Pelo mecanismo de antecipação, portanto, o sujeito enunciador experimenta o lugar do ouvinte antecipando-lhe algumas respostas e das quais lança mão para organizar suas estratégias discursivas, decidindo também o teor e a especificidade da linguagem a ser utilizada. No entanto, a formação imaginária ocorre em ambos os lados: o sujeito enunciador faz uma imagem do ouvinte que, por sua vez, também formará determinada opinião sobre quem lhe fala. Do ponto de vista discursivo, todo orador fala de um lugar social, condicionado por relações de força, exemplificadas por Pêcheux (1993, p. 77) da seguinte forma: O deputado pertence a um partido político que participa do governo ou a um partido de oposição; é porta-voz de tal ou tal grupo que representa tal ou tal interesse, ou então está ‗isolado‘ etc. Ele está, pois, bem ou mal, situado no interior da relação de forças existentes entre os elementos

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antagonistas de um campo político dado: o que diz, o que anuncia, promete ou denuncia não tem o mesmo estatuto conforme o lugar que ele ocupa (...).

As relações de sentidos fazem pontes com outros dizeres, propiciando, pois interdiscursividades. Segundo Pêcheux (1993, p.77) Em outros termos, o processo discursivo não tem, de direito, início: o discurso se conjuga sempre sobre um discursivo prévio, ao qual ele atribui o papel de matéria-prima, e o orador sabe que quando evoca tal acontecimento, que já foi objeto de discurso, ressuscita no espírito dos ouvintes o discurso no qual este acontecimento era alegado com as ‗deformações‘ que a situação presente introduz e da qual pode tirar partido.

As relações de sentidos inerentes ao processo discursivo relacionam-se à Memória Discursiva, que evoca dizeres presentes na memória e no imaginário dos interlocutores que partilham de uma mesma cultura e que se fazem presentes no ato discursivo, sendo determinante para a interpretação, enquanto processo de atribuição de sentidos, conforme demonstra a análise dos dados. Análise do corpus O corpus da pesquisa é formado por duas sequências discursivas retiradas da página de perfil do Facebook da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Ambas seguem a mesma linha temática: o impeachment de Dilma Rousseff, exaustivamente comentado pelos internautas/interagentes no espaço virtual, compreendido, nesse trabalho, ―como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação‖, como defende (LÉVY, 1996, p. 16). Segundo Marcuschi (1986), uma conversação inicia pelo tópico que motivou o encontro. Nesse caso específico, o tópico discursivo é a postagem da autora do perfil (figura 1), cujo texto deu ensejo a 1424 comentários e 3158 compartilhamentos até a data6 em que fizemos a coleta de dados.

Fig. 1: Resposta de Dilma Rousseff a uma carta da atriz Letícia Sabatella Fonte: www. Facebook. com./Dilma Rousseff

Na figura acima, observamos um trecho da postagem da ex-presidente Dilma Rousseff, sujeito enunciador que fala do lugar social de alguém que está no alvo da mídia de todo o mundo por ter perdido o mandato presidencial, a menos de vinte e quatro horas. Essa publicação trata-se de um discurso-resposta a uma carta escrita pela atriz Letícia Sabatella na qual manifesta sua indignação aos últimos acontecimentos que ensejaram o referido impeachment: ―Por isso estou ao seu lado em defesa da democracia e contra esse retrocesso, que deve ser chamado exatamente pelo o que ele é, e sem temor: um golpe parlamentar!‖, escreveu a atriz7. Na sequência discursiva exposta acima, observamos um sujeito enunciador (Dilma Rousseff) que experimenta, também, a posição de sujeito ouvinte. Alguém que fala de um ―lugar social‖ em que impeachment 6 7

Dados coletados em 01 de setembro de 2016. Texto completo da carta disponível em : pt-br.facebook.com/leticia.sabatella.1. Acesso em 01 de setembro de 2016.

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significa ―golpe‖, ―um retrocesso nos direitos sociais‖ e que argumenta acerca da necessidade de ―direcionar nossa vontade política para novas lutas, agora em favor do restabelecimento da democracia‖. Os discursos ilustrados na sequência discursiva elencada abaixo também vão ratificar as postulações de Pêcheux e Fuchs (1993), vez que os sentidos atribuídos por Dilma Rousseff a termos como ―golpe‖, ―retrocesso nos direitos sociais‖, ―lutas vitais para o Brasil‖, por exemplo, não possuem um sentido universal pré-existente, posto que ―As palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam‖ (PÊCHEUX, 1988, apud GRANTHAM, p. 141). Dessa forma, selecionamos 22 comentários de internautas acerca da postagem de Dilma Rousseff, os quais foram transcritos, utilizando como código I – significando (internautas) seguido de uma numeração em ordem crescente. I 01: Dilma vai roubar outro País pq vc com seu partido afundou o Brasil. O que vc tem a dizer sobre essa crise que vc causou? Sobre os doze milhões de desempregados? Vc ainda vem falar em golpe? Golpe vc deu no Brasil, nos trabalhadores. Saiu da Presidência levando tudo que foi roubado e os brasileiros que se fodam. I 02: Diogo vc merece viver alienado seu golpista. A maioria dos que votaram contra a Dilma são mais sujo que chiqueiro de porco. I03: Presidenta, presidenta, presidenta, vai consultar o pai dos burros....Dicionário pra quem não sabe!!! I 04: Que atriz, que consciência. Já gostava do trabalho, agora virei fã pela atitude e por não ter medo de mostrar aquilo que pensa. I 05: É muita injustiça! Pois tinha que fazer outra eleição. Assim a verdade do povo não vale nada. Só as dos tubarões. I 06: Direitos sociais foram tirados antes. No governo do PT. Afinal de contas deixar 11 milhões sem emprego esse sim merece colocar no Guinness Book. I 07: Minha filha. Se vc não sabe o significado de golpe eu vou lhe explicar: Golpe é tentar virar ministro para fugir da condenação. Entendeu? Não né? Vc não tem essa capacidade. I 08: Dilma Rousseff você foi uma grande mulher guerreira e continua. Você foi a primeira mulher presidência do Brasil o preconceito no Brasil e tão grande onde deveria acabar.. o Brasil precisa mudar para melhor...Dilma você fez muito pela classe baixa e ajudou muita família carentes...lutou até o fim......minha diva rainha Dilma Rousseff. I 09: Dilma vc saiu mais deixou 12 milhões de brasileiros desempregados isso sim q foi um golpe que vc deu nos brasileiros I 10: A luta continua. Não me calo. 61 votos não calarão mais de 54.5 milhões! Avante. I 11: A senhora Dilma não é qualquer político. Não faz parte corgia que se instalou no congresso brasileiro. Eles fizeram de tudo para manchar a dignidade desta grande mulher. Inclusive algumas mulheres. Mas jamais conseguirão. Eu teria sido do mesmo jeito... I 12: PRESIDENTE MICHEL TEMER – O HOMEM CORRETO Temer citou Confúcio ao discursar num encontro com empresários brasileiros e chineses – seu primeiro compromisso no país. Onde participará da reunião do G20... I 13: Não podemos nos deixar vencer de braços cruzados. Faça Dilma. Faça PT e nós seguiremos. Não porque somos robôs. Pois sabemos entre o certo e o errado. Mas vcs são nossos veículos. Sabem o caminho e a direção aí dentro. I 14: Dilma. Você foi uma mãe para os excluídos e para as minorias brasileiras. É assim que eu te vejo. I 15: Antes de tudo eu sou apartidário...e difícil se autodenominar esquerda ou direita aqui no Brasil...o que vejo e uma cambada de cegos.. seja quem defende a esquerda ou quem defende a direita. Vejo pessoas encarando partidos e pessoas como ―deuses‖. I 16: Letícia. Aproveita e leve essa guerrilheira para tua casa. Tanta pena dela. Coloca ela ou algum dos seus amigos do PT para administrador dos seus bens. Vocês são farinha do mesmo saco. Agora vão ter que trabalhar. Porque a mamada acabou. I 17: Viva! Temos um novo presidente! O mesmo foi eleito por você que votou no PT. Boa sorte Michel Temer! Do jeito que ficou o país. Não vai ser fácil recuperar. I 18: Você foi maravilhosa. Tenho muito orgulho de ter uma presidenta com o seu caráter e dignidade. O Brasil foi quem saiu perdendo com sua saída. Ainda vão sentir muita falta sua. Que Deus te abençoe.

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I 19: Graças a Deus estamos livres desse povo incompetente. Que só deixaram dívidas. Desempregados. Campos de futebol que não enchem barriga de pobre nenhum. Hospitais com pessoas deitadas nos corredores sem medicamentos pra sanar a dor. I 20: Redator da Dilma: Você sabe que todos sabem que a capacidade intelectual da Dilma não permite a criação de textos com concordância verbal e lógica. Você deveria colocar intencionalmente diversos erros gramaticais, de lógica, de raciocínio e até mesmo inventar palavras inexistentes. Pra que aí sim alguém acredite que tais textos são escritos pela Dilma. I 21: O PT fez tão bem para o Brasil que os despeitados da elite branca não suportam ver o filho da empregada estudando nas universidades. Não suporta ver o antes pobre comprando carro zero. Viajando de avião. Comprando tudo o que antes só eles poderiam ter. I 22: Fique sabendo que você mora no meu coração. Um coração valente e guerreiro. Você me mostrou isso. Eu te amo Dilma Rousseff. Mulher que luta com fé. Estou te esperando pro carinhaço em Porto Alegre-RS.

Os dados demonstram a contextualização, na esfera virtual, do conceito de conversação proposto por Marcuschi (1986, p.15), pois para o autor a conversação é ―uma interação verbal centrada que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção visual e cognitiva para uma tarefa comum‖. Na sequência discursiva acima, observamos uma interação verbal escrita entre vinte e dois interlocutores, que centram sua ―atenção visual e cognitiva‖ para a ―tarefa comum‖ de comentar o post da expresidente Dilma por ocasião do seu impeachment. De acordo com o que propõe Pêcheux (1993, p.79), analisar todo e qualquer discurso implica reconhecer que os enunciados não são estáveis, posto que a língua não é transparente, e por isso é ―necessário referi-lo a um conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção (...)‖. Na esteira desse autor, esse trabalho considera A (sujeito enunciador); B (sujeito ouvinte), ambos representando lugares determinados na estrutura de uma formação social, mas lugares transformados, uma vez que funciona, nos processos discursivos, uma série de formações imaginárias que os protagonistas fazem sobre si, sobre o outro e sobre o objeto do discurso e que, por conseguinte, intervém a título de condições de produção desse discurso. O termo ―golpe‖, inicialmente presente no discurso de Dilma Rousseff para caracterizar a forma como fora deposta do cargo, assume outras conotações semânticas nos comentários que se seguiram: ―Golpe foi o que dera no Brasil e nos trabalhadores‖ (I 01); ―Golpe é tentar virar ministro pra fugir da condenação‖(I 17) e ―ter deixado 12 milhões de brasileiros desempregados‖ (I 09). Da mesma forma, impeachment é considerado por ela como ―um retrocesso nos direitos sociais‖, mas o (I 06) refuta afirmando que ―direitos sociais foram tirados antes, no governo do PT, ao deixar 11 milhões sem emprego‖. Quanto à torcida da ex-presidente para que ela e Letícia Sabatella possam ―continuar atuando juntas nessas trincheiras‖ o (I 16) traz um discurso que deixa entrevê um quê de desconfiança e ironia quanto à legitimidade social dessa parceria: ―Vocês são farinha do mesmo saco, agora vai ter que trabalhar, porque a mamada acabou‖. Conforme já exposto, Pêcheux (1993) entende o discurso como efeito de sentidos entre A e B, que ocupam lugares determinados na estrutura de uma formação social. Assim, os sujeitos dessa pesquisa (expresidente da República, atriz global e ativista política, internautas representantes de duas alas: favorável e contrária ao governo Dilma Rousseff, considerados no presente trabalho) ocupam lugares em que entram em funcionamento jogos de imagens que os interlocutores fazem de si, do outro e do objeto do discurso, representando diferentes instâncias do processo discursivo. No corpus analisado, as representações A(IA(A)), A(Ia(B)), B(IB(B)) e B(IB(A)) configuram também o mecanismo de antecipação, uma tentativa do sujeito de controlar os sentidos que os discursos produzirão e são percebidas da seguinte forma: a) Dilma Rousseff se vê como alguém que foi vítima de um golpe, vê Letícia Sabatella como aliada ―em novas lutas vitais para o Brasil‖ e o objeto do discurso: ―impeachment‖ como um golpe, um retrocesso nos direitos sociais (figura 01). b) Internautas favoráveis ao governo Dilma: veem a si mesmos como alguém que teria agido da mesma forma que Dilma Rousseff (I 11), entretanto, não como um robô, por saber distinguir entre o certo e o

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errado (I 13); alguém que tem orgulho de ter uma presidente como Dilma Rousseff (I 18). Esses mesmos internautas veem a ex-presidente como uma grande mulher (I 11), guerreira (I 18), diva e rainha (I 08); mãe para os excluídos e para as minorias brasileiras (I 14); alguém que mostrou um coração valente e guerreiro (I 22) e veem Letícia Sabatella como alguém que tem consciência e não tem medo de mostrar aquilo que pensa (I 04). O objeto do discurso é percebido por eles como uma perda para o Brasil (I 18), uma injustiça (I 05). c) Internautas contrários ao governo Dilma: um deles vê a si mesmo como alguém que está ―livre de um bando de incompetentes‖ (I 19). Vê Dilma Rousseff como alguém golpista (I 01; I 19), com pouca capacidade intelectual, incompetente e incapaz de produzir textos com concordância verbal e lógica (I 20) alguém que roubou e afundou o país (I 01). Vê a atriz global como ―farinha do mesmo saco que Dilma e que agora terá que trabalhar porque a mamada acabou‖ (I 16). O objeto do discurso não é visto como um golpe (I 19), mas ―liberdade‖ de um governo presidido por um ―povo incompetente, que só deixaram dívidas, desempregados etc.‖ (I 19). Os discursos analisados ratificaram também o que afirma Pêcheux (1993, p. 77) quando exemplifica as relações de força no discurso político, pois em se tratando do enunciador, ―o que diz, o que anuncia, promete ou denuncia não tem o mesmo estatuto conforme o lugar que ele ocupa (...)‖. Outro ponto a ser sublinhado é o fato de que a tessitura das conversações acerca do recente impeachment de Dilma Rousseff demonstram que as relações de sentidos são construídas com base em interdiscursividades com outros acontecimentos. Neste trabalho, os discursos analisados estão pontilhados de remissões a ―um discursivo prévio, ao qual ele atribui o papel de matéria-prima‖(PÊCHEUX, 1993, p.77), conforme se observa em: ―nos cabe direcionar nossa vontade política para novas lutas‖(figura1); ―golpe é tentar virar ministro pra fugir da condenação‖ (I 07); ―eles fizeram de tudo para manchar a dignidade dessa grande mulher‖(I 11); ―estou te esperando pro carinhaço em Porto Alegre RS‖(I 22), são apenas algumas ilustrações das muitas investidas que os interlocutores precisam fazer à memória discursiva para preencher algumas lacunas, atribuir sentidos. O termo ―carinhaço‖, por exemplo, foi um trocadilho utilizado para aludir ao ―panelaço‖ orquestrado em manifestação a então presidente Dilma Rousseff, ratificando a necessária inscrição da língua na história, algo tão defendido pela AD. Considerações finais A temática ―impeachment‖ resulta de uma realidade recentemente vivenciada pelos interlocutores e teve na rede social Facebook um novo espaço de construção de sentidos em que se mesclam o espaço empírico e o espaço discursivo da esfera virtual. O discurso é um lugar aberto para a produção de sentidos, e presidido pelas condições de produção o sujeito é levado a ocupar posições, através das formações imaginárias que emergem das relações de sentidos construídas. O conceito de formações imaginárias em (PÊCHEUX, 1993) é exercitado pela enunciadora Dilma Rousseff, primeiramente; por sua interlocutora Letícia Sabatella, alvo inicial da mensagem; e dada a plasticidade da Rede (suporte da mensagem), acabou engendrando a participação de outros interlocutores: internautas de várias partes do país que também se engajaram nessa interação discursiva, tecendo outros sentidos e assumindo diferentes posições-sujeito dentro da formação social dada, revelando também o que afirma Pêcheux e Fuchs (1993) acerca da ilusão do sujeito de controlar os sentidos do seu discurso, pensando um sentido fixo em uma língua transparente. Os discursos extraídos da página de perfil do Facebook da ex-presidente Dilma Rousseff comprovam a hipótese dessa pesquisa acerca do fato de que o discurso não pode ficar restrito à mera transmissão de informação, uma vez que se refere à construção de ―efeitos de sentidos‖ entre os envolvidos no ato da comunicação, conforme defende (PÊCHEUX, 1993). As condições de produção foram percebidas em nossa análise como responsáveis pela situacionalidade dos sujeitos protagonistas e do objeto do discurso, no que se refere aos jogos de imagens, às relações de sentidos e às relações de força que emergem dos lugares ocupados pelos sujeitos. Noutros termos, esses lugares, no interior da formação social dada, implicaram condições para a enunciação e para a Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 219


atribuição de sentidos aos discursos, razão pela qual os dizeres ganharam diferentes estatutos, conforme demonstramos anteriormente. Dessa forma, os achados dessa pesquisa vêm comprovar a tese pechetiana de que ―a percepção é sempre atravessada pelo ‗já ouvido‘ e o ‗já dito‘, através dos quais se constitui a substância das formações imaginárias enunciadas‖. (PÊCHEUX, 1993, p.85). A forma como a interação fluiu no corpus analisado ratifica o que postula a AD acerca do fato de ser a língua um trabalho simbólico e social, assim como a análise das conversações engendradas como reação ao post original da usuária do perfil, revelou um funcionamento discursivo em que a língua teve um papel significativo ―como instrumento para a construção da figura do homem e de sua história‖ conforme Grantham (2005), já supracitado. A função ―comentar‖ disponível nessa ferramenta digital possibilita um espaço de interlocução discursiva em que pontos de deriva são muito comuns no processo de construção de sentidos e possibilitando inclusive que outros sujeitos ocupem a posição de gerenciadores do arquivo, num trabalho dinâmico de leitura e escrita em que os papéis de enunciador e ouvinte se mesclam de uma forma impensável, antes do advento das tecnologias digitais. Acrescentamos, ainda, acerca desse trabalho o fato de que não se fecha em si mesmo, mas está aberto a novas contribuições que possam ampliar a discussão sobre o tema. Referências CRYSTAL, David. Language and Internet. Cambridge. Cambridge University Press, 2001. GALLI, Fernanda Correa Silveira. Linguagem da internet: um meio de comunicação global. In: MARCUSCHI, Luís Antônio; XAVIER, Antônio Carlos dos Santos. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. GRANTHAM, Marilei Resmini. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas (1975). In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.). Michel Pêcheux e a análise do discurso: uma relação de nunca acabar. São Carlos: Claraluz, 2005. (p. 137-142). KIRKPATRICK, David. O efeito facebook. Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011. LÉVY, Pierre. O que é o virtual?. São Paulo: Editora34, 1996. MARCUSCHI, Luís Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Editora Ática, 1986. ______. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital In: MARCUSCHI, Luís Antônio; XAVIER, Antônio Carlos dos Santos. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. MONTEIRO, J. L. Para compreender Labov. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. OLIVEIRA, Márcia Regina de. Interações na blogosfera. In: SHEPHERD, Tania G.; SALIÉS, Tânia G. (Org.) Linguística da Internet. São Paulo: Contexto, 2013. PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Discurso (AAD-69). In:GADET, Françoise; HAK, Tony. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. ______. M. (1984) Spécificité d‟une discipline d‟interpretation. Buscila (Paris), nº 1, pp.56-58. Tradução brasileira de Carlos Piovezani e Vanice Sargentini. Especificidade de uma disciplina de interpretação, pp. 99-103 In: PIOVEZANI, C. e SARGENTINI, V. (orgs.) Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2011. ______; FUCHS, Catherine. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, Françoise; HAK, Tony. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. ______. Ler o arquivo hoje. [1982] In: ORLANDI, E. P. (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.

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O PORTÃO FECHADO: O HUMOR E A ALTERIDADE NO #SHOWDOSATRASADOS DO ENEM1 Victor Ribeiro Lages2 RESUMO A presente pesquisa apresenta uma análise descritiva do evento real ―Show dos Atrasados‖, acontecimento que, nesse ano de 2016, organizou milhares de pessoas de todo o Brasil para rir e debochar do fracasso dos estudantes que chegaram atrasados para realizar a prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) nos dias 5 e 6 de novembro. A partir de um aporte teórico sobre humor e alteridade buscou-se compreender a motivação do evento que parte da questão ― Onde está a alteridade quando o público se

diverte a partir do fracasso alheio?‖.

Palavras-chave: Alteridade; Humor; Meme; Atrasados; Enem.

Introdução

T

omar o humor como objeto de estudo é complicado, pois, apesar de existirem teorias sobre o riso ou estudos metodológicos, ainda habita em um campo do subjetivo, já que o que é motivo de riso para um pode ser extremamente sem-graça ou de mal gosto para o outro. Além disso, a queda ou o fracasso de um pode ser a razão de riso do outro. Portanto, é preciso cuidado ao estudar o humor, frente às infinitas dicotomias existentes nessa área. Um dos exemplos dessa dicotomia, trazido aqui nessa pesquisa, é o Show dos Atrasados do Enem, evento midiático criado de maneira tímida em 2015 e que atingiu alcance surpreendente por todo o Brasil em 2016, ao reunir sujeitos destinados a rir e debochar dos estudantes que chegaram após o fechamento dos portões da escola aonde sua prova seria aplicada. Ou seja, ao invés da misericórdia, dó ou alteridade que normalmente deveria prevalecer em ocasiões como essa, a piada e o deboche foram levados ao extremo em prol do gozo pessoal dos que se locomoveram até às escolas para assistirem presencialmente aos atrasados, bem como a mídia tradicional, que investiu recursos em uma cobertura ao vivo do fenômeno. Assim, a proposta desse artigo é desenvolver uma análise crítica, feita a partir de um aporte teórico e da leitura de matérias jornalísticas que veicularam o acontecimento, para compreender o escárnio gerado devido ao atraso desses estudantes, portanto, a sua derrota, tomando esta como questão norteadora do estudo: ―Onde está a alteridade quando o público se diverte a partir do fracasso alheio?‖. Rir do outro

Concepções de humor e alteridade Estudar o humor é compreender as variantes existentes entre o riso e a perversão. Esta, pela concepção de Barbieri (2009), pode tomar o viés de escolha da satisfação pessoal direta das pulsões que partem do desmentido, podendo também assumir as habilidades de percorrer entre o sublime e o desprezível como seu dom natural. Nesse sentido, a perversão toma forma quando o indivíduo elabora uma saída que lhe é satisfatória para o impasse entre o que lhe interditado e o que lhe é desejado, admitindo um desvio lógico em que não vale mais apenas a propriedade linguística de desdizer o que lhe foi dito. A perversão alcança, quando

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Trabalho apresentado no GT 07 – Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestrando em Comunicação da Universidade Federal do Piauí. Teresina-PI. Endereço eletrônico: ribeirolages@hotmail.com 222 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


associado ao humor, um caráter triunfante do narcisismo do ser que domina o escárnio, ao se aproveitar da invulnerabilidade do outro que se aflige pelas provocações da realidade, compelindo-se a sofrer. Em seus termos, ―Se, na perversão, não há fronteira ou limite para gozar daquele com quem lidamos, é justamente nisso que podemos distinguir humor, sublimação e perversão. Nessas aproximações que fazemos delineiam-se as diferenças que os afastam‖ (Barbieri, 2009, p. 5). Para a autora, enquanto a perversão é a escolha da satisfação, o humor é um modo privilegiado de realizar essa satisfação, enquanto que a sublimação, citando Freud (1905), é uma saída diferente da finalidade da satisfação sexual, com suas exigências podendo ser atendidas sem se relacionar com a repressão. Assim, É preciso distinguir, por exemplo, o final de análise em que o humor resulta da integração da falta, da libertação do gozo do Outro – já que não há outro que dê conta do real –, do arremedo de final de análise pela via do humor cínico que visa à manipulação, à sedução e destituição do outro para, através dele próprio, gozar mais e melhor, livre dos infortúnios da castração. Se, no primeiro caso nos aproximamos da sublimação, no segundo estamos no campo da perversão (BARBIERI, 2009, p. 5).

Segunda sua análise, o humor perverso proclama a inexistência do Outro, como meio de sustentar a posição fálica, o triunfo do narcisismo e a afirmação num pódio de vitória da invulnerabilidade do eu. Por isso não é errado afirmar que o riso, associado ao humor e à perversão demonstra uma superioridade de um indivíduo sobre o outro, tomando assim uma postura negativa por eclipsar em algum momento ou substancialmente a razão em detrimento do lado emocional de outros indivíduos envolvidos. O desejo pelo aplauso, aqui, vem pelo apontar o defeito alheio para satisfazer o gozo pessoal. ―Rimos de alguém que passa por virtuoso, sábio, quando não possui nenhum dos atributos que julga possuir ou está aquém do nível com que julga possuir‖ (Barbosa Júnior, 2014, p. 47). Para o autor, o riso assume-se então como uma experiência de diversão básica que não parece ter, à primeira vista, coesão social. No entanto, ao contar uma piada envolvendo minorias sociais, grupos religiosos ou grupos étnicos, o indivíduo que conta essa piada pode ser rechaçado pelo seu nível de humor, bem como provocar o prazer; nesse sentido, quando o humor serve para rir e a piada contada é respaldada e faz divertir um grupo a que o sujeito está inserido, o humor pode assumir caráter de forte fator de coesão social. Além disso, a experiência do riso precisa mais que tudo da coletividade: podemos até rir de nós mesmos, mas o gozo da comicidade perde seu valor se estivermos isolados. Esse elemento do coletivo entra como uma das características do riso, segundo Bergson (2001). De acordo com ele, a primeira peculiaridade do riso é que este é humano: a natureza, os animais e as coisas não são risíveis, já que rimos de algo que se assemelha ao humano, ocorrendo no momento do riso uma identificação consigo mesmo do que há de humano em cada um. Assim, o homem é um animal que ri e que faz rir. Em segundo lugar, o riso precisa ser acompanhado pela insensibilidade, pois, para o autor, é preciso se desfazer de toda a piedade e demais emoções semelhantes à compaixão para que a inteligência pura prevaleça acima da razão. ―[...] para produzir efeito pleno, a comicidade exige enfim algo como uma anestesia momentânea do coração‖ (Bergson, 2001, p. 4). Por último, entra o riso como resultante de cumplicidade e pertencimento a um grupo, atuando como uma função social. Barbosa Júnior (2014) apresenta um apanhado de teorias do humor, elaborando alguns pontos fundamentais que envolvem o riso em suas diversas vertentes. Um dos pontos refere-se ao riso de si e do outro: enquanto o humor precisa do outro para existir, é possível que o riso seja do outro, já que se o outro provoca o riso em mim, este também pode rir de mim. É como uma dupla acepção do riso, num acordo tácito de que é permitido o riso um do outro. O humor também é violento: quando eu rio do outro, eu me coloco em uma posição de superioridade em relação a ele, violando o outro e tirando o outro da sua quietude, tendo meu riso assumido o caráter de violento acima dele. O humor desenvolve, a partir da violência, uma dissimetria entre mim e o outro: eu e ele podemos rir da mesma coisa, mas eu não posso desejar que isso aconteça indefinidamente, é preciso que se suceda uma identificação para que o humor se reproduza. Ao tratar sobre o humor violento, volta-se aqui para a questão da perversão, da satisfação privilegiada em cima do outro, precisando fazer uma relação íntima entre a alteridade (ou a falta dela) no

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humor. A noção de alteridade varia dependendo do campo em que é estudado. Ainda que haja consenso nas áreas da antropologia, da psicologia e da filosofia quanto a uma base conceitual de ―reconhecer no outro‖, é possível perceber vieses distintos da alteridade para autores diferentes, bem como para o local no mundo aonde este conhecimento é estudado. Enquanto a visão de Molar (2012) remete à proposta de afastar a ideia de segmentação cultural, visando a quebra da divisão entre superiores e inferiores, Jodelet (1998) já traz a alteridade como a percepção de uma diversidade de espaços intelectuais, sendo o outro visto como diferença, revelando suas características e especificidades. Destacando essa ideia, a autora defende a alteridade como ―produto de duplo processo de construção e de exclusão social que, indissoluvelmente ligados como os dois lados duma mesma folha, mantem sua unidade por meio dum sistema de representações‖ (Jodelet, 1998, págs. 47-48). Já Vygotski (1987) apresenta outra dimensão para o conceito, apontando à discussão a alteridade como um encontro com um outro; a partir dos signos produzidos socialmente como ferramentas que mediam a atividade humana, é pelas relações que a alteridade se manifesta, sejam estas também numa relação consigo mesmo, tomada igualmente como social. Demeterco e Della Cruz (2009) apontam o tema mais voltado para o campo da ética, referenciando-o como algo enriquecedor e capacitador do indivíduo que pauta suas ações na busca de construir um mundo melhor para todos; nesses termos, ética e cidadania podem ser considerados opostos à exclusão, individualismo e narcisismo. A alteridade entra aqui como a lacuna que precisa se deslocar dos afetos para que o humor possa se manifestar. Se o riso, ao ser elaborado a partir dos defeitos apontados e das peculiaridades alheias manifestadas, é tão violento que precisa anestesiar o coração e eliminar vestígios de compaixão e emoção, o indivíduo que ri do outro perde sua razão e noção de alteridade. No entanto, se tomarmos o seu conceito basal de ―reconhecimento no outro‖, vê-se que o riso, enquanto propriedade inteiramente humana, esbarra com a alteridade: se, de acordo com Bergson (2001), o riso vem do homem que ri daquilo que ele percebe que se assemelha a si mesmo, é a partir do reconhecimento de si no outro ou na natureza ou nas coisas que o humor pode ser conhecido altero.

Humor digital Os sites de redes sociais se inserem como espaços de produção e circulação de notícias, quando associadas ao jornalismo. Para Recuero (2009), elas são constituídas como ambientes representações dos indivíduos que por lá navegam, dos atores sociais conectados entre si e com as informações do mundo. Nessa perspectiva, redes como Facebook, Twitter ou o extinto Orkut atuam como ambientes onde os sujeitos podem interagir e reunir-se de forma pública por meio da mediação tecnológica; assim, os participantes das redes estão conectados a diferentes usuários, gerando um fluxo constante de conteúdos. Para Ellison & Boyd (2013), um site de rede social permite que os usuários tenham seu próprio e único perfil de identificação, que se articula publicamente a partir de conexões com outros usuários e todos os envolvidos consomem, produzem e interagem com fluxos de conteúdo postados pelos próprios usuários. Assim, os indivíduos inseridos nesses espaços deparam-se com critérios peculiares enumerados por Boyd (2007), como persistência (em referência ao fato de que as informações publicadas no ciberespaço ficam apenas no ciberespaço), capacidade de busca (quando informações e atores sociais podem ser facilmente rastreados dentro dos espaços), replicabilidade (o que é publicado no espaço digital pode ser apropriado e redirecionado por e para qualquer indivíduo) e a invisibilidade das audiências (os sujeitos das redes sociais podem ser e se manter anônimos, desde que os rastros de busca não possam ser encontrados). Percebe-se, portanto, que os atores sociais que frequentam esses ambientes têm autonomia e liberdade quanto às informações circulantes dentro dessas redes. Nesse sentido, veem-se deslocamentos e ressignificações do mundo no contemporâneo contexto do cenário cibercultural, já que os indivíduos podem atuar diretamente e intensamente nos espaços em que estão inseridos, dentro de um conceito trazido por Shirky (2011) como ―cultura participativa‖. Em sua visão, os sujeitos conectados inserem-se em círculos colaborativos que promovem o compartilhamento de ideias. ―Nesse ambiente efervescente, os grupos reunidos

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percebem que querem mudar a maneira como se desenrolam os diálogos públicos e descobrem que possuem meios de fazê-lo‖ (Innocencio; Lopes, 2014, p. 3). Junto à participação e à atuação vem a ideia de remixibilidade de Manovich (2001), em que é permitido aos diálogos e informações sofrerem mutações e ressignificações a partir dos comportamentos e relações sociais nas redes; ou seja, imagens são fragmentadas, sendo reconstruídas para adequarem-se a uma nova ou alternativa realidade, tratando-se de uma recombinação de vozes sociais, linguagens, sentidos, identidades. Um bom exemplo dessa prática da cultura remix e participativa são memes, considerados aqui como a prática contemporânea digital da aplicação do humor. Segundo Innocencio e Lopes (2014), a partir de Blackmore (2000), [...] memes são ideias e comportamentos que um indivíduo aprende com o outro através da imitação, sendo cada indivíduo então uma ―máquina de memes‖. E a internet é o terreno ideal para essa proliferação. Esse raciocínio é interessante para identificar a mudança da mídia social como um meio de criar epidemia memética: compartilhe uma ideia com seus contatos em uma rede social e eles poderão fazer o mesmo, passando o pensamento adiante inconscientemente, colocando a palavra dita ao risco de contaminação. (INNOCENCIO; LOPES, 2014, p. 3)

Assim, memes são reprodução em massa na mídia de algo do cotidiano com apropriação do humor relacionado a elementos culturais. As autoras (2014) trazem ainda o caráter do nonsense (o real desconstruído) impregnado na retórica e estética das imagens circulantes, carregadas de humor subjetivo e elementos irônicos. Segunda Pereira (2007), os memes podem estar inseridos em uma cultura digital trash, aqui significando como pertencentes os indivíduos que produzem e compartilham conteúdo audiovisual e/ou textual com qualidade amadora como mera forma de entretenimento; sem padrão de qualidade estética, beirando o tosco, os memes se apropriam da condição de nonsense para expressar culturas e sentidos. A cada dia surgem novos memes e qualquer situação, discurso, imagem pode se transformar em um meme viralizado mundialmente na Internet, bem como qualquer pessoa, seja midiática ou completamente desconhecida, pode ser alvo do humor dos memes. Um dos memes mais famosos de 2016 traz a atriz Glória Pires na cobertura da premiação de cinema Oscar dizendo ―Não sou capaz de opinar‖, ao demonstrar que não havia se preparado com informações o suficiente para manifestar seu ponto de vista sobre determinado filme. Em um processo de reconfiguração de sentidos, esse momento viralizou na Internet para representar opiniões consideradas ―em cima do muro‖. Figura 01 – Glória Pires na cobertura do Oscar 2016

Fonte: < http://www.estrelando.com.br/foto/2016/09/28/os-12-campeoes-de-memes-do-mundo-dos-famosos-209022>

Outro exemplo deste ano foi o flagra da Família Real Britânica, em que Kate Middleton aparece dando uma bronca em seu filho, Príncipe George, cuja imagem foi reapropriada pelos usuários da Internet para brincar com a posição de realeza da criança.

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Figura 02 – Kate Middleton educando seu filho, o Princípe George

Fonte: < http://www.estrelando.com.br/foto/2016/09/28/os-12-campeoes-de-memes-do-mundo-dos-famosos-209022>

Nessa condição de repetição simbólica de uma imagem como modelo básico, as pessoas produzem significados e versões diferentes do original; com essa replicação a nível global, há perigos e armadilhas que podem tirar o humor de certa positividade enquanto alívio de tensões. Segundo Barbosa Júnior (2014), dentro da Internet, é perfeitamente admissível que a energia desse alívio seja acumulada em prol de sucessivas piadas direcionadas a um alvo específico, sendo esta prática conhecida virtualmente como ―trolagem‖. O termo vem do vocabulário inglês ―troll‖, que pode se referir tanto a uma entidade do folclore nórdico conhecida pelo tamanho enorme e comportamento rude, como a uma prática de pesca. Os trolls são usuários que atuam escarnecendo de suas vítimas, expondo-as ao ridículo diante de um grupo (em fóruns, blogs e assim por diante) ou simplesmente divertindo-se com a raiva de seu interlocutor – como se ele pusesse uma isca (uma piada, uma pergunta capciosa) e o interlocutor a mordesse, envolvendo-se em uma sequencia de tiradas sardônicas. Isso depende, obviamente, do controle emocional do interlocutor. Donde uma regra que é sempre repetida nesses momentos: não alimente o troll. O troll só pode rir se não for ignorado – isto é, se alguém morder sua isca. (BARBOSA JÚNIOR, 2014, p. 50)

E é neste espaço de escárnio na ―trolagem‖ que foi criado e desenvolvimento, a partir do apelo sádico do público, o #ShowdosAtrasados do Enem. Rir dos outros A título de contextualização, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) é a avaliação em forma de prova objetiva que legitima a entrada dos estudantes do ensino médio do Brasil em universidades públicas e, em alguns casos, particulares. Criado em 1998, os resultados dos alunos, transcritos para um gabarito oficial, geram dados que são analisados pelo governo, a fim de oferecer um boletim de desempenho individual de cada um dos que prestam as provas e disponibilizar ferramentas ao Ministério da Educação, órgão federal que elabora as provas, para que este possa melhorar as políticas públicas de educação. A partir de 2009, o Enem tornou-se a avaliação que articula, a nível nacional, a seleção dos estudantes para instituições federais de ensino superior e para programas do governo federal, como o Prouni (Programa Universidade para Todos, que oferta bolsas de estudos em instituições privadas de ensino superior) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil, destinado à concessão de financiamentos em cursos superiores presenciais não gratuitos). Realizado no curso de dois dias (sempre aos sábados e domingos do segundo semestre de cada ano) em um tempo que vai de no máximo quatro horas e meia a cinco horas e meia, a avaliação é separada em áreas específicas, sendo o primeiro dia destinado para as Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias e o segundo dia direcionado para as áreas de Matemática e suas Tecnologias e Linguagens, Código e suas Tecnologias, além de uma redação dissertativa-argumentativa com uma temática contemporânea. A proposta do Enem é deslocar-se de uma prova tradicional para desenvolver competências e habilidades vinculadas aos eixos cognitivos das áreas do conhecimento exigidos na prova e que devem ser adquiridos durante o Ensino Médio pelo estudante. Assim, para o estudante se sobressair em seu desempenho, é preciso desenvolver o domínio da norma culta da Língua Portuguesa, a compreensão dos fenômenos culturais, 226 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


processos histórico-geográficos, produção tecnológica e manifestações artísticas, o enfrentamento de situações-problema, a construção de argumentação consistente e a elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade.3 A programação das provas, além de serem durante dois dias, têm um horário-limite com rigor pontual para o fechamento dos portões de todos os locais aonde o Enem é realizado: 13 horas da tarde para os estados que adotam o horário de verão e ao meio-dia aos demais. Assim, por ordem do governo, quando chega exatamente nesse horário, os seguranças desses locais são obrigados a fecharem os portões e ninguém mais, por exceção nenhuma, tem a permissão de entrar para realizar a prova. Infelizmente, existem aqueles que, por diversas razões, como imprevistos de trânsito, desinteresse ou que deixam para verificar o local da prova de última hora, chegam atrasados e se deparam com o portão fechado após um minuto do encerramento da entrada dos estudantes. Em 2015, o site de notícias UOL divulgou uma matéria sobre um garoto de 18 anos chamado José Guilherme, estudante de economia da Universidade Federal do Paraná, que ficou em frente ao Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, com uma lata de cerveja na mão, sentado sobre uma caixa de isopor para assistir ao que viria a ser o espetáculo midiático ―Show dos Atrasados‖. A fim de ver os estudantes que por algum motivo se atrasam para entrar no colégio, o jovem convidou amigos no Facebook para assistir com ele enquanto bebiam cervejas e gritavam palavras de escárnio; no entanto, apenas ele foi, mas iniciou no Brasil inteiro um vestígio de tradição anual. Nesse mesmo ano, várias imagens dos atrasados circularam nas redes sociais e em portais de notícias, oferecendo uma grande cobertura de fotos de estudantes desesperados e em prantos por perderem a prova. A exposição, ao invés de gerar comoção e solidariedade nos internautas, virou motivo de brincadeira e gozação, com grupos se reunindo para ver a frustração de alguns virtualmente. Em 2016, a piada foi levada ao extremo, com milhares de pessoas de todo o Brasil se reunindo na porta das escolas que realizariam a prova e com a instituição de uma hashtag no Twitter para compartilhamento de fotos ao vivo dos atrasados chorando por perderem o horário de entrada nessas escolas. Assim, foram propagadas centenas de imagens com a marcação #ShowdosAtrasados de jovens nos dois lados da situação: aqueles que fracassaram ao perderem a prova e aqueles que levaram cadeiras de praia e cerveja para armar o tal show e acompanhar de perto a frustração. Com o coro de ―Uh, uh, vai atrasar‖, ―5, 4, 3, 2, 1‖ como contagem regressiva para o fechamento dos portões e ―Ô, o portão fechou, o portão fechou, o portão fechou‖, havia uma torcida do lado de fora das escolas mais para que houvessem atrasados do que para que os estudantes lograssem para chegar a tempo, transformando o fracasso em espetáculo pessoal e midiático. Sites, redes sociais, emissoras de televisão e páginas online humorísticas se juntaram aos civis para cobrir o evento e a reação de escárnio dos que assistiam presencialmente. A página de humor ―Não Salvo‖ divulgou um dia antes à prova, realizada nos dias 5 e 6 de novembro, um anúncio declarando que haveria, em frente à Uninove Barra Funda, universidade privada de São Paulo, um camarote para reunir pessoas que quisessem acompanhar de perto o ―show‖. No convite, Maurício Cid, responsável pelo site, avisa, em tom de ameaça, que se o estudante não quiser virar meme, a regra é simples: chegar cedo.

