processodeaquisiçãodeconhecimento,visandoaumdeterminadodesempenhodoalu-no;oprofessoréoencarregado

Page 1

A propósito da educação Concerning education

André Alexandre Osmo1 Eduardo Marcondes2

Nota do Editor Médico A seção "Ensino" de Pediatria (S. Paulo) tem oferecido aos leitores artigos centrados na apresentação e discussão de aspectos essencialmente ligados ao ensino da Pediatria. Neste fascículo, Pediatria (S. Paulo) publica um tema ligado à educação como um todo que nos parece extremamente útil a todos que se interessam pelo processo ensino/aprendizagem. Trata-se de um segmento da Dissertação de Mestrado do primeiro autor "Avaliação da Implantação do Programa de Pediatria Clínica para os Alunos do Sexto Ano de Medicina no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo." Pode-se considerar aprendizagem como um processo de aquisição de conhecimento, visando a um determinado desempenho do aluno; o professor é o encarregado de fornecer estímulos para que ocorra a aprendizagem do indivíduo ou do grupo21'28'30 Segundo Oakeshott, "a aprendizagem é a atividade compreensiva pela qual conhecemos a nós mesmos e ao mundo que nos rodeia.

Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. 1. Mestre em Pediatria pela FMUSP. Médico Assistente da Divisão de Pediatria do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. 2. Ex-Professor Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

É uma atividade que só pode ser empreendida por uma inteligência capaz de eleição e autodireção, em relação com seus próprios impulsos e ao mundo que a rodeia"21. Quando realmente existe aprendizado, ocorre uma mudança no desempenho, uma mudança de postura, e portanto uma conseqüente mudança de tipo de vida; de certa forma, representa abdicar de uma posição conhecida e cômoda, muitas vezes passiva, para assumir uma posição diferente, desconhecida, que requer uma postura ativa11. O ensino é o processo pelo qual são criadas situações visando à aprendizagem, É, portanto, uma atividade intencional, orientada para a aprendizagem do educando. O ensino não é um fim em si, mas um meio para a aprendizagem. O ensinar está sempre correlacionado com a sua finalidade: o aprender30. Ensino e aprendizagem são, assim, interpendentes. Como qualquer concepção de ensino está sempre relacionada a uma dada concepção de aprendizagem, a maneira pela qual os indivíduos aprendem pode servir como substrato para orientar a maneira de o professor ensinar29. A aprendizagem de uma pessoa é influenciada pela atitude que assume para consigo mesma, por seu nível de ansiedade, por fatores genéticos, por condições biológicas, por experiências passadas e presentes, pelo ambiente sócio cultural, etc.. Determinar como estes vários fatores interagem é muito difícil, daí a origem das diversas explicações para o processo de aprendizagem que podem ser encontradas na pedagogia31.

A Pedagogia é a reflexão sistemática sobre a educação12. Consiste em teorias de como conceber a educação. O papel da Pedagogia é o de guiar, esclarecer e auxiliar a prática educativa, remediando as lacunas existentes e corrigindo as insuficiências observadas8'11. A Pedagogia está ligada à Filosofia, à Psicologia, à Sociologia e outras disciplinas, embora seja, uma ciência autônoma. Existe uma sólida interligação entre sociedade e sistema escolar. Questões de economia, política, cultura e ideologia estão interligadas às questões do sistema escolar, da filosofia de ensino, das instituições escolares e também às questões técnico pedagógicas como a elaboração de objetivos, currículos, trabalho docente e critérios e modos de avaliação31. Sintéticamente, as principais teorias pedagógicas da aprendizagem podem ser condensadas em três vertentes, todas relacionadas a correntes de pensamento da Psicologia. A vertente comportamental reúne, entre outros, psicólogos como F.B.Skinner, Robert Thornidike e Clark Hull. As suas conclusões sobre a aprendizagem são emitidas com base na observação de comportamentos. Há grande ênfase na objetividade e nos aspectos que são claramente mensuráveis e definidos32'33'34'35. O estímulo visual, auditivo .ou tátil acarreta uma resposta intelectual, afetiva ou motora. Os padrões de resposta vão se acu: mulando e se tornando mais complexos; a aquisição de novas respostas, experiências anteriores e atuais se fundem em novas e mais complexas formas de comportamento. Quando a aprendizagem ocorre, o


