Mulheres de barro

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Produced by Marilena Streit-Bianchi for

Nairucu-Arts is a non-profit Association, located in Rapale (Nampula Province) Mozambique. Nairucu-Arts has built and sustains the development of an Art and Craft centre based on cultural heritage as well as artistic activities for children and young people. One of its aims is to build an Art School for Northern Mozambique. Text: Jorge Ferrão, Pedro Guilherme Kulyumba, Marilena Streit-Bianchi Translation from Portuguese: Elizabeth Hendry and Marilena Streit-Bianchi Photos: António Guimarães, Bernhard J. Holzner, Marilena Streit-Bianchi, Ana Pereira Sirage, Miriam Grunewald

LORELEO éditions 3 Rue de Montchoisy 1207 Geneva Switzerland

© Nairucu-Arts April 2014 ISBN 978-2-9700725-8-4



Préfacio Esta é a primeira grande exposição de olaria no Norte de Moçambique de Merina Amade e Ancha Xavier que se realiza em 2014 no Museu Nacional de Etnología e no Museu da Ilha de Moçambique e por isso estamos profundamente agradecidos aos Directores. Em nome de Nairucu-Artes exprimo o meu agradecimento e profunda gratidão ao Dr. Pedro Guilherme Kulyumba e ao Magnífico Reitor da Universidade Lúrio, o Prof. Jorge Ferrão, que com o seu apoio e escritos promoveram e permitiram a realização deste evento. Com eles, nós compartilhamos a crença de que “não há progresso e desenvolvimento sem cultura” e há vários anos que nossos caminhos se cruzam regularmente. A olaria originou na era neolítica, a mais antiga estatueta, a Vênus de Dolní Věstonice, descoberta em Moravia, República Checa, que tem 111 milímetros de altura e 43 milímetros de largura, e foi moldada entre 29000 e 25000 anos BC. Normalmente, os primeiros vestígios são essencialmente ferramentas utilitárias e figuras com propósito religioso, no caso específico essa estatueta é ligada à fertilidade. Falamos, neste livro, sobre um aspecto particular da arte Makonde. Neste caso específico, é importante sublinhar que confrontamos a verdadeira arte, expressão de universalidade e não de origem unicamente étnica. Os trabalhos de Merina e Ancha falam da vida, da vida das mulheres que lutam, de amor, de esperança, de mulheres que caem e se levantam novamente para completar a sua missão e a fim de cumprir os seus deveres. Gritos de amor e tristeza jorram das suas bocas, e mergulham os seus rostos. Elas são mulheres ou mães que tomam o seu eterno caminho humano, solitário e fundamental. Trabalhar o barro, arte tradicionalmente utilitarista reservada às mulheres, trabalhar e moldar a terra é para elas uma viagem libertadora; as decepções são suavizadas e os afectos consolidados em gestos de amor protector.

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Desde a criação da Associação Nairucu-ArteV, em Rapale, em 2009, as duas começaram a trabalhar juntas no dia a dia, criando um mundo de formas cada vez mais complexas, numa visão onírica do mesmo mundo, da mesma maneira de viver o feminino. As obras de Ancha, imbuídas dos valores da cultura de Merina levantam-se, hoje, como as de Merina, como expressão duma cultura universal. Discípula e mestra se observaram, comparando-se e tentando superar uma à outra. Desiludidas com os homens, elas se apegam às afeições para aliviar os seus sofrimentos. O modo como Ancha se desenvolveu nos últimos anos é impressionante! As suas esculturas cheias de imaginação e força emocional, muitas vezes são uma ode à maternidade, gestos doces e atenciosos. Merina aprendeu a arte da olaria da sua própria mãe e trabalhou no pátio do Museu Nacional de Etnologia com a Reinata Sadimba. Nada ficou conservado, do trabalho realizado por elas nesse período. Claro que, as duas artistas foram interagindo diariamente e influenciaram-se mutuamente como se pode ver confrontando as obras delas. Quando Reinata voltou para Maputo, os percursos artísticos de ambas separaram-se. Hoje, as obras delas são expressões independentes mas complementam-se e exprimem a essência da mulher. Além disso, aparecem óbvias ao espectador, a simbiose, as semelhanças e diferenças entre as obras de Merina e Ancha patentes nesta exposição que constitui a actividade dos últimos cinco anos destas artistas. As reminiscências da guerra em que participou activamente Merina são até hoje gradualmente atenuadas, embora, por vezes, pareça que a expressão das suas figuras esteja a revelar o grito de dor humana que nunca morre como uma queimadura profunda, que deixou cicatrizes indeléveis. Merina diz receber a inspiração dos espíritos que lhe falam à noite e de manhã, com um trabalho febril, mas meticuloso começa a “bater matope”transformando o barro com a técnica de modelagem de mão

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em figuras, vasos grandes ou pequenos, marcados por desenhos geométricos. Um trabalho à reminiscência de tradições que têm sido transmitidas desde tempos imemoriais e que, no entanto, produz obras únicas e de estilo inconfundível. Efeitos especiais são obtidos pela impregnação de um pó de hematite que se busca numa determinada região, no norte de Moçambique. Este material está à tornar-se cada vez mais raro e difícil de encontrar porqué é fonte de exploração comercial. A irregularidade é apanágio de maior valor, dá força às obras, é um precioso devido ao facto de que as obras são realizadas só manualmente, usando técnicas ancestrais, sem o uso de tornos e somente a destreza manual permite completá-las. Sem grandes sofisticações, ricos em valores espirituais, os trabalhos de Merina e Ancha afectam-nos pela naturalidade e simplicidade, como mensageiros de verdades universais. Os limites são definidos só pela matéria e as técnicas utilizadas na sua fabricação e não pela imaginação dos artistas. Inicialmente, as obras foram queimadas em fogo aberto; esta prática reforça os efeitos de desigualdade de cores, formando desenhos e sombras sobre a superfície das formas moldadas. Desde 2012, um forno com tijolos refractários construído no Centro Nairucu-Artes Rapale, onde Ancha trabalha diariamente, garante uma produção mais homogénea, também reduzindo a fragilidade das obras. O ateliê onde Merina trabalha hoje está localizado no pátio interno do Museu Nacional de Etnologia em Nampula, e as obras que ela realiza depois de secas são queimadas no forno que está em Rapale. Desejamos a todos que folheando este livro, possam ter o mesmo prazer que nós temos de realizá-lo e possam admirar o trabalho de nossas artistas.