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Informações oficiais obtidas no site: <https://enem.descomplica.com.br/guia/> Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 227


Figura 3: Convite do site Não Salvo para o Camarote

Fonte: <http://www.naosalvo.com.br/os-atrasados-do-enem-2016-showdosatrasados/>

A mídia tradicional, ao invés de tomar como foco principal a prova ou auxiliar os alunos com informações relevantes sobre o exame, noticiava os atrasados como atração midiática, mas com abordagens distintas. Enquanto o programa dominical de humor ―Pânico‖ utilizava o escárnio para propagar mais ―trolagem‖ em cima do fenômeno, emissoras nacionais buscavam furos de reportagem apontados no próprio ―Show dos Atrasados‖, aparentando frustração quando não logravam ao capturar imagens ao vivo dos que fracassaram, investindo recursos ao deslocar equipes de reportagens para cobrir o evento, como no caso abaixo da GloboNews: Figura 4: Mosaico de imagens capturadas por quatro câmeras em cidades diferentes ao vivo pelo canal GloboNews

Fonte: <http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/11/06/de-olho-na-piada-globonews-investe-pesado-no-show-dosatrasados-do-enem/>

Durante o acontecimento, milhares de memes circulavam nas redes simultaneamente ao acontecimento, apresentando em tempo real imagens de humor subversivo, como na imagem abaixo:

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Figura 5: Meme utilizando os jornalistas William Bonner e Patrícia Poeta no cenário do Jornal Nacional, sendo reconfigurando para a pergunta direcionada no Twitter

Fonte: <http://www.correio24horas.com.br/single-entretenimento/noticia/show-dos-atrasados-memes-sobre-o-enem-tomamconta-da-web/?cHash=5c3a2f858a1c54ae93b684be2c71547d>

Baseado no enfoque midiático, no que circulava nas redes sociais, nos memes viralizados e na presença de pessoas em frente aos portões para rir e debochar da frustração alheia, fica o questionamento: Onde está a

alteridade quando o público se diverte a partir do fracasso alheio? Considerações finais

Nesse artigo, buscou-se discutir o espaço do humor tanto inserido na noção de alteridade, quanto no contexto contemporâneo do digital no cotidiano das pessoas. Ao associar humor com perversão, compreendese o riso como o caminho para a inexistência do Outro em prol do triunfo do narcisismo a partir do gozo pessoal, demonstrando superioridade e vitória de um sobre o outro ao eclipsar a razão em detrimento do lado emocional do outro. Rir do outro que é colocado em posição inferior à sua é também um fato de coesão social, já que o elemento da coletividade é fundamental para que o riso prevaleça. Entende-se também que o riso é violento e insensível, mas que ajuda o sujeito a pertencer a um grupo que ri desse sujeito; mas vê-se também que o riso é humano, pois parte do reconhecimento de si no outro, na natureza e nas coisas para que surja a piada. E é nesse reconhecimento que se vê a dicotomia da alteridade inserida nesse contexto. Ainda que a noção básica do termo seja o reconhecimento de si no outro (ou do outro em si), é importante que exista a compaixão e a solidariedade para a construção de um mundo melhor. No entanto, para que o humor aconteça, é preciso que haja um deslocamento de afetos emocionais desse reconhecimento; portanto, não existe alteridade no riso e isso fica claro no Show dos Atrasados. Ao verse organizar um grupo de pessoas predestinadas a rir do fracasso alheio, a comemorar a frustração de jovens estudantes que se prepararam durante, no mínimo, um ano para realizar a prova, a alteridade foi completamente deslocada em prol do riso fácil e da propagação exorbitante de memes que viralizavam em cima do desespero. A comiseração, aqui, perde para o gozo pessoal, inclusive por parte da mídia tradicional que, ao

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tomar os atrasados como enfoque principal, estimula, portanto, para que a diversão de uns se sobreponha à derrota de outros. Referências BARBIERI, C. A postura perversa é a impostura. In: Estudos de Psicanálise. Círculo Brasileiro de Psicanálise, ag.2007. v.30 p. 35-42. BARBOSA JÚNIOR, A. L. Entre Millôr e Derrida: o humor enquanto experiência da alteridade e do impossível. Dissertação (Mestrado) em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. UFRN, 2014. BERGSON, H. O Riso: Ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BLACKMORE, S. The meme machine. Oxford: Oxford University Press, 2000. CRUZ, G. T. D. ; DEMETERCO, S. M. S. O eu e o outro: individualismo, alteridade e cidadania? Questões para educação. PróDiscente (UFES), v. 15, p. 19-29, 2010. FREUD, S. O Humor. In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago (CD-ROM), 1927. Jodelet, D. A alteridade como processo e produto psicossocial. Em A. Arruda (Org.), Representando a alteridade (pp. 47-67). Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. LEMOS, A. Ciber-cultura-remix. Seminários Sentidos e Processos. Anais... 2005. MANOVICH, L. The Language of New Media. London: The MIT Press, 2001. MOLAR, J. O.; LAROCCA, P. As faces da alteridade: currículo e a formação de professores da Licenciatura em Pedagogia da UEPG. Revista de Educação Publica (UFMT), v. 21, p. 445-467, 2012. PEREIRA, V. (org.). Cultura Digital Trash: Linguagens, comportamentos, entretenimento e consumo. Rio de Janeiro: ePapers, 2007. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. ______. A conversação em rede: comunicação mediada por computador e redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2012. Rolnik, S. À sombra da cidadania: alteridade, homem da ética e reinvenção da democracia. Em M. C. R. Magalhães (Org.), Na sombra da cidade (pp. 141-170). São Paulo: Escuta, 1995. SHIRKY, C. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. VASCONCELOS, B.P.J. Só dói quando eu rio: Um estudo psicanalítico sobre o cômico, o chiste e o humor. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001. Acessado em 09/12/2016. Vygotski, L. S. Teoria e método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. http://veja.abril.com.br/educacao/enem-o-show-armado-para-recepcionar-os-atrasados/. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://www.correio24horas.com.br/single-entretenimento/noticia/show-dos-atrasados-memes-sobre-o-enem-tomamconta-da-web/?cHash=5c3a2f858a1c54ae93b684be2c71547d. Acesso: 05 de dezembro de 2016. https://farolufjf.wordpress.com/2016/11/07/a-participacao-da-midia-no-show-dos-atrasados-do-enem/. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/11/05/enem-em-sp-tem-torcida-por-atrasados-e-show-de-candidatosfake.htm. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://www.naosalvo.com.br/os-atrasados-do-enem-2016-showdosatrasados/

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http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/11/06/de-olho-na-piada-globonews-investe-pesado-no-show-dosatrasados-do-enem/. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://entretenimento.band.uol.com.br/paniconaband/2016/videos/ultimos-videos/16050752/batalha-dos-atrasadospanico-simula-estudantes-atrasados-do-enem.html. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://g1.globo.com/educacao/enem/2016/noticia/fora-das-redes-grupos-levam-ao-extremo-piadas-com-atrasadosdo-enem.ghtml. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://www.midiamax.com.br/cotidiano/grupo-toma-terere-frente-universidade-assistir-show-atrasados-321233. Acesso: 05 de dezembro de 2016. http://www.hipernoticias.com.br/cidades/grupo-vai-para-locais-de-prova-assistir-os-inscritos-que-chegamatrasados/66432. Acesso: 05 de dezembro de 2016.

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ENTRE O ACESSO E A ESCUTA: OLHARES EXPLORATÓRIOS ACERCA DAS INTERAÇÕES NAS LISTAS DE COMENTÁRIOS DA FANPAGE DO JORNAL DA BAND1 Rosane Martins de Jesus2 RESUMO Este artigo apresenta olhares acerca das interações nas listas de comentários na fanpage do Jornal da Band, antes e após as transmissões do telejornal, ao vivo, na ambiência do Facebook. Para tanto, coletamos e analisamos amostras de comentários, dos dias: 04/07/2016 (antes das transmissões) e em 24/08/2016 (após as transmissões). Tendo a teoria fundamentada como inspiração metodológica, nosso principal objetivo foi refletir sobre os rastros discursivos deixados nos comentários. Ao final, dentre outros resultados, inferimos que antes das transmissões não era explícita a presença de conversação nas listas e que depois, o público vem priorizando a escuta e o diálogo entre os interlocutores, ao passo que constroem afetos ao assistirem e comentarem simultaneamente. Palavras-chave: Telejornais; Interações; Sites de rede social; Público.

Uma introdução: o quê impulsionou esses olhares?

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urante a realização de um ‗mapeamento do acionamento das ferramentas interacionais (curtir, comentar, compartilhar)‘3, nas Fanpages de oito telejornais brasileiros no site Facebook, percebemos a grande quantidade de comentários no âmbito da Fanpage do Jornal da Band: foram 9.803, no período de 18 a 24/08/2016. O expressivo número de comentários chamou-nos a atenção, principalmente por ser comparável apenas aos números registrados na Fanpage do Jornal Nacional, que alcançou, no mesmo período, 10.592 comentários. No entanto, o público que acompanhava o Jornal da Band, no período observado, correspondia a apenas 10, 62 % do público do Jornal Nacional4. Quando da coleta desses dados, as transmissões do telejornal pelo Facebook, registraram uma média de 1500 comentários, por edição do telejornal. Cabe ressaltarmos que as transmissões ao vivo iniciaram em 11/07/2016. Assim, ao estabelecermos estas relações, veio-nos a hipótese de que elas poderiam estar contribuindo para o aumento dos números de acionamento das ferramentas interacionais. Para verificar a solidez dessa hipótese, catalogamos, ainda no mapeamento inicial, dados referentes às interações na fanpage do Jornal da Band, antes de 11/07/2016, de modo a visualizar se havia de fato uma diferença numérica no acionamento dessas ferramentas. Para tanto, coletamos dados, no período de 04 a 09/07/2016, ou seja, uma semana antes do telejornal passar a ser exibido ao vivo, através da fanpage, para que pudéssemos mensurar a existência de alguma alteração entre esses dois contextos situacionais 5.

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Trabalho apresentado no GT Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017, na Universidade Federal do Piauí. Temática relacionada à Pesquisa de Doutorado, em andamento. 2 Professora Assistente, DE, nível II, do curso de Jornalismo, da Universidade Estadual do Piauí. Doutoranda em Ciências da Comunicação, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Piauí – Fapepi. Email: rosanecomun@hotmail.com 3 Atividade de aproximação com o objeto de pesquisa para a Tese de Doutorado, intitulada preliminarmente, ―O público de telejornais na Social TV: um estudo do perfil da audiência de telejornal‖, no contexto do site Facebook‖, em desenvolvimento junto ao Doutorado em Ciências da Comunicação, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sob a orientação do prof Dr. Ronaldo César Henn. 4 No período observado, a fan page do Jornal Nacional tinha 7.843.078 curtidores, enquanto a fanpage do Jornal da Band, registrava apenas 832.812 curtidores. 5 Importante ressaltarmos que embora saibamos que a comparação entre contextos diferentes podem gerar conflitos de análise, decidimos por fazê-la, neste momento, porque essa comparação poderia fornecer indícios, que se bem analisados e provados posteriormente, podem gerar boas inferências análises. 232 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Assim, após a coleta dos dados e as tabulações, pudemos perceber mudanças na quantidade de interações por parte do público, quando comparados os dados dos dois períodos temporais observados (gráfico 1).

Como podemos ver, no período anterior a exibição do telejornal na Fanpage, foram registrados apenas 1.172 comentários, no intervalo de 6 (seis) dias. Após a exibição, o número de comentários foi superior a 9 (nove) mil. Os números referentes aos acionamentos curtir e compartilhar também tiveram crescimento bastante expressivo. Nesse contexto, o aumento na quantidade dos acionamentos interacionais por parte do público fez emergir a potencialidade dessas interações, despertando nosso interesse em compreender e refletir, especificamente, sobre as relações interacionais nas listas de comentários na fanpage do Jornal da Band, antes e após as transmissões do telejornal, ao vivo, na ambiência do Facebook. Importante dizermos, que aqui, vemos essas listas de comentários, tanto na perspectiva de ―zona de contatos 6‖ (Fausto Neto, 2010), quanto na perspectiva de ―zona de interpenetração7‖ (Luhmann, 2009), por considerarmos essas listas, nichos produtivos, onde o receptor (no caso, o público) pode interagir com a instância produtora (no caso, o telejornal) e vice-versa, além do receptor poder interagir com outros receptores. Assim, considerando que são nos comentários que ele (público) se expõe diretamente (Recuero, 2014), decidimos por buscar neles, rastros discursivos que nos ajudassem a entender se houve alguma mudança na forma como o público interage nas listas de comentários, após as transmissões ao vivo, no âmbito do Facebook. Importante dizermos que na ambiência digital ―mesmo um simples ‗like‘, ou melhor, o rasto dos nossos ‗likes‘ é uma informação que pode expor, de um modo jamais imaginado, a intimidade, o ser do utilizador‖ (Cádima, 2015, p.274). Ademais, acabamos deixando ―pegadas‖, também nos discursos produzidos no ciberespaço e, por conseguinte, tais marcas dizem muito sobre quem os deixou (Pariser, 2012). Para tanto, coletamos amostras de comentários, vinculadas a postagens publicadas, respectivamente nos dias: 04/07/2016 (antes das transmissões ao vivo) e em 24/08/2016 (após as transmissões ao vivo). Cabe ressaltarmos que a escolha dessas datas foi aleatória. Ao todo, foram analisados 88 comentários: 28 relacionados a postagem do dia 04/07/2016 e 60 relacionados a postagem do dia 24/08/2016. E, são as reflexões possibilitadas pela leitura desses comentários que serão abordadas, ao longo deste artigo.

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O conceito ―zona de contatos‖ (Fausto Neto, 2010), refere-se a espaços comunicacionais onde o sistema midiático pode estabelecer contatos e interações com a instância receptora. 7 Assim como as ―zonas de contatos‖ (FAUSTO, 2010), as ―zonas de interpenetração‖ (Luhman, 2005) são espaços de interações entre o sistema midiático e seus atores sociais, na condição de recepção. Cabe explicarmos que na composição do conceito de ―zona de contato‖, Fausto Neto (2010), busca referência nos estudos de Luhmann (2005, 2009). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 233


Importante ressaltarmos que neste estudo exploratório, temos a teoria fundamentada como inspiração metodológica, pelo fato de que esta teoria utilizada como método ―busca deixar que os dados ―falem por si‖ e não os observar a partir de pré-noções‖ (Fragoso et al, 2011, p.89). Seus fundamentos nos deram segurança para refletirmos sobre um objeto em constante mudança. Cabe destacarmos que apesar de não ser um método simples, a Teoria Fundamentada é ―interessante para quem deseja pesquisar o ciberespaço, pois propõe a atuação da análise em conjunto com o processo de coleta de dados, de forma a permitir que a teoria emerja do empírico‖ (Fragoso et al, 2011, p.87). Dessa forma, os acionamentos teóricos, percursos metodológicos e as reflexões serão apresentados, ao longo deste artigo, na mesma ordem em que eles foram provocados. Lugar e percurso da pesquisa Sobre a Fanpage do Jornal da Band Os sites de redes sociais conquistaram milhares de adeptos. As interações perpassam estes espaços. Novos sujeitos se integram a esses lugares de sociabilidade aproximativa, potencializadas pela convergência (Jenkins, 2006; Cádima, 2015). Vivemos em uma ―sociedade em vias de midiatização‖, onde os processos midiáticos, seus efeitos e seus produtos permeiam o nosso cotidiano e afetam a forma como vivenciamos o mundo, possibilitando novas experiências de consumo, e novas possibilidades de engajamento do público, despertando assim, o ―desejo por um consumo mais participativo e porque não, interativo‖ (Jenkins, 2014). E, ―um dos principais efeitos gerados por esta nova realidade é a complexificação do funcionamento da ‗zona de contato‘ (Fausto Neto, 2010), provocando novas relações entre produtores e receptores‖ (Fausto Neto, Sgorla, 2013, p.4). Assim, dentro de um contexto, marcado, por um lado, pela forte adesão aos sites de redes sociais, e por outro lado, pela busca de novos dispositivos aproximativos com os públicos, os telejornais também passaram a ocupar esse espaço, seja para conquistar maior visibilidade, seja para interagir com o público potencial, seja simplesmente para fazer parte dessas redes sociais, seja por que os anunciantes têm investido cada vez mais nesses espaços interacionais, pois segundo dados de pesquisa realizada pelo Instituto PewReseachCenter (2016) ―compared with a year ago, even more of the digital ad revenue pie – 65% – is swallowed up by just five tech companies. None of these are journalism organizations, though several – including Facebook, Google, Yahoo and Twitter – integrate news into their offerings8‖. Entretanto, independente dos motivos que levam os telejornais a ocuparem esses espaços, a presença deles, nesses sites, tem conquistado um público expressivo, em termos de acompanhamento e principalmente de interação. Em 11 de julho de 2016, o Jornal da Band, intensificou sua interação na fanpage, ao se tornar o primeiro telejornal da televisão brasileira a ser transmitido ao vivo, também pelo Facebook. Complexificando, assim, sua ―zona de interpenetração‖ (Luhmann, 2009), tendo em vista que o público do telejornal no espaço da fanpage passou a assistir ao telejornal, na ambiência do Facebook, ao mesmo tempo em que pode interagir na lista de comentários. Além do mais, enquanto o internauta assiste a transmissão, ele ver a quantidade de pessoas que também estão visualizando o telejornal, por meio do Facebook, naquele momento, além de ser ―convidado‖ a participar dos comentários, por meio da frase: ―Diga algo para que Jornal da Band saiba que você está aqui‖. Na data de 28/08/2016, a fanpage do Jornal da Band (principal telejornal da Rede Bandeirantes) possuía mais de 830 mil curtidores. Para Cajazeira (2014, p.136), ―o seguidor dos programas de TV nas Redes Sociais é um fragmento da audiência de televisão, que se classifica como sendo o público da TV Social‖. Importante dizermos que em 11/07/2016 (data da primeira transmissão ao vivo) era apenas 714.654 curtidores e em 28/08/2016 já eram 832.812, ou seja, mais de 110 mil curtidores, em um intervalo temporal de 47 dias.

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Tradução livre da autora: Em comparação com 2015, 65% da receita de anúncios digitais são destinadas a apenas cinco empresas de tecnologias. Nenhuma delas são organizações de jornalismo, embora várias – incluindo Facebook, Google, Yahoo eTwitter – integrar notícias em suas ofertas. 234 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Quanto a transmissão simultânea, Marcelo Mainardi, vice-presidente de Comercialização da Band, afirma que ―as plataformas digitais podem ser usadas como uma extensão da televisão. São ferramentas complementares que ajudam a manter a conexão com o público da emissora‖ 9. Cabe ressaltarmos que as transmissões ao vivo, têm o patrocínio da empresa Claro e, só são possíveis, graças, ao aprimoramento da própria plataforma Facebook, que possibilitou a publicação de transmissões ao vivo e liberou a funcionalidade para todos os usuários em meados de março de 2016. A transmissão do referido telejornal no Facebook, de certo modo, está em sintonia com o fato de que os brasileiros seguem uma tendência mundial, ao utilizarem as mídias sociais também como fonte de notícias, tendo em vista que pesquisa realizada pelo Reuters Institute (2016) concluiu que no contexto brasileiro as ―TV news remains the most important source of news overall in Brazil, though online is ahead with our urban sample. Social media has grown rapidly with over 70% using it as a source of news each week 10‖. Como destacou Pariser (2012, p.62), ―o Facebook está se transformando numa fonte cada vez mais vital de notícias‖. Sobre a coleta dos comentários Como corpus de pesquisa, escolhemos comentários vinculados as publicações do Jornal da Band, que estavam relacionadas diretamente a exibição do telejornal. Assim, do dia 04/07/2016, analisamos os comentários da postagem que anunciava que o telejornal estava no ar (imagem 1). A lista de comentários desta publicação apresenta 28 comentários e todos eles foram analisados para este estudo exploratório. E, do dia 24/08/2016, coletamos os comentários relacionados à transmissão do telejornal, na Fanpage (imagem 2). Ao todo, essa lista possuia 1.478 comentários (no dia da coleta) e foi analisada uma amostra de apenas 60 comentários, por uma questão de viabilidade de análise, no âmbito deste estudo.

Os prints dos comentários foram coletados nos dias 27 e 28/10/2016. Cabe explicar que os comentários no site Facebook, de modo geral, são agrupados de três formas: ―principais comentários 11‖; ―mais recentes12 ‖ e ―principais comentários (sem filtro)13‖. E, no caso das transmissões ao vivo, acrescenta-se a 9

Em notícia intitulada Jornal da Band será transmitido no Facebook, disponível em: http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000814108/jornal-da-band-sera-transmitido-tambem-pelo-facebook.html Acesso em 02 nov 2016. 10 Tradução livre da autora: De modo geral, os noticiários de TV continuam sendo a mais importante fonte de notícias, no Brasil, embora o on-line esteja à frente, na amostra urbana. A mídia social tem crescido rapidamente, mais de 70% dos entrevistados já a usam como uma fonte de notícias a cada semana. 11 Os comentários mais relevantes aparecem na parte superior. 12 Os comentários novos e aqueles com novas respostas aparecem na parte superior. 13 Todos os comentários, incluindo comentários de spams e em outros idiomas, sendo que os os comentários mais relevantes aparecem na parte superior. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 235


classificação ―comentários em tempo real14‖. Para esta coleta, optamos pelos comentários agrupados na classificação ―principais comentários‖, por ser a categoria que exclui os spams e os apresenta na sequência em que eles foram publicados, além de ser a principal categoria disponível nos dois tipos de postagens (publicação normal e transmissão ao vivo). Importante dizermos que a quantidade de comentários não sofre variação entre os grupos, apenas a ordem em que aparecem é alterada. Cabe explicarmos ainda que, no âmbito desse estudo, as respostas vinculadas aos comentários também foram analisadas, por reconhecermos o valor dessas respostas, uma vez que elas reforçam a característica conversacional das listas de comentários. Como destaca Recuero (2009, p.125), ―as conversações entre os atores de um site de rede social podem indicar os laços sociais e o capital social negociado nas interações‖. Para a autora, essas conversações são capazes de criar, complexificar e mesmo, destruir as estruturas sociais estabelecidas no ciberespaço. Além disso, elas comportam grande parte dos impactos na dinâmica das redes decorrentes desses sites de redes sociais (Recuero, 2009). Usos das listas de comentários antes e depois das transmissões ao vivo Na lista de comentários de 04/07/2016, os comentadores se apresentam como telespectadores, reafirmam o acompanhamento, fazem elogios ao telejornal e aos apresentadores: ―To assistindo na TV. Boechat,

disparado melhor jornalista do Brasil. E a Paloma é um colírio para os olhos. Consegue aliar beleza, talento e muita competência‖ (internauta, 04/07/2016). Não há comentários especificamente sobre as reportagens, mas, sim

comentários sobre o telejornal como um todo. Há ainda sugestões de pauta, o quê intensifica a utilização das listas como mais um dispositivo de acesso entre público e telejornal: ―Sugestão, jornalistas Paloma Tocci e Ricardo

Boechat: fazer uma reportagem semanal, cada dia de um preconceito forte que ainda existe dentro da sociedade brasileira‖ (internauta, 04/07/2016). Entretanto, não há a participação discursiva dos apresentadores nas listas. Importante destacar que nos comentários há uma ênfase a localização de quem comenta: ―Não perco um jornal da band, seriedade e imparcialidade é o que nos faz sermos telespectadores assíduos. Tabatinga – SP, sabe o que é melhor‖ (internauta, 04/07/2016). Embora integrem uma mesma lista, os comentários não estão interligados por meio de uma conversação, pelo simples fato de que não existem elos conversacionais entre comentários, nem respostas atreladas aos mesmos. Fica evidente que os discursos são direcionados ao telejornal e aos apresentadores e não a própria lista. Em outras palavras, é como se os comentários fossem como estrelas solitárias, ou seja, pontos de luz que se acendem e se apagam, embora seu brilho permaneça no ciberespaço, assim como as estrelas, mas, que não se interligam. Entretanto, na lista de comentários de 24/08/2016, Paloma Tocci (apresentadora do telejornal) participa discursivamente. No conjunto de comentários analisados, ela aparece 4 vezes. Seu papel na cena, ao que parece, seria mediar a conversa na lista, tendo em vista que suas postagens, enfatizam o inicio do telejornal e destacam notícias que serão abordadas, ao longo do mesmo. Suas inserções geram inúmeras respostas. Entretanto, no grupo analisado, o conteúdo dessas respostas, em geral, faz referência tão somente a beleza e ao profissionalismo da apresentadora: ―Paloma, parabéns pelo seu profissionalismo‖; ―Amo você Paloma. Competência e beleza é coisa rara. Sucesso linda‖ (internautas, 24/08/2016). Preservando, neste ponto, características percebidas ainda na lista de 04/07/2016, ou seja, antes das transmissões do telejornal, na ambiência do Facebook. Identificamos, também, a presença de conversação entre os internautas: ―Boa noite gente!!! Precisamos emergentemente rever nossos conceitos em relação aos nossos representantes nesse país, pois nenhum se livra, todos ladrões pilantras e nenhum deles vai mudar isso. O que faremos??? Com esses lixos???‖ (internauta A, 24/08/2016); ―Também me faço essa pergunta Alan, como mudar isso? (internauta B, 24/08/2016); ―Já pensaram na hipótese da maioria anular o seu voto?‖ (internauta C, 24/08/2016); ―Já pensaram na hipótese de ninguém votar?‖(Internauta D, 24/08/2016); ―Somente o REGIME MILITAR pode salvar 14

Os comentários são apresentados no momento em que apareceram no vídeo.

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o Brasil‖(Internauta E, 24/08/2016); ―Concordo que se a maioria não votar ou anular o voto, vamos mostrar pra esses políticos que eles não são nada sem o povo. Mas, e se a maioria votar e eleger um corrupto? Precisamos pensar nisso também‖ (Internauta F, 24/08/2016). Percebemos que após as transmissões ao vivo, os comentários já não se parecem mais com estrelas solitárias, pois a conversação funciona, neste caso, como o elo que as interligam, formando o que poderíamos chamar de constelação, produzindo assim, o que estamos chamando de ―audiência constelacional‖ (esquema 1)

Esquema 1: Interações antes e depois das transmissões ao vivo Fonte: Jesus, Rosane Martins (2016)

Observamos que as transmissões ao vivo potencializaram a sensação de interação aproximativa, não evidente nos comentários antes das transmissões. Notamos também que a conversa, ao que parece, é mais importante do que a localização física dos participantes, pois, embora ainda haja uma referência territorial:

―Boa noite! Estou assistindo ao Jornal da Band, aqui em Salvador. Chove muito e a temperatura já considero gelada. Abraços‖, ela aparece com menos intensidade do que nos comentários analisados antes das transmissões ao vivo. Tais comentários, por sua vez, são direcionados aos apresentadores e aos integrantes da lista: ―Olá boa noite à todos que estão presentes. Jornal da Band tamo juntos, vamos ver tmb as matérias juntos‖; e as reportagens também são comentadas. Neste ponto, percebemos a utilização da lista de comentários tanto como dispositivo de acesso, quanto como dispositivo de escuta. Entretanto, a escuta se dá propriamente entre os integrantes, e não entre integrante e apresentador/telejornal, pois embora a apresentadora (Paloma Tocci) se apresente discursivamente, ela não interage nas conversações, embora seja constantemente, interpelada: ―Novo Planeta

potencialmente habitável‖... Oba! Super Paloma Tocci! Já podemos mandar Dilma, Lula, todo o pessoal do PT e aliados para lá?!?‖. Nesse ponto, notamos uma pseudo-escuta por parte do telejornal/apresentador, pois afinal

o curtidor, tem a impressão de proximidade com o telejornal e seus apresentadores, pelo simples fato de fazerem parte de uma mesma rede social. Entretanto, podemos dizer que existe uma sensação de escuta e é esta sensação que continua suscitando a participação/interação da recepção. Ainda quando as fanpages dos telejornais eram utilizadas apenas como mais um dispositivo de acesso do público, Cajazeira (2014, p.134) já destacava que ―os processos de circularidade e de convergência atingem não apenas ao conteúdo informacional, mas ao público, que se transforma em audiência ao interagir e participar desses espaços midiatizados pelo jornalismo na Era Digital‖. Atualmente, no contexto marcado por transmissões ao vivo, na ambiência da Fanpage, no caso do Jornal da Band, percebemos a potencialização da transformação do público em audiência, já que não é mais necessário ligar a televisão, para acompanhar ao telejornal, ao passo que ele já está disponível no mesmo ambiente onde ocorrem as interações. Processualidades entre convergências e divergências Em texto intitulado Sobre o digital: convergência, divergência, fractura, Cádima (2015, p.270) destaca que ―alguma coisa mudou desde 1994, quando Ted Turner afirmava que até então todas as experiências de

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interactividade tinham falhado porque aquilo que as audiências queriam era, no fundo, ―sit back and watch – interacting is hard working15‖. De fato, quando observamos a interação do público do Jornal da Band, em simultaneidade com a transmissão do telejornal, corroboramos a afirmativa de que ―alguma coisa mudou‖ e nos perguntamos que audiência é esta, que está se constituindo, diante e dentro das processualidades, de uma sociedade em vias de midiatização? Tal pergunta nos lembra Silvestoni (2010, p.248), que ao abordar a perspectiva de McLuhan, afirma a necessidade de se pensar sobre algumas questões importantes, tais como: ―quiénes somos y qué somos, y en qué medida lo que somos afecta el surgimiento de los médios y su desarrollo 16‖ (Silvestoni, 2010, p.248). Nesse ponto, o que observamos, no caso do Jornal da Band, no que diz respeito a suas transmissões ao vivo, na ambiência do Facebook, é uma tentativa de se apresentar diante de seu público potencial como um telejornal que acompanha as processualidades de uma sociedade cada vez mais conectada, e da qual o seu público faz parte, muito mais do que simplesmente utilizar o espaço como mais um dispositivo para manter uma conexão com o público. Assim, podemos ver este caso, como um exemplo potencial de como aquilo que somos (ou o que estamos nos tornando) pode afetar a forma como a mídia e seus produtos (jornalísticos ou não) nos são apresentados. Entretanto, no contexto atual, onde as palavras convergência, conexão e interação são tratadas muitas vezes como sinônimas, é importante ressaltarmos, que ao reproduzir o telejornal, no âmbito do Facebook, o Jornal da Band está, de certo modo, apenas fazendo, o que Cádima (2015, p.271), classifica como ―uma ‗remediação‘ automática para o digital, nomeadamente reproduzindo os mesmos conteúdos em sistemas ou plataformas de distribuição digital‖, tendo em vista que para Jenkins (2006), convergir não se trata, especificamente, de uma simples transposição de conteúdo entre plataformas de rede, tornando possível o acesso ao conteúdo por meio de diferentes dispositivos (smartfone, televisão, notebook, tablet, dentre outros). Convergência, na concepção de Jenkins (2006) demanda da produção de uma narrativa transmidiática (que possibilite uma compreensão do todo, a partir da junção dos conteúdos complementares, preparados para cada mídia/dispositivo). Nesse ponto, convergência não seria simplesmente uma "remediação" para o digital. Porém, embora nesta perspectiva, não possamos classificar as transmissões ao vivo do Jornal da Band, na ambiência do Facebook, como um telejornalismo convergente, é notório que ―alguma coisa mudou‖, no que diz respeito a audiência, tendo em vista que os rastros e marcas deixadas, nas listas de comentários (enquanto espaço de interação) evidenciam a existência de um nicho de audiência atuante, e que está a produzir novas experiências de recepção, ao assistir e comentar coletivamente. Nesse ponto, têm-se o rascunho dos prováveis efeitos de uma convergência, tendo em vista que para Jenkins (2006), a convergência possibilitaria a evolução das tradicionais audiências passivas para audiências ativas, que se converteriam progressivamente em "produsers", criando uma nova experiência do utilizador. Até o momento, acreditamos que o maior ganho das transmissões ao vivo do Jornal da Band, nessa nova ambiência, seja a possibilidade de constituição de novas experiências de recepção. Entretanto, essas novas experiências trazem consigo nuances que precisam ser destacadas, dentre elas, podemos citar certa análise superficial, por parte do público, dos fatos narrados no telejornal, devido a instantaneidade com que os comentários são realizados, bem como a produção de inúmeros comentários irrelevantes, para a constituição de uma audiência crítica, pois, se de um lado há comentários que tecem discursos complexos, por outro lado, há comentários segregadores, que replicam discursos de ódio e preconceitos. Entretanto, tais nuances são perfeitamente compreendidas sobretudo, quando lembramos que ―Carr sustenta que o digital não está somente a mudar a forma como fazemos as coisas, mas sobretudo o modo nãolinear como pensamos, o que introduz determinadas distorções nas competências cognitivas as quais vêm por em causa a qualidade do pensamento abstracto, a reflexão crítica, a memória e a compreensão‖ (apud Cádima, 2015, p.280). No entanto, embora promovendo fracturas, Cádima (2015, p.283) nos lembra que ―o digital vagueia 15

Tradução livre da autora: ―Sentar-se e assistir – interagindo é trabalho árduo‖. Tradução livre da autora: ―Quem somos e o que somos, e em que medida o que somos afeta o surgimento dos meios (mídias) e seu desenvolvimento‖. 16

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entre convergência e fractura, entre controle e fluxo, e é nesta ambigüidade, nesta luta de contrários, que se vai construindo a nova experiência‖. E, possivelmente, seja no interior desses novos processos midiáticos, que o telejornalismo vem se inserindo, que esteja o conceito de uma nova audiência que está por vir. Podemos falar, ainda, que a convergência e a própria interatividade só é possível, a partir da mudança de comportamento do próprio público, que agora tende ao desejo/sensação de gerir seu próprio consumo, afastando-se, a princípio, de um consumo passivo (consequência da constituição de um corpo-piloto17, como define Serres (2015)). Assim, vendo as listas de comentários, por um lado enquanto dispositivo de acesso e por outro lado, como dispositivo de escuta, percebemos no âmbito dos comentários analisados, para este artigo, que não há indícios de escuta por parte do telejornal. Entretanto, há escuta entre os pares (membros da lista), o que é fundamental dentro desta ―zona testativa‖, marcada fortemente por relacionamentos. Neste ponto, lembramos de Hannah Arendt (2007, p.60), quando ela diz que ―a presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos, garantem-nos a realidade do mundo e de nós mesmos‖. Assim, percebemos que, neste momento inicial da complexificação da ―zona de interpenetração‖ do Jornal da Band, no Facebook, ao que parece o mais importante para público lá reunido é a possibilidade de assistir e comentar coletivamente, ressignificando a lista numa espécie de fórum de discussão simultânea, a exibição do telejornal, do que a possibilidade de uma aproximação-interativa com o próprio telejornal e/ou apresentadores. Considerando que ―‗um público não apenas oferece atenção, mas também solicita atenção‘ (Dayan, 2005, p.52). O público, conforme Sonia Livingstone diz, é ‗tido como coletividade, mais do que a soma de suas partes, enquanto a audiência, em contrapartida, é mera agregação de indivíduos‘ (2005, p.25)‖ (Jenkins, 2014, p.209), podemos inferir que as pessoas reunidas nessas listas de comentários, se constituem mais como público do que como audiência, embora haja a transmissão do telejornal, na ambiência da fanpage. Importante dizermos, ainda, que na relação entre dispositivo de acesso versus dispositivo de escuta, as listas de comentários seriam, por um lado mais um dispositivo de acesso ao telejornal, dentro desta ―zona de contatos‖, engendrada no âmbito de uma ―sociedade em vias de midiatização‖, e por outro lado, um dispositivo de escuta, entre os pares, tendo em vista que ―ouvir é o ato físico de receber uma mensagem, enquanto escutar é um processo de espera, de concentração e de dar resposta a uma mensagem (Jenkins, 2014, p.222). Neste ponto, a conversação entre os pares, após as transmissões ao vivo, evidencia esta escuta ativa, entre nichos de participantes da lista de comentários. Conclusão em ritmo de processualidades Além das inferências já apresentadas, gostariamos de reforçar que antes das transmissões, na âmbiência da Fanpage, não era explícita a presença de conversação nas listas e que depois, o público vem priorizando a escuta e o diálogo entre os interlocutores, ao passo que constroem afetos ao assistirem e comentarem simultaneamente. Desse modo, para além dos rastros deixados, de forma voluntária, nas listas de comentários, nas fanpages dos telejornais, o que se há é o esboço de uma audiência telejornalística que está por vim, e que, ao que parece, não será simples agregação de indivíduos, mas uma audiência vestida de público. Público, este, que além de comentar, constrói afetos, mesmo que momentâneos. Assim, imersos nesse contexto de processos midiáticos e processualidades latentes o quê nos resta é acompanhar de perto as transformações e as apropriações de uma ―nova audiência‖ telejornalística que está se constituindo no âmbito dos sites de redes sociais, para que possamos compreendê-la, dentro do contexto de complexificação das ―zonas de interpenetração‖ entre instância produtora e receptora, consequência de uma ―sociedade em vias de midiatização‖. 17

Pessoa que, diante da mobilidade e da interatividade propiciadas pela convergência e pelo acesso aos dispositivos convergentes, tende a apresentar um corpo de uma motorista na tensão da atividade, e não o de um passageiro na passividade do relaxamento‖ (Serres, 2015, p.50). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 239


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CASO ANDRESSA LEÃO: A MIDIATIZAÇÃO E A FALHA NOS DISCURSOS ELITIZADOS1 Flalrreta Alves dos Santos Moura Fé2 Sávia Lorena Barreto de Carvalho Sousa3 RESUMO Este artigo tem o objetivo de analisar, através da perspectiva da Análise de Discursos e Midiatização, o posicionamento discursivo da empresária piauiense Andressa Leão, que em fevereiro de 2017 ganhou repercussão nacional após polêmica envolvendo sua marca de roupas com loja sediada em Teresina. Acusada por uma das clientes de comprar roupas em fábricas de São Paulo a baixos preços e revendê-las a custo bem mais alto na capital piauiense alegando que a criação da peça era original e exclusiva, Andressa Leão foi alvo de ―memes‖ que viralizaram e postagens em redes sociais, além de diversas reportagens tanto na imprensa local como nacional, em sites como o da revista Veja. A pesquisa inclui o período compreendido entre os dias 15 e 16 de fevereiro, quando iniciou-se a publicação de reportagens sobre o tema na imprensa piauiense e foi divulgado o depoimento de Andressa nas redes sociais. Palavras-chave: Cultura Digital, Instagram, Análise do Discursos.