indivíduo enriquece o seu repertório de tipos de comportamento, adquirindo um novo, ou modificando um pre-existente29. O ensino consiste em arranjar estímulos que reproduzam as respostas desejadas e em reforçar estas respostas o mais imediatamente possível. Implica decidir antecipadamente o que será aprendido, e organizar estímulos e reforços que levem o aluno ao comportamento terminal desejado28 Os psicólogos da corrente cognitiva diferem marcadamente dos anteriores. Afirmam que nem sempre é possível compreender os comportamentos restringindo-os às ações observáveis. Distinguem-se entre eles: Kurt Lewin, David Ausubel, Jerome Bruner e Jean Piaget. Estes psicólogos procuram analisar o pensamento, mesmo não sendo possível a sua medição de maneira objetiva. Enfatizam os processos intelectuais e a forma de abordar e resolver problemas complexos. Preocupam-se com a maneira de o indivíduo adquirir a compreensão de si mesmo e do seu ambiente24»37. Os tópicos de maior interesse, para esta linha de pensamento psicológico, são os processos, tais como resolução de problemas, tomada de decisões, processamento de informações e formação de conceitos. Ensino, para esta concepção da aprendizagem, consiste em criar condições para possibilitar ao aluno a compreensão de fatos, conceitos e princípios, de tal modo que dela resultem as espécies de aprendizagem desejadas37. Recomenda o trabalho em grupo e as discussões, possibilitando assim ao aluno, perceber novas relações. Propõe a diversificação das situações de aprendizagem, oferecendo-lhe a oportunidade de trabalhar com assuntos por ele selecionados, além de permitir que explique suas respostas e conclusões28. Na vertente humanista, o sujeito é valorizado frente à experiência de aprendizagem, diferindo da linha comportamental, que procura

se fundamentar em dados experimentais, e da cognitiva, que prioriza as estruturas mentais29. Concorda com a cognitiva quando afirma que a observação de comportamentos mensuráveis é restritiva e que a aprendizagem decorrente da associação de estímulos-respostas pode ser limitada. Entretanto difere dela, ao enfatizar o significado das emoções, sentimentos, auto-realização e relacionamento interpessoal26. Os humanistas defendem a idéia de que a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades intelectuais e motoras devem ser acompanhadas do desenvolvimento afetivo, uma vez que o comportamento humano não pode ser dividido27'28. Como elementos desta vertente incluem-se Abraham Maslow, Carl Rogers e Artur Combs. Para Rogers, "o único homem instruído é aquele que aprendeu como aprender, o que aprendeu à adaptar-se e a mudar, o que se deu conta de que nenhum conhecimento é garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece a base para a segurança''27. O aluno que descobre as coisas por sua própria conta pode desenvolver seu próprio ritmo e escolher uma seqüência de atos ordenados conforme a finalidade que almeja. Trata-se, portanto, de um estilo de aprendizagem que valoriza as diferenças individuais e permite uma apreciação mais efetiva dos atos do aluno11. No entanto, existe um risco implícito, pois, ao deixar as coisas abertas ao descobrimento, fica também incluída a possibilidade de quê não sejam descobertas6. O ensino, para esta concepção, está voltado para o desenvolvimento das potencialidades inatas do indivíduo, cabendo ao professor o papel de facilitador, propiciando situações tais que o aluno, simultaneamente, pense, sinta e, se possível, se envolva em uma atividade física, ao invés de, separadamente, estudar conteúdos, desenvolver atitudes e trei-