Marilena Streit-Bianchi

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A Cerâmica Tradicional Maconde

- Maõs mágicas de mulheres Macondes Pedro Guilherme Kulyumba Resumo Este trabalho tem como escopo essencial analisar ou melhor olhar genericamente a cerâmica tradicional maconde, avaliando o papel relevante de mulheres macondes como vectores dos valores estéticos e socioculturais da sociedade maconde de África dos tempos antanho. .......................................... A educação geral e técnico-profissional tem estado eternamente no centro das atenções de todas as sociedades desde os tempos mais remotos da existência da espécie humana, seja por causa dos índices de qualidade de desenvolvimento ou pela quantidade de demanda sociocultural e económica. Esta atenção especial com o processo educativo decorre do próprio facto de desenvolvimento e da caducidade das sociedades humanas que aos poucos, mas ininterruptamente, estabelecendo mudanças nos seus regimes, modos e/ou formas de existência, requerendo a sua sobrevivência e/ou renovação e continuidade. Tendo em vista este entendimento, a educação tradicional se organiza em função da área onde se circunscreve fixando orientações e padrões fundamentais em quantidade e qualidade para a existência, sobrevivência e desenvolvimento desta, daquela e daqueloutra sociedade. A educação tradicional desenvolve uma planificação de desenvolvimento integrado e integrador dos indivíduos nas suas comunidades/localidades sociais através dos ritos de iniciação masculina e feminina. Nos diferentes ritos de iniciação, os pubescentes e adolescentes são ensinados a lidar com os mais velhos; com os mortos; com esposas/os;

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como lidar com o ciclo menstrual no caso das raparigas; a saberem como nascem os novos seres humanos; como enfim, viver na sociedade. Na educação tradicional, através dos ritos de iniciação, o indivíduo representa um ser social comum na comunidade. No ser é-lhe incorporado princípios e normas para a gestão adequada da sua própria vida e da vida da comunidade onde está inserido em abrangência. A Comunidade é definida e tida como uma propriedade de todos os seus integrantes e estes como parte deveras inseparável daquela. O membro humano, é assim, um recurso dotado de valor e importância singulares na comunidade, do ponto de vista social, cultural, moral e económico. “A pessoa é apenas tornada inteira quando situada no seu sítio na unidade social”.1 Aliás, Mischel elabora que o self não pode ser compreendido em isolamento, mas apenas em relação a outras pessoas.2 “Experimentar interdependência envolve ser a própria pessoa enquanto parte de uma relação social abrangente e reconhecendo que o comportamento do sujeito é determinado, contingente, e em grande medida organizado pelo que o actor percepciona serem os pensamentos, sentimentos, acções dos outros na relação. O self torna-se mais significativo e completo quando é considerado na relação social apropriada”.3 Daí, a educação tradicional ter o princípio de unidade entre o teórico e o prático; ser natural, integrado e integrador; ter um carácter colectivo, quebrando a hegemonia dos mestres sobre os educandos, é uma educação indutora de coragem, respeito aos mais velhos e tende a ser mais pragmática e utilitária. 1

Berry J. W., Poortinga Y.H., Segall M.H. and Dasen P.R., Cross Cultural Psychology: Research and Applications. New York, Cambridge University Press 1992.

2 Michel W. The interaction of person and situation Mischel, W. (1977). The interaction of person and situation. In D. Magnusson & N. S. Endler (Eds.), Personality at the crossroads: Current issues in interactional psychology (pp. 333-352). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum. 3 citação Markus H. R. and Kitayama S. Culture and the Self.: Implications for Cognition, Emotions and Motivation. Psychological Review 98, no. 2, 1991, p. 227

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O conhecimento técnico e a sabedoria populares são aspectos bem vincados quer nas mulheres como nos homens. Na sociedade maconde de outrora, as mulheres desempenhavam essencialmente as tarefas de acarretar água, cortar capim no mato para cobrir as casas, cortar lenha, amanhar a terra para novas searas, colher as primícias enquanto os trabalhos mais pesados eram reservados aos homens como desbravar a mata para as actividades agrícolas, a caça, a construção de casas, etc.. As actividades da cerâmica, o fabrico de panelas de barro, potes, etc, eram actividades por excelência femininas. O barro argiloso de terra avermelhada e/ou escura é utilizado para muitos fins como maticar ou seja, rebocar casas. Mas, há um barro mais especial usado para fabricar utensílios domésticos como panelas e potes de que nos referimos. Estes utensílios são bem fabricados e ornamentados constituindo verdadeiras obras-primas que impõem o talento popular feminino maconde. Alias, nem todas as mulheres macondes são dotadas dessa capacidade excepcional de fabricar esses utensílios. Nesta ou naquela povoação, pode-se encontrar três ou apenas quatro mulheres mestres fazedoras dos artigos domésticos feitos de barro. A mulher que se ocupa dessa empresa, é um verdadeiro talento na verdade excepcional e admirável. Se os talentosos homens são excelentes escultores de pau-preto na sociedade maconde, então as mulheres dominam na esfera da olaria. Pensa-se que a escassez de água no Planalto dos Macondes, terá sido o factor primordial que ditara o desenvolvimento da arte das oleiras macondes. Doutro modo, como ainda afirmam Jorge e Margot Dias4, outrora, fazia parte da educação das mulheres macondes o saber executar os seus próprios potes, panelas, cântaros ou taças, da mesma maneira que aprendiam a pilar, cozinhar ou rebocar uma casa. 4

Dias J. and Dias M. Os Macondes de Moçambique II: Cultura material, Vol.2, 1964 p.98

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Dai que nesses tempos pretéritos mais do que perfeitos, tenham havido muitas oleiras macondes de um talento popular singular e admirável. Cada panela ou taça tem um papel determinado havendo-as para caril, para xima ou massa de farinha cozida, para água de beber ou lavar mãos ou mesmo para a cara; para transportar água do rio ou captar e conservar a água da chuva, etc. Infelizmente, muitas oleiras talentosas foram ceifadas com o tempo levando consigo o seu maravilhoso talento. Hoje no Planalto, poucas são as oleiras da geração contemporânea, pois, a vida moderna vai desestruturando esse passado glorioso e saudoso.