Introdução

E

ste artigo tem o objetivo de analisar, através da perspectiva da Análise de Discursos e Midiatização, o posicionamento discursivo da empresária piauiense Andressa Leão, que em fevereiro de 2017 ganhou repercussão nacional após polêmica envolvendo sua marca de roupas com loja sediada em Teresina. Acusada por uma das clientes de comprar roupas em fábricas de São Paulo a baixos preços e revendê-las a custo bem mais alto na capital piauiense alegando que a criação da peça era original e exclusiva, Andressa Leão foi alvo de ―memes‖ que viralizaram e postagens em redes sociais, além de diversas reportagens tanto na imprensa local como nacional, em sites como o da revista Veja. Em depoimento postado nas redes sociais, Andressa tentou justificar-se a respeito do caso, o que foi recebido como um posicionamento equivocado por profissionais de Relações Públicas e clientes de sua loja. Neste contexto e considerando a repercussão do caso nas redes sociais, este artigo pretende analisar o discurso da empresária para falar com seu público nas mídias digitais, levando em conta toda a linguagem, imagem e postura próprias dos dispositivos virtuais. A pesquisa incluirá o período compreendido entre os dias 15 e 16 de fevereiro, quando iniciou-se a publicação de reportagens sobre o tema na imprensa piauiense e foi divulgado o depoimento de Andressa nas redes sociais. Como base teórica e metodológica, utiliza-se a Análise de Discursos na perspectiva de Milton José Pinto; e a Midiatização trabalhada pelos autores Giddens e Fausto Neto. Ressalta-se que o entendimento das intersecções entre os discursos sociais e as ferramentas tecnologicas acontecem em um ambiente de alta modernidade, que trouxe consigo a evolução da sociedade dos meios, uma evolução que traz novas estratégias de relacionamentos e organização, transformando contatos e vínculos de estruturas, recepção, produção e atuação midiática. Entende-se por alta modernidade o tempo atual, época em que a cultura social passa por transformações e dispersões de conceitos, defendida como um estilo, costume de vida ou organização social que surgiu na Europa a partir do século XVII e segue até os dias 1

Trabalho apresentado no GT 07 - Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Comunicação pela Universidade Federal do Piauí, sob orientação da Profa. Dra. Marta Queiroz. Bolsista da CAPES/FAPEPI. E-mail: flalrreta.alves@gmail.com 3 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí e bacharel em Comunicação pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Teresina-PI. E-mail: savia.barreto@hotmail.com Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 241


atuais (Giddens, 2002). Essa transformação na cultura social é percebida através das estratégias de relacionamentos e organização que recebem bastante influência da mídia, e passa a ser parte central da vida do indivíduo através de práticas que se desenvolvem a partir da operação de sentidos no âmbito da cultura midiática, de forma que as relações humanas estão cada vez mais mediadas por tecnologias e dispositivos interacionais digitais, caracterizando uma sociedade contemporânea ou moderna (Giddens 2002). As práticas de comunicação mediada pelo uso das tecnologias proporcionam interações que promove também conceitos dispersos no campo da comunicação. Midiatização, cultura digital, cibercultura, sociedade da informação e virtualização da comunicação são algumas das propostas que ainda não têm um conceito definido e consolidado, mas têm várias categorias que sustentam seus paradigmas e embasamentos. Nesse sentido, para o trabalho proposto vamos usar o termo cultura digital para situar nosso observável e fazer as considerações. A cultura não nasce digital, ela se adapta aquele meio e cria formas de interação e engajamento. A partir do surgimento das redes sociais criou-se uma cultura de compartilhamento de informações e sugestões de experiências vividas por um indivíduo que participe daquele meio digital, a ―experiência compartilhada‖. Giddens (2002) defende que a experiência compartilhada é uma característica irreversível da sociedade moderna, e esse compartilhamento feito por meio de dispositivos interacionais, em nosso caso, as redes sociais potencializam novas formas de organização e sociabilização, refletindo até na formação da identidade de um indivíduo. Para que a comunicação mediada pelo uso de tecnologia tenha efeito positivo, é necessário que as estratégias, linguagens e discursos utilizados naquele meio sejam de acordo com a proposta do canal de comunicação que está sendo utilizado. No Instagram (nosso observável) as estratégias de interação ocorrem por meio de publicação de imagens, curtidas nessa imagem e comentários sobre ela, dentro do aplicativo Instagram ou mesmo fora do ambiente virtual. Instagram é aplicativo ou rede social? Os dois. O Instagram surgiu no de 2010 como um aplicativo para celular, porém, atualmente é utilizado em sua maioria para autopromoção de imagem pessoal, profissional e fins publicitários, tornando-se uma rede de interações e mídia (rede social + mídia social). De acordo com o portal TecMundo (2016), até junho de 2015 o aplicativo possuía mais de 300 milhões de usuários ativos. Nele, a publicação é feita com fotos e vídeos em sintonia com o compartilhamento de imagens. Para obter o aplicativo é necessário fazer download e realizar um cadastro, fornecendo dados pessoais como: nome completo, e-mail e uma senha de acesso à conta criada. O nome criado no aplicativo é único dentro da comunidade virtual, e esse perfil permite que sejam postadas imagens, legendas textuais, curtidas, comentários e acesso a perfil de outros usuários, possibilitando a interatividade naquela comunidade virtual. A imagem postada no aplicativo pode receber caracteres de edição (filtros) e legendas durante sua publicação, onde essas legendas informam e entretêm ao mesmo tempo. A linguagem, geralmente vem acompanhada de hashtags que facilitam a pesquisa dos usuários do Instagram para aquele conteúdo proposto. Atualmente o Instagram também pode ser acessado pelo computador, porém, sem a opção de publicação de imagens, apenas visualizações, curtidas e comentários. Cultura digital e capitalização da imagem Através do Instagram é possível perceber que a tecnologia deu ao indivíduo um palco onde ele pode apresentar e/ou representar sua performance virtual no mundo digital. Enquanto a aparência passa a fazer parte da gramática fundamental de reconhecimento na medida em que nos tornamos perfeitamente estéticos, numa vida sem conflitos interno e sem grande intimidade, a produtividade torna-se cada vez mais ligada ao produto em si. Influenciado pelo modo de operação do sistema capitalista, descobriu-se que a imagem é um produto e, por esse produto, deve existir promessas que podem ser fetichizadas e metabolizadas, numa proposta de imagem colocada à venda conforme seus objetivos de investimento. Esse ―produto‖ deve ocupar os espaços e circuitos disponíveis induzindo o consumo, o que Moraes (2016) chama de ―lógica da coisificação‖, uma lógica 242 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


que transforma objetos e pessoas em itens vendáveis e negociáveis. Acoplada à recusa a reconhecer qualquer valor que não seja o da comercialização. A natureza intrínseca do produto, que define seus usos, funções e sentidos, perde significância; agora é um simples pretexto de marketing, vale dizer, apropriada pelos cálculos de rentabilidade e metas de produtividade (IDEM, p.176).

Essa coisificação e ―produtização‖ do indivíduo encontra um amplo espaço a ser explorado na internet, onde a cultura das mídias naquele espaço combina os dispositivos tecnológicos de informação e comunicação com o capital financeiro, de forma que a internet torna-se o alvo mais cobiçado pelas corporações para ampliar suas fronteiras de expansão. De acordo com Moraes (2016), essas fronteiras se alargam através da publicidade, comércio eletrônico, exposição de marcas, audiovisual, patrocínio e monitoramento das redes sociais. As redes sociais estão na constate busca por engajamento, onde as práticas culturais atendem uma necessidade de interação por parte dos indivíduos que lá estão. No Instagram (observável da pesquisa) essas práticas são executadas através de imagens editadas, legendas com linguagem clara e acessível, embora a maioria das vezes utilize-se gírias, interação com outros perfis e, principalmente, o uso de hashtags, palavras usadas para indexar conteúdos na mídia virtual (no caso, Instagram). Ao ser colocada como legenda, acompanhada do sinal cerquilha (#), a hashtag vira um tipo de hiperlink dentro da rede, indexados mecanismos de buscas por assuntos aleatórios, onde, interessados por um assunto específico, podem encontrar várias postagens referentes aquele assunto nas mídias sociais em questão. A rede de comunicação virtual rastreia deslocamentos coletivos e individuais de interesse, localiza geograficamente um indivíduo, informa o ambiente de relacionamento, classifica o grupo e perfis, indexa dados publicitários e coloca o indivíduo como produto. Ainda assim, a busca pela aceitação e promoção de um perfil na rede social tem mais importância que os impactos dessa exposição, uma vez que o perfil bem avaliado pode capitalizar o indivíduo e dá a ele um poder simbólico. Dentro do nosso observável destacamos os seguintes pontos da cultura digital: habilidade para comunicar ou mesclar qualquer produto baseado em uma linguagem comum digital, habilidade para comunicação do local ao glocal e vice e versa, múltiplas modalidades de comunicação, capacidade de reconfiguração e criação de novos sentidos. A manifestação subjetiva e a promoção do ―eu‖ via redes sociais buscam uma audiência cativa formada por seguidores e likes que demonstram o quanto uma plataforma digital parece responder às necessidades de reconhecimento da identidade de alguém. Por misturar o imaginário, identidade e espetáculo, a visibilidade tornar-se tão desejável que a faceta da vigilância não tem peso sobre as consequências do indivíduo que está disposto a entrar nessa promoção. No perfil da ―Andressa Leão‖, identifica-se que a categoria principal é moda. Peças de roupas apresentadas como criação da estilista Andressa Leão acompanhadas de uma proposta de luxo e glamour como estilo de vida. Se num dado momento uma foto tem mil curtidas, ela pode refletir a capitalização material e o poder simbólico, seja de um estilo de vida, um status até mesmo poder de ser apto a comprar um imóvel. O valor agregado a imagem atribui um estilo de vida que deve ser levado em consideração, ilustrando que aquele estilo de vida é o apropriado e ideal nos dias atuais. A originalidade outrora tão requisitada tornou-se o produto de um sistema midiático em busca da audiência, tornando um ciclo entre protagonista, produtor e consumidor, em um culto ao consumo seja ele efetivo ou simbólico. Esse culto também não exista ―fora‖ do ambiente virtual, mas dentro da rede social Instagram, observa-se que a identificação que existe com o conteúdo postado por Andressa Leão é buscada por uma grande parcela de indivíduos que desejam aquele conteúdo e estilo de vida. Fausto Neto (2008) afirma que as práticas sociais estão atravessadas e que a conversão de novos dispositivos reorganizou os sentidos, deixando de servir apenas a um único meio, caracterizando midiatização. Como apresentado no início, midiatização é um conceito que ainda não está fechado e sustentar nossa análise na midiatização poderia resultar em invalidação. O fato é que o campo de mídia social atravessou as rodas de conversa da sociedade em Teresina, e retornou para a mídia social através dos vídeos gravados por Andressa Leão no seu Instagram. Quando a informação negativa a respeito das roupas vendidas por Andressa Leão afetou Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 243


sua imagem, a proprietária optou por usar a mídia Instagram para se explicar, resultando em uma projeção negativa. Análise de discursos Quando se fala da realidade, se intervém nela. O real não é um espelho e, quanto mais próximo dele, mais fácil é para o sujeito perceber suas imperfeições. A análise de discursos, por sua vez, busca reconstruir os fragmentos linguísticos e sociais, relacionando o enunciado e seu contexto histórico, ampliando assim o leque de visão sobre determinados temas. Mesclando elementos do materialismo histórico, da linguística e ainda da psicanálise, ao refletir sobre a ideologia, o discurso e a descentralização do sujeito, a análise de discursos possui diversas linhas de pesquisa, cada uma com foco concentrado em conceitos distintos. Tanto o lugar como o tempo são determinantes na análise dos discursos, já que sempre se fala de um lugar que é socialmente ocupado. É o lugar social que define a discursividade. Além disso, é através do que se passa ao redor do texto que pode ser possível produzir uma interpretação mais próxima da compreensão do enunciador. Analisar discursos é também examinar pontos de vistas diversos do mundo, utilizando para isso o aparato metodológico que vai buscar nas manifestações linguísticas, as possíveis motivações discursivas das formas de representação social. Como um detetive que busca entender as operações empregadas pelos enunciadores de um discurso jornalístico, o analista de discursos precisa arregimentar o máximo de elementos possíveis capazes de lhe propiciar uma interpretação dos sentidos construídos nas interações linguísticas. ―É pelo e nos discursos que se constroem, reproduzem e modificam as representações do mundo e das identidades e relações sociais em jogo em cada situação de comunicação vivida‖. (PINTO, 2003, p.3) A ação não se origina unicamente de uma iniciativa do indivíduo, sendo os atos comunicativos constituídos de rituais e convenções sociais. O discurso é, portanto, a manifestação concreta da linguagem e um ato social que também impele ações concretas no outro. Adota-se nesta pesquisa a noção de discurso como uma prática social onde se dá, na ordem do textual, o trabalho de produção do sentido. (VERÓN, 1980, p.164). Nos estudos discursivos é preciso diferenciar o texto do enunciado: o primeiro é a materialização do ato de comunicação, enquanto o ato de enunciar organiza as categorias da língua, ―ordenando-as de forma a que deem conta da posição que o sujeito falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que ele diz e em relação ao que o outro diz‖ (CHARAUDEAU, 2008, p.82). O enunciado é uma materialização da enunciação que, por sua vez, é considerada uma ―comunicação virtualizada‖ (FAUSTO NETO, 2006, p.27), já que ela posiciona e estrutura o que é dito dentro de uma esfera onde a língua é limitada quando se trata de regras, mas ilimitada nos usos feitos dela através dos sujeitos. ―A linguagem é a condição pela qual o sujeito poderá evocar e construir um real, isto é, um real mediatizado‖ (FAUSTO NETO, 2006, p.30). Matéria-prima para a análise de discursos, o enunciado também não pode ser confundido com o objeto de estudo da linguística, a frase. A diferença entre enunciado e frase está na inclusão do contexto no primeiro, ou seja, o entendimento do texto passa pelas palavras e pelo que as envolvem exteriormente. Como lembra Pinto (2003), é preciso incorporar nas análises o contexto situacional, ou seja, o ambiente físico onde os enunciados foram produzidos, e onde circularão e serão consumidos; o contexto, que alcança aos demais textos próximos aos enunciados alvos de análise; e por fim os interdiscursos, que proporcionam uma conexão entre textos distintos através da mobilização de outros discursos produzidos no mesmo cenário institucional. Dizer e interpretar são movimentos de construção de sentidos, e, assim como o dizer, também o interpretar está afetado por sistemas de significação. A AD está preocupada com este movimento de instauração de sentidos, que requer compreender os modos de funcionamento de um discurso. (BENETTI, 2006, p. 4)

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Com elementos da linguística e das teorias dos campos das ciências humanas e sociais, a Teoria dos Discursos Sociais, onde essa pesquisa é baseada, permite a explicação dos fenômenos sociais tendo em vista que as mudanças nas estruturas ideológicas também partem de alterações no modo de nomear. Pinto (2000) define a análise de discursos como uma: (...) prática analítica de produtos culturais empíricos – denominados textos – que, valendo-se das teorias desenvolvidas pela linguística e pela semiologia sobre o uso da linguagem e outras semióticas nos processos de comunicação, procura mostrar, à luz das modernas teorias sociais, como e porque tais produtos produzem certos efeitos de sentido, obedecendo a determinadas regras, convenções ou normas socioculturais (muitas vezes tácitas ou não explicitadas) ou tentando modifica-las criativamente. (PINTO, 2000, p.2)

A ilusão de que a fala é plenamente individual não deixa de ser ideológica, já que mascara a naturalização das tensões sociais incutidas nos modos de dizer. Esse processo é denunciado pelas marcas da enunciação presentes nas formas gramaticais que são acionadas quando o enunciador trabalha com a língua, revelando assim posições. ―O ator de dizer, então, é individual, mas o processo é social. É impossível ao sujeito desvencilhar-se das coerções, sejam elas históricas, culturais ou sociais, porque só há sentido dentro dessa ordem‖, como pontua Pinto (2000, p.123). Para interpretar os dizeres, é necessário, antes de tudo, desconstruir as noções pré-estabelecidas, tendo como base que os discursos funcionam em estruturas que exprimem seu contexto. O sujeito acredita que suas escolhas são pessoais, quando muitas vezes são sugeridas e incentivadas pelas instituições onde está inserido. Os discursos não dão conta de tudo, mas possibilitam ao analista o entendimento das estratégias do verossímil para ter efeito de verdade e como se configuram as dinâmicas de uma sociedade onde a verdade está em construção - sendo o conceito de verdade mais um ponto de vista do que um todo absoluto. O caso Andressa Leão A cultura de interação e capitalização pode ser observada através do perfil em análise neste artigo. Identificado como ―Andressa Leão Store‖ (@andressaleaostore disponível em www.instagram.com), o perfil público no Instagram leva o nome da estilista, modelo e empresária piauiense com 41,5 mil seguidores no perfil pessoal e 70,4 mil seguidores no perfil institucional da loja que leva seu nome. Andressa Leão é casada com empresário bem-sucedido da capital do Piauí, pertence a um grupo familiar formado por políticos e empresários conhecidos na sociedade local, além de ter uma fisionomia considerada bela dentro dos padrões estéticos dominantes. Sua rotina e ritos de passagens estão sempre em evidência em colunas sociais e sites locais e nacionais. A maioria, inseridas positivamente, como a publicação referente ao encontro da estilista com o guitarrista dos Rolling Stones, Ron Wood, em fevereiro de 2016. Andressa foi fotografada com o músico de 68 anos de idade enquanto os dois se encontraram na piscina do hotel Fasano, localizado no Rio de Janeiro e a imagem repercutiu como possível interesse de relacionamento amoroso por parte do guitarrista. Na ocasião, Andressa respondeu que o encontro se tratava de uma conversa entre fã e ídolo, e o registro fora feito pelo marido dela, inclusive. Inserções na mídia tradicional, com repercussão nacional, fomentam a proposta do perfil pessoal e profissional de Andressa Leão no Instagram. Pelo perfil @andressaleaostore, percebe-se que a categoria principal é moda, formada por peças de roupas apresentadas como criação da estilista Andressa Leão e acompanhada por uma proposta de luxo e glamour como estilo de vida. Em fevereiro de 2017 a empresária e seu nome tiveram repercussão nacional através de denuncia de lesão ao consumidor, através dos testemunhos de uma cliente da loja. Na situação, uma cliente cuja identidade não foi revelada, confessa que se sentiu lesada por descobrir que algumas peças adquiridas por ela na loja ―Andressa Leão Store‖ também são comercializadas em lojas populares da capital paulista. De acordo com o áudio que a cliente compartilhou através das redes sociais, ela relata que se conformou em pagar o alto valor

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cobrado pela garantia de ser uma peça exclusiva e de pedraria importada. Com a repercussão negativa do assunto via redes sociais a assessoria de comunicação de Andressa Leão enviou release para os veículos de comunicação local. Quem não sabia do caso, ficou sabendo e quem sabia ampliou o debate, repercutindo em nacionalmente em sites como Veja, Exame e Uol. No Piauí, os portais 180 Graus, O Dia e OitoMeia foram alguns que trouxeram matérias abordando o assunto. Após a falha da assessoria, surgiram os vídeos da principal atingida: a proprietária da loja. Com voz trêmula, teceu comentários com algumas frases como: ―eu não sabia‖, ―eu não tenho culpa‖ ―emprego pessoas‖ ―pago impostos‖. Durante a crise, a fala de Andressa no Instagram resultou numa falha de discurso uma vez que o público que acompanhava naquele momento não era a elite a quem os enunciados poderiam fazer o efeito desejado. Análise de discursos elitizados A nota divulgada pela assessoria de imprensa de Andressa Leão, continha o seguinte teor, na íntegra: ―Sobre informações distorcidas que estão circulando, a empresária e estilista Andressa Leão esclarece que a marca AL possui produção própria e emprega cerca de 30 colaboradores responsáveis pela produção de 70% da loja. As demais peças são produzidas em parceria com fábricas nacionais que terceirizam a produção, como fazem também grandes grifes e lojas do país. Essa é uma prática comum no mercado de moda e existem empresas especializadas em produzir especialmente para as marcas. A equipe da marca Andressa Leão esclarece ainda que tem expectativa de expandir sua produção própria, aumentando assim o número de empregados no Estado do Piauí, contribuindo com o crescimento do setor da Moda em nossa região‖. Construindo enunciados em que se propõe detentor de uma verdade que o público enunciatário não possui, um enunciador pedagógico que representa Andressa Leão incorpora nesta nota o papel de um enunciador de tom professoral, explicando ao enunciatário informações que seriam verdadeiras (―essa é uma prática comum no mercado de moda‖, subtendendo que o enunciatário não entende desse universo), em oposição aos discursos já circulantes, classificadas como ―distorcidos‖. Entre os enunciados proferidos por Andressa Leão em seu perfil no Instagram na tarde do dia 15 de fevereiro de 2017 – disponíveis em reportagens na época e vídeos salvos pelas autoras deste artigo, destaca-se um dos trechos em que Andressa afirma: ―Começamos a fazer uma coisa que as grandes lojas já fazem há muito tempo, que é a compra de produtos. Menos de 10% dos nossos produtos internos nós compramos de fábricas que, inclusive, revendem para empresas de grande renome. Eu posso sim colocar a minha etiqueta, a partir do momento que ela sai do chão de fábrica, pois eu assumo a responsabilidade‖. Quando diz ―eu posso sim‖ colocar uma etiqueta própria em uma peça que não foi criada por ela, Andressa assume um confronto defensivo com um enunciador que nega esse poder a ela. A ênfase de poder realizar algo supostamente negado por um outro oculto – comentários em redes sociais e matérias na internet questionam a legalidade ou moralidade do ato - no enunciado revela a insegurança em seu conteúdo, que é contestado por órgãos de defesa do consumidor ouvidos em reportagens locais. ―Eu realmente só preciso me explicar para quem não me conhece, porque quem me conhece nunca vai levar isso a sério, esse tipo de boato que está acontecendo, até porque eles conhecem minha índole, conhecem meu trabalho e conhecem minha seriedade‖. Neste trecho do enunciado destacado da fala de Andressa Leão, ressalta-se uma estratégia de defesa, em que o enunciador posiciona-se para dois públicos distintos: um que a conhece e, portanto, coloca-se em posição superior por não duvidar da índole da empresária, e outro que só a questiona por não a conhecer – sendo este último inserido em uma posição inferior, a de não saber. Trazendo a arena de debates do campo comercial para o campo pessoal, o enunciador condiciona o entendimento a respeito de uma suposta fraude aos direitos do consumidor, ao fato de conhecer pessoalmente a dona da loja em questão. Ao mesmo tempo em que minimiza o tema, colocando-o como um ―boato‖, o enunciador persiste em explica-lo. ―Para quem não sabe aqui no Brasil tem o mínimo de 70, 80 peças por modelo (...)‖, diz novamente Andressa Leão, em discurso que assume o mesmo tom pedagógico proferido por sua assessoria de imprensa. Ao invés de estar em parceria com os consumidores de sua marca, o e enunciador vivencia neste discurso um 246 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


distanciamento, explicando aos que não detém um dado saber, e incorporando a postura pedagógica em que, ao mesmo tempo em que dirige-se ao enunciatário, duvida tanto da boa-fé do mesmo como da capacidade de compreensão dos dados passados. ―As peças são escolhidas a dedo e a gente pode sim colocar nossa etiqueta e para a gente, a partir do momento em que ela sai da fábrica – porque lá é um chão de fábrica, não é uma loja, não é um bairro que vende o produto, eu posso por minha etiqueta. Inclusive eu ‗tô‘ com passagem comprada desde janeiro para ir agora no carnaval enquanto você está aí pulando o carnaval, eu vou estar trabalhando em feira na China‖. O ―pode sim‖, destacado pelo enunciador neste enunciado, coloca-se como estratégia discursiva de defesa para, mais uma vez, confrontar o público a quem o discurso é dirigido. Os esclarecimentos são formulados de maneira a reafirmar um alto padrão de vida (com passagem comprada para a China) e aparente desconhecimento da realidade de milhares de pessoas que acompanharam a polêmica, posicionaram-se sobre o tema como consumidores e ao mesmo tempo possuem um estilo de vida distante economicamente deste assumido por Andressa Leão. Ao presumir um enunciatário ignorante, que faz fofoca por diversão, cujo desconhecimento sobre o mercado de moda causa irritação no enunciador, o discurso produzido no seio da elite econômica perpassa um tortuoso caminho até ser desacreditado e ridicularizado – inclusive através de memes – pelos enunciadores que podem ter sido recebidos por enunciados com agressividade contida no interior das construções discursivas. ―Eu não vou deixar por aí qualquer pessoa falando do meu negócio, porque afinal nós temos 30 empregos diretos, são 30 famílias que querendo ou não dependem de nós e isso eu me orgulho muito (…) Eu não errei, não menti, não ludibriei (…). Tenta pagar um imposto em dia, tenta gerar um emprego, tenta não dever nada para ninguém: porque é isso que eu faço‖. Ao utilizar o verbo ―tentar‖ na forma imperativa, o enunciador posiciona-se como alguém que dá uma ordem e provoca, duvidando implicitamente da capacidade produtiva e empreendedora do enunciatário, presumindo a compreensão de que apenas aqueles que já são proprietários, podem compreender os posicionamentos gerados por outros detentores de capital. Considerações finais A originalidade outrora tão requisitada tornou-se o produto de um sistema midiático em busca da audiência, tornando um ciclo entre protagonista, produtor e consumidor, em um culto ao consumo seja ele efetivo ou simbólico. Esse culto também não exista ―fora‖ do ambiente virtual, mas dentro da rede social Instagram, a identificação que existe com o conteúdo postado por Andressa Leão é buscado por indivíduos que desejam aquele conteúdo e estilo de vida. Fausto Neto (2008) afirma que as práticas sociais estão atravessadas e que a conversão de novos dispositivos reorganizou os sentidos, deixando de servir apenas a um único meio, caracterizando miditiaziação. Como apresentado no início, midiatização é um conceito que ainda não está fechado e sustentar nossa análise na midiatização poderia resultar em invalidação. O fato é que o campo de mídia social atravessou as rodas de conversa da sociedade em Teresina, e retornou para a mídia social através dos vídeos gravados por Andressa no seu Instagram. Quando a informação negativa a respeito das roupas vendidas por Andressa Leão afetou sua imagem, a proprietária optou por usar a mídia Instagram para se explicar. O que resultou numa projeção negativa onde nem a assessoria nem a própria empresária demonstraram preparo para atuação em momentos de crise. Apagar comentários e gritar que ―eu faço se eu quiser‖ não é coerente para quem se lança como figura pública. Quem se propõe a ser figura midiática (modelo, atriz, bailarina, blogueira, digital influencer…) deve entender que é um produto e sofrerá o ônus de ser avaliado como tal, deve ter maturidade para entender que essa avaliação faz parte do mercado cultura da mídia que ela está se propondo a participar. Não tratar o público como ignorante, não colocar-se em um pedestal imaginário onde proferirá supostas verdades, não minimizar o alcance de um público que se considera lesado: essas são algumas das lições observadas com o caso de Andressa Leão representando não apenas a falha de um discurso da elite, que

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fragmentou-se e sofreu rejeição ao alcançar um grande público – que é mais crítico e menos disposto a relevar ironias e aceitar que empregos gerados compensem lesão aos direitos do consumidor. REFERÊNCIAS BENETTI, Márcia. Jornalismo e perspectivas de enunciação: uma abordagem metodológica. Revista Intexto, v 1, n 14. Porto Alegre: UFRGS, 2006. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008. FAUSTO NETO, Antônio. Midiatização, prática social: prática de sentido. In: Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (COMPÓS), 15, 2006, Bauru/SP. Anais eletrônicos. ______. (2007). Fragmentos de uma “analítica” da midiatização”. Revista Matrize. São Paulo: ECA/USP, ano 1, n 1, 2007, pp. 89-105. Disponível em: http://www.usp.br/matrizes/img/02/Dossie5_fau.pdf. Acesso em: 09 abr. 2017. GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002 MOARES, Denis de. Critica da mídia & hegemonia cultural. Rio de Janeiro, 2016. PINTO, Milton José. Retórica e análise de discursos. In: IX Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós), 2000. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1387.pdf> Acesso em: 10 abr. de 2017. ______. Discurso e violência. Rio de Janeiro, NUPEC - Núcleo de Pesquisa em Estratégias da Comunicação, 2003, ECO/UFRJ. Disponível em: http://www.semiosfera.eco.ufrj.br/anteriores/especial2003/conteudo_mpinto.htm. Acesso em: 10 abr. de 2017. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002. YIN, R. K. Estudos de Caso. Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2015.

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A APROPRIAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO TELEJORNALISMO: OBSERVANDO O EMPREGO DA CONVERGÊNCIA 1 NAS MUDANÇAS DO JORNAL NACIONAL Denise Freitas de Deus Soares2 Jacqueline Lima Dourado3 Juliana Fernandes Teixeira4 RESUMO O presente artigo tem como objetivo trazer uma discussão teórica da apropriação de tecnologias ao analisar as últimas mudanças no modelo do Jornal Nacional, da Rede Globo, sob o viés da Economia Política do Jornalismo (EPJ). Consideramos a hipótese de uma inovação no Jornalismo para além de uma questão tecnológica e são elencadas definições que aliam a lógica da inovação diante de questões econômicas e políticas em meio aos produtos que são produzidos, distribuídos e consumidos no espaço televisivo, a partir dos conceitos trabalhados por estudiosos que ampliam as discussões sobre a temática: Bolaño; Brittos (2007); Gomes (2011) e Franciscato (2003). Palavras-chave: Economia Política do Jornalismo; Tecnologia; Convergência; Inovação; Jornal Nacional.

Introdução

A

reconfiguração nos modos de produção, distribuição, e consumo de notícias do Jornal Nacional, da Rede Globo, em abril de 2015 nos coloca diante de questões que vão além da tecnologia, mas também muito ligadas a ela. A proposta do artigo é fazer uma reflexão teórica a respeito da ideia de inovação5 sugerida também a partir dos recursos tecnológicos no formato atual do programa sob o fulgor da Economia Política da Comunicação e da Economia Política do Jornalismo, levando em consideração algumas discussões traçadas nessa perspectiva teórica. Para a organização do trabalho, foi necessário traçar uma discussão sobre a perspectiva teórica da Economia Política do Jornalismo, apoiando-se em Franciscato (2003) e de questões mercadológicas no atual estágio televisivo a partir de Bolaño; Brittos (2007). Sob esse viés, são discutidas as reflexões dadas aos 1

Trabalho apresentado no GT 7: Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí. Especialista em Tendências e Perspectivas do Jornalismo e em Telejornalismo pela UFPI. Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFPI. É membro do Grupo de Pesquisas em Comunicação, Economia Política e Diversidades - COMUM/UFPI. Tem como temas de interesse o mercado de TV e a Economia Política do Jornalismo. E-mail: denisefreitass@hotmail.com 3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí – PPGCOM/UFPI. Líder do Grupo de Pesquisas em Comunicação Economia Política e Diversidades - COMUM/UFPI. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – CEPOS. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Áreas de Interesse: Cidadania. Televisão. Indústrias Culturais. Economia Política da Comunicação. Email: jacdourado@uol.com.br 4 Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (Salvador/Brasil) e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (Covilhã/Portugal), por meio do regime de co-tutela entre as duas instituições. Atualmente, é pós-doutoranda na Universidade Federal do Piauí e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Economia Política e Diversidade - COMUM. Também integra o projeto Laboratório de Jornalismo Convergente (UFBA). E-mail: teixeira.juliana.rj@gmail.com 5 Destacamos aqui a inovação no jornalismo como uma ação social que inclui qualquer novidade independentemente de quem seja seu produtor, englobando transformações nas tecnologias, linguagens, processos, equipes, dispositivos ou modelos de negócios que visem potencializar a produção e a circulação de notícias. Considera-se que, mais importante do que tecnologia no processo de produção, é apropriação social que se faz dessa, uma vez que se rejeita a ideia de jornalismo disruptivo, que muda tudo de uma vez, sendo clara a ideia de que o processo é gradual e ―apesar de todas as dificuldades encontradas e cautelas necessárias para se inovar, a solução para agregar qualidade aos conteúdos, provavelmente, continua sendo a persistência em inovar‖ (TEIXEIRA, 2015, p. 129). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 249


conceitos de convergência sob o olhar de Salaverría; Avilés e Masip (2010), Gomes (2011) e apropriação social da tecnologia de Castells (1999). Consideramos que as mudanças no telejornal mais tradicional da emissora em 27 de abril de 2015, o Jornal Nacional (JN), se configura em uma problemática de cunho mercadológico. O nosso olhar crítico é lançado sobre o panorama econômico e político, caracterizado pelo sistema capitalista e fundamentado nas transformações tecnológicas e de mercado e tem como objeto de estudo o Jornal Nacional. Definimos como corpus de análise, o momento compreendido entre 20 de abril de 2015 a 2 de maio de 2015 por se tratar do período de uma semana que antecede e uma semana seguinte às transformações estéticas e tecnológicas no programa e por se tratar de tempo decorrido, recorremos as gravações dos programas presentes em g1.com.br/jornalnacional. Situa-se, do ponto de vista teórico, algumas reflexões importantes para se entender o produto Jornal Nacional, que resulta do contexto sócio-político-econômico em que os fenômenos da comunicação se incidem. A Economia Política da Comunicação, a EPC, busca avaliar os fenômenos ditos comunicacionais, que se dão, especialmente, no domínio das relações de poder ampliadas nos processos de produção, distribuição e consumo de recursos. Ao adotar um olhar determinante para analisar empiricamente esse novo cenário que envolve mídia e sociedade, estudiosos nomeiam tal teoria de Economia Política da Comunicação, segundo a lógica de que as questões culturais e comunicacionais podem estar sujeitas às contraversões do capital. A EPJ vai dar conta do avanço de práticas mercantilistas na atividade jornalísticas também compreendidas como processos de mercantilização dos produtos jornalísticos que fizeram com que a atividade deixasse de lado seu papel primordial de auxiliar na defesa da democracia para tornar-se parte de um balcão de negócios. Por ser um produto histórico, o jornalismo, tem suas facetas afeiçoadas por processos estruturais que vão sendo configurados e reconfigurados seguindo à lógica do sistema capitalista: A adaptação do jornalismo ao modelo empresarial segundo as lógicas do capital comercial e industrial representou uma mudança estrutural na atividade jornalística, nas organizações, no seu produto e modos de mediação social com a introdução de lógicas mercantis (FRANCISCATO, 2013, p. 38).

Nessas lógicas mercantis, cabe ressaltar a inserção das tecnologias por parte da indústria da comunicação de forma que faz as empresas se reestruturarem e ainda seus modos de apropriação por parte do público. Apropriação social da tecnologia Ao longo de sua experiência, o homem desenvolveu meios tecnológicos que possibilitaram avigorar as relações sociais e trocar ideias, informações e conhecimentos. O desenvolvimento científico e tecnológico veio associado a um processo contínuo de socialização da informação. Assim, as tecnologias digitais têm sido implantadas em todas as áreas da comunicação nas últimas décadas, atingindo grande parte dos seus espaços de produção, distribuição e consumo de notícias. Apoiando-se em Franciscato (2013), a EPJ deixa evidente que a atividade jornalística nunca se dissocia de seu contexto e a apropriação da tecnologia pelo jornalismo não está apenas ligada a aspectos técnicos. É necessário pontuar que sempre que ocorre um desenvolvimento social, político, econômico ou tecnológico, o jornalismo também sofre transformações na sua linguagem, nos seus códigos, nas suas operações de produção, na forma de distribuição e nos seus valores de consumo. A introdução de qualquer nova tecnologia contribui para a transformação das práticas comunicacionais e para a criação de outras, mas sempre em conjunto com o desenvolvimento de novas habilidades pelos indivíduos e pela sociedade. Nos anos 2000, por exemplo, a adoção de computadores modernos permitiu o armazenamento de grandes quantidades de informação que passaram a ser tratadas, gerenciadas e recuperadas com facilidade e agilidade pelos profissionais. Esse período representou um marco para as transformações nas práticas de comunicação. Para Brittos e Bolaño (2007) a preocupação era que

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essas possibilidades trazidas pelo desenvolvimento tecnológico, principalmente no jornalismo digital, continuassem reproduzindo os mesmos modelos: os novos meios devem encontrar modelos que estimulem uma produção diferenciada [...] Quem sabe, uma produção terceirizada, alternativa e local que incentive a desconcentração do mercado produtor, o surgimento de novos realizadores, a diversidade cultural e o reposicionamento das identidades locais e não hegemônicas. O futuro do jornalismo digital passa pela ruptura com o passado e com a migração plena para o ciberespaço. Uma ruptura que, sem deixar de incorporar os conhecimentos acumulados, parte do pressuposto que, por mais experiente que seja, um jornalista dos meios convencionais parece um foca no mundo das redes (BRITTOS; BOLAÑO, 2007, p. 40, p. 42-43).