nar habilidades motoras27. Nenhuma destas teorias sobre a natureza da aprendizagem é plenamente satisfatória. Também não existe uma teoria geral da aprendizagem que explique todos os tipos de aprendizagem que os indivíduos podem apresentar29. Por outro lado, a aplicação destas teorias à prática escolar apresenta várias limitações decorrentes, entre outros fatores, da complexidade da situação de classe. O professor, os colegas, o ambiente físico e o material escolar constituem variáveis difíceis de ser controladas. Mais ainda, parte do que o aluno aprende pode manifestar-se sob a forma de conhecimentos e habilidades específicas, possíveis de ser observadas, mas mudanças nas atitudes e nas emoções, nem sempre são fáceis de notar. As teorias da aprendizagem possibilitam apenas a inferencia sobre a maneira de ensinar; permitem aperfeiçoar a visão, mas não indicam como os princípios podem ser aplicados às situações típicas que o professor enfrenta em classe. A utilização dos enfoques propostos pelas diversas vertentes teóricas pode ser adequado conforme a propriedade de cada situação, cabendo à individualidade e à criatividade do professor estabelecer os procedimentos mais satisfatórios às várias situações emergentes da aprendizagem. O desenvolvimento, a análise e a aplicação dos vários modelos de ensino, constituem a Didática2?*. A didática, antes de mais nada, é a ciência, da persuasão e do convencimento. Encerfa em si um significado social e político, uma vez que não é sua função criar o "novo", mas de produzir periodicamente as condições concretas capazes de gerá-lo. Não existe um método de ensino que seja eficiente nas mãos de qualquer professor ou que garanta o aprendizado de todos os alunos indistintamente. Não há uma "didática magna'', única e universal, cujos


princípios e regras, se seguidos, seriam capazes de fazer ensinar tudo a todos23. "Nenhum método, nenhuma técnica faz um professor"11. Três pontos fundamentais devem ser observados em relação à Didática, o primeiro é a auto percepção do educador, sua apreensão dos alunos e da sociedade que ambos compartilham no momento, e daquela que pretendem construir para o futuro; o segundo é a relação professor-aluno e o terceiro diz respeito ao ensino em si, ou seja, saber como ensinar8-18'23. Em relação à questão da didática, Miller, referindo-se à grande quantidade de propostas inadequadas que convivem nas escolas médicas, afirma que "o aluno poderá fazer o que lhe pedem e, mesmo passar nos exames, mas é pouco provável que aprenda com a rapidez, a eficiência e o prazer, que caracterizam o estudante bem-sucedido"19. Os melhores professores, pois, não são necessariamente os que mais informações acumulam a respeito de determinado assunto, ou que conhecem os métodos mais modernos de ensino, mas aqueles que melhor conseguem motivar os seus alunos, de modo a fazer com que os conhecimentos desenvolvam uma vida própria em sua mente11. O processo de planejamento e avaliação em educação sofreu uma influência determinante de um movimento identificado como Tecnologia da Educação. O aparecimento deste movimento, relaciona-se principalmente à vertente comportamental da Psicologia e apresenta como marcos as obras de B. F. Skinner. "The Science of Learning and the Art of Teaching", em 195432 "Technology of Teaching" em 196833. Entre as inúmeras definições de Tecnologia da Educação, a mais aceita atualmente é aquela desenvolvida pela "Comission on Instructio-

nal Techonology", do Congresso dos Estados Unidos da América do Norte, em 1970: "Tecnologia da Educação é uma maneira sistemática de planejar, conduzir e avaliar o processo global de ensino-aprendizagem, em termos de objetivos específicos, à base de pesquisas em aprendizagem e comunicação, empregando uma combinação de meios para produzir uma instrução mais eficiente". O primeiro pressuposto quando se deseja aplicar os princípios da Tecnologia da Educação ao ensino é abordá-lo segundo a Teoria dos Sistemas. Segundo esta teoria, um "sistema" é uma organização ou uma estrutura composta por partes Ínter-relacionadas, de forma que, qualquer alteração em alguma destas partes, provoca mudanças em outra ou em todas as demais22. Ao se estudar cientificamente a Educação, através da metodologia de análise de sistemas, deve-se levar em conta não apenas cada um dos elementos que a compõe em separado, mas principalmente a qualidade ou os atributos das relações que surgem quando os mesmos são colocados face a face. Os sistemas podem ser caracterizados como "abertos" ou "fechados". Os sistemas abertos são aqueles que mantêm, com seu ambiente, uma troca de matéria e energia. São dinâmicos em função da energia que recebem de outros sistemas de seu ambiente, do processamento interno dessa energia e das contribuições que esta faz ao próprio sistema e ao seu ambiente20-22. A educação é um sistema aberto. Os sistemas fechados, por sua vez, são auto-suficientes e não são afetados pelas pressões de outros sistemas. Como não há uma troca de matéria e energia entre sistemas fechados e seu ambiente, eles tendem, com o tempo, a consumir a energia disponível. Após isto, entram em fase de degenerescencia, tendendo à entropia ou morte 20 ' 24 . Esta caracterização dos sistemas