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Mamã Merina Amade - A arte de sonhar Jorge Ferrão

Merina Amade, ou Mamã Merina viu os primeiros raios solares em Muidumbe, berço da civilização Makonde. Deitou os seus dedos na argamassa quando a sua existência contabilizava os dedos da mão. Filha de uma artista, desconhecida ou ignorada pelas circunstâncias, recusava bater no matope, como as crianças recusam uma sopa. Confessa. Queria manter sua capulana limpa. Vaidades infantis. Hoje, a consagrada Mamã Merina, já teve peças expostas no Museu Aldobrandini – Frascati, na Itália, e em diversos salões da Suíça, incluindo o escritório das Nações Unidas, o CERN (exposição colectiva) e ainda na Galeria Delafontaine em Carouge e outras dezenas de exposições, cuja memória se recusa desvendar. Recorda-se da Universidade de Genebra. Sobrevive da arte e das suas parcas vendas. Porém, já viveu de venda de milho e outros produtos alimentares. Arte de subsistência, descarta de ilusões sobre a vida. Vai continuar a produzir. Moldar a arte e fintar a vida. Só a saúde impediria estes dribles. Ambiciona, como qualquer Mestre que se preze, passar as suas experiencias aos mais jovens. O tempo urge, antes que a sua vitalidade se esfume. Mamã Merina encarna a história do barro dos Makondes (Muidumbe e Mueda). O seu percurso, com a devida vénia, se assemelha ao da conceituada Reinata Sadimba sua parente por via do seu esposo. Muito talento e cumplicidade. Ambas tiveram as Mães como mentoras. Há 10 anos atrás, mais vírgula e menos ponto, partilharam uma exposição. Cidade de Nampula. Nas águas e dias que correm, elas falam menos. Mamã Merina sequer tem ideia das peças vendidas e muito menos do seu paradeiro.

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Espólio repousa pelo mundo, como se espalha a arte Makonde. Ou será que os artistas nacionais sabem por onde andam suas pecas? Afinal, de que serviria saber onde termina o infinito? Podem ser 500, 1000 ou 2000. O que conta será, sempre, a satisfação dos seus apreciadores. A sua arte vem dos sonhos. A sua mãe lhos encomenda. Sonha com a mãe e com o objecto. Não cria nenhuma peça sem que antes a tenha sonhado. Essa mãe, nas alturas, exerce forte influência. Os espíritos de Muidumbe, ela desperta e vê o objecto bem antes de o concretizar. Depois só as técnicas fazem a diferença. Sua Mãe, igualmente, sonhava. Moldar é a arte do sonho. Hoje, Mamã Merina simboliza a associação Nairucu Artes, nos arredores de Nampula. Sente falta dos petizes. Imagina (re)encontrar jovens sonhadores. Pretende que estes moldem o futuro da arte. Mamã Merina voltara a Europa? Isso não é meta. Para já, as suas peças continuam à ser vendidas, agora um pouco mais que antes. Nampula e o país agradecem. Só sonha quem ama a arte.

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Mamã Merina Amade

- A mulher de ouro de barro - * Jorge Ferrão

.........A fonte de inspiração de Mamã Merina é o sonho. Os espiritos que se libertam das almas e vagueiam na claridade nocturna moldando a sua criatividade. Se não sonhasse jamais saberia criar. O sonho traz-lhe de volta a mãe que nunca partiu e interfere em cada uma das suas criações. Nenhuma mãe no mundo morre. As duas partilham direitos de propriedade intelectual. Porém, apenas as suas mãos reconvertem a pureza da arte que a sua alma procura transmitir. Tal como para Reinata, os instrumentos de trabalho resumem-se em mãos e coração. Por partilharem um passado familiar e geográfico comum, as suas técnicas se confundem. Uma vez moldadas as formas, as decorações desfrutam de retoques estéticos especiais. Grosso modo, produtos minerais abundantes no planalto de Mueda, nimo ou grafite e a pedra de cal branca feitas pó, misturados com água e, amiúde, com auxilio de pincéis ou outros objetos manejáveis, retocam as obras proporcionandos-lhes brilhos e tons quase metálicos ou brancos, que contrastam com o escuro do barro. Na ausência dos componentes originários de Mueda, recorrem a produtos consentâneos. Os acabamentos são expostos ao sol ou fogueira aberta para minimizar surgimento de rupturas. Mulher de poucas e rarissimas falas, o seu sotaque parece inibir-lhe os diálogos. Afinal, a sua comunicação orquestra-se por outros contornos e mímicas. Veste a rigor, apesar da natureza do seu trabalho. Vaidade e beleza das mulheres do planalto. Contudo, preserva humildade e extraordinária simplicidade. Não se importa com as aparências. Forte personalidade. Eterna apaixonada pelo trabalho e pela sua terra natal. Não a visita faz tempo. Orgulha-se da olaria que se restringe às mulheres em Mueda e Muidumbe. * Extracto do Índico, Revista de Bordo da LAM, Novembro 2012 pag. 80-82

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O seu olhar e a tatuagem facial cansada pelo tempo revelam um mundo reinventado, recriado. Retocou bilhas e potes, trilhas e rostos. Desfez utopias em produtos artísticos. Com um esteticismo típico moldou velhos significados em novas formas de comunicar e amar a vida. Mesmo sabendo que o seu trabalho viaja pelo mundo, em galerias e coleções que jamais saberemos por onde repousam, ela carece de vaidades. Mamã Merina, como qualquer artista da sua estatura, transpôs o seu querido universo pitoresco e rural do planalto de Mueda e entrou para o mundo da glória de forma ingénua e despreocupada, pórem consciente. Desde canto do mundo ficaremos talvez indiferentes à sua dimensão e talento. Mulher de ouro de barro, falta-nos o essencial para entender a complexidade cultural e a matéria-prima do fértil imaginário feminino Makonde. Mamã Merina comprova como a arte vive de esquecimentos. Por isso, cada um sente frio conforme a roupa que usa, disse-o ela em conversa. Não procura reconhecimentos. Quer que os sonhos de sua mãe prevaleçam para todo o sempre.

