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Sujeito contido, verbo livre

Sujeito contido, verbo livre Sulamita Marques Para Piêtra, com saudades

Este texto precisa caminhar onde não vou e ver o que meus olhos não podem. Estou parada no espaço, mas corro no tempo. Escrevo e digo além de mim, ouço além do outro, sou permeada pelo mundo que imagino, cadeira de rodas feita de cadeira, duas rodas de bicicleta e duas rodas de triciclo infantil. Em meus sonhos sou engenheira, sou anfitriã e cozinheira de multidão. Eu não canto, eu tô trabalhando, eu sou humano. Tento cantar e os dedos doem pressionados nas cordas ácidas da vida. Veneno de formiga, cortador de legumes. Um dia o mundo vai lembrar de tudo assim como eu me lembro do mato. Hoje todos estamos em cubos ramificados em outros cubos, cuja porta-liberdade dá de frente pra rua proibida. Lugar do vírus, natureza. É proibido sair, é proibido pisar no chão e sentir o cheiro do mato. É obrigatório a prisão dos olhos ao movimento lento da barata que come os dedos dos pés do mendigo. Ele não tem casa. É obrigatório contar os passos da formiga amarela, número, distância percorrida da porta da sala ao buraco da pia. De tudo isso eu sei e não sei. No escuro penso nos meses, pais e irmã. Amo. Durmo quente, feliz e crente que vou acordar dormindo amanhã. Não sei se é domingo, mas eu vou estar presente no mesmo lugar e ausente do ônibus que corre pela Cosme Ferreira. Meu bairro não para, assim como não param os pés escravos nas pinguelas e o estupro nas terras indígenas. Eu não estou sozinha. Onde eu piso muita coisa aconteceu. E sobre as marcas escondidas pelo cimento-asfalto, as pessoas andam como se não houvesse doença nem (des)governo. Vivo enquanto na casa da frente uma mulher ouve gritos e chora. Vivo enquanto um bebê morre por falta de oxigênio dentro da nave mãe. Sangue, vírus. Às vezes também me falta ar. Pausa. Olho o movimento da rua, encruzilhada. Tiro a máscara para o ar anistiado entrar. Contaminado. Higienizo meus olhos com a língua comprida que tenho. Converso com a mesinha para saber se há esperança. Viro na cama, me torno mosquito. Ouço o apito da fábrica que produz massa. Nada é tão frágil quanto a massa. Cuidado. Eu só sei que existo por causa do tempo que passou. Por isso tudo que escrevo é o que preciso escrever. E um dia ainda vou ler em voz alta para que

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você ouça em um fone ou numa caixa de som. Distanciamento. Do fim ao começo, sempre estivemos afastados, assim como dizia o professor de física na sala 4 naquela terça-feira de 2004. Nenhum corpo se toca, minha boca nunca tocou coisa alguma. Meu corpo mente. “Atualizaram a lista do corona, bebê. Três mortes agora.”.

Até logo.

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