não é estanque. Na realidade, os sistemas distribuem-se ao longo do tempo de forma mais aberta ou mais fechada, conforme a época e as circunstâncias. A tendência à entropia não é característica exclusiva dos sistemas fechados, mas subsiste também nos abertos. A diferença está em que, enquanto nos sistemas fechados a tendência à entropia é uma fatalidade, nos abertos há condições para combatê-la. Um sistema aberto só pode assim permanecer através de um esforço consciente em direção à otimização do seu relacionamento com o ambiente, o que exige um crescimento e desenvolvimento constantes. O segundo pressuposto da Tecnologia da Educação é a exigência de uma clara definição dos objetivos que se pretende atingir. Estabelece que um objetivo deve ser composto por três componentes básicos, a descrição clara do tipo de comportamento que se espera do aluno após o processo de instrução, através de palavras ou verbos de ação, a descrição das condições ou do contexto no qual o comportamento previsto deve ocorrer, e a determinação dos critérios ou padrões para analisar o comportamento apresentado9'13'36. O objetivo específico (comportamental, instrucional, terminal) é definido antes da realização do ensino e conduz à seleção dos conteúdos e das estratégias instrucionais, e determina o tipo e os instrumentos de avaliação. É a via de saída de um sistema de ensino estabelecida antes do seu funcionamento 22 . Desenvolvendo estes conceitos, Benjamin Bloom, e seus colaboradores, apresentaram em 1956, uma proposta de sistematização dos objetivos educacionais, ao que foi denominada de "Taxonomía dos Objetivos Educacionais". A palavra taxonomía nas ciências biológicas é usada para designar a ordenação e a classificação sistemática, baseando-se nas semelhanças e nas diferenças. Por anàlo-


gia, Bloom propôs a criação de um sistema classificatório dos objetivos em educação, para desta forma, auxiliar a avaliação do grau em que estes objetivos, assim definidos, podem ser atingidos. A proposta da taxonomia visa a facilitar o trabalho de planejadores e professores que devem elaborar programas e planos de estudo, uma vez que ajuda a especificar com clareza os objetivos, de forma a facilitar a seleção de métodos de ensino, da determinação do conteúdo e das técnicas de avaliação. O valor e a importância da taxonomia estão na possibilidade de organizar e controlar a utilização dos objetivos educacionais em nível de complexidade e abstração5. Para que a taxonomia educacional cumpra as funções propostas, deve ser eticamente neutra, ou seja, não deve incluir juízos de valor em termos de considerar atividades de níveis diferentes como mais ou menos importantes, mais ou menos desejáveis ou de maior ou menor prestígio no processo educacional e, deve incluir e abarcar elementos, tanto quanto possível, de todas as tendências e filosofias educacionais, na medida em que qualquer discriminação neste sentido, não só afeta a classificação, como também a sua extensão2. A proposta taxonómica entende a Educação como um processo de mudança induzido no aluno. Para tanto, leva em conta três domínios básicos: - O cognitivo, referindo-se principalmente ao conJhecimento e memorização de conteúdos e ao desenvolvimento de destrezas, habilidades e estratégias intelectuais; - O afetivo, envolvido em mudanças de interesses, atitudes, valores e o desenvolvimento de mecanismos de ajustamento, bem como o desenvolvimento geral do aluno através do processo educacional; - O psicomotor, enfatizando habilidades motoras e musculares, manipulação de materiais e objetos,

e outros atosxjue requerem coordenação neuromuscular. O terceiro pressuposto da Tecnologia da Educação é de que a investigação científica cuidadosa deve ser a base da educação, para que esta se liberte de seu caráter artesanal. Esta análise científica assume importância destacada na definição precisa dos objetivos, bem como no tratamento estatístico dos dados levantados34. O quarto pressuposto é a incorporação da visão técnico-administrativa à Educação, assim, à semelhança de uma empresa, o ensino precisa ser eficiente e eficaz. Os resultados obtidos devem ser analisados com precisão, pois funcionam como uma retroalimentação que determina a futura direção do sistema25. O movimento de Tecnologia da Educação tem sofrido vários questionamentos relacionados principalmente à sua base comportamental. A questão inicial que é levantada, é de que os programas educacionais, segundo esta visão, apresentam características de um sistema fechado, cujo objetivo primeiro é manter o seu equilíbrio homeostático. A sua interação com o contexto mais amplo da vida do aluno é mínimo. O ensino é encarado como um processo linear cumulativo com seqüências hierarquizadas e predeterminadas de conteúdos. O aluno é considerado um "recebedor" de conteúdos preeestabelecidos e não um agente ou um investigador ativo das estruturas subjacentes às disciplinas37. A determinação de objetivos definidos não leva em conta o dinamismo e a complexidade do processo educacional, já que este pode produzir resultados muito mais numerosos que os previstos e especificados em termos comportamentais. Os objetivos comportamentais, em sua preocupação exagerada com a objetividade e a clareza, tendem a incluir apenas elementos que podem ser mensurados. Por outro lado, a sua definição com antecedên-