Almofariz Mamã Merina 2012 (Photo: A. Guimarães)

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Mamã Merina e Ancha - criatividade e identidade moçambicanaJorge Ferrão e Marilena Streit-Bianchi A capacidade criativa depende da própria personalidade e talento, da cultura, do conhecimento e da interacção dos indivíduos com o contexto educativo e sociocultural em que vivem. Indivíduos criativos podem alcançar novas idéias e estimular a evolução da sociedade. O processo de conhecer envolve atenção, percepção e memória; e necessita trabalho e formação. A aprendizagem de técnicas e a experiência adquiridas a partir do próprio património cultural (histórias, lendas, mitos, tradições etc.) permitem o diálogo com outros tipos de culturas e facilitam o desenvolvimento da imaginação e o aparecimento de novas formas de linguagens e expressões artísticas. Merina, Makonde, e Ancha, Macua, são artistas de forte identidade moçambicana. Ambos os grupos étnicos são Bantu povos agrícolas e praticam o sistema de parentesco matrilinear. A estrutura base é a família, constituída pelo vivos e também pelos mortos, e o elemento base de toda a estrutura familiar é a mãe. Este é o fio condutor das suas obras.

Colheita Justino Cardoso 2012

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Obras povoadas de figuras espantosas, expressão do fértil imaginário feminino fortemente impregnado da sua cultura. As panelas e os vasos de forma e tamanho diversos com picotados geométricos têm uma variedade de desenhos, que independentemente da sua originalidade e particularidade, se referem no imaginário colectivo das obras, que fora do tempo, tornam comuns as culturas do povos no mundo. Até mesmo uma colher usada para tirar água de uma jarra de barro tem uma forma que transcende a sua utilidade. Em busca de água Mamã Merina 2012

Fatiga Mamã Merina 2012 (Photo: A. Guimarães)

As obras apegam às tradições, às mudanças na sociedade e também falam um discurso feminino de vida, amor e mágoa. Elas não tentam reproduzir a realidade, mas recriá-la segurando a relação mágica de figuras e formas com o espaço circundante. Como é típico na maioria da arte africana não é importante que a cara tenha um carácter de retrato, o que é mais importante é a emoção que é capaz de transmitir. Estas figuras modeladas individualmente falam tanto para os homens que as mulheres. Aos primeiros, moldam carinhos de infância e a elas fazem partilhar uma espécie de estatuto aristocrático na sociedade.

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Apesar das diferenças e características distintas as obras dão valor à condição de ser mulher. Ancha às vezes ornamenta as mulheres de roupas ou capas dando cores vivas ao barro preto. A reverência tradicional que os povos Makonde e Macua têm para a mulher ainda está viva hoje; e o apelido carinhoso de Mamã dado a Merina e Ancha é um testemunho disso. Numa exposição anterior intitulada “Moçambique o meu país” feita no MUSET, em 2012, Marilena Streit-Bianchi co-autora deste artigo, ficou impressionada com o facto de que poucas figuras de olaria representavam homens e, especialmente, por uma delas “O marido cansado”, a única figura em descanso, no meio de tantas mulheres que trabalhavam duro no campo, ora preparando alimentos, ora cuidando dos seus filhos. A impressão marcante era a liderança das figuras de mulheres. Os Makondes de Moçambique, conhecidos como o povo do Planalto e no mundo como exímios escultores, a maioria mora na Província de Cabo Delgado e sempre resistiram a ser conquistados por outros povos. Merina Amade, é natural de Muidumbe, Cabo Delgado. A origem da sua arte, é a própria mãe. Iniciou esta prática aos 5 anos de idade. Quando a sua mãe a chamava para aprender, ela até se recusava, contrariada – não queria “bater matope” – como ela própria define a sua actividade -, pois achava que haveria de sujar a capulana. Janota sempre! Ela passou pelos ritos de iniciação, há muito tempo. Na altura ficava-se um ano dentro de casa, mas hoje, apenas dois meses. Ninguém sai para fora do quintal, tendo que cumprir e vestir o que se recebe durante aquela formação. Permanecem na sua cara as tatuagens e uma decoração no lábio. Merina teve dois irmãos. A sua mãe faleceu em Mutual. Foi para Mueda após o casamento. Viveu também na Tanzânia, em Mucanga. Viveu os anos de guerra de libertação nacional, junto do marido, tendo recebido inclusive treino militar. Durante os anos de guerra vendia milho e não as suas peças. Depois do término da guerra pela Independência mudou-se

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para Nampula, acompanhada pelo esposo, tendo-se radicado em Nairuco/Rapale. Esteve também em Pemba três anos. Teve cinco filhos, dos quais um faleceu por doença no tempo da guerra e outro este ano. Merina sonha e ao acordar começa a “bater matope, bater matope” durante horas e horas até que o boneco saia.... Quando ela não sonha... Ela pode até bater matope... só que, sem saber como é que o boneco vai sair... À pergunta: Há algum espírito que vem? Ela consente, dizendo que é sua mãe que lhe diz para fazer desta ou daquela maneira. Só vem uma vez por mês. Dentre os objectos que mais gosta de fazer ela destaca: animais, cobras, pessoas, panelas, passarinhos e evidentemente figuras de mulheres. Passarinhos Mamã Merina 2012