Devemos salientar que os impactos da tecnologia no Jornalismo não são apenas advindos de questões tecnológicas, assim, como a velocidade das transformações causadas pelas novas tecnologias de comunicação não dependem somente de avanços técnicos, mas também de todo um contexto que permite tais reconfigurações. Embora as tecnologias digitais criem novos produtos, mercados e consumidores para os meios de comunicação, elas não possuem um valor intrínseco, inseparável de um contexto. A importância da tecnologia depende de como as pessoas se apropriam dela em determinado contexto político, econômico, social e cultural. Entre sociedade e tecnologia há um dualismo a ser observado, o que quer dizer, que ao mesmo tempo em que a tecnologia é influenciada, modificada e experimentada pela sociedade em que se insere, também a influencia. Para Castells (1999) as tecnologias devem ser compreendidas em sua complexa interação com os indivíduos e com as instituições, principalmente, quanto à distribuição de informações. Agamben (2009) destaca ainda uma preocupação com uma super utilização de dispositivos tecnológicos a qual os media se debelam e também submetem ao público, mas que esses não representam um fenômeno revolucionário, nem esgota as possibilidades dos processos midiáticos. ―No lugar do anunciado fim da história, assiste-se, com efeito, ao incessante girar em vão da máquina‖ (AGAMBEN, 2009, p. 50). Deste modo, a busca por novas formas de apropriação das tecnologias digitais pelos meios de comunicação torna-se cada vez mais essencial e urgente, na medida em que é fundamental o desenvolvimento de um processo produtivo adequado às particularidades dos conteúdos produzidos. Alsina (2009, p.54) alerta que ―cada meio deve procurar sua própria identidade, particularidade e especificidade de funções‖ e que o campo da comunicação precisa enfrentar o desafio de adaptação das organizações e dos modos tradicionais de jornalismo aos formatos e ferramentas que os dispositivos tecnológicos, entre eles, a Internet, impõem. Nesse contexto, devemos salientar ainda que o telejornalismo, em acordo com Gomes (2011), não se conforma somente a partir das ofertas tecnológicas, mas na junção das possibilidades tecnológicas com o contexto de condições históricas, sociais, econômicas e culturais e ―isso de modo algum significa conceber o jornalismo como cristalização, mas, bem ao contrário, afirmar seu caráter de processo histórico e cultural‖ (GOMES, 2011, p. 19-20), o que pode ser ainda ponderado dentro do conceito de convergência, que será trabalhado a seguir. Convergência A convergência é um conceito polissêmico, ou seja, ainda não existe uma definição estável ou padronizada. A cultura da convergência é um fenômeno amplamente elucidado por Jenkins (2008), de modo que o termo pode ser empregado para definir transformações de ordens distintas, sejam elas tecnológicas, mercadológicas, culturais, políticas, profissionais ou legais e regulatórias e se constitui como um ponto chave para pensarmos os efeitos das novas tecnologias nas práticas comunicacionais atuais, em especial, no Jornalismo. Os meios convergentes deslocam as barreiras entre as mídias e complexificam os sistemas de informação, de modo que um veículo se apropria do outro, um assunto remete para outro, uma empresa se expande para a seguinte em muitas possibilidades e tipos de convergência.

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Salaverría; Avilés; Masip (2010) compreendem que a convergência se constitui enquanto um fenômeno atual, mas não recente uma vez que a literatura acadêmica sobre a convergência remonta do final dos anos 1970 e embora a convergência não seja uma consequência do surgimento da Internet, é inegável que a sua emergência potencializou e enriqueceu esse fenômeno. Buscamos aqui empregar uma definição que abrangesse seus distintos âmbitos, não restrita, portanto, ao aspecto tecnológico. Daí, a adoção da definição de convergência jornalística utilizada por pesquisadores do projeto ―convergência digital em los médios de comunicacion em España (2006-2009) como: um processo multimendimensional, que facilitado pela implantação generalizada das tecnologias digitas de telecomunicação, afeta os âmbitos tecnológicos, empresarial, profissional e editorial dos meios de comunicação, propiciando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente desagregados (Salaverría; Avilés; Masip, 2010, p. 20).

Salaverría; Avilés; Masip (2010) identificam quatro tipos de convergência: a tecnológica, que se refere à infraestrutura técnica, os computadores, servidores, câmeras, gravadores, usados para garantir a produção; a convergência empresarial, que diz respeito aos próprios grupos, sejam multinacionais, nacionais, regionais, locais, e às alianças, fusões, absorções ou novas empresas que resultam dessas composições; a convergência profissional, que ocorre quando em uma redação unificada ou em redações independentes de distintos meios trabalhando em cooperação, se elaboram conteúdos e produtos para mais de um meio, adaptados de acordo com as linguagens específicas de cada um e a convergência de conteúdos, que significa ainda explorar a hibridização de gêneros jornalísticos para a criação de trabalhos informativos. Lembramos que existem outras definições de convergência, mas adotamos a linha de Salaverría; Avilés; Masip (2010), e expressamos o interesse em observar dois tipos específicos: a convergência empresarial e a convergência tecnológica. Em relação ao primeiro tipo, empresas têm se travestido nessa lógica de convergência, mas têm investido pouco. Para Saad Corrêa (2008), as empresas informativas brasileiras pouco têm caminhado na direção da convergência empresarial, a integração de suas redações se dá comumente apenas no âmbito físico. Sobre a convergência tecnológica, Gomes (2011) identifica que, ao passo em que ela implica uma reorganização do processo de produção jornalística, as tecnologias digitais têm favorecido, a disponibilização de foto e imagens que tendem a reconfigurar a relação entre jornalistas e telespectadores, fazendo desse último também um produtor. Verificamos, por exemplo, que cada vez mais as grandes emissoras têm utilizado imagens de amadores, em particular de filmes produzidos com telefones celulares – imagens, portanto, que não seguem quaisquer dos critérios profissionais de controle e verificação da informação – como modo justamente de ampliar a autenticidade e a veracidade dos programas telejornalísticos (GOMES, 2011, p. 23).

O Jornal Nacional, preciso contexto Apresentado na Rede Globo, do Rio de Janeiro, o Jornal Nacional leva ao público fatos do dia no Brasil e no mundo. O Jornal Nacional foi o primeiro telejornal a ser transmitido em rede nacional e foi ao ar pela primeira vez no dia primeiro de setembro de 1969, e foi transmitido ao vivo, simultaneamente, para algumas capitais de estados brasileiros, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Durante muito anos, a apresentação foi feita de forma fixa em uma bancada, por dois jornalistas sentados em um cenário simples, em um estúdio fechado. No dia 26 de abril de 2000, quando a Globo comemorava 35 anos, o Jornal Nacional passou por uma reformulação, deixou o estúdio tradicional para ser apresentado dentro da redação. De acordo com Memória Globo (2004), a bancada foi transformada em área de trabalho, com um monitor e um computador. Na abertura

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do JN, uma grua16 passou a mostrar as atividades da redação, passeando, lentamente, no sentido da bancada. Nesse movimento, entram em cena sete painéis de 12 metros de largura, presos ao teto. Ao final, formam um grande mapa-múndi estilizado, com o Brasil no centro. Todas as mudanças vieram acompanhadas de inovações tecnológicas. As ilustrações, por exemplo, são projetadas por um refletor. Em vez de inseridos por chromakey27, os selos passaram a ser sobrepostos, misturando-se ao fundo real da redação. A imagem era formada à medida que o apresentador começava a falar no Em 2005, a bancada dos apresentadores foi trocada por uma um pouco mais alta. Já em agosto de 2009, o cenário do Jornal Nacional passou por mudança, para comemorar os 40 anos do telejornal. O globo terrestre, acima da redação de jornalismo, ganhou movimento. Foi instalado um telão para mostrar imagens e ilustrações complementares às reportagens do JN, e os apresentadores ganharam uma bancada maior e iluminada. Só depois de quatro décadas, os apresentadores passaram a levantar dos assentos e a circular pelo estúdio. Como parte das comemorações pelo cinquentenário da Globo, no dia 27 de abril de 2015, o Jornal Nacional ganhou novo cenário. Renata Vasconcellos e William Bonner começaram a apresentar o telejornal em uma nova bancada, mais moderna. O espaço, mais amplo, garante mobilidade e permite que os jornalistas circulem livremente pelo estúdio, transmitindo notícias na bancada e também de pé, em diversos ângulos. As conversas em tempo real com correspondentes e equipes de reportagem são feitas pelo telão. As informações meteorológicas passaram a ser transmitidas ao vivo e direto da redação de jornalismo da Globo, em São Paulo. Com uso de alta tecnologia, a redação do Jornal Nacional conta, ao fundo, com um segundo telão ainda maior, no qual são exibidas imagens em alta resolução. A reformulação nos moldes de apresentação da notícia, em 2015, no Jornal Nacional, vale-se da capacidade da televisão digital de se manifestar como uma plataforma tecnológica que, na visão de Bolaño; Brittos (2007), tem o potencial de realizar a convergência de inúmeros serviços de comunicações, podendo restringir as fronteiras entre as indústrias culturais quanto aos modelos organizacionais característicos de cada uma delas. Análises e discussão dos resultados Essa relação entre tecnologia e comunicação concorre com a ideia de tentar compreender a televisão em seus aspectos multifacetados, muitas vezes, invisíveis como expõe Bourdieu (1997): A televisão é um instrumento de comunicação muito pouco autônomo, sobre o qual pesa toda uma série de restrições que se devem entre as relações sociais entre os jornalistas, relações de concorrência encarniçada, implacável, até o absurdo, que são também relações de convivência, de cumplicidade objetiva, baseados aos interesses comuns ligados à sua posição no campo de produção simbólica e no fato de que têm em comum estruturas cognitivas, categorias de percepção e de apreciação ligadas à sua origem social à sua formação (BORDIEU, 1997, p. 50-51).

Na primeira semana de análise, de 20 de abril a 25 de abril de 2015 (antigo formato), os apresentadores William Bonner (à esquerda), e Renata Vasconcelos (à direita) sentam-se a bancada alta, na qual no fundo aparece a redação da emissora em imagens nas quais os demais profissionais mostram-se trabalhando, de certa forma, discreta, e um cenário virtual com o globo terrestre, que se movimenta e, nele, surgem cores, palavras, frases e imagens de acordo com o assunto tratado e são imagens extraídas das

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Captura de imagem estática ou dinâmica, com possibilidade de movimentação pan (horizontal) e tilt (vertical) em gama de posições superior ao Camera Man (CURI,2014, p.16). 7 O chromakey[...] consiste na identificação de partes da imagem de primeiro plano onde é encontrada uma determinada cor, chamada cor chave, que é então substituída por uma imagem de fundo. Esta técnica considerada clássica na área de manipulação de imagens (SEMENTILLE, PIROLO; SANCHES; RODELO; BREGA, 2007, p.2). Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 253


reportagens que serão chamadas. Há a predominância das cores azul e vermelho, que compõem a logomarca do telejornal, que se apresenta ao público dessa forma desde 2009. Em relação aos planos/enquadramentos8 dos apresentadores, os ângulos são basicamente os mesmos, sem muita variação com imagens abertas nos dois apresentadores frontalmente ou fechadas em um ou outro, geralmente, quando eles leem notas, notícias sem imagens. Eles se movimentam apenas com as mãos e pescoço, não se levantam da bancada em momento algum. Os movimentos são, basicamente, com os as mãos e a cabeça, enquanto falam ou escutam o outro falar e olham para o lado. Apesar de estarem sentados, os apresentadores gesticulam bastante com as mãos e com a cabeça e também é possível perceber a expressão facial, como o levantamento de sobrancelhas em temas que os assustam e os preocupam, pelo menos aparentemente. A formalidade no período citado implica ainda na maneira de vestir, priorizando a discrição e fugindo dos excessos de cores e de acessórios. Nesse contexto ―certos sociólogos tentam destacar o implícito não verbal da comunicação verbal: dizemos tanto pelos olhares, pelos silêncios, pelos gestos, pelas mímicas, pelos movimentos dos olhos, etc, quanto pela própria palavra‖ (BORDIEU, 1997, p. 44). No decorrer das análises, pudemos perceber que as notícias dispostas no site G1 não obedecem à ordem de apresentação dos assuntos veiculados na televisão, uma vez que os créditos49 de apresentação dos apresentadores ou nome dos mesmos, que marcam o início do telejornal, estão, algumas vezes, em notícias publicadas no site no decorrer da edição e não no início. Não podemos, portanto, hierarquizarmos a ordem de disposição de notícias na edição veiculada na TV, o que acontece nas duas semanas de análise. Outro importante detalhe a ser observado é que os anúncios publicitários que antecedem os vídeos publicados em G1 podem mudar de acordo com o horário de visualização do internauta. Um mesmo vídeo acessado por meio do site ora é precedido por um anúncio publicitário, ora por outra propaganda, nos levando a acreditar que esse mesmo anúncio não, necessariamente, foi o divulgado também na televisão. No formato atual percebemos a presença de enquadramentos laterais, ao invés de somente ângulos frontais, o que nos leva a perceber um movimento bem maior de câmeras no estúdio mesmo quando os apresentadores se encontram sentados. Os enquadramentos também são reinventados para acompanhar a caminhada dos apresentadores. Quase sempre que um apresentador se levanta da bancada em direção ao telão, à câmera à esquerda acompanha o apresentador ou a apresentadora, causando certa estranheza ao telespectador, acostumado, anteriormente, o enquadramento de uma câmera central. Ao conversar ao vivo com repórteres em locais muito distantes, os apresentadores dispõem de ferramentas tecnológicas que ―permitem a colagem e as interconexões de bens e espaços mundializados‖ (MORAES, 1997, p. 20), ao colocar lado a lado e em tamanho real os jornalistas que parecem estar bem próximos e não a quilômetros de distância. E, e ao longo das edições, podemos destacar os apresentadores explicando termos e questões técnicas, ao mesmo tempo em que simplificam para o telespectador a demora, por exemplo, para os repórteres que estão do outro lado do mundo ouvir e responder as perguntas, o que em TV se denomina delay510, o que titulamos de categoria proximidade com o público, na qual ―a distância entre o próximo e o distante desaparece‖ (MORAES, 1997, p. 28). Já na década de 90 do século XX, Moraes (1997) discutia o processo de transcomunicação, um fenômeno em que a comunicação apresenta um produto que pode atuar em qualquer lugar e rompe as barreiras de origem e de consumo. O produto quando é produzido, é pensado em qualquer tipo de consumidor, onde quer que ele esteja. Quando pensamos as edições do telejornal em estudo, concebemos a ideia da transcomunicação, quando se amplia as possibilidades de consumo do produto jornalístico. Com os dispositivos tecnológicos às mãos da comunicação, o telejornal trata ainda de manter um estado de poder hegemônico. 8

Planos-enquadramentos feitos pelo cinegrafista. Existem, entre outros, o plano geral (imagem aberta), médio, americano, primeiro plano (close) ou primeiríssimo plano (imagem muito fechada ou close up) (BISTANE; BACELLAR, 2006, p.136). 9 Identificação (o nome) [de apresentadores], de repórteres, entrevistados, cidades, estados ou países. É usado também para a relação de nomes dos profissionais que trabalham no telejornal. (PATERNOSTRO, 2006, 200) 10 É a falta de sincronia entre áudio e vídeo, que acontece em transmissões via satélite. A imagem chega primeiro que o som. Esse atraso decorre do tempo que o sinal leva para chegar até o satélite, que está a 36 mil km da Terra, e retornar a outro ponto de recepção (BISTANE; BACELLAR, 2006, p.136). 254 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Sobre o conteúdo, durante as duas semanas de análise, percebemos um teor diversificado, entre notícias do país e do mundo, que vão da política ao esporte diariamente. De uma maneira geral, no jornalismo contemporâneo do Jornal Nacional, a linguagem usada pelos apresentadores e repórteres é simples, mas a cautela da formalidade e a entonação do texto ao ser lido trabalha a fluidez do assunto ao ser mencionado, o que para nós, se configura em uma categoria de manutenção do discurso alinhado ao padrão Globo de qualidade, termo justificado por Bolaño (2004) como o conjunto de regras, implícitas e explícitas, que norteiam as operações da Rede Globo. O balanceamento entre assuntos mais leves, como esporte, cultura e música, e os mais pesados, política, economia e saúde, é feito de forma a prender a atenção do telespectador e, consequentemente o anunciante, necessidades-chave do mercado televisivo. Sobre essa aproximação entre os dois veículos, TV e portal G1, identificamos também a presença da convergência empresarial a fim de aproximar a empresa do público. GOMES (2012, p.53) destaca que ―esse pretendido efeito de proximidade também tem sido provocado pela inserção do espectador no lugar de fala da produção, através da inclusão de VTs cuja sugestão de pauta parte da recepção‖. Usando-se da convergência empresarial e tecnológica, o Jornal Nacional também se apropria dos recursos tecnológicos para se aproximar da audiência. Os telespectadores podem rever os conteúdos do telejornal e ainda podem enviar, pelo portal G1, sugestões de reportagens, fazer críticas ou ainda ter acesso a vídeos exclusivos. Essa estratégia e o modo como o discurso é elaborado em torno da participação do telespectador demonstram o interesse do telejornal em comunicar sua inserção em novos parâmetros possibilitados pela internet e pela chegada da televisão digital ao Brasil, muito mais do que efetivamente uma abertura para outras formas de enunciação (GOMES, 2012, p. 53-54).

E, através da convergência tecnológica, se dá também a do tipo empresarial, na qual um veículo serve de suporte para o outro. Ainda no âmbito da convergência, destacamos que, na primeira semana de análise, cinco dentre os seis dias, houve reportagens especiais dedicadas a promover a rede Globo em seu aniversário pelos 45 anos de Jornal Nacional, numa convergência que alia jornalismo e marketing em um mesmo meio. Em notícias que chegam a ocupar quase 40% do tempo total de toda a edição, o programa destaca o aniversário do Jornal Nacional, com a presença de repórteres e apresentadores que estiveram em grandes coberturas no telejornal. Nos cinco primeiros dias, William Bonner sai da bancada para conversar no estúdio do Projac, em uma mesa redonda com diversos repórteres, como Sandra Passarinho, Ernesto Paglia, Ilze Scamparine, entre outros. Considerações É míster que desenvolvamos uma visão social, cultural, política, econômica e também tecnológica sobre a teia de questões que envolve a reconfiguração dos processos de produção, distribuição e consumo das notícias. Como em qualquer desenvolvimento tecnológico, os efeitos da tecnologia, dependem das diversas formas de sua apropriação pela sociedade. Assim, rejeitamos o determinismo tecnológico baseado em facilitações falazes, de impactos particularmente tecnológicos dissociados do contexto econômico e político. Durante as análises do telejornal nessas duas semanas, identificamos sete categorias, que estão sendo desenvolvidas na pesquisa de mestrado da qual esse artigo faz parte: 1) apresentação homogênea; 2) informal também é formal; 3) proximidade com o público; 4) manutenção do discurso; 5) o ideológico na sutileza; 6) informação e entretenimento no mesmo produto e 7) mídia hegemônica, de modo que essa última representa todas às outras. Esse artigo consiste ainda em uma incursão preliminar sobre o tema que, conforme já mencionado, integra uma pesquisa mais ampla. De todo modo, já é possível observar a existência de máquinas integradoras do telejornalismo contemporâneo alicerçado pelo capitalismo, que transforma a grande mídia em um espaço central de forças visíveis e invisíveis que compõem um cenário, onde a prioridade é ocupar posição de privilégio no mercado.

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JORNALISMO

ONLINE NO INTERIOR DO

INTERATIVIDADE E MULTIMIDIALIDADE

1

PIAUÍ:

ANÁLISE DAS FERRAMENTAS DE HIPERTEXTUALIDADE,

Jucelma Sales de Brito2 Fabrícia Santos da Cruz Lima3 Karleusa da Costa Liborio4 Mayara Sousa Ferreira5 RESUMO A internet é um ambiente de comunicação, que permite aos usuários acessar conteúdo sob formatos diferenciados (vídeos, fotografias, infográficos, textos e podcasts). Diante disso, o objetivo deste trabalho é analisar as características do jornalismo online no interior do Piauí, considerando a hipertextualidade, interatividade e multimidialidade. Para tanto, levamos em consideração a proposta de Marcos Palacios (2011) quanto às ferramentas para análise de qualidade no jornalismo. O cibermeio avaliado trata-se do Folha Atual (http://folhaatual.com.br), cuja sede da redação está situada em Picos, no Piauí. A investigação desse portal foi guiada por fichas de análise, que funcionaram para verificar se o portal disponibiliza algumas ferramentas essenciais ao jornalismo online. Através desta pesquisa, notamos como as produções jornalísticas se transformaram para se adaptarem ao novo meio, que é a internet. Contudo, o objeto avaliado ainda carece de adequações ao ambiente cibernético, uma vez que os recursos de hipertextualidade, interatividade e multimidialidade são pouco explorados. Palavras-chave: hipertextualidade; interatividade; jornalismo online; multimidialidade.

Introdução

A

partir da compreensão de que jornalismo online diz respeito ao jornalismo produzido e veiculado no âmbito dos meios digitais interativos, através da Internet, acreditamos que ele é capaz de abrir novas possibilidades para a disseminação de notícias, permitindo um relacionamento mais dinâmico com o público-leitor. Isso ocorre porque o jornalismo digital tem características que proporcionam tal dinamismo, como as que Ward (2006) destaca: imediatismo, paginação múltipla, multimídia, plataformas de distribuição flexível, arquivamento, construção e consumo não-linear da informação, interatividade e lincagem. Com base nesse entendimento, o objetivo deste trabalho é analisar as características do jornalismo online no interior do Piauí, a partir das ferramentas de hipertextualidade, interatividade e multimidialidade. Para tanto, escolhemos como objeto o portal Folha Atual6 e fomos guiados por fichas de análises propostas por Marcos Palacios (2011), as quais propõem uma avaliação sobre ferramentas que são essenciais no jornalismo online. O portal Folha Atual tem sede física em Picos, no Semiárido piauiense, e está no ar no ambiente virtual desde de 12 de dezembro de 2012, congregando notícias sobre a macrorregião acerca de assuntos diversos, como política, educação, saúde, cultura, entre outros. Dispõe também de um jornal impresso homônimo, que circula quinzenalmente pelo interior do Estado. 1

Trabalho apresentado no GT Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Estudante do 6º período de Jornalismo, da Faculdade RSá. Picos-PI. E-mail: jucelma_sales@hotmail.com 3 Estudante do 6º período de Jornalismo, da Faculdade RSá. Picos-PI. E-mail: fabricia.rivas@hotmail.com 4 Estudante do 6º período de Jornalismo, da Faculdade RSá. Picos-PI. E-mail: 5 Jornalista pela Universidade Estadual do Piauí. Mestre em Comunicação, através do PPGCOM da Universidade Federal do Piauí. Atualmente, é professora do curso de Jornalismo da Faculdade RSá. Picos-PI. E-mail: ferreiramayara02@gmail.com 6 O endereço eletrônico do portal é http://folhaatual.com.br. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 257


Assim sendo, a investigação sobre o Folha Atual foi realizada seguindo os critérios de avaliação das ferramentas que seguem: ferramentas para análise de hipertextualidade em cibermeios, sobre as quais discutimos no primeiro momento, seguidas das ferramentas para análise de interatividade em cibermeios; e, por fim, apresentamos as ferramentas para análise de multimidialidade em cibermeios, de acordo com as possibilidades apresentadas por Palácios (2011). Hipertextualidade A hipertextualidade se refere aos hipertextos vinculados ao conteúdo acessado pelo leitor, permitindo que o internauta possa navegar por entre vários conteúdos através de links, tornando a leitura mais interessante, não-linear e, ao mesmo tempo, mais atrativa ao internauta, por possibilitar que ele percorra outros textos, outras páginas ou janelas, referentes ao assunto que está lendo. Para Marcos Palacios (2011), essa forma de organizar traz para os leitores facilidade de pesquisas. Esses links propõem viajar em outros mecanismos de informação sem ter que sair página alojada; possibilitam a interconexão de textos através de links, sendo capaz de trabalhar a profundidade e a contextualização de um mesmo acontecimento notiado. Quanto ao uso de hipertextos nas notícias do citado veículo de comunicação, percebemos que não há links de navegação dentro das matérias capazes de permitir que o leitor tome nota de outras notícias relacionadas ao tema. Portanto, não há interatividade entre conteúdos já noticiados. O que o portal permite, quando o faz, é apenas a navegação para álbuns de fotos do próprio veículo de comunicação analisado. Com isso, acreditamos que o portal está perdendo no aspecto de desenvolvimento e crescimento da comunicação interativa que proporcionam uma leitura complementar, sem ter que sair da página de acesso, ou seja, do cibermeio. Para Palacios (2011), a hipertextualidade traz uma visualização e organização dos textos, mantendo o leitor na própria plataforma, navegando por entre seus conteúdos por mais tempo. Os links são muito importantes para possibilitar um dinamismo na leitura prendendo a atenção do internauta. Seguindo, Palácios (2011) propõe uma divisão na avaliação da estrutura do cibermeio em quatro partes: superior, lateral esquerda, lateral direita e parte inferior. O Folha Atual exibe a parte superior simples, não existindo menu, encontramos apenas anúncios junto à logomarca do cibermeio, o que indica que o espaço é pouco aproveitado, porque poderia disponibilizar opções que sobre o portal oferece ao seu leitor. Já na lateral esquerda identificamos as editorias, que são: editorias de Política, Geral, Polícia, Entretenimento, Saúde, Concurso, Social, Municípios, Artigos, Espaço ecumênico, Esporte, Educação, Internacional, Cultural, Balada Atual, Vídeos, Álbum de fotos e o link para rádio Cultura FM. Na lateral direita existe um menu, que é classificação informação-notícia. Nessa área, encontramos as notícias da editoria denominada Municípios, que se refere a cidades da grande região de Picos; enquanto na parte inferior, notamos que não existe menu, classificando-se como informação-institucional, onde estão alojados os contatos do veículo de comunicação. Ao longo dos anos, o jornalismo online vem crescendo e se adaptando às exigências do leitor, que se tornou mais ativo, pronto para interagir, participar. Por isso mesmo, os portais vêm adotando novo método para que o texto se torne cada vez mais atrativo, fazendo com que o leitor tenha interesse na leitura ou mesmo em permanecer navegando por aquele meio. Contudo, percebemos que o portal analisado ainda perece nesse quesito, por não utilizar, nem permitir que o usuário faça uso, das ferramentas de navegabilidade, garantindo um dinamismo característico das mídias online. Tal atitude pode acarretar em consequências, como a não permanência do leitor na página do portal. Isso fica claro quando adentramos uma notícia veiculada na manchete do cibermeio para avaliar tais aspectos, no dia 7 de outubro de 2016. Sem considerar conteúdo, mas focando nas ferramentas do cibermeio, a matéria sob o título ―Assaltantes explodem carro forte em Dom Expedito Lopes‖ não contém links narrativos, não sendo explorado, portanto, o aspecto da hipertextualidade.

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Imagem 1 – Manchete não apresenta sem links de navegação

A manchete em questão não disponibiliza janelas que permitam a navegação de um texto para outro, ou mesmo da notícia para outra página relacionada ao conteúdo veiculado pelo portal. Além de não possuir links narrativos, também integra links interativos. Com isso, a comunicação nesse cibermeio pode estar comprometida, porque deixa de investir em um recurso característico do ambiente virtual, que poderia trazer retorno em números de acesso, assim como em tempo de permanência, o que poderia se transformar, consequentemente, em resposta em termos financeiros. Não há presença sequer de links que não possuam caráter jornalístico. A notícia relacionada não permite navegação para outras páginas, permitindo acessar outros textos relacionados ao tema em abordagem ou a fotografias, vídeos. Em poucos momento, notamos a presença de links que tornavam possível o acesso a mais fotos do próprio portal, em um local denominado Álbum de Fotos. Diante disso, a ausência de muitos aspectos propostos por Palacios (2011) pode ser negativa, porque a hipertextualidade é uma característica própria da internet e o jornalismo nesse ambiente precisa considerá-la, uma vez que esta é a estrutura narrativa desse ambiente e os usuários podem ir aonde quiserem, coletando informações, como em um ziguezague aleatório, percorrendo o ambiente na tela.

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Interatividade Buscamos aqui entender quais os recursos de interatividade que o site em questão explora, as maneiras que o leitor pode ter para oferecer seu retorno diante da informação repassada pelo cibermeio. Analisamos se o portal abrange aspectos de interação com o público e o público com ele, pois esta é uma das principais características do jornalismo digital. A interatividade pode acontecer de várias maneiras: enviando fotografias, vídeos, textos, comentando ou criando páginas. Segundo Palácios (2011), a tecnologia traz novos recursos que adentram o meio jornalístico como uma alternativa de serviços que podem se juntar com a informação e o leitor pode interagir, buscando e trazendo informação, podendo até mesmo recuperar dados que deseja. Essas formas de interação com o público têm merecido atenção de muitas empresas de comunicação e de pesquisas acadêmicas. São muitos os estudos sobre o tema, mas poucos apresentam procedimentos metodológicos adequados para observar a interatividade nos cibermeios, como afirma o mesmo autor. Assim, quanto à participação cidadã no cibermeio, observamos que em cada notícia do Folha Atual existe, acima da foto da matéria publicada, uma ferramenta para que público possa comentar, interagir com a notícia. Porém, quando tentamos comentar, aparece uma caixa de diálogo que o site estabelece pedindo um cadastro – nome, e-mail, senha ou registro para o leitor poder comentar. Mesmo o leitor tenha nome e e-mail registrados no site, terá seus comentários avaliados, antes de serem publicados. Os jornalistas que atuam no veículo de comunicação vão, assim, mediar a participação do público, autorizando, ou não, sua forma de participação. Dessa forma, comentários com ofensas e/ou acusações a quem quer que seja são vetados.

Imagem 2 – Caixa de diálogo para interação por meio do comentário

Por um lado, essa iniciativa propõe a segurança e o resguardo do próprio site noticioso, a partir da ideia de respeito e filtro às informações repassadas pelos leitores. Ou seja, o cibermeio em questão entende que, não só a notícia, mas a sua repercussão nos comentários dispostos no próprio site estão sob sua atenção, aceitando somente comentários construtivos, e não destrutivos. Como fica claro no texto ―o folhaatual.com.br não se responsabiliza pelos comentários aqui postados, sendo estes de inteira responsabilidade do autor, podendo assim, ao julgarmos algum comentário inadequado ou ofensivo, excluí-lo de nossa base de dados. O seu IP será gravado junto com seu comentário‖. Por outro lado, esse recurso inibe a participação das pessoas. Nas matérias, não notamos presença de comentários por parte dos usuários e julgamos que isso deve ao fato de que é necessário, primeiro,

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preencher um cadastro para, então, participar; e, segundo, pela maneira como o site se coloca, não dando ao próprio usuário a liberdade que ele encontra no ambiente virtual, como, por exemplo, nas redes sociais. Afora isso, um quesito de análise diz respeito às enquetes, que ―são utilizadas com bastante frequência no webjornalismo, sobretudo quando há um tema em que os jornalistas e os leitores querem saber a opinião do público‖ (PALACIOS, 2011, p. 55). Com base na investigação, percebemos que, em alguns momentos, o Folha Atual disponibilou esse recurso de interação na sua página. O usuário votava, e o resultado da enquete era publicado somente na versão impressa do veículo de comunicação, promovendo, assim, uma ligação entre ambos. Contudo, as enquetes não têm presença constante. De acordo com Pinho (2003, p. 145), ―o site noticioso devem explorar ao máximo o potencial interativo da web. Enquetes e fóruns de discussão são os recursos mais comuns para estimular a participação do leitor e, adicionalmente conquistar sua fidelidade‖. Portanto, é um recurso que deveria ser promovido de forma mais constante pelo cibermeio para potencializar o jornalismo feito na internet com participação das pessoas. Quanto às promoções, item avaliativo segundo a proposta de Palacios (2011), o site não disponibiliza, ele não prende a atenção do que acessa o portal com nenhum tipo de promoção, sendo que as promoções chamam a atenção de qualquer pessoa pelo fato de ter a possibilidade de ser presenteado, fazendo com que o portal interaja com o público. Da mesma forma, não há fóruns de participação no Folha Atual, ou seja, o espaço para formar comunidade sobre assuntos ou tópicos interessantes ao leitor. Sendo assim, ressaltamos a necessidade de o site buscar boas condições para despertar a participação, a curiosidade e a interação do leitor, pois, hoje, não temos consumidores de informação passivos, há possibilidade de reação, de participação e cabe ao cibermeio proporcionar esse espaço no seu próprio ambiente, já que, de uma forma ou de outra, o internauta vai participar, seja no próprio site, seja nas redes sociais pessoais. Em seguida, avaliamos também as possíveis formas de interação com a notícia publicada no cibermeio e notamos que é possível comentá-las, seguindo os passos que já apontamos anteriormente. O site não permite denunciar comentários de outro usuário, nem possibilita votação a favor ou contra o comentário de outros usuários. Antes dos seus comentários serem veiculados, é passado, primeiro, ser vistoriado pelo jornalista que trabalha. Ward (2006, p. 22) diz que ―na web existe o potencial de se atualizar notícias. Showbiz e quaisquer outras páginas, simultânea e repetinamente, minuto a minuto, para apresentar tanto as ultimas noticias como informações confidenciais sobre um pop star‖. No entanto, há limitações quanto à interatividade no jornalismo online do interior do Piauí. Da mesma maneira que não há possibilidade de votar nos comentários, não há também possibilidade de votar nas notícias. No site não existe interação, a única maneira é através das redes sociais que o site tem. Nesse caso, o usuário precisa ter uma conta também para ver e comentar, participar do que for veiculado ali, por meio de links que levem ao conteúdo noticiado no portal. Destacamos, com Ward (2006), que a interação do público com o online é muito importante diferente do impresso. ―Esse consumo controlado pelo o público é um elemento importante da interatividade. Ele permite que o consumidor interaja com o produto‖ (WARD, 2006, p. 25). Por isso, o veículo tem muito a perder, quando não considera esse aspecto e limita tal interação. Interessante nota também que o site não permite que a notícia seja corrigida. Mesmo que o leitor saiba que a notícia foi veiculada errada, ele não poderá corrigir, tem que ver o erro e não pode fazer nada para que aquela falha seja reparada, pois o site, com suas restrições, não permite. A notícia pode ser enviada através das redes sociais do site. Falando nisso, o site só está em duas mídias sociais: o Facebook e o WhatsApp. Esses são os locais onde o leitor pode se expressar, mandando sugestões de pauta, notícias, fotos e vídeos. Não existe a possibilidade de ver as estatísticas da notícia. O leitor tem que se conformar somente em ver a notícia que, aparentemente, para o site é o suficiente.

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Entre outras restrições, não possui chat, e tampouco videochat; não há blogs do site, nem de convidados, nem de público específico, e principalmente, dos jornalistas que compõem o site. No portal, inexistem consultórios. Pela análise feita, vermos que o Folha Atual precisa de muitas ferramentas para promover, de fato, a interação do site com o leitor. Segundo Palácios (2011), o chat é uma conversação online entre jornalistas convidados e o público. E os videochats são usados para uma entrevista ao vivo com um convidado ou com um jornalista. Já o blog é uma ferramenta na divulgação de conteúdos jornalistas e traz também a participação cidadã na produção de informação. E os consultórios são espaços interativos dos jornais, onde é possível consultar especialista, como médicos, advogados e psicólogos. Caso o usuário queira enviar fotografias, ele só pode fazer isso através do Facebook ou WhatsApp. Pelo próprio site não é possível, pois ele não permite que envie fotografia diretamente a ele, somente através das redes sociais do portal. Os vídeos que são exibidos são somente do próprio site, eles não usam materiais produzidos e enviados por internautas, uma vez que não há possibilidade de enviar vídeos e nem em fazer registro para poder enviar vídeos. Os vídeos que têm no site são apresentados meramente por acaso, só para ocupar um espaço específico destinado a eles. Não traz nenhuma matéria de cunha importância e não se vincula a nenhum conteúdo escrito de modo a enriquecê-lo. Entre as carências, o jornalismo no interior, com base no caso avaliado, não oferece aos usuários a possibilidade de criar comunidades com outros usuários, não estimulando a interação de leitores com outros leitores. Do mesmo modo, não divulga conta de e-mail para receber sugestões ou para ser uma maneira de participação dos leitores, nem é possível enviar mensagem para a redação do meio. O site não informa os e-mails dos jornalistas que atuam, nem tampouco é possível contatar jornalistas através do próprio sistema. Isso nos mostra que não há interesse algum em interagir e estimular a interação com o leitor, mesmo quando os recursos não são dependiosos, como disponibilizar e-mails para isso. A maneira de receber feeds é curtindo a página do Facebook, pois lá constam as notícias vinculadas ao site. Também notamos ausência da usabilidade. O cibermeio não permite que o eleitor possa acessar e modificar os recursos de visualização da página, muito menos possibilita que o leitor escolha o tamanho da letra, a tipologia, a cor, o layout e outras ferramentas da página. Através da análise, percebemos ainda a inexistência de ferramenta que possibilite a navegação para deficientes visuais Multimidialidade Multimidialidade se refere à comunicação que abriga as demais mídias e oferece aos usuários a oportunidade de ter acesso a informações em formatos de áudio, vídeo, texto, fotografia, infográfico e animações. No jornalismo, são encontrados principalmente nas notícias e nas reportagens. Para Pinho (2003), o jornalismo com novas tecnologias e multimidialidade chama mais a atenção do leitor, deixando a reportagem com mais recursos e bem mais atrativa. A multimídia no jornalismo online permite que as pessoas possam ler as informações de diferentes modos. É o caso de imagens com legendas detalhadas ou de áudios que detenham o mesmo conteúdo textual ou mesmo que acrescentem ao que é exposto na matéria escrita. A página inicial do Folha Atual conta com alguns recursos multimídia, como fotografias (individuais), fotografias (dispostas na galeria) e vídeos (individuais); não há galeria de vídeos. Consideramos neste item os elementos multimídia de caráter informativo que apareçam na página inicial do cibermeio, de acordo com Palácios (2011). Na análise de fotografias do portal Folha Atual, podemos identificar uma das ferramentas de navegação fundamentais propostas por Palácios (2011). A imagem faz parte da notícia deixando a matéria mais interessante e dinâmica. Ao se acessar a página inicial do portal, podemos observar que as fotografias são localizadas sempre na zona de notícias complementando e enriquecendo o texto, chamando a atenção do usuário. 262 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


O total de fotografias na home page é de 20: cinco nas chamadas rotativas, oito nas chamadas secundárias de menor visibilidade de cada editoria, mais três nas chamadas da lateral direita, onde está a editoria denominada Municípios, além de quatro como capas de álbuns na Galeria de Fotos. Na home aparece também a miniatura de um vídeo, no final da página. A página inicial engloba várias informações deixando muitas vezes o leitor confuso, na hora de escolher qual assunto vai ler. Além do mais, as informações se repetem. Uma mesma notícia que está no rotativo com foto aparece nas chamadas secundárias na editoria específica.