cia, limita as oportunidades e as atividades educacionais que surgem espontaneamente e que, poderiam, por sua vez, gerar objetivos mais valiosos1'9-15. Apesar de todas estas considerações relevantes e das críticas formuladas à tecnologia da educação, não se pode considerar o subjetivismo e o descontrole como alternativas válidas. O ensino deve tirar proveito das propostas tecnológicas, desde que tenham sempre em vista as suas limitações. Se bem utilizada, a tecnologia educacional pode trazer contribuições inestimáveis à dimensão explícita do conhecimento e à aprendizagem de fatos, princípios, regras e informações isoladas, quando associada pelo insubstituível encontro humano entre o professor e o seu aluno. A perspectiva da Teoria dos Sistemas conduz a uma preocupação especial para com a avaliação, pois o que pode ser determinado objetivamente, pode ser avaliado. Esta preocupação, no entanto, não deve justificar os sistemas de ensino que passam a considerar que, apenas o que pode ser avaliado merece ser ensinado. Tal ponto de vista exclui a dimensão mais elevada do processo educacional, a formação da personalidade humana, que por não poder ser definida de forma muito explícita, a tendência é esquecer que exista 22 . O termo avaliação, por ser muito utilizado, por vezes é usado com significados diferentes, conforme a pessoa que o usa. Freqüentemente comete-se um equívoco entre os termos avaliação e mensuração. A medida em educação procura descrever quantitativamente o grau em que o aluno dominou determinados objetivos. É simplesmente a descrição quantitativa do comportamento do aluno. Não inclui descrições qualitativas nem juízos de valor. Avaliação é um processo mais amplo que a medida, pois utiliza tanto descrições quantitativas como qualitativas, ou ambas. É um


processo sistemático, contínuo e integral, destinado à determinar o ponto em que os objetivos educacionais foram alcançados. A avaliação, para ter sentido, precisa estar baseada na definição clara dos objetivos educacionais, estar inserida dentro de um processo de ensinoaprendizagem e englobar os três domínios, cognitivo, afetivo e psicomotor3'4'7'16. Bloom preconizou três tipos de avaliação para que se possa levar a bom termo qualquer estratégia de aprendizagem, a avaliação diagnostica, a avaliação somativa e a avaliação formativa3. A avaliação como diagnóstico, ou simplesmente avaliação diagnostica, pode ter diferentes objetivos e pode ser usada em momentos diferentes do curso. Quando usada antes do início do processo, pode atender a dois propósitos básicos, verificar se os pré-requisitos para determinado assunto ou curso foram atingidos por um determinado grupo de alunos, colocando-os em situação de poder trabalhar nos objetivos que se pretende, e verificar os alunos que já alcançaram, de antemão, os objetivos do ensino a ser desenvolvido, permitindo assim aprofundar o assunto ou avançar para outros objetivos. A avaliação diagnostica também pode ser usada durante o processo de aprendizagem, quando da emergência de dificuldades de um aluno ou grupo de alunos no decorrer do curso, neste caso, o professor pode lançar mão deste instrumento para resituar-se e redefinir objetivos com base em novos dados. A avaliação que ocorre ao final de um curso, de um semestre ou de um determinado espaço de tempo, é denominada de avaliação somativa. Sua principal característica é a de se realizar ao término de algum período, com a finalidade de proporcionar uma nota ou um conceito. Um teste somativo visa verificar o produto da aprendizagem, o que resultou do trabalho do profes-