A contabilização do número de peças producidas e vendidas, do titulo das obras e do ano constituem um verdadeiro labirinto para Mamã Merina... tem imensas dificuldades para definir com exactidão tais detalhes. Produzir obras com nome ou iniciais para identificar o artista foi introduzido desde 2010 pela associação Nairucu Artes. No Centro Nairucu Artes de Rapale foi criado um espaço para actividades criativas das crianças, como cursos de desenhos, danças, olarias e esculturas. Promover a compreensão de crianças das suas próprias culturas, permitir a transferência de conhecimentos e facilitar a aparição e revelação de novos talentos é um tema central das actividades do Centro. Merina tem transmitido a sua arte à Ancha a quem ela tem estado a ensinar com particular destaque. Mas, hoje tem estado também a ensinar crianças em Nairucu-Arte para que esta arte nunca desapareça, mesmo depois que ela e a Ancha não possam continuar a sua actividade.

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Falamos ainda um pouco mais das identidades culturais e artísticas de Merina e Ancha A mulher dá a vida, é portadora de energia, e por isso força propulsora da sociedade. Não importa o quanto tecnológicamente a sociedade vai evoluir. A arte de Merina e Ancha é uma janela no mundo. As suas mulheres modeladas com terra moçambicana, permanecem para iluminar as futuras gerações, não só em Moçambique.

A arte da olaria, vende-se, mas com poucos rendimentos; mesmo assim, para elas é uma missão a cumprir, uma bandeira da cultura e uma valorização do patrimônio cultural do pais e por isso necessita de reconhecimento. Terminamos com umas palavras da UNESCO: “A diversidade cultural constitui um patrimônio comum da humanidade e deve ser valorizada e preservada em benefício de todos.”

Moendo e cantando Merina 2012 (Photo A. Guimarães)

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Carinho de mãe Mamã Merina 2014

Ler o fumo Mamã Merina 2009

Depois a tempestade Mamã Merina 2009

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Carinho Mamã Merina 2014


Vaso Mam達 Merina 2014

Merina e Ancha

Centro Nairucu-Artes,Rapale

Tomando banho Mam達 Ancha 2012

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Pensando Mam達 Ancha 2013

Ancha Xavier

M達e Mam達 Ancha 2013

A comida Mam達 Ancha 2013 (Photo B.J. Holzner)

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Cantiga Mam達 Merina 2013 (Photo B.J. Holzner)

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Sonho de Pescadora Mam達 Ancha 2013 (Photo B.J. Holzner)

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Figuras Mamã Merina 2012 (Photo A. Guimarães)

Máscara Mamã Merina 2012

Andando Mamã Merina 2014

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Foreword This is the first big pottery exhibition in Northern Mozambique featuring the work of Merina Amade and Ancha Xavier, taking place in 2014 at the National Ethnology Museum of Nampula and the Museum of Ilha de Mozambique.We are very grateful to the directors. Also, on behalf of Nairucu-Arts I would like to express our sincere gratitude to Dr. Pedro Guilherme Kulyumba and to Prof. Jorge Ferrão, the Magnificent Rector of the University of Lúrio, who promoted and supported its realization with their written contributions. We share the belief that culture is the backbone for progress and development, and this is the reason why our paths cross regularly. Working with clay originated in the Neolithic period, and the most ancient relic is the Venus of Dolní Věstonice, a small statue 111 mm high and 43 mm wide estimated to be from 29,000-25,000 BC and discovered in the Czech Republic. Normally the objects are for utilitarian use, and the figures have a religious symbolization, specifically Venus is linked to fertility. Are we speaking in this book about Makonde art? In this case, one can firmly speak of Art (with a capital A), as an expression of universality and not a mere tribal artistic expression. The work of Merina and Ancha speak about life, the life of women in struggles, of love, of hope, of women who fall and stand up again to fulfil their mission and accomplish their tasks. Screams of love and sadness escape from their mouths and overwhelm them. These are the women and the mothers going along their eternal, lonely and fundamental human path. Moulding the clay is originally a utilitarian art typically carried out by women. Working and moulding represent for them a journey into freedom, deceptions are smoothed, and sentiments are consolidated by protecting love gestures. Merina, born in Muidumbe and belonging to the Makonde ethnic group, initiated and instructed Ancha, her daughter-in-law to pottery work.

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Since the establishment of the Nairucu Arts Association in Rapale, in 2009, the two began constantly working together. They were creating a world of increasingly complex forms in a dreaming view of the same world, the same way of living womanhood. The works of Ancha are imbued with the cultural values of Merina, as an expression of a universal culture. Pupil and teacher were comparing and trying to outdo each other. Disillusioned with men, they cling to affections to alleviate their sufferings. The development of Ancha in recent years has been awesome! Her sculptures are full of imagination and emotional strength, often an ode to motherhood, with sweet and thoughtful gestures. Merina learnt her art from her mother and worked in the backyard of the National Ethnology Museum with her relative Reinata Sadimba. Nothing is left to us as evidence of this period. Obviously the two artists interacting daily influenced each other, as one can appreciate by looking at their respective art works. When Reinata left for Maputo, their paths diverged. Today their art work is independent and a complementary expression of womanhood. To the observer, the symbiosis, similarities and differences in the work of Merina and Ancha, demonstrated in this exhibition, show some of the important steps in the past five years of activity. The reminiscences of the war in which Merina took an active role faded slowly although sometimes the figures scream a human suffering that cannot disappear and remains as a burn having left indelible deep scars. Merina says to receive inspiration from the spirits that visit her at night and in the morning with a febrile meticulous work shapes the clay transforming into figures, vases, small or big engraved by geometrical drawings. A clay work, done according to most ancient traditions transmitted since time immemorial, produces art works of unique and unmistakable style. Special features are obtained by using the hematite substance which is available only in a special area in the North of Mozambique.