Imagem 3 – Estrutura da home page do Portal Folha Atual

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O que chama a atenção nas reportagens é o fato de o texto vir seguido de apenas uma fotografia. A imagem é considerada um elemento complementar de grande importância na reportagem, a fotografia ilustra o impacto da notícia mostrando para os leitores a forma mais expressiva e assim fazendo com que ele, muitas vezes, compreenda a proporção do acontecimento noiticiado. As fotografias em uma matéria levam mais credibilidade para o leitor. Além disso, a fotografia serve também para chamar a atenção do leitor, pois nada mais fascinante do que pegar uma matéria para ler e poder ver as imagens podendo até emocionar o leitor, pois percebemos que só o texto cansa, considerando os aspectos fisiológicos na relação do usuário com o conteúdo disposto pelo jornalismo online. As fotografias e as matérias nem sempre são do mesmo autor do texto algumas matérias são retiradas de outros veículos, com fotografias retiradas da internet, sem autoria. E a única forma do leitor, sair da página da notícia é clicando na logo marca do jornal, pois não tem a opção de voltar. Segundo Palácios (2011), a galeria de fotografias é um conjunto de imagens agrupadas. A galeria de imagens não precisa ser do mesmo tema. Disponível no portal avaliado, esse item se situa no lado esquerdo da página inicial, porém, funciona como uma espécie de coluna social, só que em fotos, mostrando pessoas fotografadas em restaurantes ou festas. Essa é a forma que muito portais encontram para que as pessoas acessem o seu site e lá procurem suas fotos, e muitas vezes o leitor acaba fazendo uma varredura nas notícias. As fotografias são de principais eventos que acontece na cidade. A Galeria de Fotografias é dividida em álbuns, cada um é composto por aproximadamente 52 fotos. Para ver as imagens da galeria, deve-se clicar sobre o álbum desejado, que aparece várias fotografias em miniatura; em seguida, clicar em uma foto para visualizá-la em tamanho maior. A partir daí, é possível passar a foto clicando na seta. Entretanto, o portal não disponibiliza legendas nas imagens. Para o leitor, é muito importante identificar o que se passa na foto, através das legendas ele entende o que está acontecendo no ambiente onde foi tirada a fotografia. Só constam pequenos textos descritivos nos álbuns. Quando uma foto vem sem legenda fica mais difícil para o leitor entender do que se trata. Não notamos galerias especificas de vídeos. O foi observado é que na página inicial do portal está disponível um vídeo apenas, mas ele não é integrado à zona de notícias, já que o vídeo não vem acompanhado com texto. Ao clicar no ícone, o portal disponibiliza outras opções. O que há de a galeria de vídeos disponíveis não são materiais produzidos por jornalistas que trabalham no cibermeio avaliado, mas são vídeos de emissoras de TV regionais, os quais são identificados com um botão de play. Reconhecemos que a utilização de vídeo tem sua importância no jornalismo online, pois a notícia se torna mais completa, a partir de possibilidade convergir as mídias impressa, de rádio e TV em um só ambiente. Se fizesse uso dessa ferramenta de multimidialidade só veria a somar para que as matérias ficassem mais atrativas e dinâmicas. O portal Folha Atual nos dias analisados não disponibilizou nenhuma reportagem que contivesse áudio ou podcast para complementar os textos. Para a pessoa que está acessando o portal, o áudio em uma matéria jornalística tem autoridade, pois os textos que são transcritos na internet, muitas vezes, são curtos, resumidos, com o áudio, o leitor tem a possibilidade de entender melhor o que foi abordado pelo jornalista. A multimídia no jornalismo online permite que as pessoas possam ouvir as informações de diferentes modos. É o caso de um áudio que detenha o mesmo conteúdo textual ou conteúdo complementar. Da mesma forma, durante a análise não encontramos recursos de infográfico. Os infográficos jornalísticos permitem que o leitor compreenda acontecimentos atuais com mais facilidade, podendo até substituir o texto, sendo capaz de apresentar informações em um pequeno espaço em uma matéria jornalística. Isso pode ser utilizado, por exemplo, em pautas que necessitem de recursos visuais para explicar melhor o posicionamento dos candidatos nas pesquisas, tornando a informação mais atrativa ou em outros assuntos. Eles são formas de representação em diagramas, mapas, tabelas e gráficos. Nesse aspecto, o portal deixou muito a desejar. 264 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Considerações finais Diante da análise realizada acerca do uso de ferramentas no jornalismo online produzido no interior do Piauí, tomando como base o caso do Folha Atual, percebemos que há uma produção diária de material noticioso, resultando em uma atualização constante de plataformas digitais, contudo, isso convive com a não utilização de recursos que poderiam tornar o jornalismo na internet mais dinâmico, como ela própria o é. Percebemos ausência de hipertexto, necessário nos portais para que haja uma interatividade do leitor com outros conteúdos. Nesse contexto, notamos uma falha no crescimento da página, não possuindo menu de navegação, sem possibilidade de pesquisa durante a leitura das notícias do portal analisado. De acordo com o estudo, vemos que o portal se limita apenas à página da própria notícia, como poucas fotos, sem integração com outros textos, podcasts ou vídeos. A hipertextualidade é uma maneira de acrescentar no conteúdo pesquisado maiores informações e ter uma ligação com outras pesquisas e outros autores. É preciso que o veículo mostre uma evolução para ter uma troca de informação e para que a leitura não se torne cansativa tornando-se interativa para expandir o conteúdo publicado, de forma que estimule a participação e interação cidadãs. Sendo assim o portal está perdendo em termos de diversificação de conteúdo. A ferramenta de interatividade também é pouco explorada. Praticamente não existe uma interação do leitor com o portal, o que se tem, na verdade, é uma condução que dificulta, sequer, a possibilidade de comentar, de participar, de reagir ao que é noticiado. No requisito multimidialidade, verificamos que não há uso da variedade de mídias no jornalismo online produzido no interior do Piauí, a partir da investigação sobre o Folha Atual. O ideal seria que as matérias reunissem elementos multimídia, ou seja, reunissem em uma única narrativa os principais elementos: texto, foto, vídeo, áudio e animação. Contudo, é possível perceber que houve uma preocupação, por parte do portal, em oferecer ao internauta os principais elementos. Os recursos multimídia auxiliam na leitura do jornalismo online. O jornalismo no interior do Piauí precisa passar a considerar as características próprias do ambiente virtual, como não-linearidade, interação, multimidialidade, estimulando a participação do usuário e sua integração na construção e veiculação noticiosa. Não basta apenas estar na internet e produzir um jornalismo que ainda carrega veementemente características de outras mídias mais tradicionais, é interessante que, realmente, se faça uso de tais ferramentas. Referências PALACIOS, M. Ferramentas para Análise de Qualidade no Ciberjornalismo. LabCom Books: 2011. PINHO, J. B. Jornalismo na Internet: Planejamento e Produção da informação on-line. São Paulo: Summus, 2003. WARD, Mike. Jornalismo online. Tradução Moisés Santos, Silvana Capel dos Santos. São Paulo: Roca, 2006.

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#INSTAFITNESS: ESTUDO DAS EXPRESSÕES DE AFETIVIDADE POR MEIO DAS INTERAÇÕES NA PLATAFORMA INSTAGRAM DO PERFIL DE GRACYANNE BARBOSA Fernanda Araújo Fortes Vilanova270 Lívia Fernanda Nery da Silva271 RESUMO Este artigo é fruto de uma pesquisa que se propõe a compreender as expressões de afetividade nas interações dos seguidores da Instafitness Gracyanne Barbosa, dentro da plataforma Instagram, provenientes da publicação mais curtida do dia dezessete de março de 2017. Esta é uma pesquisa qualitativa, que utiliza aspectos quantitativos amparados nas observações empíricas das interações dos seguidores da Instafitness. Este estudo está fundamentado na teoria da interação verbal de Bakhtin (1997, 2002, 2012), bem como no conceito de afetividade de Wallon (1979, 2007). Dentre os achados da pesquisa, percebe-se uma forte presença de emotions para expressar sentimentos de admiração, carinho e amor. Palavras-chave: Instaftiness; interação verbal; afetividade.

Introdução

O

interesse em estudar o papel das mídias na produção de sentidos dos indivíduos não é algo novo no campo da comunicação. Porém, as mudanças sociais ocorridas em decorrência dos avanços tecnológicos a partir dos anos 90, em especial o surgimento da Internet e das redes sociais (como Facebook, Twiter e Instagram, por exemplo), mudaram as formas de interações dos indivíduos com a mídia e suas relações interpessoais. Se em um passado não muito distante o espectador tinha um papel passivo em sua relação com a mídia, atualmente este se tornou consumidor, gerador e disseminador de informação, em uma experiência cotidiana e rotineira. Dessa forma, o tema aqui abordado surge da necessidade de compreender como as pessoas manifestam suas subjetividades, uma vez impactadas com mensagens de perfis de redes sociais em um cenário democrático, com livre fluxo de informação. O presente estudo é um recorte da pesquisa (em andamento) desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM), da Universidade Federal do Piauí (UFPI), intitulada ―#INSTAFITNESS: estudo das expressões de afetividade por meio das interações na plataforma Instagram de perfis fitness‖, e direciona sua atenção ao Instagram, especificamente ao perfil de Gracyanne Barbosa, denominada Instafitness272 por abordar uma temática fitness. O objetivo é de compreender as expressões de afetividade nas interações produzidas a partir das postagens desses perfis, de maneira a entender como se articulam a sociabilidade e os processos de comunicação interpessoais nesse contexto. Assim, considerando que grande parte das experiências de um indivíduo são atualmente vivenciadas em ambientes digitais, especialmente nos sociais, o problema estabelecido neste trabalho consiste no

270

Graduada em Comunicação, com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Mestranda em Comunicação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Piaui (UFPI). E-mail: fernandafortes22@hotmail.com. 271 Professora orientadora do trabalho. Doutora em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: lívia.nery@hotmail.com. 272 Para Saldanha (2014) os perfis fitness transformaram-se em verdadeiras marcas dentro da rede ao fazerem uso do seu capital social para promover informações especializadas. Como consequência, tudo aquilo que é associado a eles recebe grande repercussão e transmite a ideia de confiabilidade. 266 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


questionamento: Como a afetividade é expressa nas interações dos seguidores da Instafitness Gracyanne Barbosa? Em um primeiro momento, será realizada uma breve contextualização do objeto, do conceito de fitness, bem como do perfil selecionado e, posteriormente, a análise empírica das expressões de afetividades terão como fundamento teórico Bakhtin (1997, 2002 e 2012) e Wallon (1979, 2007). INSTAGRAM: INSTAFITNESS Estamos inseridos em uma sociedade da informação, marcada pelo dinamismo, pela fluidez dos dados e pela conectividade em rede. Segundo Dreifuss (2003, p. 118): São centenas de milhões de pessoas – uma efetiva população ‗mundial‘, internética, diferenciada em comportamento das variadas populações ‗nacionais‘, ‗regionais‘ e ‗locais‘ – que, além de viajar audiovisualmente pelos meios convencionais do século XX (rádio, televisão e cinema), passeia por outros ‗canais‘ do século XXI. São os ‗viajantes digitais‘, consumidores- geradoresdisseminadores de informação para os quais a intercomunicação através de fronteiras, multimidiáticas ou territoriais, está se tornando uma experiência possível e necessária, cotidiana e rotineira.

Corroborando com esse pensamento, a socióloga Paula Sibilia (2008) afirma que o indivíduo submerso no mundo digital, muito mais do que a mídia tradicional (televisão, jornais, revistas), transforma a sua percepção de mundo. Os leitores e espectadores passivos estão tomando as rédeas da comunicação. No centro dessa conectividade estão as chamadas redes sociais, que constituem atualmente uma importante área de interação social e de produção de sentidos. Dentro desse contexto, o aplicativo Instagram merece nosso foco de análise. Considerado um dos grandes destaques da era online, com mais de 400 milhões de usuários ativos, a sua concepção é simples: um aplicativo gratuito, disponibilizado para uso de gadgets273, com a finalidade de compartilhar imagens. Sibilia (2008) destaca a crescente necessidade de exposição da vida íntima e privada nos diversos meios de comunicação e a forte presença da imagem na relação que os indivíduos estabelecem com o mundo, com o outro e consigo, apontando para a subjetividade radicalmente próxima do olhar do outro e inserida num regime de visibilidade. Ainda segundo a autora, a presença midiática aguçou a criatividade do indivíduo. E como grande parte das fotos publicadas no Instagram são geradas a partir do cotidiano das pessoas, estas se tornam os produtores, a mídia e o dispositivo de compartilhamento de informações. Assim, no universo do aplicativo, em conformidade com a formação social tradicional, alguns desses perfis se destacam, e aqui daremos ênfase àqueles que remetem ao estilo de vida fitness, denominados Instafitness, especificamente de Gracyanne Barbosa, que migrou de mídias tradicionais para o universo do aplicativo. Fitness274, em seu sentido literal, significa adequação ou aptidão a determinado propósito. O seu conceito nasceu no final dos anos 90, quando a Body Systems 275 se inseriu no mercado brasileiro com a promessa de promover a saúde física e mental de seus alunos, provocando um impacto gigante no mercado. Para Saldanha (2014), as praxes fitness são o resultado da adoção de hábitos saudáveis, como por exemplo, os cuidados com a higiene corporal, a suspensão do uso do tabaco e a limitação de ingestão de álcool, práticas de relaxamento e meditação e execução de exercícios físicos na dosagem correta.

273

Equipamentos portáteis com funções práticas e específicas, essenciais ao cotidiano. Exemplos: telefones celulares, smartphones,

tablets, reprodutores de MP3 etc. 274

275

Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fitness. Acesso em: 05 jul. 2016. Empresa de cursos livres que atende diversas áreas como: personal training, musculação, coordenação, ginástica e outras. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 267


Esse fenômeno não se limita apenas a profissionais de saúde, segundo o site G1276, ocorre, principalmente, entre pessoas sem conhecimento técnico específico, mas que querem compartilhar suas experiências, muitas vezes envolvendo histórias de superação e transformação estético-corporal. Ênfase no desempenho de Gracyanne Barbosa (@graoficial), que com 4,8 milhões de seguidores e mais de 11 mil publicações, não se autoidentifica como um perfil fitness, mas em suas postagens é possível observar uma forte rotina de exercícios físicos, com o uso de hashtags277 como #bumbumnanuca, #treinoanimal #treinodraga, #femalefitness e #teamgracyanne. Figura 01 – Perfil Gracyanne Barbosa no Instagram

Fonte: https://www.instagram.com/graoficial/

De acordo com reportagem do jornal eletrônico R7, que cita a Instafitness como ―musa fitness‖, em cada cinco postagens de Gracyanne, uma é patrocinada e possui mais de vinte contratos fixos até 2020. A afetividade O termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações intrínsecas como extrínsecas. Podemos defini-lo como um domínio funcional e apresenta diferentes amostras que se tornam mais complexas ao longo do desenvolvimento e surgem de uma base eminentemente orgânica até alcançarem relações dinâmicas. Segundo Wallon (2007), a afetividade é expressa por meio da emoção, do sentimento e da paixão. Enquanto as primitivas manifestações afetivas são reações generalizadas, mal diferenciadas, as emoções, por sua vez, constituem-se em reações instantâneas e efêmeras que se diferenciam em alegria, tristeza, cólera e medo. Já o sentimento e a paixão são manifestações em que a representação torna-se reguladora ou estimuladora da atividade psíquica. Ambos são estados subjetivos mais duradouros e têm sua origem nas relações com o outro, mas ambos não se confundem entre si. Em outras palavras, a emoção é de ativação orgânica, ou seja, não é controlada pela razão. O sentimento e a paixão, por sua vez, já tem um caráter mais cognitivo. 276

Disponível em: http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2013/06/dicas-de-alimentacao-saudavel-e-bem-estar-viram-febre- nasredes-sociais.html. Acesso em: 05 jul. 2016. 277 Termos associados a uma informação, tópico ou discussão que se deseja indexar de forma explícita no Instagram. 268 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Ao apontar a base orgânica da afetividade, a teoria walloniana resgata o orgânico na formação da pessoa, ao mesmo tempo em que indica que o meio social vai gradativamente transformando a afetividade, moldando-a e tornando suas manifestações cada vez mais sociais. Wallon (2007) ainda destaca a conexão indissolúvel entre o desenvolvimento psíquico e o desenvolvimento biológico do indivíduo, afirmando que é inexistente a preponderância do desenvolvimento psíquico sobre o desenvolvimento biológico, mas ação recíproca. Para Freud (apud ALMEIDA278, 1993) a afetividade está diretamente relacionado ao sentido de pulsão, que por sua vez, é entendida como "situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo" (FREUD, apud ALMEIDA, 1993). Dessa forma, a afetividade é percebida como sendo a tradução subjetiva da quantidade de energia pulsional. Wallon (2007) concorda com a teoria freudiana de que o recém-nascido, por exemplo, expressava a afetividade de forma sincrética a partir das experiências de bem-estar ou mal-estar propiciadas pelas relações do organismo com o meio interno e externo. O seio materno representa este momento no qual o saciar da fome mescla-se com o surgimento das primeiras experiências amorosas. E, ao longo do desenvolvimento, a afetividade vai alternando com o conjunto funcional cognitivo em um movimento dialético ora centrípeto ora centrífugo, e que inclui ainda o conjunto motor, como base de sustentação e expressão. A consciência não é a célula individual que deve abrir-se um dia sobre o corpo social, é o resultado da pressão exercida pelas exigências da vida em sociedade sobre as pulsões de um instinto ilimitado que é exatamente o do indivíduo representante e joguete da espécie. Este eu não é pois uma entidade primeira, é a individualização progressiva de um libido ao princípio anônimo ao qual as circunstâncias e o curso da vida impõem que se especifique e que entre nos âmbitos de uma existência e de uma consciência pessoais (WALLON, 1979, p.150).

Por outro lado, Wallon (apud ALMEIDA, 1993) não reduz a vida afetiva a uma pura energética que as atividades sensório-motoras e intelectuais estruturam à medida de seu aparecimento. A representação, a partir da imitação e do simulacro, se destaca na afetividade de onde emerge para se elevar em direção aos signos cada vez mais abstratos, passando pelo símbolo, esta sorte de linguagem ‗imaginada‘ (de imagens), ainda impregnada de afetividade e para qual regressa o pensamento nos estados de relaxamento, de sonho ou de devaneios. Assim, neste estudo adotaremos a teoria walloniana e a afetividade como um conjunto funcional que emerge do orgânico e adquire um status social na relação com o outro e que é uma dimensão fundamental na formação da pessoa completa, sendo indispensável e indissociável das diferentes tarefas e atividades desenvolvidas pelo ser humano, como por exemplo a interação, a ser discutida no próximo tópico. A interação verbal de bakhtin O interesse sobre interação não apenas como objeto de reflexão filosófica, mas de estudo científico relacionada à função constitutiva da linguagem, realiza-se em Bakhtin (2002) a partir das situações enunciativas constituídas por dois ou mais indivíduos socialmente organizados. Esta dimensão social está presente em todas as esferas e manifestações da atividade humana em relação ao outro, comportando o uso da língua e das relações dialógicas, que abrangem uma língua concreta, fundamentada no conceito de enunciação.

278

Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-89X1993000100006. Acesso em: 05 jul. 2016. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 269


Para algumas teorias, a enunciação é o ato de colocar em prática um sistema de língua (um processo) e o enunciado é o resultado desse ato (um produto). Isto é, o enunciado é o produto de um processo, que é enunciação. Já para Bakhtin (2002), essa distinção não é posta, pois um dos fundamentos centrais de sua teoria é o de enunciado concreto, que é um todo formado pela parte material (verbal e não verbal) e pelos contextos de produção, circulação e recepção. Isso quer dizer que o processo e o produto da enunciação são constitutivos do enunciado. Dessa forma: A enunciação enquanto tal é um produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições da vida de uma determinada comunidade linguística (BAKHTIN, 2012, p. 121).

Em uma análise bakhtiniana das expressões de manifestações dos seguidores dos Instafitness, deve-se questionar alguns elementos externos importantes para se entender um enunciado, como por exemplo, o que eles sabem sobre o assunto e em que realidade socioeconômica se deu tal manifestação. Assim, o sentido, nessa teoria, desdobra-se em tema e significação. O significado do emotion da Figura 2 é o de duas mãos espalmadas batendo uma na outra, e esse conceito é relativamente constante. O tema, por outro lado, é único e não se repete, porque se refere ao todo do enunciado concreto, levando uma pessoa religiosa a interpretar como um sinal de oração. Figura 02 – exemplo de emotion

Fonte: https://br.pinterest.com/ppppsora/pin/ É possível observar que a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação isolada, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada por meio da enunciação ou das enunciações. A interação verbal baseia a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 2002, p. 123)

Dessa forma, a palavra muda, uma vez que, ao refletir as condições do meio social, registra as transformações da estrutura social. Disso resulta que todo enunciado pode tornar-se outro, deslocar-se de seu sentido e derivar para um outro (BAKHTIN, 1997). Por muito tempo, como herança do pensamento positivista, prevaleceu a ideia associacionista (na Linguística, Saussure, 2000)279 de identificar o conceito com o significado, sem levar em consideração o desenvolvimento e a transformações dos conceitos. Para Saussure (2000), o tempo e a tradição são os principais responsáveis pela imutabilidade da palavra. Uma vez formado, o significado está determinado para sempre. Para as teorias ligadas a essa corrente, palavra e significado são estanques, não há desenvolvimento do significado. Ao postular essa teoria, Bakhtin (1997) atribui à palavra uma eterna possibilidade de vir a ser, em oposição à tendência de estabilização semântica que ocorre por essa ficção de imaginar a palavra como um decalque da realidade. 279

Para Saussure (2000), a constituição do signo linguístico como a associação indissolúvel de um significante e um significado, se dá por meio de uma formação feita em uma massa amorfa fônica/gestual, e em uma massa amorfa do pensamento. 270 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Corroborando com esse pensamento, Vygotsky (1989) argumenta a favor da dinamicidade do significado: ―a descoberta de que o significado das palavras evolui tira o estudo do pensamento e da fala de um beco sem saída. Os significados das palavras são formações dinâmicas, e não estáticas‖ (p. 107). Por exemplo, a capacidade da criança de, por meio da linguagem, se comunicar, está relacionada, para Vygotsky, diretamente com a diferenciação dos significados das palavras na sua fala e consciência. A interação, entretanto, deve ser esclarecida porque, quando falamos, nos dirigimos a outro, ainda que não saibamos quem esse outro é, ao mesmo tempo, sempre estamos retomando o que os outros já disseram. E esse é o princípio do dialogismo, apresentado a seguir. Dialogismo O termo dialogismo remete a diálogo, evidentemente. Mas isso não significa que apenas o diálogo face a face seja dialógico. Na teoria de Bakhtin (1997), a ideia de dialogismo está ligada à própria concepção de língua enquanto interação verbal. Afinal, não existe enunciado concreto sem interlocutores. O próprio fato de um autor levar em consideração seu interlocutor direto ou indireto quando produz um enunciado já confere à língua esse caráter dialógico. Vale salientar que esse conceito não se confunde com o Curso de Linguística Geral proposto por Saussure (2000), no qual entende que o tema da palavra é dado em cada interação específica. Em outras palavras, tanto quem enuncia como seu interlocutor são ―donos‖ temporários do enunciado. Para Bakhtin (1997), essa é apenas uma faceta do dialogismo. Se toda palavra se dirige a alguém e tem seu tema construído na interação, temos sempre o mínimo de dois interlocutores. Porém, devemos também considerar que todos os enunciados de que participamos vêm de outros enunciados e provocam respostas. Assim, é possível afirmar que um enunciado estabelece relações dialógicas com tantos outros. Muitas vezes, quem estabelece essas relações é um interlocutor que põe em diálogo dois enunciados que, em sua origem, não conversavam. Por exemplo, se um usuário do Instagram segue o perfil de Gabriela Pugliesi e de Gracyanne Barbosa na plataforma, pode começar a perceber uma possibilidade de articulação entre as postagens dos dois perfis, uma vez que ambos tratam do estilo de vida fitness. Esse seguidor pode estabelecer relações dialógicas entre esses perfis, enquanto interlocutor desses dois enunciados. Além dos perfis e do interlocutor presumido, há também outras vozes num enunciado. Essas vozes podem aparecer de maneira evidente, marcadas linguisticamente pelo recurso do uso do discurso relatado, seja direto, indireto ou indireto livre. O dialogismo, então, se dá pela interação entre interlocutores diretos e pela relação entre vozes presentes, de forma explícita ou não, nos enunciados. Análise A postagem selecionada do perfil de Gracyanne Barbosa no Instagram para análise foi a foto mais curtida do dia 17 de março de 2017 (Figura 3).

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Figura 3 – foto analisada

Fonte: https://www.instagram.com/graoficial/

A foto recebeu 41.706 curtidas e 371 mensagens que, aqui nesse trabalho, são consideradas expressões de afetividade por parte de seus seguidores. É possível notar que o post é patrocinado por uma marca de calçados, da qual Gracyanne usa um tênis. As mensagens foram quantitativamente agrupadas em categorias com conteúdo similares, como mostra a tabela a seguir: CATEGORIA

QUANTIDADE DE COMENTÁRIOS

Mensagem só contendo emojis

31

Mensagem com emojis e texto

103

Amor

17

Linda

193

Cachorro

21

Ambos

29

Roupa

18

Tênis

12

Resposta de Gracyanne

9

Corpo

3

272 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Negativo

2

Outros

69

Quase a metade dos comentários das fotos são expressos por meio de emojis (134), o que está em conformidade com a pesquisa desenvolvida por Thomas Dimson280, engenheiro do aplicativo Hyperlapse281, no qual afirma que metade dos comentários, legendas e hashtags postados no Instagram se utilizam de tais desenhos. No caso específico do post aqui analisado, é possível notar que todos os emojis expressam sentimentos positivos, muitas vezes por meio de corações. E, neste trabalho, os desenhos de corações tem a significação de amor e carinho. Figura 4: exemplos de emotions

Fonte: https://br.pinterest.com/ppppsora/pin/

Em contrapartida, sentimentos como cobiça e raiva foram pouco identificados. Mesmo o comentário utilizando a palavra ―inveja‖, nesse estudo foi interpretado como admiração (Figura 4). É possível explicar esse fato a partir da teoria de Wallon (2007), onde o meio social molda as expressões de afetividade do indivíduo. E, em um contexto no qual grande parte das pessoas admira a Instafitness, expressões negativas são contidas. Os dois comentários aqui interpretados como negativos, como por exemplo: ―Vc vestida não acredito‖ (Figura 4), não se utilizam de emotions e não provocam manifestações de outros seguidores.

280

Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/curiosidade/80234-infografico-mostra-emoticons-mensageirosredes- sociais.htm. Acesso em: 28 mar. 2017. 281 Hyperlapse é o aplicativo oficial do Instagram que cria vídeos do tipo time-lapse em apenas poucos segundos. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 273


Figura 05 – comentários da foto analisada

Fonte: https://www.instagram.com/graoficial/

Apesar de ser um post patrocinado, as mensagens com ênfase no tênis não chegam a 5% dos comentários. Isso nos dá a entender que, apesar da Instafitness pautar tal assunto por meio da legenda da foto, as manifestações de afetividade se dão por estímulos relacionados, na maior parte dos casos, a seus atributos físicos (Figura 5). A utilização de expressões como ―linda‖, ―gata‖ e ―diva‖ são bastante recorrentes. Além disso, manifestações acerca dos cachorros aparecem como a segunda mais citada, seguida pela roupa da Instafitness. Isso pode ser explicado por que o Instagram tem na imagem um apelo maior do que na legenda, provocando mais comentários dos seguidores. Outro ponto interessante de análise é que a imagem postada não remete diretamente ao estilo de vida fitness, já que não mostra atividade física ou alimentação saudável, bastante presente em outras postagens do perfil. Em decorrência disso, apenas três comentários se referem diretamente ao seu corpo por meio de elogio, dois comentários pedem dicas de beleza e dois comentários falam a respeito de suas atividades físicas.

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Figura 6 – comentários da foto analisada

Fonte: https://www.instagram.com/graoficial/

Interações diretas entre Gracyanne e seus seguidores foram identificados nove vezes, enquanto apenas uma manifestação de interação direta entre outros usuários da plataforma foi identificada nos comentários, em que não é possível afirmar que se são seguidores do perfil. Considerações finais Antes de mais nada, é importante evidenciar como a plataforma Instagram tem um apelo muito maior na imagem publicada (pelo menos quando se diz respeito à fotografia e não a vídeo) do que na legenda. Nenhum dos comentários aqui analisados responde a legenda. Isto se justifica talvez pelo fato de que apesar de ter sofrido modificações, tal ferramenta surgiu com o objetivo de compartilhamento de fotos. Os emojis são associados a sentimentos positivos. Tanto que na análise, 100% de seu emprego foi para expressar sentimentos como amor, carinho e admiração. Por outro lado, as pessoas não abrem mão da escrita, utilizando os desenhos como uma espécie de complemento do que desejam expressar. De acordo com a análise aqui realizada, ainda é possível assegurar que a temática fitness influencia a subjetividade de seguidores da Instafitness. Em outras palavras, as manifestações de afetividade, nesse contexto, se dão fundamentalmente pelos significados que a expressão ― fitness‖ tem para cada seguidor. A postagem analisada, mesmo não abordando diretamente o tema, despertou expressões de afetividade relacionadas a atributos físicos de Gracyanne. Por exemplo, no caso do comentário negativo já citado, o seguidor ironizou o fato de Gracyanne está vestida, ou seja, coberta na foto. E no caso da grande maioria dos comentários, os elogios surgiram a partir de admirações relacionadas ao físico da Instafitness. Contudo, as conclusões expostas aqui não são definitivas, visto que elas se fundamentam na análise de uma única postagem da Instafitness.

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Bibliografia ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de. O lugar da afetividade e do desejo na relação ensinar-aprender. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141389X1993000100006. Acesso em: 05 jul. 2016. BAKHTIN, M./ V.N.VOLOCHÍNOV. Marxismo e filosofia da linguagem. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1986. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BAKHTIN, M./V.N.Voloshinov. A interação verbal: marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Veira. 10. ed. São Paulo, Hucitec, 2002. DREIFUSS, René Armand. Tecnobergs globais, mundialização e planetarização. In: Denis de Moraes (Org). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. PIRES, Vera Lúcia. A interação pela linguagem: prática social mediadora das relações socioculturais. Nonada Letras em Revista. Porto Alegre, ano 14, n. 17, p. 87-100, 2011. SIBÍLIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. WALLON, H. O papel do outro na consciência do eu. Em: Psicologia e educação da criança. Lisboa: Editorial Vega, 147-159, 1979. WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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“NINGUÉM SEGURA O GORDINHO”: GUIGUIBASHOW NA INTERNET 1 Marta Maria Azevedo Queiroz2 Flalrreta Alves dos Santos Moura Fé3 RESUMO O presente trabalho desenvolve uma reflexão sobre mídia e criança a partir da análise do perfil público na internet de ―Guiguibashow‖, uma criança de sete anos de idade que faz imitações de um conhecido cantor de forró (Wesley Safadão), e compartilha sua vida pessoal e profissional por meio de um perfil na rede social Instagram. A produção dos dados da pesquisa ocorreu no mês dezembro de 2016, e estão fundamentadas nas perspectivas teóricas de Ariès (2011), Buckingham (2007), Giddens (2002), Moraes (2016). Sabemos que no cenário contemporâneo, marcado pela era digital, a internet torna-se uma poderosa ferramenta de inserção do público infantil, que cada vez mais cedo participa do universo adulto. Nessa perspectiva, percebemos que ―Guiguibashow‖, um produto midiático, se apresenta como um ―adulto em miniatura‖, reproduzindo o estilo de vida do famoso cantor sertanejo. Palavras-chave: Cultura Digital; Criança; Instagram.

Introdução ―[...] é difícil ignorar a importância cada vez maior das mídias eletrônicas [...] – as crianças de hoje passam mais tempo em companhia dos meios de comunicação do que com seus familiares, professores e amigos‖ (BUCKINGHAM, 2007, p.7)

O

presente trabalho desenvolve uma reflexão sobre mídia e criança a partir da análise do perfil público na internet de ―Guiguibashow‖, uma criança de sete anos de idade que faz imitações de um conhecido cantor de forró (Wesley Safadão), e compartilha sua vida pessoal e profissional por meio de um perfil na rede social Instagram4. E não há como ignorar a presença das mídias eletrônicas que se torna cada vez mais forte na vida das crianças e a internet torna-se uma poderosa ferramenta de inserção do público infantil, que cada vez mais cedo participa do universo adulto. No Brasil, uma pesquisa divulgada pelo IBOPE (2016), informa que crianças entre oito e doze anos de idade dedicam mais tempo com entretenimento eletrônico e digital do que com a escola e seus familiares, tornando-se marcante nas vidas das crianças. Ao tempo em que ―Eles ditam opiniões, instituem costumes, ofertam modelos de pessoas, criam estilos de vida, colocam necessidades de consumo e modelos de felicidades‖ (QUEIROZ, 2013, p.57). 1

Trabalho apresentado no GT 07 - Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí. E-mail:

profa.marta@hotmail.com 3

Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Comunicação pela Universidade Federal do Piauí, bolsista da CAPES/FAPEPI. E-mail:

flalrreta.alves@gmail.com 4

O Instagram é um aplicativo para celular que surgiu no ano de 2010, utilizada em sua maioria para autopromoção de imagem pessoal, profissional e publicitários. De acordo com o portal TecMundo (2016), até junho de 2015 o aplicativo possuía mais de 300 milhões de usuários ativos. Nele, a publicação é feita com fotos e vídeos em sintonia com o compartilhamento de imagens. Para obter o aplicativo é necessário fazer download e realizar um cadastro, fornecendo dados pessoais como: nome completo, e-mail e uma senha de acesso à conta criada. O nome criado no aplicativo é único dentro da comunidade virtual, e esse perfil permite que sejam postadas imagens, legendas textuais, curtidas, comentários e acesso a perfil de outros usuários, possibilitando a interatividade naquela comunidade virtual. Atualmente o Instagram também pode ser acessado pelo computador, porém, sem a opção de publicação de imagens, apenas visualizações, curtidas e comentários.

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É importante ressaltar que a participação da criança no cenário midiático não é nova. O que mudou foram as maneiras como as crianças se relacionam com as mídias. Da posição meramente de telespectadora a criança assume um protagonismo nesse novo cenário, atuando também na produção de conteúdos e disseminando-os por meio das mídias eletrônicas e digitais, a exemplo de youtube, blogs, instagram, facebook, twitter, etc. Nesse sentido, questionamos: como Guiguiba, uma criança de sete anos de idade, aparece no Instagram? Pois afirma Buckingham (2007) que as crianças hoje, em todas as sociedades, estão vivendo cada vez mais ‗infâncias midiáticas‘ e suas experiências cotidianas são marcadas pelos produtos e conteúdos midiáticos das grandes corporações globalizadas de mídia. É, nessa perspectiva, que faremos a discussão deste trabalho. Guiguibashow: a criança encena! A tecnologia deu ao indivíduo um palco onde ele pode apresentar e/ou representar sua performance virtual no mundo digital. Enquanto a aparência passa a fazer parte da gramática fundamental de reconhecimento na medida em que nos tornamos perfeitamente estéticos, numa vida sem conflitos interno e sem grande intimidade, a produtividade torna-se cada vez mais ligada ao produto em si. Influenciado pelo modo de operação do sistema capitalista, descobriu-se que a imagem é um produto e, por esse produto, deve existir promessas que podem ser fetichizadas e metabolizadas, numa proposta de imagem colocada à venda conforme seus objetivos de investimento. Esse ―produto‖ deve ocupar os espaços e circuitos disponíveis induzindo o consumo, o que Moraes (2016) chama de ―lógica da coisificação‖, uma lógica que transforma objetos e pessoas em itens vendáveis e negociáveis. Acoplada à recusa a reconhecer qualquer valor que não seja o da comercialização. A natureza intrínseca do produto, que define seus usos, funções e sentidos, perde significância; agora é um simples pretexto de marketing, vale dizer, apropriada pelos cálculos de rentabilidade e metas de produtividade (IDEM, p.176).

Essa coisificação e ―produtização‖ do indivíduo encontra um amplo espaço a ser explorado na internet, onde a cultura das mídias naquele espaço combina os dispositivos tecnológicos de informação e comunicação com o capital financeiro, de forma que a internet torna-se o alvo mais cobiçado pelas corporações para ampliar suas fronteiras de expansão. De acordo com Moraes (2016), essas fronteiras se alargam através da publicidade, comércio eletrônico, exposição de marcas, audiovisual, patrocínio e monitoramento das redes sociais. As redes sociais estão na constate busca por engajamento, onde as práticas culturais atendem uma necessidade de interação por parte dos indivíduos que lá estão. No Instagram (observável da pesquisa) essas práticas são executadas através de imagens editadas, legendas com linguagem clara e acessível, embora a maioria das vezes utilize-se gírias, interação com outros perfis e, principalmente, o uso de hashtags, palavras usadas para indexar conteúdos na mídia virtual (no caso, Instagram). Ao ser colocada como legenda, acompanhada do sinal cerquilha (#), a hashtag vira um tipo de hiperlink dentro da rede, indexados mecanismos de buscas por assuntos aleatórios, onde, interessados por um assunto específico, podem encontrar várias postagens referentes aquele assunto na mídias social em questão. Dentro dessa perspectiva de capitalização da imagem e cultura das mídias digitais, em especial o Instagram, temos ―Guiguibashow‖, um perfil na rede social Instagram que até dezembro de 2016, contava com mais 400 mil seguidores. O perfil é formado por imagens de um menino de sete anos de idade em performance que se imbricam a criança (Guiguiba) e o adulto (identificação de Guguiba com o cantor Wesley Safadão).

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Imagem 1: "Guiguiba" com o cantor Wesley Safadão

Fonte: Print executado no dia 06.12.16, às 15h, no Instagram do ―Guiguibashow‖.