sor e do aluno. A avaliação formativa é que ocorre durante o processo de ensino-aprendizagem. Constitui-se de testes ou de outros instrumentos, ministrados periodicamente, com o objetivo de verificar se a aprendizagem está realmente ocorrendo. Este tipo de avaliação desempenha importantes papéis. Dá ao professor uma retroalimentação contínua acerca de seu ensino. Mostra ao aluno quando está falhando, oferecendo-lhe a oportunidade de esforçar-se para atingir o domínio que dele se espera. Quando usada com freqüência, ajuda o aluno a estabelecer um ritmo de estudo. A avaliação formativa pode constituir-se em fonte de motivação para o o aluno que verifica que está aprendendo, sente-se estimulado a continuar seus estudos; aquele que apresenta falhas não se sente irremediavelmente fracassado, pois, sendo freqüente, a avaliação formativa cobre um ou poucos objetivos de cada vez, sendo fácil o aluno recuperar-se, o que não ocorre quando o fracasso só é verificado após longos períodos de ensino. Do ponto de vista prático, para o processo de avaliação, independentemente do seu tipo, utilizamse instrumentos, que na dependência de sua forma ou seu uso, podem resultar ou não como adequados às finalidades propostas. Os instrumentos tradicionais de verificação da aprendizagem se ressentem, basicamente, da sua subjetividade, da interveniência excessiva do fator "sorte" e da freqüente inadequação aos propósitos declarados. Em outras palavras, não satisfazem os requisitos básicos de qualquer instrumento de mensuração: precisão e validade16. Estes instrumentos evoluíram, no decorrer do tempo, no sentido da redução das características de subjetividade. O processo evolutivo caminhou através de várias fases. Inicialmente, houve a fase que poderia ser denominada de mági-

ca, constituída por provas improvisadas, que prestigiavam os "mistérios" (quanto ao que iriam sondar e quanto aos critérios de julgamento), entrando como parte integrante as manias de cada examinador, o ritual inflexível do sorteio de pontos, a proibição de rasuras, a cronometragem rigorosa, enfim, a confusão entre a hierarquia do saber e a hierarquia do poder, conduzindo a julgamentos sumários, ligados à impressões pessoais17. Seguiu-se a fase empírico-artesanal, com provas montadas na hora, com questões escolhidas (não mais sorteadas), selecionadas segundo as preferências pessoais de cada examinador, sem a preocupação de sondar toda a matéria ou sequer seus pontos básicos. Usavam-se questões amplas e vagas, do tipo "comentar...", "discorrer...", "explicar...", que davam margem ao aluno para alongar-se em generalidades, usar textos memorizados, fazer citações que impressionam o examinador, comentando autores de sua preferência. Favoreciam-se os critérios de julgamento subjetivo, com intervenção exagerada de variáveis do examinador, alheias ao processo de ensino, provocando uma flutuação de critérios ao longo do tempo17. A fase seguinte, tecnológica, baseia-se em provas organizadas segundo preceitos técnicos, que incluem organização de um esquema básico que possibilita a amostragem de toda a matéria e uma distribuição das questões proporcional à importância relativa de cada unidade, tudo isto subordinado aos propósitos previamente definidos, da verificação e da especificação dos objetivos que se pretende averiguar. A formulação das questões baseia-se em enunciados simples, diretos e concisos, cuja dificuldade reside no conteúdo e não ña forma. O julgamento das respostas é objetivo e pré-fixado, com rápida entrega dos resultados, seguida da análise conjunta com os alunos. Es-


te processo inclui também o estudo dos resultados obtidos, individualmente pelo aluno e pela turma, com a finalidade de obter informações capazes de aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem4. Por fim, segue-se a fase denominada crítico-filosófica, com provas diversificadas conforme os propósitos a que se destinam, tecnicamente bem construídas e validadas, articulando-se entre si para formar um todo integrado, capaz de constituir um "sistema de avaliação", onde os instrumentos e os tipos de avaliação possam suceder-se de forma que, a avaliação somativa de um curso, possa constituir-se na avaliação diagnostica do curso seguinte (quando relacionado). Este processo, integrando-se às avaliações formativas, efetuadas durante o curso, é a base de um controle permanente da qualidade de um processo educativo4. A partir da compreensão do processo de avaliação estabelece-se a base para a formulação do conceito de Planejamento Educacional. Planejar significa submeter uma dada realidade a um plano. Planejamento, portanto, define-se como um processo de controle, já que ele dirige e determina as ações de uma pessoa ou grupo de pessoas, em busca de um objetivo determinado. Por esta razão, pode ser concebido como um processo de tomada, execução e testagem de decisões. A cristalização destas decisões constituirá um plano ou programa, que é o instrumento do planejamento. As decisões, que constituem, por sua vez, a matéria prima do planejamento, são basicamente de dois tipos, as decisões relativas aos objetivos e metas e as decisões relativas aos meios e estratégias. A figura l equematiza este processo de planejamento, mostrando as várias etapas decisorias10. Uma decisão é sempre um ato de escolha entre alternativas^. O elenco de alternativas disponíveis