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This material is getting more and more difficult to find as it is commercially exploited on a large scale. Irregularities are a source of value and an asset that comes from the fact that the shaping and the entire process is hand-made without the use of a turntable. Only hand dexterity is at work. By their lack of conceptual sophistications and their richness the art work of Merina and Ancha affect us with their naturalness and simplicity as messengers of universal truth. The limits are given by the materials and techniques used in manufacturing the objects not by the artist’s imagination. Initially the work was fired openly, thus producing some special colour effects and unpredictable figures and form on the objects. Since 2012, a brick oven built on the premises of the Nairucu-Arts Centre in Rapale, where Ancha works daily, ensures finer production reducing the fragility and eventual presence of small cracks on the objects. Merina’s atelier is located in the backyard of the National Museum of Ethnology in Nampula, and thereafter the objects produced are also fired on the oven in Rapale. To all perusing this small book, we wish the same pleasure we have had in admiring the work of our artists and producing this publication.

Marilena Streit-Bianchi

Vases and figures

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Traditional Makonde ceramics

- The magical hands of Makonde’s women Pedro Guilherme Kulyumba

Summary This presentation is primarily designed to analyze and provide a better insight to traditional Makonde ceramics, as well as assessing the importance of Makonde women as promoters of aesthetic and sociocultural values of the ancient African Makonde society. .......................................... General and technical-vocational education has been always at the forefront of all societies and since humankind’s earliest existence. This is because either it relates to the development indices or to the amount of sociocultural and economic demand. Special attention to the educational process arises from development needs and the evolution of human societies which gradually, but steadily, establish changes in their regimes, modes and/or forms of existence. Given this understanding, traditional education is organized according to given guidelines and fundamental norms in quantity and quality as necessary for the existence, survival and development of the specific society. Traditional education involved integrated planning and development of individuals in their communities/social locations through male and female initiation rites. In the various initiation rites, the pubescent and adolescents are taught to deal with older people, with the dead, with wives/husbands, how to deal with the menstrual cycle in the case of girls, to know about birth and finally how to live in society. In traditional education, through initiation rites, the individual is a common social being of the community. Principles and norms for the proper management of his or her own life and the life of the community where he or she belongs, are embedded in the individuals.

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The Community is defined and taken to be the property of all its members. The human being is thus a valuable resource and is of unique importance for the community, from all points of view: social, cultural, moral and economic. “A person is only made whole when put in its place in the social unit”.1 Mischel in 1977 elaborated that the self cannot be understood in isolation, but only in relation to others.2 “Experiencing interdependence entails seeing oneself as part of an encompassing social relationship and recognizing that one’s behaviour is determined, contingent on, and to a large extent organized by what the actor perceives to be the thoughts, feelings and actions of others in the relationship. The self becomes more meaningful and complete when it is cast in the appropriate social relationship…”.3 Hence, traditional education unites theory and practice; is natural, integrated and integrative, has a collective character, breaking the hegemony of teachers on students; is an education promoting courage and competences, respect for older people and tending to be more pragmatic and utilitarian. Technical knowledge and popular wisdom are sharply embedded aspects both in women and in men. In ancient Makonde society, women had essentially the task of fetching water, cutting grass in the bush to cover the house roof, chopping the wood, preparing the land for new crops, harvesting the first fruits while the heaviest jobs such as clearing the forest for agricultural activities, hunting, building houses, etc. were reserved for the men. Some activities like the manufacture of clay pots, jars, etc., were female activities par excellence. The clay of red and/or dark earth is used for many purposes like caulking the houses. But there is one more special type of clay used to make household items like pots and pans and to that we will refer. These tools are well made and decorated, forming true masterpieces that impose the popular talent of Makonde women. 1

Berry J. W., Poortinga Y.H., Segall M.H. and Dasen P.R., Cross Cultural Psychology: Research and Applications. New York, Cambridge University Press 1992.

2 Michel W. The interaction of person and situation Mischel, W. (1977). The interaction of person and situation. In D. Magnusson & N. S. Endler (Eds.), Personality at the crossroads: Current issues in interactional psychology (pp. 333-352). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum. 3 from Markus H. R. and Kitayama S. Culture and the Self.: Implications for Cognition, Emotions and Motivation. Psychological Review 98, no. 2, 1991, p. 227

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In each group, one can find three or four women really mastering the making of clay household items. These women show an exceptional and truly admirable talent. In Makonde society, talented men are great black wood sculptors, whereas the women dominate the sphere of pottery. It is thought that water scarcity in the Makonde Plateau has been the primary factor dictating the development of Makonde art pottery. Otherwise, as said by Jorge and Margot Dias in 1964 it was once a part of the education of women to know how to make their own pots, pans, buckets or bowls, as they learned crushing and grinding, cooking or caulking a house.4 In those bygone times there have been many Makonde potters of a singular and admirable popular talent. Each pot or cup had a specific use for curries, for xima, for cooked flour, for drinking or washing hands or even faces, to carry water from the river or to capture and keep the rainwater etc. Unfortunately many of the talented potters have disappeared, taking with them their wonderful talent. Today on the Plateau, only a few of the contemporary generation are potters, thus modern life is disrupting this glorious and nostalgic past.

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Dias J. and Dias M. Os Macondes de Moรงambique II: Cultura material, Vol.2, 1964 p.98

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Mamã Merina Amade - The art of dreams Jorge Ferrão

Merina Amade, known as Mamã Merina came to light in Muidumbe, cradle of the Makonde civilization. She put her fingers on the clay when her existence could be counted on the fingers of one hand. Daughter of an artist, unknown or just ignored at the time, she refused to work the clay « bater o matope », like a child refusing to eat soup, the grounds that she wanted to keep her cotton dress clean. What vanity for a child! Today her work is sacred. Her art work has been exhibited in the Aldobrandini Museum in Frascati, Italy, and in several places in Switzerland including the « Palais de Nations » of the United Nations in Geneva or at CERN, at the Gallery Delafontaine in Carouge as well as many other places including the University of Geneva. She lives by her work and its modest sales. Previously she used to sell corn or even other foodstuff. This is the art of survival. She is disillusioned with life. She will keep on producing art work, shaping art and bringing it to life. Only her health will stop her doing so. As a respectable master, she has the ambition to transmit her experience to younger people. Time is flying before her vitality fades. Mama Merina is embedded in the history of the Makonde earth - Muidumbe e Mueda. With due respect, her way is similar to the renowned Reinata Sidimba her relative throught Merina’s husband. There is a lot of talent and complicity, both had their mothers as teachers. About 10 years ago, they had an exhibition together here in Nampula. Today their contact has lessened. Mama Merina has no idea how much art work she has sold and she knows even less about their whereabouts. Makonde art is an asset to the world and will expand. Will our national artists know where their art work can be found? Finally, why is it important to know where the infinite might be ending? Perhaps there are 500, 1000 or 2000 art pieces. What matters always is the artist’s satisfaction in knowing that art lovers appreciate their art.