Imagem 2: Imagens de “Guiguiba” representando o cantor “Wesley Safadão”

Fonte: Print executado no dia 06.12.16, às 15h, no Instagram do ―Guiguibashow‖.

O investimento na imagem e no estilo de vida representa uma carreira dominada pelo valor de imagem e sua referencia material, no caso, a do cantor ―Wesley Safadão‖, uma marca já consolidada no mercado de Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 279


produção e consumo, e que fora capitalizada por Guilherme ao assumir-se como ―Guguiba‖ para fins profissionais e comerciais no perfil ―Guiguibashow‖. Nessa situação, temos a marca como uma força ―padrão‖ a ser seguida. A marca ―Wesley Safadão‖ foi reconfigurada por Guilherme (ou alguma grupo de comunicação responsável por administrar o perfil). O fato é que, ao criar a marca ―Guiguibashow‖, houve a sedimentação do mercado já existente que permitisse a fusão, disseminação e consumo do produto oferecido. Por isso, a atenção recebida por parte de um público que já existia e fora conquistado devido a forte exposição da marca junto a esse público. Ainda que a exposição fosse de uma criança que cantar músicas não infantis. É nessa conjuntura que, atualmente, uma das maiores preocupações em relação à criança e à vida infantil diz respeito à influência que as crianças sofrem dos meios de comunicação e das tecnologias. Para Buckingham (2007), a interação das crianças com as mídias eletrônicas é irreversível, e suas experiências com essas mídias são repletas de narrativas influenciadas por discursos de grandes corporações. Nesse sentido, o debate deixaria de ser a utilização das mídias digitais pelas crianças, e passaria a ser o conteúdo que essas crianças estão produzindo através da interação com as novas mídias. Por um lado, acredita-se na morte da infância (POSTMAN, 2011). Por outro, numa nova reconfiguração da infância por meio das mídias eletrônicas (BUKINGHAM, 2007). Na última perspectiva, as mídias digitais são vistas como possibilidades de crianças e adolescentes ocuparem um lugar de fala através das redes sociais disponíveis por meio da internet, a exemplo dos aplicativos como Facebook, Instagram e Youtube. Mas até que ponto as crianças são atuantes ou ―iscas‖ de uma sociedade do consumo que tenta homogeneizá-las? No perfil ―Guiguibashow‖, temos a exposição de itens também fora do eixo geracional da infância e que são apresentados pela/para crianças como sendo possíveis de consumo. Embora o produto – um carro, por exemplo – não seja um produto produzido para crianças, Guiguiba estimula o consumo desse produto, a exemplo da imagem a seguir: Imagem 3: “Guiguiba” na publicidade de carros.

Fonte: Print executado no dia 06.12.2016, às 15h, no Instagram do ―Guiguibashow‖.

Na imagem, ao lado da criança e do veículo está uma mulher não identificada, mas que remete a um estilo de vida bom vivant e galanteador. A legenda da fotografia postada não identifica as características da imagem, pelo contrário, passa a informação narcisista de autoelogio como #mamãepassouaçúcaremmim, #fériasdoguiguiba, #Guiguibachegou, #podevir2017, #ninguémseguraogordinho. Pela simples análise de uma 280 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


mídia social não seria possível descrever, mas é consenso que carro e uma mulher não estão entre as diretrizes aceitas normalmente e moralmente pela atual sociedade para uma criança consumir, além de reproduzir modelos hegemônicos, machista e elitista. Hegemônicos porque coadunam com a proposta de incentivar o consumo como uma forma de relacionamento e interações, machista por induzir que um homem (mesmo criança) pode ter uma mulher bonita e bem produzida para ostentar ao lado do carro, objetificando também a mulher, e elitista por exibir um modele que considerado no mercado como luxuoso, conforme podemos perceber pela imagem, o símbolo da marca Mercedes Ben, considerada de alto padrão pelos consumidores de veículos. De acordo com Elaine Carozzi (apud Moraes, 2016), as marcas consideradas de luxo e exibidas a exaustão, constituem um ativo de empresas que miram consumidores que privilegiam a sofisticação, modelos exclusivos e a ostentação como provas de êxito. ―Criar uma identidade de marca a ponto de transformá-la em luxo exige uma forte diferenciação construída por anos e anos de ações assertivas e consistentes, que busquem uma imagem maculada e ligada a valores como conquista, distinção social e poder‖ (Carozzi apud Moraes 2016, p.182). Acredita-se com isso que é possível estabelecer com os consumidores uma relação com marca mais humana do que uma entidade impessoal aberta. Ou seja, ―Guiguiba‖ seria a ―isca‖ para atingir identificação do público com a marca do carro, e não somente um canal para divulgação do veículo em si, a estratégia em utilizar ―Guiguiba‖ para publicidade do veículo, ainda que não seja ―moralmente aceito‖ consiste numa estratégia de mercado, onde quando mais conseguirem atrair consumidores para seu leque de mercadoria e consumo (ainda que simbólico), maior será o valor de credibilidade agregado pelos fabricantes. Ou seja, a evolução tecnológica e apropriação dessa tecnologia pelo publico infantil, ao invés de ampliar o conhecimento da sociedade e suas especificidades, está provocando segregação e formação de nichos. Inclusive (ou principalmente?) por parte da criança. Através do perfil ―Guiguibashow‖ percebemos também a utilização de hashtags e gírias, linguagem comum da rede digital, que não apontam especificidade infantil, proteção à infância, ou caráter educativo. ―Tem vida mais barata, mas não presta‖ passou a ser um dos lemas de ―Guiguibashow‖, sendo recebida e reproduzida por sua audiência no Instagram. Se num dado momento ―Guiguiba‖ posta foto em um carro importado acompanhado de uma mulher, o valor agregado a imagem atribui um estilo de vida que ―presta‖ ou ―digna‖ aos moldes da hegemonia capitalista. Tal comportamento poderia ser interpretado como negação da infância, uma vez que criança não ―pode‖ possuir carro nem mulher. No entanto, se formos pelos termos de legalidade, o fato de possuir participação nas mídias digitais já apresentam essa negação, uma vez que, de acordo com os termos de uso desses aplicativos, a idade mínima para utilização é de trezes anos de idade. Nesse caso, a condição necessária para criança participar da rede é assumida e tolerada publicamente, por todos que participam do processo de interação via Instagram. É válido ressaltar que a simples pratica de criar um perfil e postar fotos, possui diferentes consoantes, capacidades e vontades de quem faz, de quem está na rede e de quem consome. Essas consoantes diferem de acordo com temáticas e finalidade do blog. ―Guiguibashow‖ tem quase meio milhão de seguidores, e um perfil público na rede social Instagram. É possível que a maioria dos seguidores coadunem com o eu narcísico da criança-adulto show, no entanto, deve-se considerar que há espaço para a critica e recepção negativa de conteúdo. Vejamos pela imagem, alguns comentários recebidos na fotografia com o veículo e a mulher:

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Imagem 4: “Guiguiba” na publicidade de carros.

Fonte: Print executado no dia 06.12.2016 às 15h30, no Instagram do ―Guiguibashow‖.

Através de alguns comentários da postagem acima: ― Esse fdp é mt otário se for falar com ele, o cara

se acha o fodão‖, ―Ele é uma criança gente...Passada quem é essa mulher???‖ ―Ele é a desumildade em pessoa, qnd a pessoa vai falar ele, ele manda se foder‖, ―Não consigo entender como que essa criança faz sucesso ‖, podemos perceber que a vida de ―Guiguiba‖ colocada enquanto show/espetáculo causou questionamentos sobre a sua posição fora da mídia, enquanto criança – Guilherme – e enquanto ―Guiguiba‖. O fato de ser criança e assumir-se como um adulto em miniatura é um dos elementos de crítica. Observa-se também o tipo de linguagem utilizada na mídia digital Instagram, como ―fdp, ―mt‖, ―qnd‖ (que significa ―muito‖ e ―quando‖ na linguagem culta), e a marcação de nomes de outros usuários, perceptíveis através do sinal de arroba (@) seguido do nome identificado no perfil a ser citado. Esse tipo de comentário direcionados a uma criança não condiz com o indicativo de proteção e preservação da infância, apontando que a relação da criança com a mídia se caracteriza sob formas de sentimentalismos, onde ora a criança é vulnerável e precisa de proteção e supervisão de um adulto (sentimentalismo romântico sobre infância), e ora é ativa conhecedora da mídia (sentimentalismo contemporâneo sobre infância). Pela convenção da ONU, as crianças também têm direito à liberdade de expressão, lazer e participação na vida cultural. Uma vez que a vida cultural está atravessada pela atuação das mídias (sociedade em midiatização) a criança pode fazer uso do seu direito de participação. E o que seria esse direito? BUKINGHAM (2007) coloca que esses direitos chama chamados ―três pês de direitos da criança‖: provisão, proteção e participação, onde provisão e proteção são direitos passivos, que devem ser assegurados por agentes externos e a participação um direito ativo. No direito de participação ativo, a criança também participa dos critérios de escolhas do que é oferecido para elas, ou seja, podem até escolher o conteúdo pelo qual ela foi protegida, sugerindo que as crianças têm direito de serem tratadas como competentes e para isso precisam ter a chance de se envolver diretamente no processo. Nesse direito de participação, cria-se a expectativa da criança ouvir, e expressar a si mesma, sua cultura e sua linguagem e experiência de vida. Dessa forma, tanto o direito de participação quanto o direito à liberdade de expressão deve ser desenvolvido a partir das habilidades de educação que deve buscar

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ampliar a participação ativa e informada das crianças na cultura da mídia. Porém, dentro desse contexto, quem vai se apropriar da discursão é a indústria, que produz seu conteúdo para ser consumido Tal apropriação da indústria fazendo uso do uso direito de participação da criança é perceptível a partir da observação do perfil ―Guiguibashow‖. Percebe-se que é por meio de tal perfil no Instagram que ―Guiguiba‖ divulga imagens de sua vida profissional ao apresentar-se como adulto, realizando atividades, a exemplo do carro na oficina mecânica, compras no supermercado e no programa de televisão representando o conhecido cantor (Wesley Safadão); e sua vida pessoal, quando se apresenta como criança em cenas lúdicas, a exemplo do jogo de bola e do banho no rio: Imagem 5: Imagens do cotidiano do “Guiguiba”

Fonte: Print executado em 06.12.16, às 18h, no Instagram do ―guiguibashow‖

No seu perfil na rede social Instagram, Guiguiba expões as viagens, passeios, participações em programas de televisão e produtos que representam seu consumo. A escolha da palavra representação se deve pela consideração que a impressão que o outro tem de você vale mais que propriamente sua referência material (Giddens, 2002). Em nosso exemplo, temos uma criança que, via rede social, expõe um comportamento ostensivo e de consumo em especial da vida adulta. Dessa forma temos duas conexões: valor vinculado a capacidade de produção e transformação do objeto quanto ao valor agregado da imagem e o capitalismo imaterial. A interação via perfil na rede social se dá a partir da concepção de que aquele indivíduo o representa, ou seja, ele é compatível com o juízo narcísico, a identificação do outro. O investimento na imagem e no estilo de vida representa uma carreira dominada pelo valor de imagem e sua referência material, no caso, uma profissão. ―Guguibashow‖ pode ser um personagem profissional de Guilherme? Sim. Mas pelos comentários nas postagens, percebemos que fora do Instagram, Guiguiba continua a existir dentro da cultura urbana e capitalista, que permite capitalizar uma imagem ou uma representação para fins comerciais. Considerações Esse tipo de exposição considerada espetáculo serve para apresentar o estilo de vida dos indivíduos e trazer um comportamento hipnótico tal como havia apresentado Debord através da sociedade do espetáculo (1967), considerando, no entanto, que conceito de espetáculo proposto por Debord (1967) estava ligado ao Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 283


conceito de alienação e passividade, e hoje temos uma distinção entre passividade e atividade, consumo e produção, onde a atividade consiste em também produzir a mensagem, que na maioria das vezes é consumida conforme subjetivada de cada esfera envolvida, reforçando laço de identificação no individuo, que nesse contexto também inclui as crianças. No campo da sociologia e pedagogia, há um corrente que aponta a tecnologia como potencializadora do local de fala da criança. Para além de vítimas passivas, as crianças passam a ser vistas como figura poderosa de individuo inserido dentro da mídia e passam a ser também produtoras de conteúdo, pois as novas tecnologias são consideras capaz de oferecer novas oportunidades para criatividade e auto realização. Se é verdade que alguns manifestam preocupação quanto ao crescente abismo entre gerações no uso das mídias, outros têm celebrado as novas mídias como meios de atribuição de poder e mesmo de ―libertação‖ das crianças. Os defensores dessa visão, longe de conclamar os adultos a reafirmarem sua autoridade sobre os jovens, tipicamente sugerem que os adultos os ―escutem‖ e tentem ―alcançar o nível deles (Buckingham, 2007, p.66)

Por esse trabalho, observamos o conteúdo de uma das crianças inseridas no contexto da cultura digital, tendo como observável o perfil ―Guiguibashow‖. A partir dessa observação percebemos que é um conteúdo narcisista de estímulo ao consumo mais adulto que infantil. Ao analisarmos a questão da interatividade (via comentários numa imagem postada), reconhecemos que os ciclos e convívios de Guiguiba estão heterogêneos, em sua maioria, adultos que participam dessa interação. A reconfiguração consiste em validar seu modo de vida a partir de uma reconfiguração do seu ídolo (Wesley Safadão), fazendo disso uma marca vinculada ao universo do consumo, existente dentro de uma lógica comercial que projeta Guilherme a condição de ―celebridade‖, celebrando também dinheiro e fama. Aplicativos como o Instagram constituem um espaço para exposição da vida privada, em situações em que a imagem associa-se a marcas, interpeladas por discursos mercadológicos que tendem a conduzir o universo infantil ao mundo dos objetos, marcas e suas relações simbólicas. Se é o contexto social que define o comportamento infantil e os modos como eles são apresentados, o contexto midiático em que elas estão inseridas é caracterizado por uma cultura que reduz as subjetividades de suas vivências ao universo do consumo, onde o brincar e o se comportar infantil incorpora tais referências. Nessa perspectiva, a reflexão deve desenvolver-se também para a interação social familiar e os limites e consequências da exposição midiática, onde a reconfiguração dos espaços, fronteiras e limites de acessos e exposição a essas mídias deve ser debatida e analisada do ponto de vista social. Referências ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Paris: Editions du Seuil, 1875. Primeira edição brasileira: 1978. BUCKINGHAM, David. Crescer na era das mídias eletrônicas. São Paulo: Loyola, 2007. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DORNELLES, Leni Vieira. Infância que nos escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002 LASCH, Christopher. A cultura do Narcisismo: a vida americanada numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983 LAVELLE, Louis. O erro de narciso. São Paulo: É Realizações, 2012. MORAES, Dênis de. Crítica da mídia & hegemonia cultural. Rio de Janeiro: Mauad x Faperj, 2016. _____. Critica da mídia & hegemonia cultural. Rio de Janeiro, 2016.

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QUEIROZ, Marta Maria Azevedo. Eu não quero ser a mulher saliente! Eu prefiro ser a Isabella Swan! Apropriações das identidades femininas por crianças na recepção midiática. 2013. 213f. Tese (Doutorado em Comunicação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, 2013. QUINET, Antonio. Um olhar a mais. Ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2002 SAID, Gustavo. (organizador). Tecnologias midiáticas e subjetividades. Teresina: Edufpi, 2016. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002. Portal tecmundo (www.tecmundo.com.br) Acessado em 06/12/2016 às 17 horas. Instagram. Disponível em www.instagram.com

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DECODIFICANDO 1

O DIGITAL: A RELEITURA DE

GAMES

POR SEUS JOGADORES COMO PROPOSTA DE AÇÃO

PEDAGÓGICA

Antonio Áthyllas Lopes de Oliveira ² Gustavo Fortes Said ³ RESUMO O presente artigo trata dos jogos digitais comerciais de grande sucesso entre crianças e adolescentes como objeto de análise para um melhor entendimento acerca dessa nova realidade de que fazemos parte, a cultura digital, e seu aproveitamento na prática pedagógica. Parte do entendimento de que os jogos digitais hoje têm um papel de enorme presença na vida do público infanto - juvenil, são produtos de diferentes dimensões, e são uma das principais formas pelas quais se manifesta a cultura de massas, ao passo que são um desafio para a escola, que muitas vezes tem neles um meio de desinteresse e baixo rendimento acadêmico pelos alunos. Conclui que é inegável o impacto na vivência dos sentidos pelo Homem com a era digital, e que se faz necessário um entendimento mais claro acerca de sua natureza e estruturação, que seja capaz de contribuir com a qualidade de vida, seja no lazer, seja na criticidade, sendo possível também fazer dessa nova forma de comunicação não apenas ―expressão‖, mas também uma forma de aprendizado, propondo, para tanto, uma abordagem pedagógica que conduza à criticidade e sirva como ponto de partida para diferentes saberes, enciclopédicos e formativos (competências e habilidades). Palavras-chave: Cultura digital; Games; Escola; Aprendizado.

Introdução

A

escola ganhou, ao longo dos tempos, o papel institucional de formar os indivíduos, resultado de uma sociedade que evoluíra. Saiu-se do ensinamento predominantemente comunitário para uma instituição com procedimentos formais, com um conjunto de saberes definidos e uma periodização na abordagem de conteúdos, de maneira ascendente. A instituição escolar deveria formar o homem para a sociedade, e portanto, para os valores da mesma. À medida, porém, que a cultura e a sociedade foram se tornando complexas, apareceu a necessidade de realizar a educação também em órgãos especiais. Além do acúmulo cultural, outro fator importante contribuiu para o aparecimento da escola: a especialização constante e crescente originada pela divisão do trabalho. As instituições educacionais surgiram a partir do momento em que as famílias não conseguiram transmitir ensinamentos de forma a integrar a pessoa à sociedade. (TEIXEIRA, 2001, p. 22)

O mesmo fator desenvolvimento de saberes que catalisou o nascimento da escola trouxe, nele imbuída, a tecnologia, cujos avanços contínuos e até mesmo extraordinários, nos permitiram chegar a era digital. Os conteúdos circulam o mundo inteiro e maximizam nossa sinestesia de maneira dinâmica (grandes quantidades compactas, atrativas em cor, por unir imagem e som...). De repente, uma biblioteca se abre na palma da mão com um celular conectado à internet, conversamos com um amigo do exterior instantaneamente, 1

Trabalho apresentado no GT 07 (Discurso e Cultura Digital) do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. ² Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI), Venda Nova do Imigrante - ES. Email: athyllas.lopes@hotmail.com ³ Doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Professor titular do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí, Teresina – PI. Email: gsaid@uol.com.br 286 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


vemos vídeos e memes engraçados, e recebemos notícias em tempo real do que acontece no mundo, nos planos do entretenimento, da política, da cultura. O desenvolvimento comercial disponibilizou o instrumental de acesso, e, portanto, um mercado em massa. De fato, eis uma nova era, que nos reconfigura enquanto indivíduos e seres políticos. Na modernidade (a partir do séc. XVI), devido a fatores históricos, sociais, culturais, econômicos, políticos, a tecnologia sofre e propicia transformações profundas. E muito além de alterar padrões de comportamento, a tecnologia, a partir da modernidade, contribui para alterar a relação do ser humano com o mundo que o cerca, implicando no estabelecimento de uma outra cosmovisão, diferentemente daquela dos gregos ou dos medievais. (MIRANDA, 2002, p. 11)

É um novo lidar nosso com as primeiras ―raízes‖ identitárias. [...] Na verdade, podemos encontrar lado a lado a globalização econômica estimulada por redes tecnológicas cada vez mais sofisticadas, movimentos neoterritorialistas de (re)enraizamento, que muitas vezes promovem a (re)construção de identidades tradicionais [...] (HAESBAERT apud CASTRO; GOMES; CORRÊA, 2000, p.167)

Somos, a um só tempo, brasileiros e parisienses; olhamos para nossas eleições municipais enquanto acompanhamos as eleições americanas. Essa interatividade nos leva a refletir qual sua relação com a escola. Que espaço tem o ―digital‖ no papel adquirido pela escola, que espaço ocupa no processo de aprendizagem? Pode a escola, associada à formação dos indivíduos, ficar indiferente, separando o estudo ―sério‖, a via cognitiva de uma formação mais abrangente, e por que não dizer, mais desafiadora? Visando a contribuir com a discussão em torno dessas questões, o presente trabalho parte do uso de jogos digitais de grande sucesso comercial entre crianças e adolescentes, sua significação nessa nova conjuntura na qual (re) definimos o que somos, como se constitui e para onde caminha o mundo em que vivemos e do qual somos protagonistas, e sua utilização como via de aprendizado cognitivo e formativo. Fundamenta – se na pesquisa bibliográfica e numa proposta de ação com parceria institucional para contribuir com o processo de aprendizagem (e a própria gestão educacional) numa perspectiva mais ampla em instituições escolares dos Ensinos Fundamental e Médio. Para tanto, a abordagem organiza – se em três eixos principais: a primeira parte, ―Escola e games: um contato offline?‖, propõe que se vislumbre não uma barreira, mas um ponto comum, no caso, a origem e evolução de ambos como produto do desenvolvimento social e tecnológico da humanidade. A segunda parte, ―Nos games vemos a cultura digital e suas dimensões‖, convida ao (re) conhecimento dos games como produto de diferentes dimensões que estabelecem relações entre si: tecnologia, comércio, subjetividade (sinestesia, sociabilidade), aprendizado, bem como o caráter comercial como seu meio de veiculação e catalisação. Na última parte, ―Decodificando o digital: a releitura de games por seus jogadores como proposta de ação pedagógica‖, faz – se uma proposta de utilização pedagógica dos jogos digitais comerciais. Trazer à baila os diferentes pontos implicados na relação aparentemente conflituosa da escola com as novas mídias digitais só nos permitirá uma maior e melhor consciência acerca da nossa própria formação: esta vem ao centro da discussão. Partimos, então, do ―local‖ em que se forma para a finalidade da formação: para que a escola, e qual o papel dos games nesse processo? Integrando esses eixos de abordagem, teremos um instrumental melhor definido para nos posicionar como protagonistas na vida, melhor dizendo, teremos uma escola melhor, mais completa em sua finalidade para pessoas com uma necessidade de interação tecnológica – informacional também maior.

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Escola e games: um contato off-line? É fato: muitas escolas apontam como um dos principais responsáveis pelo fracasso escolar de seus alunos o uso intenso uso de novas mídias digitais, como celulares, videogames. Se por um lado isso é uma realidade no sentido de que pode de fato acontecer, tanto que começam a surgir clínicas para dependência de tecnologia digital, por outro tem – se aí revelada a incapacidade da escola de acompanhar, no mesmo ritmo, essa nova realidade que permeia a sociedade contemporânea. Como resultado, temos a abertura de um fosso: de um lado, a frivolidade, capitaneada pelas mídias digitais; de outro, o estudo ―sério e importante‖ dos conteúdos abordados em sala de aula presencial pelo professor e livros didáticos. Acredita-se que um dos principais motivos deste distanciamento é a falta de espaços comunicativos na escola, que certamente permitiriam uma maior participação dos discentes. Por isso, diante da complexidade da cultura juvenil, é necessário aos ambientes educacionais instaurar espaços de negociação entre educadores e educandos, possibilitando uma troca de posições e visões de mundo que permitam uma aproximação entre estas duas culturas num mundo de aprendizagem e cultura digital. (SERAFIM; SOUSA, 2011, pp.25 – 26)

O distanciamento chega a tal nível que já vigoram leis, em algumas cidades e até estados do Brasil proibindo o uso de celulares em sala de aula, por exemplo. Nos tempos de uma sociedade conectada em tempo real, com a internet como uma biblioteca de dimensões planetárias por sua carga conteudística, onde as posições conversam e se (re) constroem, não parece ser a melhor opção isolar – se. É preciso haver a análise da escola e dos games em sua natureza, funcionalidade e se aventar a possibilidade de sua conversação, na perspectiva de que fala Tori (2010, p. 185), quando defende que o professor precisa ―[...] compreender a língua e a cultura da geração gamer e se comunicar nela, tornando as aulas mais divertidas, interativas e desafiadoras‖.

Se nos permitirmos sair de posições não esclarecidas e fixas para uma conversação que se dê com a análise de diferentes constituintes, teremos sim essa possibilidade. A escola e a tecnologia são, a priori, produtos do desenvolvimento humano. Este, por sua vez, sempre provoca um reordenamento do ambiente. O aumento populacional e o desenvolvimento de saberes (conceituais e tecnológicos) trouxe maior complexidade. A divisão de tarefas e a necessidade de sobrevivência e desenvolvimento fez haver a especialização de saberes: é necessário produzir mais e melhor com menos tempo e recursos. Não mais a comunidade é o bastante para ensinar o indivíduo. A escola nasce daí. A construção do mundo pelo homem, porém, não se faz somente com ideias, planejamentos. E é aí que surge a tecnologia: a resposta às necessidades de efetivação dos projetos humanos no mundo material dando – lhe o instrumental de ação. Partindo da gênese, passemos a evolução de ambos. A escola assumiu diferentes configurações em sua constituição ao longo da História, consoante o momento histórico que se vivenciava, ora refletindo a sociedade, ora atuando por transformá – la. Os games, um tipo de mídia digital, por sua vez, são produto de uma nova forma de lidar com o real e nossas sensações a partir da tecnologia. A mídia passou por significativos processos de transformação e acelerou os avanços tecnológicos que envolviam os aparatos comunicacionais. Nesses processos, alterou, inclusive, a natureza da comunicação massiva. O ponto chave dessa alteração é a revolução digital: a digitalização reduziu os textos, as imagens e os sons a bits, dando origem à técnica da convergência midiática, modos de codificação, de possibilidade de empacotar, em um único formato ou suporte, elementos que, originalmente, pertencem a categorias semióticas distintas. (FRAGOSO, 2005 apud SILVA, COUTO, 2008, p. 10)

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Os jogos digitais, no design e interatividade que os marcam, num claro direcionamento a mais fiel possível representação da realidade, conduzem - nos a sensação de poder: os personagens fazem o que queremos, ambientes são feitos conforme nossos desejos criativos, a vivência do jogo se dá por nossas regras. O jogo não é um universo a parte, um mundo próprio: é uma recriação do real, onde podemos muito, onde deixamos de ser comuns para exercer um papel de importância central. A escola e os games são representações da sociedade em seus contextos e avanços, provas vivas da existência humana como perspicaz, ativa. O cotidiano do homem em sua sensações, necessidades e intervenção, nas suas diferentes dimensões constituintes (sentimental, política, criativa, tecnológica...), e esse próprio cotidiano como parte de uma compreensão maior, cósmica, chegando a ser a História Humana são a essência desses dois objetos de análise. Nos games vemos a cultura digital e suas dimensões Os games são um produto da tecnologia, do comércio lucrativo que se vale da industrialização das sensações humanas de forma dinâmica, combinando e recombinando formas de expressão, na temática nos meios de expressão, da criatividade. Considerarmos seus aspectos constituintes permitirá que não fujamos do debate. É preciso considerar que os mesmos fazem parte de um contexto de significação maior que tem servido de base a nossa constituição pessoal e social no mundo contemporâneo. Esses aspectos mostram que os games servem à compreensão de como a mídia tem se feito e tem nos feito. Esse novo contexto é marcado pela busca do lucro financeiro, a defesa dos direitos individuais, aumento do conhecimento e defesa da interdisciplinaridade entre diferentes áreas. Emerge daí uma nova escola, onde a figura do professor como ―dono do Saber‖, o aluno como mero receptáculo, uma compreensão por demais limitada em conteúdo e circunscrita quanto ao campo em que poderia se estender cedem espaço a compreensão de professor e aluno como sujeitos históricos, sociais, culturais, fazedores do conhecimento, permeados por Saberes de diferentes áreas e tipos, que se conectam para a explicação dos fatos do mundo, da vida. Não é mais tempo de se trabalhar somente os conteúdos enciclopédicos. Visa – se a competências e habilidades num mundo de várias demandas e rápidas transformações, onde tem maior estabilidade para projetos sólidos quem nele tem rápida capacidade de respostas significativas e adaptação. O papel do digital, e dos games, em particular, ganha muita importância aí, à medida que estes carregam em sua natureza a condição de veiculadores de sentidos com tecnologia visando ao lucro financeiro. Permitem, pois, a abordagem reflexiva quanto a forma com que lidamos com os sentidos e suas mídias veiculadoras na grande rede comercial de que todos fazemos parte na contemporaneidade: como os recebemos, tratamos, quais os usos práticos que lhe damos em nossas vidas – nos planos individual e social. Essa reflexão só será possível se considerarmos as dimensões subjetividade, capacidade criativa, tecnologia, comércio, homem – indivíduo, homem – social. Assim, os jogos servem como um meio pelo qual se pode melhor conhecer nossas ações, desejos, a nós mesmos, e por essa condição, são campo para a reflexão crítica de nossas vidas e catalisadores desta. São, portanto, não fins em si mesmos, mas verdadeiros pontos de partida muito valiosos para um rico aprendizado, composto de diferentes saberes. Decodificando o digital: a releitura de games por seus jogadores como proposta de ação pedagógica Se tal é a confluência entre escola e games, cabe propor uma relação ativa e significativa entre as mesmas. Cabe ressaltar que se a escola considerar os games, que fazem parte do cotidiano das crianças e adolescentes brasileiros de maneira muito marcante, estará aí ampliando em muito sua capacidade de comunicação com seus alunos, favorecendo a relação aluno – escola.

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Entretanto, não basta à escola permitir o uso da tecnologia como medida de se manter no presente. É preciso utilizar a tecnologia como forma de maximizar o potencial de viver o presente com vistas a construir o futuro. Não adianta haver computadores ou tablets na escola se eles se tornam apenas extensão do uso doméstico para o lazer. A escola é espaço privilegiado para a análise, a reflexão, o planejamento que visa a ação construtiva de quem quer protagonizar no mundo. Também é preciso alertar que não se deve transformar toda a ludicidade ofertada pelo digital em ―jogos educacionais‖: faz parte do homem também o nonsense, o lazer descompromissado, a distensão natural, não direcionada. Tal é a dimensão de importância que se vai cada vez mais tomando acerca das mídias na educação, que cresce a modalidade Ead – Ensino à Distância – no país, laboratórios de informática em equipamentos públicos, como bibliotecas, para acesso por parte da população, centros de referência na oferta e desenvolvimento de produtos e serviços educacionais no âmbito tecnológico – digital, como os núcleos de educação à distância de diversas instituições de ensino superior no Brasil. Frente à realidade digital e tendo em vista as positivas oportunidades de sua vivência, aliando um ensino significativo, não distante das preferências individuais, respeitando – se o bom senso, é claro, propõe – se como atividade interdisciplinar no âmbito extracurricular em escola da Educação Básica, sob responsabilidade da Coordenação Pedagógica desta, a análise e aprofundamento pelos alunos dos games que jogam. Estarão aí envolvidas seleção de informações, análise, compreensão, reescrita e produção de conhecimento, exposição de ideia (s), organização, clareza, responsabilidade, interdisciplinaridade e criticidade, na perspectiva de um ensino rico e dinâmico. Inicialmente, os alunos participantes têm um momento de apresentação da proposta: descrição/percurso, objetivos. Visando a fortalecer esse momento introdutório, os discentes devem participar de um encontro com um (a) psicólogo (a), que explanará sobre os games a partir da relação destes com o comportamento humano: o que revelam, em que implicam, benefícios e malefícios, possibilidades e limites de seu uso em nossas vidas. Depois, cada aluno escolhe o jogo de sua preferência e faz sua descrição escrita (narrativa, discurso, layout, design). Serão aí trabalhadas construção textual com seleção de conteúdo pertinente, com concisão, organização, clareza, adequação de linguagem com vistas ao público – alvo. Tem – se aí trabalhada a disciplina de Língua Portuguesa, podendo, posteriormente, envolver disciplina de Língua Estrangeira, por meio da tradução do que fora produzido. Eis, portanto, construção semântica e estudo da relação língua verbal – situação contextual. No terceiro momento, parte – se para o estudo da temática, a luz dos seus principais elementos constituintes. Se for um jogo que se contextualiza com fatos e personagens históricos, levar o aluno a fazer uma abordagem de aprofundamento desses elementos, permitindo não só um aprofundamento como um aprendizado ampliado, em conexão com conteúdos abordados nos livros didáticos de História. Nessa etapa, os professores relacionados aos elementos da temática auxiliarão o aluno na definição do percurso de abordagem: quais os pontos de análise, fontes de pesquisa, seleção de informações, produção própria do que se aprendeu, situando as informações colhidas no universo temático maior, contribuindo para o aluno ter um aprendizado não estratificado, mas o quanto mais global (e qualitativo) possível. As disciplinas a serem trabalhadas serão definidas conforme a temática do jogo (História, Ciências...). Ressalte – se o papel da Coordenação Pedagógica enquanto responsável pela condução do trabalho visando a coesão. O que se intenciona é que diferentes olhares e saberes se articulem numa produção qualitativa, e não um amontoado de informações, a esmo, sem significância. Sequenciando o percurso, propõe – se o estudo do layout e design do jogo. Aqui, novamente será feita a descrição de como se dá o layout e o design do jogo, mas com o aluno devendo trazer a arte e a tecnologia como fontes explicadoras para tal formatação (a relação layout, design – discurso do jogo, permeado pela arte, pela tecnologia). 290 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Também se visa aqui a maior contextualização visando a um aprendizado mais rico e significativo. Por isso, deverão constar perguntas como ―quais as principais características do layout do jogo?‖, ―quais seus principais elementos constituintes (não no âmbito tecnológico)?‖. A partir do que se observar aqui, fazer o aprofundamento do conhecimento em conceitos e formas: tipos, qual sua relação com a intenção, a mensagem pretendida. Assim sendo, pertinente colocar na abordagem: ―quais as principais características do design do jogo?‖, ―quais seus principais elementos constituintes (no âmbito da arte)?‖. A partir do que se observar aqui, fazer o aprofundamento do conhecimento em Artes. Tais conteúdos servirão à abordagem das disciplinas de Arte, Filosofia, Língua Portuguesa. A quinta etapa é o estudo do aspecto tecnológico. Descrever – se- á, analisando e comentando, a tecnologia empregada na construção do jogo. Trazer elementos constituintes dessa tecnologia e falar sobre os mesmos, de forma a aprofundar o aprendizado enciclopédico e até mesmo filosófico. Perguntar aqui quais os recursos tecnológicos empregados, qual o papel destes na construção do discurso do jogo, e o que eles revelam da capacidade humana de criação e de sentir o mundo. Valorizar – se – á a reflexão do jogo a partir das experiências proporcionadas. Para tanto, levantar questões como ―o que sinto com esse jogo?‖, ―ele repassa uma mensagem positiva?‖, ―esse jogo é individual ou pode se dar de forma colaboracionista?‖, ―quais os pontos positivos e negativos que posso elencar para cada uma dessas modalidades de jogo?‖. As disciplinas de Língua Portuguesa, Informática e Filosofia serão aí trabalhadas. A próxima fase da proposta acontece com o registro da vivência do projeto pelo aluno, na forma de um portfólio. Com esse registro histórico, onde há como componente fundamental a organização, propicia – se a valorização e a avaliação de seu percurso, nos âmbitos pessoal, social e acadêmico. Depois, num ato de reconstrução ativa, com enfoque na tecnologia, os alunos devem participar de um minicurso/uma oficina em Game design para jogos digitais, oferecido (a) por parceria com instituição devidamente habilitada para tal. Após a participação, deverá ser apresentado pelo aluno um projeto básico com narrativa e projeto de layout, design digital, e as justificativas, à luz das diferentes dimensões que permeiam os jogos digitais, para tais propostas. O projeto básico será construído pelo aluno e a equipe escolar (Coordenação mais Professor/Professores). Como oitava etapa, o aluno deve fazer uma apresentação de seu aprendizado com a atividade, o que valoriza o conhecimento enciclopédico, desenvolve a expressividade e socializa o conhecimento. Tal apresentação pode ser escrita e/ou oral. Por fim, realiza – se um encontro para avaliação, com os alunos participantes, professores envolvidos e interessados. A defesa pela forma de aplicação da atividade no âmbito extracurricular visa a maximização da mesma, nos dois seguintes pontos: primeiro, por seu caráter temporal dinâmico (realização no contra – turno ou em tempo que não o da abordagem formal das disciplinas escolares), não se retira o tempo regular das disciplinas (conteúdos e atividades), que obedecem a um cronograma na relação conteúdo – tempo que, por sua vez, garante um trabalho organizado pela escola; em segundo, o caráter da extensão como ambiente que estende, enriquece, amplia o conhecimento, os saberes, valendo – se da abertura que lhe é intrínseca para ―ouvir‖ o outro em suas vivências, experiências, preferências, dando a elas um espaço muito mais aberto e valorativo que no cotidiano do trabalho escolar. A valorização da experiência extra-escolar é uma das desafiadoras questões do ensino brasileiro. A nossa tradição escolar, radicalmente formal e formalizante, tem impedido o desenvolvimento de uma cultura pedagógica que valorize o patrimônio de conhecimentos que o aluno construiu e constrói fora do espaço da sala de aula. No fundo, esta dificuldade traduz a relevância absoluta que se dá à qualidade formal do conhecimento. O saber sistematizado encorpa um tipo de hegemonia que beneficia estratos restritos da sociedade, em detrimento da coletividade ampla. Os próprios professores recebem uma formação que lhes dificulta o desenvolvimento de capacidade para construir interseções de saberes no bojo das disciplinas

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que ministram. O extra-escolar representa um canal importante para abrir espaços de articulação escola/comunidade, pela possibilidade de construir um conteúdo de ensino capaz de ‗satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem‘. (CARNEIRO, 1998, p. 37)

Nessas condições, a atividade proposta é um importante suporte ao processo de aprendizagem e não só este em si, contribuindo também para o próprio aprimoramento do trabalho da escola numa perspectiva mais ampla, a gestão educacional pensada de maneira a maximizar qualitativamente o potencial dos recursos tecnológicos, com o fim maior de valorizar os recursos humanos. Considerações finais Os games são um dos campos mais vívidos e valiosos para a compreensão do homem que busca lazer, protagonização e que se comunica. Sua constituição digital, fruto da tecnologia, e sua veiculação comercial, no contexto do capitalismo global que assume a forma da globalização, trazem mais que ativos e ricos conectividade, controle e ação: trazem a necessidade de uma apurada e constante reflexão sobre como lidamos com essa nova realidade: como recebemos, internalizamos os sentidos veiculados, não esquecendo serem os jogos produtos também de valores e interesses, quais as implicações em nossas vidas. Aí temos a pertinência de sua consideração. Considerando a escola espaço vital para a tomada de consciência, sistematização, análise e construção de saberes, e o papel da mesma escola como parte integrante da realidade de que falamos, é preciso que a mesma tome por um uso mais ativo e de forma contributiva em seu processo de aprendizagem os games em sua importância, como meio de se aproximar dos alunos, respeitando suas preferências, aptidões, e também como pontos de partida para o conhecimento enciclopédico e formativo em geral, o que se vê na questão das competências e habilidades num mundo (e para um mundo) em constante mudança. Precisamos aprender cada vez mais, mas sem esquecer a criticidade enquanto meio que nos torna partícipes ativos da existência. Ganham, assim, o processo de aprendizagem e a instituição escolar em seu processo de gestão. Referências CARNEIRO, Moacir Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. São Paulo: Vozes, 1998. CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ELIAS , Herlander. Néon Digital: um discurso sobre os ciberespaços. Universidade da Beira Interior: LabCom, 2008. Disponível em <http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110824-elias_herlander_neon_digital.pdf.> Acesso em: 05/set/2012. MIRANDA, A. L. Da natureza da tecnologia: uma análise filosófica sobre as dimensões ontológica, epistemológica e axiológica da tecnologia moderna. 2002, pp. 161 (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR). SERAFIM, Maria Lúcia; SOUSA, Robson Pequeno de. Multimídia na educação: o vídeo digital integrado ao contexto escolar. In Tecnologias digitais na educação/Robson Pequeno de Sousa, Filomena da M. C da S. C. Moita, Ana Beatriz Gomes Carvalho (Organizadores). Campina Grande: EDUEPB, 2011. Disponível em http://static.scielo.org/scielobooks/6pdyn/pdf/sousa-9788578791247.pdf. Acesso em 02 de novembro de 2016. TEIXEIRA, Eliana Franco. O Direito à Educação nas Constituições Brasileiras. Belém: UNAMA, 2001. TORI, Romero. Educação sem distância: as tecnologias interativas. São Paulo: SENAC, 2010.