em um dado momento para o planejador inclui-se no sistema de da•dos. Dados são fatos ou relações passadas, determinadas ou medidas. A cada alternativa, por sua vez, pode ser associada a estimativa de probabilidade de suas conseqüências ou de seus efeitos. O conjunto de métodos e técnicas para estimar estas probabilidades constitui o sistema de previsão. Às conseqüências de uma dada alternativa de ação pode associar-se também um valor, representativo da desejabilidade das mesmas. O conjunto deles forma o sistema de valores.Todos estes três elementos, sistema de dados, sistema de previsão e sistema de valores, possibilitam ao planejador, a elaboração de critérios para a tomada de decisões acerca de metas e estratégias. Mas o planejamento é também um processo de natureza executória. Uma vez definidas e aprovadas as decisões, consubstanciadas num plano ou programa, a etapa seguinte consiste na execução do mesmo. As decisões deverão traduzir-se em ações, que por sua vez vão gerar resulta-

dos, que deverão ser avaliados para possibilitar a tomada de novas decisões. O planejamento é uma forma de controle da realidade. Para ser válido precisa ser racional, isto é, implicar numa selação adequada de objetivos e estratégias, o que só acontecerá se as variáveis envolvidas dentro do processo forem corretamente consideradas10. Estas variáveis podem ser agrupadas em três grandes classes: - Variáveis antecedentes: abrangem todas aquelas condições que preexistem à interação professor-aluno, mas que podem, de alguma forma, afetá-la, aqui se incluem as variáveis do professor, como atitudes, interesses, conhecimentos, habilidades específicas e formação/ variáveis do aluno, reunindo todo o potencial que o aluno traz consigo para o aprendizado/ e variáveis contextuáis, representando as condições externas que influenciam a relação professor-aluno, como as condições sociais e econômicas da comunidade e as condições institucionais do próprio sistema escolar;


- Variáveis processuais: abrangem todas as interações professoraluno, bem como todas as formas pelas quais o aluno tem de lidar com o material didático e entrar em interação com os demais elementos do grupo instrucional; - Variáveis do produto*, compreendem as mudanças de comportamentos e atitudes apresentadas pelo aluno. Essas mudanças podem refletir modificações em conhecimentos, habilidades, interesses e atitudes. A partir da consideração dessas variáveis passa-se ao julgamento sobre a adequação dos objetivos e estratégias através das "avaliações" que se constituem os testes da racionalidade dos processos decisorios e executórios do planejamento. Assim, podemos considerar três momentos de avaliação como básicos dentro desta sistemática: a avaliação diagnóstica j que antecede a elaboração do plano ou programa/ a avaliação formativa, que acompanha a própria execução do programa e a avaliação somativa, que participa do processo de análise dos resultados. A finalidade de todos estes momentos de avaliação é produzir informações capazes de confirmar ou modificar as próprias decisões e ações dentro do planejamento, funcionando, portanto, como dispositivos auto-reguladores do sistema. REFERÊNCIAS 1. ATKIN, J M - Behavioral objectives in curriculum design: a cautionary note Teacher Sci 35 27,1968 2. BLOOM, B.S - Innocence in education School Rev 80333,1972 3. BLOOM, B S - Evaluación del aprendizaje Buenos Aires, Troquel, 1975 4. BOMBOIR, A Como avaliar os alunos Lisboa, Seara Nova, 1976 5. COELHO, M A S.M et al - Taxonomía dos objetivos educacionais Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Centro Latino Americano de Tecnologia Educacional para Saúde, 1979 (mimeografado) 6. DEARDEN, R F - Instrucción y aprendizaje mediante el descubrimiento In PETERS, R S - El Concepto de Educación Buenos Aires, Paidós, 1969 p 211 7. DEPRESBITERIS, L - Avaliação da aprendizagem: a ne-

