Matéria Daniela Mercury - O Tempo

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Luto. Amigos e familiares se despedem do ator e diretor Ronaldo Brandão. Página 3 NAILSON BARNARD / GETTY IMAGES

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J.J. ABRAMS Diretor anuncia política de cotas em sua produtora. Página 8

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‘Meu axé é livre e transgressor’

Rainha Má. Show que a cantora e compositora baiana traz a BH mistura canções clássicas com faixas de seu último disco, “Vinil Virtual”

¬ LUCAS BUZATTI ¬ “Os contos de fada sem-

pre reiteram que a mulher tem que ficar nesse lugar de princesa. Aquela que espera, que é subserviente. E eu nunca fui assim. Não sou Cinderela nem Bela Adormecida. Não tô aqui para ser boazinha. Acho que mulher que anda no trilho o trem passa por cima. Então, se é pra ser personagem, prefiro ser a Rainha Má”. O discurso afiado e contestador vem da cantora e compositora baiana Daniela Mercury, que explica o nome de seu novo show. Ancorado no repertório do disco mais recente da artista, “Vinil Virtual” (2015), o “Baile da Rainha Má” acontece amanhã, no Music Hall, em Belo Horizonte – cidade onde Daniela não se apresenta há três anos. A artista baiana conta que a ideia do espetáculo foi inspirada na música “Rainha do Axé”, que abre seu último disco. “É uma canção feminista, afirmativa, que fala do meu axé,

que é mais ligado ao candomblé, aos blocos afro”, afirma a cantora, lembrando que o álbum novo traz na capa uma foto em que ela aparece nua e abraçada com a esposa, Malu Verçosa – aos moldes da clássica foto de John Lennon e Yoko Ono, clicada por Annie Liebovitz, em 1980. “Depois de 30 anos de axé, devemos pararpararefletir sobre essa música. São muitos axés, cada um com sua característica. O mineiro sabe disso. É o segundo maior público de axé depois da Bahia”, dispara, em entrevista ao Magazine. “Assim como o Skank não é igual ao Raimundos, o axé de Daniel Mercury não é igual ao de Ivete, por exemplo. E isso é muito bom, muito rico. É como ir para rua, todos juntos, mas cada um com seus cartazes”, completa. Mas qual é, então, o axé criado por Daniela Mercury nos anos 80? “Meu axé é livre e transformador. Sempre acreditei na arte como elemento de transformação social. Trago nas letras o dis-

curso de afirmação da negritude, do povo brasileiro. Com relação a ritmo, o que domina minhas músicas são as bases do samba-reggae, do Olodum, e do ijexá, do Ilê Aiyê”, explica Mercury. A cantora lembra que foi a primeira a levar a música dos blocos afro para o trio elétrico. “Antes, havia uma divisão, uma segregação muito clara entre música afro e música de trio elétrico”, afirma, pontuando que, quando subiu pela primeira vez num trio elétrico, em 1982, era intérprete e nem pensava em criar música relacionada a Carnaval. “Só resolvi seguir esse caminho quando surgiram os blocos afro. Vi que estava acontecendo o nascimento de uma nova síntese musical, o samba-reggae, que fazia novas fusões, que misturava o samba com outras vertentes. Minha arte, então, passou a trazer essas variações rítmicas muito particulares de Salvador, que foram desenvolvidas aqui”, completa. Daniela Mercury afirma

que utiliza, em suas canções, a folia momesca como uma analogia para diversas questões urgentes da sociedade. “Existe essa discussão filosófica, de até que ponto o Carnaval é pão e circo. Eu sempre achei que não é. O Carnaval virou um espaço de expressão legítima de manifestações populares, musicais e estéticas, muito particulares, de um povo que vai para rua, que enche a rua de alegria, mas que não deixa de refletir”, defende. “Eu queria que todos os dias fossem como no Carnaval, que as pessoas saíssem para a rua e se expressassem do jeito que bem entendem. Se a gente tivesse, o ano inteiro, o Olodum na rua reclamando da exclusão do negro na sociedade brasileira, talvez não houvesse tanto racismo”, completa, assertiva, antes de prosseguir no assunto. “O Carnaval nasceu do cortejo. E a gente foi catequizado, evangelizado, através de cortejos musicais. Então, também podemos nos politizar e revolucionar atra-

vés de cortejos. O brasileiro se vê quando vai para a rua, no Carnaval. É um momento que me deixa pirada de tanto entusiasmo, como você deve estar percebendo”, diverte-se. Segundo a artista baiana, suas canções sempre partiram de uma premissa “afirmativa e construtivista”. “Em vez de falar ‘que país é esse’, prefiro dizer: ‘O canto do negro veio lá do alto. É belo como a íris dos olhos de Deus. E no repique, no batuque, no choque no aço. Eu quero penetrar no laço afro que é meu e seu’”, assinala, cantando o trecho da canção “Ilê! Pérola Negra (O Canto do Negro)”. “Minha música tenta resgatar o orgulho das pessoas oprimidas. Se a gente não assume nossas potencialidades, acabamos atropelados. Nos deixamos ser colocados no lugar de terceiro mundo, de subalternos à filosofia europeia. Como se fôssemos maus e os europeus e norte-americanos, bons. Então, minha

obra vem para desmistificar isso. Para dizer ao povo que acredite em si. Porque quem não acredita em si não prospera”, crava a cantora. Mercury lembra que esse discurso afirmativo pode ser conferido em letras de canções como “O Canto da Cidade”, “Crença e Fé” e “Protesto Olodum”. “Minha arte diz, também, que é pra gente ser alegre. Que não é errado ser alegre. A alegria é uma resposta para a dor”, afirma. “Somos de um país onde muita gente acha que a penitência e o sofrimento são os caminhos para a felicidade. E isso é uma loucura! Então, minha música vem para dizer o contrário. E diz sem dizer. Fala do jeito mais bonito de falar, que é cantando. Só traduzo porque, infelizmente, tem muita gente que não entende sozinha”. critica. CONTINUA NA PÁGINA 2

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BISCOITO FINO / DIVULGAÇÃO

O TEMPO BELO HORIZONTE SEXTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2016


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