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DA BANCA PARA O FACEBOOK: OS COMENTÁRIOS DE LEITORES EM POSTAGENS DA PRIMEIRA PÁGINA DE TRÊS JORNAIS BRASILEIROS

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Jordana Fonseca Barros2 RESUMO Entendendo a capa do jornal como instrumento para impactar e atrair o leitor, questiona-se o papel desta diante da agilidade de produção e circulação de notícias já que muito do que é publicado no jornal é conhecimento do público. Dessa maneira, este artigo propõe um estudo sobre a relação do leitor com a capa do jornal por meio das páginas dos veículos no Facebook. Este trabalho é fundamentado nos estudos de Pinto (2008), Ferreira Junior (2003) e Bueno (2015). O corpus é composto por 30 capas, que correspondem as capas mais comentadas durante dos meses julho de 2016 e janeiro de 2017 dos jornais O Globo, Folha de São Paulo e Estadão. Após a coleta dos dados foi executado o trabalho de análise de conteúdo dos comentários, chegando-se a cinco categorias. Percebemos que maior parte dos comentários está relacionada à temática que vem em destaque na edição. Os comentários também expõem os posicionamentos dos leitores quantos às temáticas publicadas e também às questões ideológicas, históricas e sociais. Palavras-chave: Comentários; Capa de jornal; Facebook

Introdução

A

capa é o cartão de visitas de qualquer publicação impressa, seja o jornal ou revista. Ferreira Junior (2003) ressalta que esta integra a estética visual da paisagem urbana e visa capturar a atenção de quem se depara com a mesma. A capa do jornal passou por várias transformações ao longo do desenvolvimento da imprensa e principalmente do design gráfico. Mesmo com a digitalizações das redações continua ocupando um lugar importante para chamar a atenção do leitor por seu magnetismo gráfico-visual. Isso é tão sintomático que o modelo hierárquico de distribuição das informações e de organização dos elementos visuais e verbais foram transpostos para internet. As homepages dos sites de notícias, principalmente nos primeiros anos da web, possuíam uma similaridade com a estrutura organizativa da primeira página das edições impressas. Ainda hoje encontramos semelhanças entre essas estruturas. No entanto, com a presença dos veículos no ciberespaço essa relação foi potencializada exponencialmente com disponibilização da mesma nas redes sociais. Por meio dessas plataformas qualquer um pode ter contato facilmente com jornais de qualquer lugar do mundo e por consequência com as capas desses veículos. Todos os dias, nas páginas desses veículos no Facebook, por exemplo, seus seguidores recebem em suas timelines esse conteúdo transposto do impresso para o digital. Entendendo a capa do jornal como instrumento para impactar e atrair o leitor a cada edição, questiona-se o papel desta diante da agilidade de produção e circulação de conteúdos noticiosos já que muito do que é publicado no jornal já de conhecimento do público por meio das coberturas online. Dessa maneira, este artigo3 propõe um estudo sobre a relação do leitor com a capa do jornal por meio da rede social, mais especificamente das páginas dos veículos no Facebook. Esta plataforma foi escolhida por conta do seu grande 1

Trabalho apresentado no GT. 07 - Discurso e Cultura Digital do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 É jornalista formada pela Universidade Federal do Maranhão e aluna do curso de pós-graduação em Comunicação Empresarial e Institucional na mesma instituição. Atualmente é professora substituta no curso de Jornalismo na UFMA em Imperatriz e membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cibercultura. Endereço eletrônico: jordana.fonseca13@gmail.com 3 Vale ressaltar que o apresentado está sendo aqui são os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento que faz parte do trabalho do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cibercultura (GCiber) do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão, campus de Imperatriz. Nesta fase foi realizado o estudo exploratório, coleta e primeira categorização do comentários. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 293


sucesso e alcance entre os brasileiros. E também pela facilidade de acesso ao seu conteúdo, o que possibilitou o desenvolvimento. Deu capa aos comentários Comentar os acontecimentos que nos cercam já faz parte do cotidiano das pessoas, isso ocorre com pessoas de convívio próximo como familiares, amigos e colegas e também com completos estranhos como numa conversa casual no ônibus ou no elevador. Na internet isso não é diferente, somos a todo momentos instigados a dar nossa opinião sobre os mais variados tipos de assuntos. Inclusive encontramos espaço e pessoas interessadas por temáticas cada vez mais específicas. Para o jornalismo esse espaço de discussão trouxer o leitor para mais perto e também criou mais possibilidade de participação. Para o leitor, agora não precisa mais enviar uma carta ou fazer um telefona para redação para ser ouvido. A ferramenta de comentários nas páginas vem transformando a relação do jornal com sua audiência e está não pode ser ignorada pelos estudos acadêmicos. Vários trabalhos se debruçaram em compreender os comentários e descrever suas características. Bueno (2015), no qual fundamentaremos esta pesquisa, busca responder em sua tese de doutora Para que servem os comentários de leitores na internet?. Para a autora ―Os comentários repaginam o diálogo, a forma de interação e a relação entre os integrantes dessa conversação. Os comentários nas matérias na web não são uma invenção genuína da rede‖ (Bueno, 2015, p. 47). Dessa forma não é possível pensar a cobertura jornalística e as relações interpessoais sem pensar o comentários e interação dos leitores por meio do mesmo. Assim como Bueno, neste trabalho compreendemos que os comentários de leitores são ―textos criados pelos leitores, com algum tipo de ponderação referente ao assunto tratado no conteúdo a eles vinculados ou mesmo postagem ali disponível sem relação alguma com o teor noticioso específico a ela atrelada‖ (BUENO, 2015, p. 16). Os sites de redes sociais possuem em sua estrutura genuinamente vários espaços para comentários. No Facebook, objeto da análise deste trabalho, é possível comentar postagens sua autoria ou de outros contatos, páginas de empresas e também responder diretamente os comentários feitos nas postagens. Isso incentiva e potencializa a conversação entre as pessoas. Para os jornais essa relação representa a necessidade adequação dos conteúdos e formas de apresentações das notícias. A postagem da capa é um exemplo disso, os veículos utilizam suas páginas nas redes sociais para atrair o leitor para a edição impressa. Ainda cabe a primeira página ―desejar bom dia!‖ e apresentar aos leitores o mix de notícias mais importantes daquela edição. A capa que só podia ser encontrada nas edições impressas, agora encontra-se circulando no ciberespaço. Antes disso, a relação do leitor com esse conteúdo ocorria de forma mais limitada, os comentários sobre o que estampava a capa do jornal ocorriam apenas por conversas com a família, com os colegas trabalho ou mesmo na própria banca de jornais. Isto é, normalmente, ficava restrito a pequenos grupos de pessoas. Essa relação já foi um pouco ampliada pelos telejornais costumam repercutir as capas de temáticas que possuem fortes fatores de noticiabilidade como catástrofes naturais, atentados terroristas e grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Enquanto Ferreira Junior destaca essa força visual da capa de jornal Milton José Pinto (2008) por sua vez compara a estrutura da capa do jornal as gôndolas de supermercado. ―A aparência da gôndola arrumada tem assim pontos de semelhança com a diagramação dos textos da primeira página dos jornais: uma espécie de menu mostrando todas as opções disponíveis para leitura hierarquizadas pela localização‖. (PINTO, 2008, p.69) Como gôndola a primeira página dos jornais procura deixar disponível ao consumidos o mix de produtos dispostos. Portanto como no supermercado os produtos na altura dos olhos são os mais valorizados. Na capa de jornal, a manchete é produto principal que mais chama da atenção e é normalmente sobre ela que as pessoas conversam e comentam. Neste trabalho questionamos o papel da estrutura como fomentadora de questionamentos e conclusões sobre as notícias publicadas.

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Pensando a capa de jornal em todo seu potencial informativo e discursivo, Gruszyngki (2010 e 2011) lembra que a estruturação é ―perpassada por uma complexa rede de relações que envolve produção, circulação e repeçam de forma simbólicas (GRUSZYNSKI, 2011, p 01). A autora continua reforçando a ideia apresentada de que ―a capa, portanto, atua como um convite para compra do periódico, uma provocação para pegar a publicação na banca e interessa-se por seu conteúdo‖ (GRUSZYNSKI, 2011, p 03). A formulação da capa, a decisão da manchete, fotos e chamadas estão submetidas a uma série de fatores internos e externos as rotinas de produção. Charaudeau (2009) cita alguns critérios que orientam essas escolhas, são eles: representatividade, notoriedade, expressão e polêmica. O corpus utilizado nesse trabalho deixar claro a presença desses critérios nas publicações e seu reforço nas capas de edições. Com o leitor mais ativo, essas escolhas são submetidas a um crivo crítico da audiência que interagem diretamente com esse conteúdo concordando, discordando, complementado e criticando diretamente. Percebe-se, aqui a verificação a aplicação do conceito de contrato de informação trabalhado por Charaudeau (2009) em sua obra. Fazendo capa do jornal parte desse contrato. Percurso metodológico Para construção deste trabalho buscou-se compreender: como os leitores interagem com as temáticas das capas de jornal publicadas no Facebook? Qual o conteúdo desses comentários? O que mais chama atenção, são as fotografias, as manchetes ou outros elementos existentes nas mesmas? O tamanho reduzido das imagens das capas interfere nesse processo? Para isso foram mapeados os veículos com maior circulação no país destes foram escolhidos os 10 primeiros, para chegar a esta lista foram utilizados dados a Associação Nacional do Jornais (ANJ) referentes ao ano de 20154, é importante salientar que a instituição atualiza anualmente esse índice. A partir dessa informação foram buscadas as páginas no Facebook e listamos os jornais com mais seguidores. Então para o monitoramento foram selecionados os quatro veículos com mais seguidores no Facebook, que são respectivamente: Folha de São Paulo, O Globo e Estado de São Paulo. JORNAL Super notícia O Globo Folha de São Paulo Estado de São Paulo Daqui

LEVANTAMENTO JORNAIS UF Média circulação MG 249.297 RJ 193.079 SP 189.254 SP 157.761 GO 153.049

Curtidas/Facebook 45.025 5.258.473 5.874.012 3.553.375 24.723

Tabela 4 – Levantamento jornais Fonte: ANJ e Facebook (2016)

Para análise foram selecionadas as cinco capas mais comentadas de cada jornal em duas etapas, a primeira ocorreu durante de julho de 2016 e a segunda foi realizada no mês de janeiro de 2017. Esse espaçamento temporal foi necessário para a confirmação das categorias criadas. Dessa maneira, o corpus de análise desse artigo é composto por 30 capas coletadas que versavam sobre várias temáticas, mas as que mais se repetiram foram as relacionadas a crise política pelos desdobramentos da operação Lava Jato, como a indicação de Lula como réu no processo de investigação, a crise no sistema carcerário brasileiro que voltou às capas dos jornais após o massacre me Manaus e a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos a américa.

4

Este é último levantamento disponível no site da instituição e pode ser acessado em: http://www.anj.org.br/maiores-jornais-dobrasil/ Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 295


Para coletar diretamente na plataforma o Facebook foi utilizado o aplicativo Netvizz5, que permite extrair informações e dados utilizando os recursos da API - Application Programming Interface. Ao todo foram 4.213 comentários. O jornal com mais comentários foi a Folha de São Paulo com 2668 nas cinco capas selecionadas, destacando-se a publicação do dia 07 de janeiro que alcançou mil comentários. Em seguida vem O Globo com 1.115, logo após vem O Estado de São Paulo com 830. Nas tabelas abaixo apresentamos as manchetes e a quantidade comentários em casa postagem das capas em casa jornal. DATA 01/07/2016 08/07/2016 09/07/2016 17/07/2016 29/07/2016 07/01/2017 08/01/2017 10/01/2017 14/01/2017 21/01/2017

DATA 06/07/2016 19/07/2016 24/07/2016 29/07/2016 30/07/2016 05/01/2017 07/01/2017 20/01/2017 21/01/2017 22/01/2017

DATA 03/07/2016 08/07/2016 16/07/2016 30/07/2016 31/01/2016 05/01/2017 07/01/2017

ESTADO DE SÃO PAULO MANCHETE Renan desengaveta projeto que pode dificultar Lava Jato Derrotado pela Lava Jato, Cunha renuncia à presidência da Câmara Lula e Temer travam disputa nos bastidores pelo comando da Câmara Humor com o Brasil melhora e investidor volta a apostar no País PF diz que Lula e Marisa orientaram obra em sítio PPC mata 31 em Roraima e divulga cenas no WhatsApp 27 facções disputam o controle do crime em todos os Estados do País Resolver crise dos presídios custa R$ 10 bilhões, afirma CNJ Cunha e Geddel lideravam desvios na Caixa, afirma PF Sob protestos, Trump assume com discurso nacionalista e antipolítico Tabela 2 – Manchete jornal O estado de São Paulo Fonte: A Autora (2016)

Nº 103 92 56 79 112 52 102 50 47 137

FOLHA DE SÃO PAULO MANCHETE General que defende golpe de 64 é indicado à Funai Metade dos brasileiros é contra os Jogos do Rio Alckmin perdoa dívida de R$ 116 mi da Alstom Lula orientou empreiteira em reforma de sítio, diz PF Lula se torna réu sob acusação de tentar sabotar a Lava Jato Uma pessoa é assassinada por dia em prisões do país País tem 93 presos assassinados em apenas seis dias Relator da Lava Jato, Teori morre em queda de avião Em tom agressivo, Trump diz que América será grande novamente Morte de Teori atrasa delações e investigação sobre Temer Tabela 3 – Manchete jornal Folha de São Paulo Fonte: A Autora (2016) O GLOBO MANCHETE Relator pede desbloqueio de R$198 milhões por fraude no Maracanã Cunha renuncia e manobra para tentar salvar o mandato Tentativa de golpe militar mergulha Turquia em incerteza e caos Lula vira réu na Lava-Jato PT já não acredita na volta de Dilma PF sabia de ameaça de massacre em Manaus Secretário de Temer cai após defender massacre

5

Nº 102 155 268 102 96 335 1000 119 260 231

Nº 62 96 78 98 220 120 160

A Netvizz (https://apps.facebook.com/netvizz/ ) é uma ferramenta desenvolvida por Bernard Rieder da Univsersiade de Amsterdam. Sua função é coletar diferentes tipos de dados do Facebook, sobretudo de Páginas, Grupos e Eventos. É possível extrair o conteúdo textual das postagens e comentários, e também dados de links, comentários, compartilhamentos e reações. 296 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


09/01/2017 21/01/2017 23/01/2017

Presos mortos já são 99, e estados terão ajuda federal Presidente Trump inaugura era populista no EUA Ministros são contra Carmem Lúcia homologar delações Tabela 4 – Manchete jornal O Globo Fonte: A Autora (2016)

93 142 83

Análise dos resultados Esta etapa caracterizou a primeira parte do estudo que visava uma pesquisa exploratória para formamos uma ideia do universo e formamos o corpus de análise. A segunda fase que visa realizar uma análise de conteúdo para contemplar profundamente apreciação desses comentários. A partir de uma primeira análise da coleta conseguimos verificar cinco grupos de comentários: Manchete, Conjuntura, Tangencial, Crítica ao veículo/mídia e Cordial. A partir de agora descreveremos cada uma dessas categorias. Percebemos que maior parte dos comentários nas publicações da capa de jornal nas páginas dos veículos está relacionada à manchete, ou seja, a temática que vem em destaque na edição. Nesse primeiro momento, podemos observar que a manchete predomina nas discussões e opiniões favoráveis e desfavoráveis são lançadas. Este é um aspecto interessante pois mostra uma relação direta entre o que os leitores comentam com o conteúdo da capa do jornal. Mostrando assim que existe uma interação com a mesma.

Fig 1: Exemplo comentário Manchete Fonte: Facebook – O Estado de São Paulo

Por outro lado, também notamos que os leitores extrapolam o conteúdo da edição e fazem comentários relacionados à conjuntura social e política do país. Na maior parte das vezes eles partem do tema de manchete e trazem elementos complementários com dados históricos, comparativos com outros locais, tanto com outros países como também como contextos mais locais, como uma cidade ou estado. Fato que chamou a atenção pois mostra o potencial da plataforma para discussão e também da publicação como pontapé inicial para essas relações.

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Fig 2: Exemplo comentário Conjuntura Fonte: Facebook – Folha de São Paulo

Alguns, porém, acabam fazendo comentários que denominamos tangenciais, pois fogem completamente da temática da manchete e não se relacionam com nenhuma de outras notícias em destaque. Muitas vezes falam sobre problemáticas mais locais e não dialogam com o que sendo tratados nos outros comentários.

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Fig 3: Exemplo comentário Conjuntura Fonte: Facebook – O Globo

O espaço dos comentários também é muito utilizado pelos leitores para fazer críticas, sugestões e elogios. No caso das postagens analisas percebemos a ocorrência de crítica negativas quanto a linha editorial dos veículos e sua tomada de posicionamento na cobertura dos acontecimentos presente nessa mostra. A mídia como um todo também recebe críticas nos comentários, fato que reafirma a imprensa como representante primeira da nossa ideia de mídia.

Fig 4: Exemplo comentário Crítica veículo/Mídia Fonte: Facebook – Folha de São Paulo

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Por último vem um grupo bem curioso é que denominamos de cordial. Neste com menor ocorrência, acontece de as pessoas responderem as postagens com comprimentos de bom dia e com votos de uma boa semana para os leitores e profissionais. Uma hipótese para esse comportamento é incentivo dos próprios veículos que utilizam essas postagens com a primeira do dia e normalmente começam com o desejo de bom dia. Outra ocorre engraça é quando um leitor chegar a pedir para um dos seus contatos para comprar a edição específica do dia do comentário.

Fig 5: Exemplo comentário Cordial Fonte: Facebook – O Globo

Considerações finais Não cabe aqui encerramos essa discussão por se tratar de reflexões inicias sobre essa discussão. Porém já percebemos alguns profícuos apontamentos para uma análise mais aprofundada. É importante ressaltar como a internet tem o potencial de ampliar campos e permitir maior interação e troca entre as pessoas. Isso tem impacto direto nas rotinas e práticas do jornalismo e também sobre a maneira como nos relacionamos com os veículos jornalísticos. O jornal impresso vem se reconfigurando para se adaptar às demandas da cultura digital e por consequência disso a relação com a primeira página também. Como primeiros resultados dessa discussão podemos afirmar que a analogia de gôndola de Pinto (2008) continua se aplicando, pois, o jornal tem na capa seu cargo chefe par apresentação da edição. As informações estão dispostas posições estratégicas e com elementos visuais atrativos para valorizar principalmente a manchete, produto principal, com tipografia diferenciada e uso imagens atraentes assim com as embalagens dos produtos no supermercado. Esse impacto vai além da banca e chega a pessoas que não têm acesso ao jornal. Com isso percebemos uma reafirmação de edição impressa, pois mesmo com sites dos jornais, a capa é simbologia dessa edição impressa que ainda persiste. Ao final da pesquisa esperamos traçar um panorama do que esse leitor comenta o que dará pistas do seu comportamento diante da capa. Referências BUENO, Thaísa Cristina. Para que servem os comentários de leitores na internet? : estudo sobre a utilidade da ferramenta nos sites de notícias a partir da estrutura do dispositivo e do modo de apropriação do internauta e do veículo. 2015. Tese de Doutorado. Porto Alegre, RS: PUC RS. CHARADEAU, P. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2009. FERREIRA JÚNIOR, José Ribamar. Capas de jornal: a primeira imagem e o espaço gráfico-visual. São Paulo: Ed. SENAC, 2003. GRUSZYNSKI, A. C. A forma que (in)forma: o projeto gráfico do jornal impresso na contemporaneidade. In: Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Recife: Intercom, 2011. Disponível em:<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1030-1.pdf> Acesso em: 10 nov. 2016. PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker, 2008. PALACIOS, Marcos. Dossiê: Marginália, ―Zeitgeist‖ e memória do tempo presente – os comentários de leitores no ciberjornalismo. Revista Brazilian Jornalism Research. Volume 8, nº1, 2012. Disponível: < https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/391> Acesso 03 de janeiro de 2017

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POLONI, Katia; TOMAÉL, Maria Inês. "COLETA DE DADOS EM PLATAFORMAS DE REDES SOCIAIS: ESTUDO DE APLICATIVOS" III Workshop de Pesquisa em Ciência da Informação (WPCI) (2014): Disponível:< http://rabci.org/rabci/sites/default/files/222-838-1- PB_0.pdf> Acesso em: 7 de ago de 2016

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POR

UM LANÇAR DE OLHOS DIALÓGICO: ANÁLISE DISCURSIVA NO

PUBLICAÇÕES DO FACEBOOK

1

GRUPO EPER - TODOS PERGUNTAM,

EM

Iara Silva de Souza2 José Magno de Sousa Vieira3 RESUMO Este trabalho objetiva analisar a configuração do dialogismo Bakhtiniano em recortes feitos em um grupo no Facebook (EPER- TODOS PERGUNTAM). Para atingir tal propósito, foram relacionados os enunciados discursivos post e comentários. Para fins de análise utiliza-se o método de observação e registro ( print screen) para, através das enunciações discursivas, explicar as marcas de dialogismo constitutivas e constituídas por sujeitos enunciativos. Categorias como formação discursiva, língua e interação e construção de sentidos auxiliam a presente pesquisa. O referencial teórico toma por base Bakhtin (2003), Marteleto (2001) e Orlandi (2000), dentre outros autores. Os resultados obtidos nos mostram que o dialogismo está intrinsecamente ligado ao processo de interação entre os interlocutores, deste modo, o simples fato de dar uma resposta à alguém caracteriza uma ação dialógica, pois a interação mostra-se como um dos elementos fundamentais dos processos de construção de sentidos. Palavras-chave: Dialogismo; Facebook; Interação; Enunciado; Formação discursiva.

Introdução

A

tualmente grande parte da sociedade admite que as redes sociais têm um papel indispensável no ato comunicativo. A sociedade almeja por uma abertura a livre e espontânea criação, pensamentos críticos, exposições de ideias e possiblidade de interação com outros sujeitos, e isso as redes sociais oferecem, com isso, cria-se um emaranhado de ideias e diálogos que conversam entre si. Com o conhecimento que a língua é um processo dinâmico e interativo, este artigo objetiva identificar e compreender a questão do dialogismo como elemento principal no âmbito sócio comunicativo, na relação de alguém direcionando seu discurso para outro alguém, mantendo o foco para as diferentes linhas interpretativas em relação a um mesmo assunto, nos fazendo entender e perceber que essas diferenças de sentido afetam o texto materializado. Para uma melhor compreensão e afim de explicar o que vem a ser de fato o dialogismo, tem-se de base para a pesquisa recortes de uma postagem de um grupo do Facebook. EPER-Todos Perguntam. Assim, com a análise pretende-se compreender através da AD as relações de dialogismo; a interatividade e também a influência que a formação discursiva tem tanto sobre a relação dialógica quanto sobre cada enunciado discursivo. Interação verbal na visão bakhtiniana Não é de hoje que estamos imersos em uma cadeia de interação, na qual os enunciados conversam entre si, sendo eles verbais ou não-verbais. Segundo Bakhtin(1995, p. 125) A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das 1

Trabalho apresentado no GT 07-Discurso e cultura digital, do II Encontro Nacional sobre Discurso, Identidade e Subjetividade (ENDIS), realizado de 26 a 28 de abril de 2017. 2 Graduanda em Letras Português na Universidade Federal do Piauí/UFPI. Teresina- PI. Endereço eletrônico: iarapink1997@hotmail.com 3 Graduado em Letras-Português e Especialista em Linguística e Ensino pela Universidade Estadual do Piauí/UESPI. Mestre em Letras (área de concentração em Linguística) pelo Programa de Pós Graduação em Letras/PPGEL da Universidade Federal do Piauí/UFPI. Teresina- PI. Endereço eletrônico: magnoreute@bol.com.br 302 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

A substância da língua está além de um sistema de estruturas linguísticas, pois a língua em si é caracterizada pelo seu teor social e interativo, sendo este constituinte da língua propriamente dita. A palavra em sua verdadeira autonomia comporta um poder muito grande em relação aos elementos necessários à comunicação, a palavra é o produto do diálogo, indispensável na relação comunicativa que se dá na interação entre locutor e interlocutor. Bakhtin(1995, p. 115) salienta que ―a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. ‖ A língua é empregada em forma de enunciados concretos, sendo exercida por integrantes de qualquer campo de atividade humana. Cada enunciado tem uma carga significativa bastante relevante em relação à finalidade dos enunciados proferidos, refletindo as condições e finalidades de cada campo no momento enunciativo. Em Bakhtin (2003) percebemos três elementos essenciais para a constituição de um enunciado. Segundo Bakhtin (2003, p, 262): ―O conteúdo temático, o estilo, a construção composicional, estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação‖. Ou seja, para a finalidade de cada campo enunciativo o enunciado não precisa ser meramente linguístico, mas visto pela sua construção composicional, fazendo com que se tenha um olhar além da língua. Dialogismo: uma via de mão dupla no ato discursivo Vemos que a ideia central do conceito de dialogismo expõe a ideia de que a linguagem em seu uso real é dialógica. Assim, podemos dizer que o ―enunciador para constituir um discurso leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu‖. (FIORIN, 2008, p. 19) em outras palavras, o todo enunciado é atravessado por outro sendo dialógico e, como exemplifica Fiorin: Quando alguém diz ―é mulher‖, não está simplesmente enunciando um dado da realidade. Se estiver declarando isso com admiração mostrando que as mulheres são dotadas de uma fibra incomum, estará opondo-se a outros discursos, que embebem essa afirmação de desdém, insistem em manifestar a inferioridade do sexo feminino (FIORIN, 2008, p. 19).

O processo de comunicação é bilateral e dinâmico, ou seja, provém de alguém e dirige-se para outro alguém e os sujeitos envolvidos no momento enunciativo se posicionam de maneira ativa no diálogo. Nesse sentido, os interlocutores iniciam um processo de correlacionar o que está sendo exposto na comunicação com outros textos relacionados com o tema da conversa. Vale salientar que ―o interlocutor só existe enquanto discurso‖ (FIORIN, 2006, p. 166), ou seja, quando se fala em diálogo, ele não se refere a um diálogo face a face entre duas pessoas, mas entre discursos. No que se refere a discurso, conclui-se que não é um ato individual, pois é necessária para a construção dele, a participação de interlocutores com suas funções sociais, a partir disso surge um ―diálogo entre discursos‖ (BARROS, 1996, p. 33). Em suma, vemos que o dialogismo é responsável pela construção e condicionamento do sentido do discurso. As ideias de Bakhtin se opõem ao pensamento de Saussure porque este acredita que uma linguística baseada no estudo dos signos seria incapaz de analisar e detectar quaisquer relações dialógicas presentes em textos. A seguir, Bakhtin constrói um conceito de enunciação: Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o autor( BAKHITIN, 2006)

É necessário fazer aqui uma diferenciação entre palavras, orações propriamente ditas e enunciação. A primeira é caracterizada como os sons que são ―repetidos milhares e milhares de vezes‖ desprovidos de acento e entonação servindo apenas como suporte para a enunciação, que por sua vez é caracterizada como Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 303


uma prática social, assim, não basta entender a significação dicionarizada, e interativa. Podemos dizer que a enunciação sempre tem sentido dialógico, e também é ―irrepetível‖, uma vez que são acontecimentos únicos‖ (FIORIN, 2008).Outra diferença destacada por Fiorin (2008) é sobre a responsividade de um texto, sobre a qual ele afirma: As unidades linguísticas de uma palavra são completas, mas não tem um acabamento que permite uma resposta. Cada palavra, cada oração, cada período tem uma completude. Ela, porém, não possibilita uma resposta. Ninguém vai responder a palavra ―corrupto‖, embora ela esteja completa (FIORIN, 2008, p.22)

Assim podemos dizer que a linguagem, pensada como língua ou como discurso, é intrinsicamente dialógica, ou seja, não há como dissociá-las. Polifonia Bakhtin construiu o conceito de polifonia após um estudo detalhado sobre a obra de Dostoievski, no qual declara que em diversos dos seus romances há uma multiplicidade de vozes e consciências distintas e equipolentes. Na obra, essas vozes mantém um ponto de vista diferente em relação a um mesmo assunto (polifonia), a questão das consciências distintas é tida como mundos distintos que se combinam em uma parte específica de um acontecimento, já a equipolência se dá na relação de extrema igualdade de múltiplas vozes com outras vozes do discurso como participantes um diálogo inacabado. De acordo com Bezerra (2005, p.194) ―O que caracteriza a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico‖. Desta maneira, percebemos que para haver de fato um processo dialógico no âmbito polifônico, o autor tem que mostrar uma verdadeira autonomia e efetividade no ato de criar e recriar vozes que ele mesmo rege. Nesse contexto, devemos destacar que o conceito de polifonia não deve ser confundido como sinônimo de dialogismo, embora esses conceitos estejam vinculados, ambos apresentam definições distintas. Para que ocorra de fato o dialogismo basta que dois sujeitos de um determinado momento enunciativo participem de uma cena em comum, que os englobe e que haja uma relação de significados. O diálogo é um terreno para que as diversas vozes se manifestem, assim, ele oferta e possibilita a existência da polifonia no âmbito enunciativo, ou seja ela envolve o diálogo, e está relacionada basicamente ao fato de locutores e interlocutores serem responsáveis por falarem e a partir disso, surge várias vozes e tempos. Em suma, a polifonia, define-se como um processo interativo, aberto e inacabável. (BEZERRA, 2005). Formação discursiva e sua contribuição significativa O sentido em si, definitivamente não existe na análise do discurso. É necessária uma ponte de significações, e essa ponte se constitui de posições ideológicas encarregadas de trazer consigo o contexto sócio-histórico em que as palavras surgem. Segundo Orlandi (2000, p. 58) ―As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam‖. Elas tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições são produzidas. Orlandi também acrescenta: ―A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada determina o que pode e deve ser dito‖ (op. Cit.). Em suma, formação discursiva é o lugar da constituição do sentido e da identificação do sujeito, é o que deve e o que não deve ser dito em determinado contexto histórico-social em que o sujeito se encontra. Ancorando-se no lado discursivo e ideológico da linguagem, as palavras adquirem um caráter polissêmico que depende da posição discursiva que o falante toma no momento em que enuncia. O texto é uma unidade, o ato de analisá-lo apenas pela parte superficial com objetivo de se identificar um discurso, é falho. Temos a ideia de texto como uma figura linguística centrada em si mesma e por ela mesma, uma estrutura fechada e acabada. Em contrapartida, se quisermos retirar os discursos de um certo 304 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


enunciado, temos que enveredar pelos caminhos do que não foi dito, fazer um estudo das entrelinhas do enunciado em questão. Um discurso pode ser construído a partir das suas condições de produção, é como uma via de mão dupla. Esse é o dever do analista: analisar o que não foi dito. Considera-se o texto também como mais ―concreto‖ que o discurso, um texto é muitas vezes concebido como o que está posto e abriga todos os enunciados, sendo estes, o que basicamente está pressuposto, no âmbito das perspectivas discursivas. A rede social e seus emaranhados interativos A internet surgiu na necessidade de comunicação na década de 60, ocasionada pelo contexto histórico, político e social, mas foi nos anos 90 que ela veio com força total, ganhando um reconhecimento mundial e se transformou nesse fenômeno que vemos hoje. A internet é uma junção de redes em um plano mundial, sendo apontada como o local de inúmeros acontecimentos sociais, históricos, ideológicos de poder e de dominação. É considerada também, o local em que a os sujeitos se articulam do níveis regional ao mundial para compartilhar informações e interesses em comum. As redes sociais exercem um papel indispensável no ato comunicativo de grande parte da sociedade. Enveredando pelo aspecto social e dinâmico, Castells (1999, p. 247) salienta que a internet oferece ―Uma das mais consideráveis demandas latentes na sociedade: a demanda por livre expressão interativa e pela criação autônoma, hoje distorcida pelo pensamento esclerosado dos meios de comunicação tradicionais‖. O fato de as redes sociais possibilitarem uma maior expressão interativa, deixando um ―espaço‖ aberto para a livre e espontânea criação, faz com que a sociedade adquira um teor político e crítico maiores. Com os novos meios de comunicação temos a discussão entre os interagentes, que discutem aproximando o mundo virtual do mundo real, abrindo caminhos para o debate e pensamento crítico. Conforme Lévy (1993, p. 121), ―um modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa‖, o que é posto no âmbito da internet tem uma forte relação de interatividade ocasionada pelos conteúdos de imagens, textos, sons e afins, na medida em que esses elementos são explorados, a dinamicidade toma conta das redes sociais da internet. Um ponto bem relevante das redes sociais é a relação com outras redes, provocando uma certa relação de interdependência. Segundo Marteleto (2001, p.72) essa interdependência consiste em : ―[...] um conjunto de participantes autônomos, unindo idéias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados‖, em suma estamos envoltos pela ―rede social‖ desde crianças, na forma ―tradicional‖ ou seja, no meio presencial. Futuramente as redes sociais presenciais se tornam insuficientes para suprir a demanda por recursos comunicativos e, havendo possibilidade, acrescentam-se redes sociais ―virtuais‖. Com isso, percebemos que essa estruturação de um emaranhado de ideias, valores e interesses a serem compartilhados (redes sociais) de fato não é novidade, sempre existiu no âmbito sócio-comunicativo. Metodologia, contextualização do corpus e análise discursiva O grupo EPER (Todos Perguntam) é de caráter secreto. Suas postagens consistem em pessoas fazendo perguntas a respeito de qualquer assunto, numa espécie de jogo interativo de perguntas e respostas. Para fins de análise utilizamos o método de observação e registro (print screen) para, através das enunciações discursivas, explicar as marcas de dialogismo constitutivas e constituídas por sujeitos enunciativos. Com a análise pretende-se compreender através da AD as relações de dialogismo; a interatividade e também a influência que a formação discursiva tem tanto sobre a relação dialógica quanto sobre cada enunciado discursivo. O corpus da análise desse trabalho é composto por três print screens, um constituído de uma pergunta em que o sujeito levanta o questionamento da diferença existente entre as palavras ―vagabundo‖ e ―vagabunda‖, e dois de respostas a essa pergunta. Nos comentários iremos identificar os autores como sujeito 1, 2, 3, 4, 5 e 7, as marcas enunciativas enfocadas aparecem entre colchetes, no intuito de se tornarem mais explícitas na presente análise. Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 305


Inicialmente, vemos na postagem o uso do termo [vadio] utilizado na primeira tentativa de diálogo para a pergunta feita, intenta uma justificativa lexical. Nele percebemos a ―fusão‖ de duas palavras evidenciada pelas letras ―V‖ e ―B‖>[V]aga< e >[B]undo<, ou seja, uma espécie de epistemologia envolta da justificativa que intenta apregoar que a própria constituição morfológica da palavra explica o motivo do uso linguístico dos dois termos. Percebe-se que a diferença não é apenas linguística, mas essencialmente dialógica, pois o uso dos termos, bem como as atribuições lançadas sobre os gêneros, ancora-se em um discurso pretensamente machista. A seguir, o caráter tendenciosamente humorístico adentra em um domínio pejorativo.

