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Preciso te conhecer
Preciso te conhecer Denise Doro
Hoje fazem exatamente cem dias que me encontro isolada do convívio social.
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Seguindo as recomendações dadas para esse período de Pandemia, jamais imaginei que chegaria aos quarenta e cinco anos para vivenciar esse caos mundial.
Sou Anita, estatura mediana, cabelos castanhos, sócia numa loja de produtos para beleza, que se encontra fechada por motivos óbvios.
Desde que tudo começou, minha sócia por ter condições financeiras excelentes, preferiu parar com as atividades e somente retornarmos quando o evento terminar. Causou-me um grande temor, pois não sabemos quando terminará. No início pensei em dissolver a sociedade, mas ela preferiu resolver toda a parte jurídica, porque não tínhamos empregados, acertou acordos com nossos fornecedores, e assumiu as dívidas a serem pagas alegando que depois eu a ressarciria, já que a loja é dela.
Essa atitude me tranquilizou um pouco. Hoje, passados tantos dias, começo a preocupar-me.
Tendo um casamento desfeito e sem filhos, morando sozinha num apartamento minúsculo na cidade de Juiz de Fora, a solidão vem me afetando de todas as maneiras.
Apesar de nada me faltar, porque tenho boas reservas, o fato de não poder ver meus familiares, que residem em outro Estado e sair para estar com amigos trouxe-me uma angústia sem medidas.
Comecei a usar mais o smartphone e nessas horas de vida virtual instalei a conselho de uma amiga um aplicativo de relacionamentos. Confesso que nunca fui muito simpática a eles. Sei de histórias bizarras e outras muito desconcertantes ocorridas com pessoas que conheço. Porém, no ímpeto de me distrair, queria mesmo era brincar. E se me aborrecesse sairia da mesma maneira que entrei.
A saudade de estar com alguém, ser abraçada e abraçar, ser beijada e beijar, me consumia. Existem dias que choro muito. Já em outros me animo um pouco. O smartphone ajuda a conter a distância, não sendo a mesma coisa quando usamos como a única alternativa de relacionamento à distância.
Ao entrar fiz um perfil sem muitas informações, porque sei dos perigos do excesso dessas nas redes sociais. O pouco que escrevi era verdadeiro. Uma foto bem recente e pronto. Arranjei nova distração.
As curtidas não paravam e fui me empolgando. Tive uma abordagem por mensagem de um homem extremamente grosseiro. E o coloquei em seu devido lugar, bloqueando-o.
No entanto, essas mensagens de cantadas indecorosas não cessavam... Ao fim de dois dias resolvi desinstalar o aplicativo. Ao entrar para deletar o perfil e a conta me deparei com uma mensagem muito educada de um homem residente no Estado do Rio de Janeiro, numa cidade serrana chamada Petrópolis. Olhei seu perfil e constatei de que se tratava de um homem maduro, cinquenta e cinco anos e de boa aparência. A profissão que lá estava era de advogado.
Diante de alguém tão amável, resolvi continuar a conversa. Acabei fazendo o que não queria, mas ele foi persuasivo. Trocamos número de celular e WhatsApp.
No WhatsApp estabelecemos muitos bate-papos. De início eram muito sobre nossas vidas e gostos. Combinamos de não usarmos o recurso de vídeo até que víssemos alguma possibilidade de relacionamento e isso durou exatamente um mês. Ao final já parecia termos confiança suficiente para as ligações pelo telefone. Dessa maneira tal como os diálogos escritos passaram a ser telefonemas longos todas as noites. Ele estava trabalhando em casa durante esse período.
Após dois meses resolvemos abrir conversas com vídeo para nos vermos através dele.
Foi de um impacto benéfico, já estávamos apaixonados pela voz, pelos gostos e pelas inúmeras afinidades. Eu conhecia por fotos a família dele e ele a minha. Sentimos que se tratava de uma relação mais que de amizade. Tivemos uma química muito forte.
Tal acontecimento veio reafirmar que realmente teríamos tudo para dar certo. Nas conversas de vídeo ele me apresentou sua casa, todas as dependências, seu cachorro, enfim, eu fiz o mesmo.
Em nossas comunicações que já duram oitenta dias, fazemos muitos planos, porém, o principal será nos conhecermos pessoalmente. Podemos nos abraçar e nos beijar.
Nosso único impedimento são as restrições da Pandemia e nada mais.
Entre os sonhos que temos, o primeiro é passarmos um fim de semana juntos numa pousada da cidade onde ele reside. Ali veremos se um convívio mais íntimo será capaz de reafirmar o que pensamos sentir um pelo outro. Se percebermos que é autêntico faremos de tudo para ficarmos juntos numa vida em comum. Serão feitos ajustes em nossas vidas. Só quando estivermos frente a frente poderemos resolver e traçarmos nossa vida dali pra frente.
À princípio, desejo ficar aqui, caso isso não seja possível, terei que sair da sociedade e mudar-me para Petrópolis. É uma experiência inusitada. Muita ansiedade e questionamentos tipo: – E se eu não gostar do jeito dele? – E se ele não gostar de mim como através do celular?
Muitas dúvidas passam pela minha mente e pela dele.
O que posso afirmar é que vou pagar minha língua, pois sempre julguei as pessoas que diziam ter se conhecido pelas redes sociais e que acabaram casados e vivendo muito bem. Eu tinha um preconceito em relação ao assunto. Certamente eu estou contando os dias para ter a oportunidade de estar com Carlos.
Somente uma coisa eu tenho que fazer... Preciso te conhecer.