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Her art comes from dreams. Her mother orders them. She dreams about the mother and the piece. She does not make anything she has not dreamed before. The mother is exercising a strong influence from far away - the spirits of Muidumbe. Awake, she sees the object before even realizing it, and only the technicalities make the differences. Her mother also dreamed. Modelling the clay is the art of dreams. Today, Mama Merina symbolizes the association Nairuco Artes, near Nampula. She misses the children. She hopes to encounter young dreamers, and pretends that they will model the future of art. Mama Merina will probably go to Europe. This is not the point. Her work is selling better. Nampula and the Country are proud. The art lovers are still dreaming.

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Mamã Merina Amade

- The golden woman of clay - * Jorge Ferrão ....Mamã Merina´s source of inspiration is the dream. The spirits that are freed from souls and that wander around in the nocturnal clarity, shaping her creativity. She would never know how to create if shed did not dream. Dreams bring back her mother who never left and interferes in each of her creations. No mother in the world dies. The two share the copyright. But only her hands reconvert the purity of the art that her soul is trying to transmit. Like Reinata, her tools are her hands and her heart. Because they share a common family and geographical past, their techniques are similar. Once the forms are shaped, the decorations enjoy special aesthetic touches, by and large, using the minerals which are abundant on the Mueda plateau. Clay or graphite and powered white limestone, mixed with water and, often with the help of brushes and other manageable objects, they touch up the work, providing it with almost metallic or white glazes and tones, contrasting with the darkness of the clay. In the absence of the original components from Mueda, Mamã Merina resorts to the most suitable products available. The finishes are exposed to the sun or to an open fire to minimize the appearance of cracks. She is a woman who speaks little and rarely. Her accent seems to inhibit her from dialogues. Her communication is by other shapes and mimes. She dresses smartly despite the nature of her work, and has the vanity and beauty of the woman of the plateau. But she preserves her humility and extraordinary simplicity. She is not worried about appearances. She has a strong personality, eternally in love with her work and her birthplace, which she has not visited for some time. She is proud of the pottery that is restricted to women in Mueda e Muidumbe. Her look and facial tattoos, jaded by time, show a reinvented and recreated world. She has retouched jars and pots, tracks and faces. She has unmade utopias in artistic products. With typical aesthetics, she has shaped old meanings into new forms of communicating and loving life. * Extracted from Índico, LAM Inflight Magazine, Nov. 2012 pg.80-82

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Although she knows that her works travel across the world, in galleries and collections, so that we will never know where they are resting, she is not vain. Mama Merina, like any artist of her stature, transcends her beloved picturesque and rural world of the Mueda plateau, and has entered the world of glory in a naïve and unconcerned, but conscious way. From this corner of the world we will perhaps be indifferent to her dimension and talent. Golden woman of clay. We are missing what is essential for understanding the cultural complexity and the raw material of the fertile Makonde female imagination. Mama Merina proves how art lives from forgettings. That´s why each of us feels cold depending on the clothes we use, she told me at the end of our conversation. She does not seek recognition. She wants the dreams of her mother to prevail forever.

Merina Amade with one of her last sculpture

Mirando Mamã Merina 2009 “L´Origine” at Scuderie Aldobrandini, Frascati, Italy

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Mamã Merina and Ancha - Mozambican creativity and identityJorge Ferrão and Marilena Streit-Bianchi

Creativity is related to individual personality and talent as well as to the culture, knowledge and interaction which the individual has with the educational and socio-cultural context of where he lives. Creative individuals can bring in new ideas and therefore, stimulate the development of a society. Knowledge has a foundation in attention, perception, memory, work and training. The learning of techniques and the experience acquired from one’s own cultural patrimony (history, legends, myths, traditions etc.) allow interaction with others and facilitates the development of imagination and the appearance of new forms of artistic languages and expressions. Merina, a Makonde, and Ancha, a Macua, are artists with a strong Mozambican identity. These two ethnic groups are Bantu, mainly agricultural societies based on the matrilineal system. The basic structure is the family, formed by the living and the dead, and the basic element of the entire family structure is the mother. This is the thread underlining the artist’s work. Astonishing figures, expression of the fertile female imagery, are strongly influenced by the artists background. The pots and vessels of different sizes and shapes with geometric patterns showing a variety of designs, bridge the culture of the peoples of the world. Even a spoon used to draw water from a clay jar has a form that appears to transcend its utility. Their works cling to traditions, to changes in society and also speak a truly feminine discourse of life, love and suffering. Merina and Ancha do not try to reproduce reality, but are continuously recreating it, holding on to the magical relationship of shapes and forms with the surrounding space. As in most African art it is not important that the figures have a character portrait. What is important is the emotion that these are capable of transmitting.