Inicialmente temos o primeiro enunciador (doravante Sujeito 1) afirmando que [VagaBundo] remete a ―vadio‖, associando esse vocábulo com a ideia de ―desocupado‖, que deve preencher o ócio característico da ―vadiagem‖ com algo que anule a conduta ―vadia‖. Entretanto, abre-se a evasiva para uma conotação erótico/pornográfica quando o enunciador afirma que ―bunda vazia‖ pode ser preenchida por meio do ato sexual. Vale destacar que esse discurso é construído a partir de uma forma bem conhecida de compreender as significações das palavras, que é através de suas origens, todavia esse discurso não possui nenhum valor real, serve somente para propagar um argumento machista e misógino presente na sociedade. Além dessa possibilidade de efeito de sentido, há pelo menos mais uma que se direciona a uma interpretação que ruma para

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a estética, em que se uma ―bunda‖, encarada cientifica ou esteticamente como nádega, pode ser preenchida em sentido literal, quando uma pessoa passa por procedimento cirúrgico. Obviamente esta última possibilidade de efeito de sentido não é tão evidente, porém serve para mostrar o caráter polifônico e puramente dialógico da linguagem haja vista que cada uma das linhas interpretativas percorridas descambam em um universo de sentido diferente, ou seja, essas vozes mantém um ponto de vista diferente em relação a um mesmo assunto como foi dito anteriormente, nos fazendo perceber que diversidades de sentido afetam o texto materializado. Na fala do Sujeito 2, podemos fazer uma analogia ao ditado popular ―todos os caminhos levam a Roma‖ e, amplificando a gama ressignificativa, podemos, para nossos propósitos analíticos dizer que ―todos os caminhos do uso de vagabunda levam a ―puta‖. Para o Sujeito 2, os vocábulos [piranha], [vaca] e [galinha], para utilizar uma terminologia dos estudos referenciais, encapsulam um direcionamento tendenciosamente negativo para o uso do vocábulo [vagabunda]. Para o gênero feminino, segundo a fala do Sujeito 2, o uso do termo ruma sempre para um sentido depreciativo comparado com o termo [galinha] que também é diferenciado, ou seja, há uma semântica para o uso dos termos vagabunda/galinha quando atribuídos ao gênero feminino e uma outra semântica para o uso dos termos vagabundo/galinha quando atribuídos ao gênero masculino, uma vez que chamar um homem por estes termos de certa forma é uma vantagem que se direciona a uma quase qualificação positiva já que o homem ―galinha‖ é considerado aquele que tem muitas mulheres, levando essa discussão para os bens simbólicos, um homem com várias mulheres detém um capital simbólico ao tempo que concebe a mulher como um objeto a ser acumulado para demonstrar o poder masculino que representa a virilidade. Do lado oposto, um outro discurso é formado, a mulher não tem muitos homens, uma mulher, na cultura machista ou é de um homem ou de vários. Não é comum encontrar enunciados afirmando que uma mulher é [vagabunda] porque tem muitos homens, mas por ―ser‖ de muitos homens. Deste modo, quando a denominação [vagabunda] vem à tona ela caminha para a atribuição de que a mulher assim concebida não pertence a si própria, é objetificada enquanto utilizada, enquanto o homem é o que usa. Esse argumento é arrematado pelas falas dos Sujeitos 3 e 4 ao apresentarem a cultura machista enquanto responsável pela diferenciação do uso e das atribuições lançadas sobre homens e mulheres enquanto adjetificados como [vagabundo(a)]. Desse modo, o dialogismo caracteriza novamente a constituição discursiva enquanto um campo ―discursivo‖, no qual repercutem diversas ideologias e uma relação entre discursos em um mesmo tema de conversa, também vemos que os caracteres selecionados pelos sujeitos enunciatários, por meio da interação, materializam-se enquanto discurso. Nesse sentido, comprova-se que o dialogismo é responsável pela construção e de como se dá o sentido em discursos diferentes. Percebemos um caminho inverso, igualmente machista no exemplo a seguir. Parece que os papéis se invertem, mas com o mesmo propósito, o de perpetuar o machismo que prende o gênero feminino e busca libertar o gênero masculino. Dessa vez, a temática geradora dos comentários é a [virgindade]. Porém, o caráter negativo da virgindade desta vez é lançado sobre o homem.

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A construção argumentativa, do segundo print screen é uma tentativa do Sujeito 4 de responder ao questionamento levantado, entretanto, provoca uma inversão quanto ao grau qualificativo dos termos que podemos apresentar da seguinte forma: vagabundo/homem[-virgem] versus [vagabunda/mulher[-virgem]. Desse modo, para a cultura machista, um homem pode ser vagabundo, mas não pode ser virgem. Entretanto, uma mulher pode ser virgem, mas não pode ser vagabunda. Nesse ínterim de nomenclaturas, percebamos um paradoxo na relação ser x não ser. As mulheres virgens estão destinadas a serem [-virgens] uma vez que, na cultura machista, devem ser desvirginadas pelos homens, precisando também depender deles para não se tornarem [vagabundas], ou seja, uma mulher pode ser [-virgem] desde que seja ―de‖ um homem que garante a ela o distanciamento de [vagabunda]. Do lado do gênero masculino [+virgem] é visto como uma espécie de doença ou defeito que deve ser aniquilado o quanto antes sob pena de sofrer discriminação dos outros homens, uma vez que apenas às mulheres deve prevalecer o caráter [donzela=+virgem]. Nisso, percebemos o quão esses enunciados dialogam entre si, tanto significativa quanto discursivamente, ele usa o artifício da comparação de outros termos e expõe a formação discursiva que por muitas vezes está ligada ao pensamento coletivo da sociedade. Mais uma vez, a prova que essa concepção de vagabunda e vagabundo é um estereótipo proveniente de pensamentos machistas, proferidos no âmbito social. E que influencia muitas pessoas no seu jeito de falar, se comportar e até a como lidar com seu próprio corpo e sua sexualidade. Os Sujeitos 5 e 7, parecem interagirem no sentido de validarem o argumento do Sujeito 4, um exemplo disso é quando dizem [golaço] suas vozes enunciam uma ―vitória‖ do argumento levantado. Considerações finais Os resultados obtidos na presente análise permitiram observar que o dialogismo e a interatividade mostradas nas respostas de posts no Facebook do grupo EPER- Todos Perguntam, evidenciam que a relação de ideias, valores, formações discursivas e conhecimento de determinado tema apresentam sentidos e significados diferentes. Assim, podemos dizer que o ato de constituir seu discurso precisa levar em conta o discurso do outro, ou seja, todo enunciado é parte do enunciado de outrem, assim surge o dialogismo, terreno para manifestação de diversas vozes permeando os discursos manifestados. Percebemos que para uma única pergunta (―pq ninguém leva a palavra ―vagabunda‖ pelo mesmo significado da palavra ―vagabundo‖?) surgem inúmeras respostas, que dialogam entre si. A partir disso, concluímos que no ato enunciativo, visto em sua dinâmica, todos os sujeitos de enunciação têm um posicionamento ativo no diálogo que estabelecem por meio dos atos enunciativos. Desse modo, os envolvidos no diálogo relacionam o que foi manifestado através do ato de comunicação em que enunciador e enunciatários participam. Referências BAKHTIN, M (1973-1977). A interação verbal. In: BAKHTIN. M. Marxismo e filosofia da linguagem. (tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira) São Paulo: Hucitec, 1995. BAKHTIN, M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Forense Universitária, 2005. BAKHTIN, M.‗Os Gêneros do discurso‘. In: Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, págs. 261-306. BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Contexto, 2005. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, Carlos Alberto: TEZZA, Cristóvão, CASTRO, Gilberto (Orgs) Diálogos com Bakhtin. Curtiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 1996. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo. Paz e Terra: 1999.

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FACEBOOK. EPER- Todos Perguntam. Disponível em: www.facebook.com/groups/grupoeperoficial2/ Acesso janeiro. 2017 FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. LÉVY, P. Tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993. MARTELETO, R. M. Análise de Redes Sociais – aplicação nos estudos de transferência da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 30, n. 1, p. 71-81, jan./abr. 2001. Orlandi, E.P. Discurso e leitura. 5.ed São Paulo, Cortez; Campinas, SP: Editora da universidade Estadual de Campinas, 2000.

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RECEPÇÃO MIDIÁTICA: A SUBJETIVIDADE NA RECEPÇÃO E A MENSAGEM PUBLICITÁRIA Domingos de Sousa Machado 1 RESUMO Neste trabalho analisamos as formas de recepção da mensagem do anúncio publicitário produzido pela empresa de marketing AlmapBBDO para a marca Havaianas. Objetivamos, através da análise de opiniões emitidas por telespectadores/consumidores que se utilizaram da internet, especificamente de um blog para se manifestarem a respeito da forma como a mensagem do anúncio publicitário foi construída, identificar as formas de reação dos receptores a essa mensagem e, por meio destas, com foco na argumentatividade, tentamos analisar as marcas de subjetividade na recepção midiática. Recorremos ao suporte metodológico da Análise do Discursos em Recepção, utilizando o instrumental teórico da Estética da Recepção e da Teoria da Comunicação. Esse diálogo é travados especialemente com autores como Bakhtin (1992), Barros Filho, (1995), Barros (2006), Jakobson (2007), Jauss (1979, 1994), Pinto (2002), dentre outros. As conclusões a que chegamos nos permite confirmar alguns pressupostos e postulados da Estética da Recepção quanto à subjetividade na recepção midiática, especialmente a noção de que todo discurso encontra uma audiência ativa, isto é, o receptor/enunciatário não é uma esponja, que simplesmente absorve tudo, mas negocia o sentido da mensagem podendo aceitar ou rejeitar, ao todo ou em partes, a mensagem veiculada pelo emissor. Palavras-chave: Estética da Recepção. Subjetividade na recepção. Publicidade. Autismo

Considerações preliminares A televisão é concebida como um fenômeno social e cultural que, desde a sua invenção, revolucionou o mundo com um novo conceito de comunicação de massa. Nesse sentido, há os que a consideram a causadora da maioria dos males sociais e individuais que permeiam a sociedade, e os que a veem como uma diversão inofensiva, apenas mais um veículo de comunicação. Entretanto, em meio a esta discordância, permanece comum a consideração da televisão como um meio de comunicação com enorme poder de fascinação e penetração e um grande instrumento de persuasão. Com todo esse potencial, a televisão tornou-se o meio de comunicação predileto para a manifestação de outro fenômeno social do mundo capitalista – a publicidade - em que o enunciador se utiliza de uma linguagem tipicamente apelativa para seduzir o telespectador, conduzindo-o ao consumismo. No afã de tornar o produto conhecido no mercado, aumentado assim sua venda, as agências de publicidade e marketing usam e abusam da criatividade ao criarem anúncios que chamam a atenção e, de certa forma, divertem os telespectadores-consumidores. Nesse sentido, a publicidade se tornou, na moderna sociedade de consumo, uma eficiente forma de comunicação de massa e um poderoso instrumento capitalista na construção de uma sociedade caracterizada pelo consumo. Em seus primórdios, conforme nos informa Martins (1997, p.31), a mensagem da publicitária não passava de textos informativos acerca de determinados produtos, mas que, nas últimas décadas, foi evoluindo e agregando elementos de persuasão até se transformar no que é hoje – um incrível instrumento de sedução e conquista do consumidor, cujo propósito é a venda de produtos. Mas será que o receptor-telespectador-consumidor se deixa conquistar tão facilmente assim? Como e de que maneira se dá a recepção midiática do anúncio publicitário? Com o objetivo geral de examinar a subjetividade na recepção midiática, pretendemos identificar as formas de reação dos receptores à mensagem do anúncio de Havaianas, a partir de opiniões colhidas de internautas e veiculadas em um blog; e, 1

Mestre em Letras pela UFPI. Professor efetivo de Linguística da Universidade Estadual do Piauí-UESPI, campus Poeta Torquato Neto. Email: profmachado2012@gmail.com 310 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


especificamente, verificamos as diferentes marcas de subjetividade na recepção midiática, com foco na argumentatividade, observando essa subjetividade nas dimensões individuais e sociais ou culturais. Discussão teórica O estudo da comunicação humana é hoje um campo muito vasto e tem despertado interesse nos mais diversos e variados campos do conhecimento humano, da linguística à psicologia, e da comunicação social à cibernética. Modelos de comunicação e a história da literatura: um ponto em comum Segundo Barros (apud FIORIN, 2006, p. 26), a ideia de que a comunicação é uma transmissão de mensagens surge na obra pioneira de Shannon e Weaver, A Teoria Matemática da Informação (1949). Nesse modelo de comunicação comporta: um emissor, um destinatário e um canal. Coube, porém, ao formalista Roman Jakobson, no seu ensaio Linguística e poética, ampliar essas funções de três para seis, criando o modelo mais popular, que agora comporta seis fatores: um emissor, receptor, mensagem, contexto, contato, código. Conforme o próprio Jakobson (2007, p.123), ―cada um desses seis fatores determina uma diferente função da linguagem‖. Para Jakobson, a linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções. Nesse sentido, esse autor postula, em sua obra Linguística e Comunicação, o que denominou de funções da linguagem, quais sejam: emotiva – centrada no emissor, conativa - centrada no receptor, referencial – centrada no contexto, poética - centrada mensagem, fática - centrada no contato e metalinguística – centrada no código. É claro que não significa que haverá uma mensagem que concentre uma única função, mas, como defende o linguista, Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende bàsicamente da função predominante (JAKOBSON, 2007, p.122).

Entendida numa perspectiva estruturalista e formalista, o modelo proposto por Jakobson vem sofrendo, ao longo dos anos, duras e severas críticas. Pelos menos duas delas são dignas de serem mencionadas aqui: a primeira é o fato de ser um modelo linear e mecanicista, servindo apenas como modelo de comunicação entre máquinas. Não se pode pensar na comunicação na humana como mera troca de informações entre um emissor e um receptor inerte, cuja função seja apenas decodificar a mensagem enviada e responder conforme solicitação do emissor. É mais que isso. Em oposição a esse modelo mecanicista de comunicação surgiram concepções que veem o processo de comunicação como uma interação cooperativa entre indivíduos que contribuem em pé de igualdade para o desenvolvimento do processo comunicativo. Nesse sentido, segundo Barros, cinco aspectos chamam a atenção no exame da comunicação como interação:  em primeiro lugar, a questão de que, no processo de comunicação, os falantes se constroem e constroem juntos o texto;  em segundo, a questão das imagens ou dos simulacros que os interlocutores constroem na interação;  em terceiro, a questão do caráter contratual ou polêmico da comunicação;  em quarto, a questão de que ao considerar a relação entre comunicação e interação não é mais possível colocar a mensagem apenas no plano dos significantes ou da expressão;  em quinto, a questão do alargamento da circulação do dizer na sociedade (BARROS apud FIORIN, 2006: 43).

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Uma segunda crítica que tem sido desferida contra o modelo linear de comunicação é o fato de deixar de fora questões relacionadas à recepção do destinatário, isto é, não levar em conta que o destinatário não é um mero decodificador, ele faz parte do processo de comunicação como um agente que pode aceitar, rejeitar ou negociar a mensagem; e mais que isso, ele faz parte da construção da própria mensagem. Algo semelhante aconteceu à história da literatura, que se concentrava apenas no autor e na obra, deixando de fora o leitor. Coube, então, a Hans Robert Jauss e seus colegas da Escola de Constança, no final da década de 1960, retomarem a problemática da história da literatura enfocando, desta vez, o papel do receptor/leitor. É Jauss quem traz de volta esse terceiro elemento do circuito literário, isto é, o leitor. Foi somente a partir daqui que surgiu a Estética da Recepção, disciplina que passa a centrar-se no leitor, tomando como objeto de investigação os múltiplos fenômenos que envolvem a recepção da obra de arte. Diante disso, surge, então, a necessidade de uma nova concepção de leitor; é preciso conhecer, conforme Jauss (1994, p. 23), ―seu papel genuíno, imprescindível tanto para o conhecimento estético quanto para o conhecimento histórico: o papel de destinatário a quem, primordialmente, a obra literária visa‖. Dessa forma, enquanto o marxismo dissolvia o leitor em classes sociais e o estruturalismo anunciava a autonomia do texto, Jauss recoloca o leitor em seu lugar de honra, que passa a ser visto como a terceira instância, a instância de mediação da história da literatura. Nessa perspectiva, a recepção da arte deixa de ser apenas um consumo passivo, passando a ser uma atividade estética. A recepção midiática e a subjetividade na recepção A ideia de recepção midiática como consumo cultural surgiu com as críticas à ―cultura de massa‖ e seu mecanismo de difusão. Ela diz respeito à percepção, cada vez mais imediata, de produtos da mídia, únicos capazes de difundir bens culturais em grande escala. O consumo cultural midiático marca socialmente o receptor, classifica-o em grupos de consumidores, descriminando-o. Mas ao falar de recepção midiática é preciso discutir também o tema da subjetividade na recepção. Segundo Barros Filho (1995), os estudos sobre as relações mídia-receptor são de difícil abordagem em seu conjunto, visto que oscilam entre dois polos: de um lado estão aqueles que enfatizam os superefeitos da mídia sobre a sociedade, entendo o receptor com uma espécie de esponja que absorve sem nenhum senso crítico tudo que recebe, é o chamado mongolismo na recepção midiática. Do outro lado estão aqueles que supervalorizam a capacidade do receptor de resistir, selecionar, negociar, barganhar e interagir com os sentidos produzidos pela mídia, é o autismo na recepção midiática. Entre o mongolismo e o autismo, os estudos sobre a subjetividade na recepção, ao longo dos anos, têm passado por várias fases que permitem perceber, no estado atual, certa tendência em acentuar a postura ativa do receptor diante da mensagem midiática. A audiência ativa seria composta por receptores cognitiva e afetivamente envolvidos pelo conteúdo consumido e capazes de limitar intencionalmente os efeitos da mídia sobre eles. Essa postura, no entanto, tem sido alvo de abundantes críticas pelo fato de que a própria seletividade da audiência é condicionada pelo número de possíveis escolhas que um receptor tem à sua disposição. Para os defensores dos efeitos limitados da mídia sobre a audiência, a comunicação de massa não é, por si só, suficiente para engendrar efeitos na audiência, a mídia age sobre seus receptores, mas o faz associada a outros fatores. Segundo Barros Filho, Essa limitação dos efeitos da mídia teria uma dupla causa: de um lado, a existência de uma rede de comunicações interpessoais que concorrem na produção e principalmente na difusão de informações e, de outro, os mecanismos seletivos que cada receptor coloca em prática e que condicionam a sua exposição, atenção, percepção e retenção da mensagem recebida (BARROS FILHO, 1995, p. 127).

De forma geral, entendia-se que num processo de consumo de produtos midiáticos o receptor carecia de proteção pelo fato de estar exposto e indefeso, a mercê de informações sem freios; no entanto, numa concepção de receptor como um ser inteligente e seletivo, é dispensado qualquer tipo de proteção. 312 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Representado metaforicamente como um filtro quadrifásico, o processo seletivo de recepção midiática comporta, pelo menos, quatro etapas: exposição, atenção, percepção e retenção seletivas. A exposição seletiva é, segundo Barros Filho (1995), ―a tendência que tem o receptor de se expor a produtos midiáticos que estejam de acordo com as estruturas de classificação do mundo social interiorizadas durante sua trajetória social‖. Essas estruturas são geradoras de convicções e comportamentos no receptor. A exposição é sempre seletiva no sentido de que toda exposição pressupõe uma seleção. Dessa forma, diante de duas mensagens hipotéticas, o receptor se exporá àquela que contenha informações que estejam de acordo com pontos de vista tomados anteriormente, essa é uma questão de exposição defensiva e dissonância cognitiva, fatores que incidem no processo de seleção de mensagens na exposição. O receptor não se exporá a mensagens que contenha referências incompatíveis (crenças, informações), visto que essas mensagens gerarão desconforto psicológico causado pela dissonância cognitiva. Barros Filho defende (1995), que ―a redução da dissonância cognitiva na recepção da mídia significa evitar as informações dissonantes (desfavoráveis) e selecionar as informações consonantes (favoráveis)‖. Por outro lado, o receptor só se exporá à informações dissonantes quando deseja reforçar suas convicções, buscando, na argumentação dessas mensagens, suas debilidades. Por essa razão, segundo esse autor, ―as comunicações atingem principalmente os já convencidos e menos aqueles que precisamente visavam convencer‖. Na perspectiva de um leitor ativo no processo de recepção, que leva em consideração a utilidade da informação, Davison (apud Barros Filho, 1995) observou que ―a audiência é composta por indivíduos que têm demandas, que solicitam algo da comunicação à qual estão expostos e que selecionam aquelas que podem lhes ser úteis. Trata-se de uma barganha‖. Por outro lado, alguns estudos têm associado a recepção de produtos midiáticos à questões de personalidade, carências afetivas, sonhos e fantasias do receptor. Dessa forma, todos esses fatores partem do pressuposto de que a exposição do receptor a determinado produto midiático implica sempre numa escolha. Por conseguinte, o receptor é livre para se expor ou não a um determinado produto midiático. Mas quando um receptor se expõe a um produto midiático, a recepção como um processo subjetivamente marcado passa por etapas que a configuram como tal. Essas etapas são: a percepção e retenção seletivas, e a recepção como interação ou consumo. É através dessas etapas que a recepção se mostra como algo que vai além de uma simples seleção de elementos da mensagem e passa a ser vista como um processo de negociação que não só classifica o leitor como o faz existir socialmente. A percepção, conforme Berelson e Steiner (apud Barros Filho, 1995), é um ―processo complexo pelo qual as pessoas selecionam, organizam e interpretam estímulos sensoriais num quadro coerente de sentido‖. Já a retenção seletiva pode ser entendida como a capacidade de recall (chamar na memória) certos segmentos da mensagem veiculada e não outros. Nesse sentido, é certo afirmar que há uma estreita relação entre o capital cultural do receptor e a retenção da informação. No que tange à questão da recepção como interação ou consumo, é preciso levar em conta o contrato de comunicação que estuda a relação entre emissor e receptor. Nesse contrato, emissor e receptor participam de um processo de barganha, cujo procedimento enfatiza a dimensão ativa da audiência. Dessa forma, por sua participação no contrato de comunicação, por sua compreensão individual e pelo desenvolvimento progressivo que opera na instauração do diálogo o receptor é um criador de mensagens. Cada receptor é um agente social que durante sua trajetória de relações sociais se submete a um aprendizado constante. Nessa perspectiva, determinado produto cultural pode parecer ridículo a uns e agradável a outros; o que há é um processo de inadequação ao primeiro e adequação ao segundo, tendo em vista níveis de exigência cultural de um e de outro. Dessa forma, o consumo de um produto midiático deve ser entendido como uma conduta ativa e coletiva, uma moral, uma instituição, um modo específico de socialização que passa para a mentalidade, para a ética e para a ideologia cotidianas. Quanto à produção e recepção do anúncio publicitário, o trabalho de construção sócio-cultural e suas funções persuasivas têm uma importante dimensão cognitiva. Durante a compreensão, as informações são estrategicamente decodificadas, interpretadas e representadas na memória, fazendo com que os sentidos Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 313


produzidos pela mensagem compartilhada sejam alvos de negociação e barganha por parte do receptor. E nesse processo de recepção da mensagem, a subjetividade do receptor se deixar marcar, sobretudo na forma como este recepciona o produto midiático. A subjetividade na recepção do discurso publicitário da Havaianas O anúncio publicitário é um produto cultural, uma forma de produção, circulação e consumo do discurso capitalista do consumismo. Toda publicidade é uma mensagem porque comporta uma fonte de emissão - que é a empresa a quem pertence o produto lançado; um ponto de recepção - que é o público; e um canal de transmissão - que é aquilo a que se chama de suporte de publicidade. Como nossa atenção se voltará apenas para a questão da recepção da do discurso publicitário, perguntas do tipo como é constituído um texto publicitário não está na ordem de nossas preocupações. Por questões didáticas (trata-se de anúncio televiso), passaremos agora à descrição do comercial veiculado. Faremos apenas uma descrição breve, reproduzindo as falas dos personagens, visto que não se fará aqui uma análise da peça publicitária em si, mas de sua recepção por parte dos telespectadores-consumidores. Contextualização e descrição do corpus O comercial foi ao ar pela rede de TV aberta (rede Globo de televisão) no início do mês de setembro de 2009. Logo após suas primeiras exibições, o anunciante começou a receber reclamações de telespectadores, manifestadas de diversas maneiras (entre elas pela internet), que se sentiram "chocados" com o diálogo de uma das personagens. O caso acabou gerando uma ação no Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) na semana seguinte à estreia do filme. Mas antes que o processo fosse julgado, o comercial fora tirada do ar e reelaborada a pedido da Havaianas. Vejamos agora a descrição do primeiro comercial e do seu remake. a) A primeira versão do comercial da Havaianas: Cenário: avó e a neta conversam em um restaurante: Avó: – não acredito que você veio pro restaurante de chinelo. Neta: – deixa de ser atrasada, vó, não é chinelo, é havaianas, havaianas fit, dá pra usar em qualquer lugar. Avó: – que é bonitinha é. Entra no restaurante o ator da TV Globo, Cauã Reymond. Neta: – olha lá, vó! Avó: – é aquele menino da televisão! Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você. Neta: – ah, mas deve ser muito chato casar com famoso, né? Avó: – mas quem falou em casamento, eu tô falando de sexo. A neta surpresa e um pouco embaraçada responde: Neta: – vó!!! Avó: – e depois eu é que sou atrasada?! b) O remake do comercial ficou assim: Cenário: é apresentada a primeira fala da personagem da neta. Neta: – deixa de ser atrasada, vó, não é chinelo, é havaianas - havaianas fit, dá pra usar em qualquer lugar. Em cena, a personagem da avó sozinha sentada numa poltrona, caracterizando outro cenário e com um notebook sobre as pernas, dialoga com telespectador dizendo: Avó: - Algumas pessoas reclamaram da propaganda das novas havaianas fit, em respeito a elas a Havaianas decidiu tirar o comercial da TV; por outro lado, algumas pessoas adoraram a propaganda, em respeito a elas, a Havaianas decidiu manter o comercial na internet. Democrático, né? Se você quiser assistir o comercial, entre no site! Viu como eu sou moderninha. 314 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Como se vê, nesse novo filme, a senhora (avó) explica ao público que a Havaianas tinha decidido tirar o comercial da TV porque algumas pessoas tinham reclamado. Mas ela também diz que, como muita gente tinha gostado, e como a marca de sandálias era muito democrática, a versão original do filme continuaria a ser exibida na internet. Análise do corpus Como e de que maneira se deu a recepção midiática desse anúncio? Como o receptor-telespectadorconsumidor recebeu o discurso publicitário da Havaianas? Que marcas de subjetividade se pode verificar na recepção midiática desse comercial de TV? Diante da impossibilidade de se captar todo o universo da recepção de um produto midiático como um anúncio de TV, tomamos como amostra dessa recepção somente algumas opiniões de internautas a respeito dessa peça publicitária, emitidas em um blog2 , e selecionadas mediante duas posturas quanto ao referido discurso publicitário: – os que aprovavam e os que reprovavam a mensagem publicitária. Para isso, diante da complexidade desse tipo de pesquisa, nos limitamos a analise de oito opiniões, sendo quatro de cada postura. Para preservar a originalidade das opiniões emitidas no blog pelos internautas, as transcrições são ipsis litteris, inclusive com erros gramaticais e ortográficos que são típicos do ―internetês‖ utilizado nesse tipo comunicação. a) Os que reprovam a mensagem do comercial O autismo na recepção midiática enfatiza a capacidade que o receptor tem de limitar intencionalmente os efeitos da mensagem midiática sobre si. O autista resiste, seleciona, negocia (às vezes pode rejeitar por completo) e interage com os sentidos produzidos pela mídia. O receptores que reprovam a mensagem do comercial da Havaianas, em sua totalidade, argumentam que o comercial é uma ofensa à família e aos valores morais da família. Um receptor A, argumenta: ―Sou mãe

de cinco filhos, tenho uma filha de 12 anos e me senti profundamente agredida com essa propaganda! Nunca vi um mau exemplo apresentado de maneira tão ofensiva e descarada na TV!‖ Na opinião desse receptor, a mensagem do comercial agride as pessoas por se constituir num forte apelo sexual. Argumenta: ―Nunca vi tamanha apelação! O que uma adolescente vai pensar ao assistir uma coisa

dessas?! Vendo a própra avó dar um mau exemplo tão horrível para a neta???‖

Alguns receptores reprovaram a mensagem do anúncio não pelo seu conteúdo e sentidos produzidos e veiculados, mas pelo horário da veiculação do comercial. Um receptor B argumenta: ―...a propaganda da

havaianas me surpreendeu...achei um absurdo... que passe em um outro horario, e ñ em horarios que as crianças estão assistindo desenhos...‖ Para esse receptor/consumidor, as crianças não poderiam assistir ao

comercial porque cabe à família a orientação sexual dos filhos, e não à TV. Na verdade, argumenta o receptor B, a questão é mesmo o modo como a mensagem é construída em sua referência ao sexo. Para esse receptor, há um incentivo à prática precoce de relações sexuais. Afirma ―. .. hj em dia as crianças são obrigadas a

apreenderem sobre sexo mais cedo, tudo bem condordo! agora vamos deixar as crianças serem crianças, e não passar um mal exemplo desse da vovó...‖ Nesse sentido, os sentidos construídos pela mensagem do anúncio são de certa forma rejeitáveis e dignos de ―censura‖. O receptor C, na mesma linha argumentativa dos anteriores, critica a marca Havaianas, lamenta que idosos, cuja imagem culturalmente sempre foi sagrada, estejam envolvidos nesse tipo de discurso. Este sujeito argumenta: ―e triste ver uma velhinha fazendo um comercial absurdo nesse ela e um mal ex. aimda bem que

saiu,as havaianas errou feio.nota 0 para as havaianas e a v.o que as pessoas nao por um bom dinheiro.nos estamos no tempo de sodoma e gormorra.ne os mas velhos tem respeito. o casamento e sagrado‖. O receptor 2

Blog do Sidney Resende - http://www.sidneyrezende.com/noticia/57434/?&p=2 – acessado em 10/01/01

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acredita que os valores defendidos nesse anúncio são imorais, destroem o casamento e compara a sociedade que aceita esses posicionamentos com Sodoma e Gomorra, duas cidades que, conforme o relato bíblico, foram destruídas por causa de sua extrema imoralidade sexual. O receptor D mostra-se indignado com a mensagem do anúncio das Havaianas e ao mesmo tempo muito satisfeito com o fato de que o mesmo tenha sido ―censurado‖. Contesta: ― Eu achei ótimo a ideia de TIRAR

aquele LIXO do ar. O mundo em que estamos já é do jeito que é e ainda vem um comercial RIDÍCULO como esse! Foi um absurdo! Que horror aquela velha falando aquilo. Já basta as safadezes do dia a dia, e agora mais essa! Aaaa me poupe... CONCORDO EM TIRAR DO AR SIM‖.

Como se pode perceber, os quatro receptores/consumidoressupra citados esboçaram uma atitude de rejeição e uma postura hostil em relação ao discurso do comercial da Havaianas. Consequentemente, rejeitando os efeitos de sentidos veiculados, se deixam marcar subjetivamente por argumentações que permitem não só perceber a forma como recepcionam a mensagem da peça publicitária, como também permitem identificar certas formações discursivas e ideológicas típicas de alguns grupos sociais. Nesse sentido, percebe-se também como a mensagem do comercial foi recebida social e coletivamente. É possível dizer que, para esses receptores, o contrato de comunicação com o emissor – a marca Havaianas - não se estabeleceu porque os receptores, embora expostos à exposição da mensagem, pela dissonância cognitiva, isto é, pelo fato de que as referências e os sentidos produzidos pela mensagem da peça publicitária serem incompatíveis com crenças, ideias e informações anteriores, causaram desconforto psicológico nesses receptores, levando-os a rejeitarem a mensagem. Não se pode ignorar que o consumo de um produto midiático deve ser entendido como uma conduta ativa e coletiva, um modo específico de socialização que passa pelo crivo da ética e da ideologia cotidianas. Ao falar de sexo, um assunto que ainda é visto como um tabu na sociedade brasileira do século XXI, a mensagem gera desconforto psicológico em um grupo de receptores/consumidores, levando-os a rejeitarem ao todo ou em parte os sentidos veiculados pela mensagem. b) Os que aprovam a mensagem do comercial da Havaianas Como dito alhures, cada receptor é um agente social que durante sua trajetória de relações sociais se submete a um aprendizado constante. Assim, determinado produto cultural pode parecer ridículo a uns e agradável a outros; o que há é um processo de inadequação ao primeiro e adequação ao segundo, tendo em vista níveis de exigência cultural de um e de outro. Um grupo de receptores/consumidores se posiciona exatamente na contramão do grupo anterior examinado. Para esse segundo grupo de creceptores, a mensagem da Havaianas é inocente e visa apenas chamar a atenção do telespectador para o produto anunciado. A esse respeito, argumenta um receptor E: ―...particulamente amei a propaganda; da foma em q a vóvo falou principalmente, até pq a onde ñ se comenta sobre 'sexo...adorei a propaganda‖. Para esse grupo de receptores/consumidoresa mensagem foi absolvida sem nenhuma resistência. Pelo contrário, a forma como,principalmente, o assunto sexo foi abordado pelo comercial foi, segundo esse receptor, aceitável e até elogiável. Nesse mesmo grupo de receptores, o receptor/consumidor F aprova a mensagem do comercial e a forma como foi construída argumentando que o fato da peça publicitária tocar no temido assunto do sexo, não deveria causar estranheza, dado que as programações televisas no Brasil não só falam abertamente de sexo, como também exibem cenas eróticas. Afirma: ―Eu não vejo mau algum no comercial, muito pelo contrario

ADOREI!!! O fato de se falar de sexo é normal, o pior é ter que ver mulheres frutas e tudo quanto é tipo de mulher pelada o dia inteiro na televisão‖. O receptor F ainda questiona que, se cenas picantes são exibidas pela TV aberta brasileira no horário nobre, e contra isso não há retaliações, por que repudiar um comercial só por falar de sexo? Argumenta ainda que a educação sexual dos filhos é responsabilidade dos pais, que ao invés de ensinarem, superprotegem-nos, deixando-os a mercê. Falando de uma adolescente de 11 anos que havia engravidado, argumenta: ―...pode ter certeza que um comercial assim chega a ser ingenuo perto do que ela ja

sabe fazer... ah! e se ela não soube se previnir provavelmente é porque tambem uns desses pais caretas que querem protejer os filhos sem ensinar como...‖ 316 | Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017


Como se vê, uma página eletrônica como um blog se constitue num espaço onde se travam verdadeiras batalhas discursivas e ideológicas. As opiniões são emitidas como réplicas ou tréplicas em relação à opinião anterior. Surgem como respostas em linguagem variante e livre às opiniões que são emitidas pelos interlocutores acerca de um determinado assunto que está muito em voga. A temática do sexo que é explorada pelo comercial parece ser, segundo os receptores dos dois grupos antagônicos, a principal questão geradora de divergências entre si. O grupo dos que aprovam a peça publicitária e que a receberam sem nenhuma resistência cognitiva, tentam justificar toda a polêmica que envolve a recepção do comercial levantando outra questão polêmica: a luta entre machismo e feminismo na sociedade moderna. O receptor Gilustra bem esse argumento: ―O comercial incomoda muuuuito ao gênero

masculino, ele atinge a estrutura patriarcal da sociedade. Avó e neta falando sobre sexo...e de uma forma bem feminina de ser. Eu quero parabenizar os criadores... nota 10 pra vcs, rapazes!‖ Para esse receptor, a

mensagem do comercial ―não tem nada demais‖, desviando a polêmica para a tradicional guerra entre gêneros. O receptor H sai em defesa da mensagem publicitária do discurso da publicidade da Havaianas argumentando que toda a polêmica na recepção do comercial éjustificada apenas pela hipocrisia das pessoas em recriminar o comercial e argumenta que as crianças da nossa geração estão habituadas a ouvir falar de sexo em todos os meios e lugares, inclusive na TV, e que podem discernir o que lhes é ensinado. Defende o receptor G: ―...pois hoje as crianças são muito espertas e entendem muito bem o que explicamos dentro do que

podem compreender, como é orientado por qualquer profissional quando nos informamos. A propaganda é uma gracinha... PARABÉNS aos produtores‖. A recepção do produto midiático para esses receptores/telespectadores/consumidores se deu sem nenhuma, ou pelo menos, sem muita resistência. Os sentidos produzidos e veiculados pela mensagem publicitária foram decodificados e aceitos por esse grupo de receptores. Isso acontece porque a exposição ao produto midiático e sua mensagem tem a seu favor aquilo queBarros Filho (1995) chama de ―redução da dissonância cognitiva‖. Isto é, na recepção da mídia, o receptor geralmente evita as informações dissonantes (desfavoráveis) e seleciona as informações consonantes (favoráveis). Para esse grupo de receptores, as referências e os sentidos produzidos pela mensagem da peça publicitária são compatíveis com suas crenças, ideias e informações anteriores. Por isso a mensagem midiática não lhes causa nenhum desconforto psicológico, levando-os a consumirem a mensagem e aceitarem seus pressupostos ideológicos sem resistência. É nesse sentido que Barros Filho afirma que ―as comunicações atingem principalmente os já convencidos e menos aqueles que precisamente visavam convencer‖. Algumas considerações finais A comunicação assegura a transmissão de conhecimentos, de informação e da experiência permitindo a perpetuação e a identificação da comunidade. A linguagem, inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos. É o instrumento graças ao qual o homem forma o seu pensamento, os seus sentimentos, as suas emoções, os seus esforços, a sua vontade e os seus atos, o instrumento com o qual influencia e é influenciado. Mas a comunicação humana todavia tem haver não somente com a produção da mensagem que é recebida por um receptor inerte e passivo. A Estética da Recepção alerta-nos que a recepção da mensagem é um importantíssimo aspecto do processo de comunicação, e que o receptor não deve ser visto, como o foi em algumas teorias da informação, como um uma fonte receptora passiva da mensagem veiculada, mas, muito pelo contrário, como uma espécie de agente de câmbio, constantemente negociando o sentido da mensagem, quer aceitando-a, quer rejeitando-a. As análises feitas ajudam-nos a confirmar duas hipóteses básicas na recepção midiática. A primeira é a existência da dimensão ativa da audiência. O receptor não é uma esponja, que simplesmente absorve tudo, mas negocia o sentido da mensagem podendo aceitar ou rejeitar, ao todo ou em partes, a mensagem veiculada pelo emissor. A segunda é o postulado da consonância e dissonância cognitiva na seleção, exposição, atenção e retenção da mensagem midiática. Isto implica dizer que o receptor só se exporá àquela mensagem cujas Anais do Encontro Nacional Discurso, Identidade e Subjetividade, v.1, n.2, agosto, 2017 | 317


referências e sentidos produzidos sejam compatíveis com crenças, valores, ideias e informações assumidas anteriormente, ou seja, toda recepção passa pelo filtro da ética e da ideologia do receptor. Neste caso específico, um grupo de receptores, ao sentirem desconforto psicológico causado pela dissonância cognitiva, isto é, a veiculação de informações dissonantes, ―obriga‖ o emissor a alterar os modos de apresentação do conteúdo da mensagem. Por outro lado, outro grupo de receptores recebe a mensagem midiática sem resistência por uma questão de consonância cognitiva. As análises das opiniões dos internautas emitidas no blog permitiram-nos também identificar a forma polarizada de como os receptores/consumidores reagiram à mensagem do anúncio publicitário da Havaianas e de como, por meio da argumentatividade, os receptores se deixaram marcar subjetivamentena recepção midiática. A subjetividade pode ser percebida não somente na dimensão individual, mas, sobretudo, na dimensão social ou cultural. Cada receptor é um agente social que durante sua trajetória de relações sociais se submete a um aprendizado constante. Não é sem razão que determinado produto cultural pode parecer ridículo a uns e agradável a outros, visto que o que há é um processo de inadequação ao primeiro e adequação ao segundo. O anúncio publicitário, como produto midiático a serviço de uma cultura do consumo, seduz enquanto encanta, polemiza e, principalmente, vende. Toda a polêmica (proposital, é claro!) entorno da forma como a mensagem publicitária da Havaianas foi construída e, consequentemente recebida, só favoreceu o seu objetivo último – vender o produto anunciado. Referências BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1992. BARROS FILHO, Clóvis. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 1995. BARROS, Diana. L. P de. A comunicação humana. In FIORIN, J. L. (org). Introdução à Lingüística. São Paulo: Contexto, 2006. CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática, 1990. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 2007. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. JAUSS, Hans Robert...et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MARTINS, Jorge S. Redação Publicitária: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997. PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. 2ed. São Paulo: Hacker editora, 2002.

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