cessidade de uma visão mais ampla Educação e Seleção 15 5,1987 8. DURKHEIM, E - Educação e Sociologia 7a ed, São Paulo, Melhoramentos, 1976 p 41 9. EISNER, E W - Educational objectives - help or hidrance? School Rev 75 250, 1967 10. GOLDBERG.MAA & SOUZA, C P - Prática da Avaliação São Paulo, Cortez, 1979. 11. KAUFMAN, A - Reflexões sobre educação médica uma abordagem socio-econ6omic São Paulo, 1988 (Tese dout Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) 12. LUZURIAGA, L - História da Educação e da Pedagogiaa São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971 p 2 13. MAGER, R F. - Preparing Instruccional Objectives California, Fearon Publishers, 1962. 14. McDONALD, F J -Educational Psychology California, Wadsworth Publ, 1959 p 48 15. McDONALD, J B &WOLFSON, B - A caseagamst behavioral objectives Element Sch J l 119,1970 16. MEDEIROS, E B - Nossas práticas de avaliação- um anacronismo na escola (parte 1). Rev Bras Educ Med 6 89,1982. 17. MEDEIROS, E B - Nossas práticas de avaliação um anacronismo na escola (parte 2) Rev Bras Educ Med 6 162,1982. 18. MIGUEL, A - Relação entre a didática e as disciplinas de conteúdo In SEMINÁRIO "A DIDÁTICA EM QUESTÃO". 3 São Paulo, 1985 Anais São Paulo Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 1985 p 114 19. MILLER, G E - Ensino e Aprendizagem nas Escolas Médicas, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967 20. MILLS, W C - A Imaginação Sociológica 3a ed Rio de Janeiro, Zahar, 1972 p 51 21. OAKESHOTT, M - Aprendizaje y enseñanza In PETERS, R.S - El Concepto de Educación Buenos Aires, Paidós, 1969 p 242 22. PARRA, N - Tecnologia da Educação Perspectivas São Paulo, 1982 (mimeografado) 23. PARRA, N - Didática - dos modelos à prática de ensino In SEMINÁRIO "A DIDÁTICA EM QUESTÃO" 3 São Paulo, 1985. Anais São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 1985 p. 80 24. PIAGETJ - Para Onde Vai a Educação' Rio de Janeiro, José Oiympio, 1973 25. RIBEIRO, J Q - Ensaio de uma Teoria da Administração Escolar 2a ed São Paulo, Saraiva, 1988 p 9 26. ROGERS, C - Tornar-se Pessoa Lisboa, Martins Fontes, 1974 p. 252 27. ROGERS, C - Liberdade de Aprender em Nossa Década Porto Alegre, Arates Médicas, 1985 28. ROITMAN R - Reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem Educação (Brasília) 5 62,1976 29. ROITMAN, R - Psicologia da aprendizagem e prática docente (parte 1) Rev Bras. Educ Med 7- 24,1983 30. RYLE, G - Enseñanza y entrenamiento In PETERS, R.S - El Concepto de Educación Buenos Aires, Paidós, 1969 p 168 31. SCHEFFLER, I - Modelos filosóficos de la enseñanza In PETERS, R.S - El Concepto de Educación Buenos Aires, Paidós, 1969 p 188-210 32. SKINNER, B.F - The Science of Learning and the Art of Teaching Harvard Educational Review 2 86,1954 33. SKINNER, B F - Tecnología do Ensino São Paulo, Herder, 1972. p 23 34. SKINNER, B F - O Mito da Liberdade Rio de Janeiro, Bloch, 1973 35. THORNDIKE,RL-PernonnelSelection Test and Measurment Techniques New York, John Wiley & Sons,

1969 p 104 36. WHEELER, A H & WAYNE, L F - Modificação de Comportamento - Guia do Professor para a Formulação de Objetivos Instrucionais. São Paulo, EPU, 1973 37. WICHKENS, D - Piagetian Theory as a Model for a Open System of Education In Schwebel, M Schwebel, J R - Piaget in the Classroom London, Routlege & Kegan Paul, 1974

Aceito para publicação em 29 de janeiro de 1991. Endereço para correspondencia Divisão de Pediatria Hospital Universitário Universidade de São Paulo Av. Prof. Lineu Prestes 2.565 São Paulo - SP 05508


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.