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These individually hand modelled figures speak to men as well as to women, either as affectionate souvenirs of childhood, or by giving to women a sort of aristocratic status in society. Despite the differences and distinct features the work of both artists values the feminine condition. Ancha sometimes embellishes her women with clothing or head covers so typical of Mozambique, livening up the dark clay with brilliant colours. The Macuas and Makondes have a traditional reverence for women, and the affectionate Mamã (Mom) added in front of the names of Merina and Ancha is a testimony to this. In a previous exhibition, the Italian curator who is one of the authors of this article, was impressed that few pottery figures were representing men. One of them “O marido cansado - The tired husband” was the only figure resting among the many women represented, working hard in the field, preparing food or caring for their children. The striking impression was the leadership shown by the women figures. The Makonde of Mozambique, known as the people of the Plateau and as the world renowned sculptors, mainly live in the province of Cabo Delgado and have always resisted being conquered by other peoples. Merina was born in Mudiumbe, Cabo Delgado. The origin of her art was her mother. She began to practice at 5 years of age. At the time when her mother called her to learn, she showed contrariness – she did not want to “beat Matope” – this is how she defines the activity of making pottery - because she thought it would smudge her cotton dress. Ever the “Coquette”! Merina passed the initiation rites long ago. At the time she had to be a year at home, whereas today, if it is done, it lasts only two months. The girl could not get out of the house, having to comply with the instructions received during that training. The remains of this period are the tattoo on her face and the now almost invisible decoration on the lip. She had two brothers. Her mother died in Mutual and she moved to Mueda after the marriage. She also lived in Mucanga in Tanzania . She participated in the war for national liberation with her husband, and both received military training. During the war years she sold corn and not art work, to survive. After the end of the war for independence she moved to Nampula, accompanied by her husband and settled in Nairuco/Rapale. She also lived in Pemba for three years.

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She had five children, one of whom died of disease during the war and a second son died this year. When she dreams, she begins as she says very early to “beat, beat the matope” for hours and hours until the figure appears.... When she does not dream she does not know what figure will emerge from the clay ... To the question: Is there a spirit coming to you? She replied, saying her mother is telling her to do it this or that way. She only visits her once a month. Among the items she enjoys making: animals, snakes, birds, pots and of course female figures. Merina is not at ease with numbers. To know the number of pieces sold, the names of the objects and the year of manufacture, is a real problem. Merina has immense difficulties in defining them. Producing art work with the name of the artist was introduced and is applied in the Association Nairucu Arts since 2010. A space for the creative activities of children (with courses on drawings, dances, pottery, sculpture and sewing) has been inaugurated in the Nairucu-Arts Centre in Rapale. Promoting the understanding of their own culture and favouring the expression of talents is central to the Centre activities. Merina has transmitted her knowledge in a structured way to Ancha. Today, both our artists are teaching children for NairucuArts, so that the art will continue to develop in the future. Let us say a further few words about Merina and Ancha’s cultural and artistic identities. Women give life. They are the carriers of energy, and are the driving forces of society, no matter how technologically a society will evolve. The art of Merina and Ancha is a window into this world, and their women modelled from Mozambican clay will remain to enlighten future generations, not only in Mozambique. Pottery art is sold but with little income. For the artist it is more a mission to accomplish, a flag of the culture and a cultural heritage of their country and truly needs recognition. Let us conclude with the UNESCO statement “Cultural diversity forms a common heritage of humanity and should be cherished and preserved for the benefit of all”.

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Mulher e M達e Justino Cardoso 2013

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Mulheres de barro Justino Cardoso 2014

Homenagem a Mam達 Merina Justino Cardoso 2014

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Oloko Oh minha natureza artística e fundamento Humano, Disfarçada na gincana dos redondos, quadrados e retângulos Dos ângulos paridos por cada louca e louco Que se emprestam nas identidades de consciências pensantes e sonâmbulas. Aquela doce Eva que se inspirou no museu temporário do seu corpo respirante Que solenemente suas ancas no andar doce e majestoso Mereceu da sílica e alumina, a casca escondente dos seus prazeres, Nasceram filhos e se atarefam na perspectiva do futuro. É idosa, mágica e obediente. Se dos seus segredos nascessem armas de fogo; elas seriam sem fogo. Não matavam… Não beijavam, não amavam e nem casavam a guerra. A Paz reinava na sua pureza como os corpos dos seus filhos… Seus filhos que nos agasalha, Que nos alimenta e nos bebe a água… Esta água que a constrói e a obedece! Que faz seu corpo do jeito que é, Obediente a loucura ambulante do sonâmbulo pensante Que de manha, no colo seu filho descansa, E das suas mãos, o amor a sílica e alumina, Sobre a confiança depositada na capulana jubilosamente suja. Suja, Tão suja que satisfeita que sempre será, Pois no colo de uma Mulher descansou seu filho E das mãos, nasce em cada tacto, A arte do Barro.

Rui Catoma

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Centro Nairucu-Artes em Rapale

Merina Amade nasceu em Mueda-Cabo Delgado em 1953. Trabalhou na OMM em Nampula, em 1997, e desde 1998 no seu atelier atrás do Museu Nacional de Etnologia. Trabalhou com Reinata Sadimba e juntas fizeram uma exposição em Nampula, em 2003. Desde 2009 é membro da Associação Nairucu-Artes. Participou em exposições colectivas e individuais, em Moçambique: no Museu Nacional de Etnologia, em Nampula (Muset) e em Maputo; fora da África na Nações Unidas, em Genebra e em vários lugares da Suíça e da Itália

Ancha Xavier nasceu em Rapale-Nampula, em 1967. Começou a trabalhar a olaria com Merina Amade desde 2005, na cidade de Nampula. Participou numa formação, em Maputo com Mamã Merina, com apoio da FUNDAC e na Ilha de Moçambique. A partir de 2009 até hoje trabalha na Associação Nairucu-Artes e partecipou de muitas exposições no MUSET, na cidade de Nampula e em Rapale.


Mulheres As mulheres são fortes ligadas à terra que as alimenta. Suas mãos trabalham duro, criam e afectuosamente acariciam a vida que nasce.

Donne

Le donne sono forti legate alla terra che le nutre. Le loro mani laboriose creano e affettuosamente accarezzano la vita che nasce. Marilena Streit-Bianchi, 2014

Nairucu-Artes atrás do Museu Nacional de Etnologia em Nampula ISBN 978-2-9700725-8-4

9 782970 072584


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