BERÇOS DE PAPELÃO vitória caetano
BERÇOS DE PAPELÃO
vitória caetano
BERÇOS DE PAPELÃO Goiânia, 2016
orientação
Prof ª Drª Angelita Pereira de Lima ilustrações
Letícia Michalczyk projeto gráfico e diagramação
Lucas Botelho
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NASCIMENTO, Vitória Caetano do Berços de papelão. / Vitória Caetano do Nascimento. – Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2016. (112 páginas) 18cm X 12cm 1. Pessoas em situação de rua 2. Jornalismo Literário 3. Centro de Goiânia 4. Estigma 5. Invisibilidade Social
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Livro-reportagem apresentado à Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo, sob a orientação da professora Angelita Pereira de Lima.
“Um dos aspectos da desigualdade é a singularidade - isto é, não o ser este homem mais, neste ou naquele característico, mas o ser tão somente diferente deles”. Fernando Pessoa
Apresentação
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O guardador de carros
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A mulher do esmalte rosa
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O filho da Dona Rita
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Um goianiense do MaranhĂŁo
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O muro branco gelo
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APRESENTAçãO
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em gente que nasce em berço de ouro. Mas essa não é a gente desse livro. Aqui são contadas histórias de pessoas que vemos todos os dias pelas calçadas, sinaleiros, bancos e becos, mas que somos incapazes de enxergar. Há cerca de um ano eu e a Lud conhecemos um projeto que leva alimentos a pessoas em situação de rua. Todas as quintas-feiras um grupo de voluntários se reúne para entregar pão com mortadela e um copo de suco para moradores de rua que aguardam ansiosos na Avenida Independência. Eu iria entregar o sanduíche se uma das crianças atendidas pela equipe não tivesse pedido colo. Mas pediu. Os dois bracinhos se estenderam na minha direção logo no início da noite. Era um menino magro, loiro, de olhinhos castanhos e bochecha corada. Vestia uma camisa do Batman e uma cueca azul. Cerca de dois anos. Nunca havia me visto
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antes. Ele brincou com o meu cabelo e enquanto os voluntários do projeto faziam uma oração com as outras pessoas em situação de rua, adormeceu. Alguém me disse que sua mãe e seus irmãos dormiriam há poucos metros dali. Eu fui até lá. Queria deixá-lo dormindo e voltar para ajudar na distribuição do lanche. Vi sentados no papelão, aguardando o pão com mortadela, uma mulher e dois filhos. Eu segurava o terceiro, adormecido, e me dei conta de que não iria deitá-lo num quarto, numa cama, num berço. Eles dormiam todos no papelão, num canto da calçada. Eu não queria mais deixá-lo. Caminhava até sua família, caminhava até o papelão, e retornava. Eu não poderia, não conseguiria, deixar uma criança sob um papelão. Enquanto pensava no que fazer, caminhando de um lado para outro, ele dormia, tranquilo, com a mãozinha segurando o cinto dourado do cavaleiro das trevas. Poderia jurar que se passaram poucos minutos até a Lud me dizer que precisávamos ir embora. Pedi uma das voluntárias para segurar a criança e fugi para o carro. Quando me sentei, não sentia mais os braços. A dor nas costas me fez prender a respiração. Eu soube pela minha amiga que fiquei por quase quatro horas caminhando com
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o menininho até poucos metros do papelão. Soube que não poderia fugir. Resolvi construir narrativas de pessoas em situação de rua que vivem pelo Centro de Goiânia. Eu as conheci no Centro POP, ponto de apoio para os moradores de rua da capital, onde foram feitas as primeiras entrevistas com autorização da Gerência de Alta Complexidade da Secretaria Municipal de Assistência Social. Depois, nos encontramos ao longo de suas atividades cotidianas. O livro tem cinco capítulos compostos de recortes do presente e traços do passado de uma mulher e quatro homens em situação de rua que se voluntariaram para compartilhar suas vidas. Os perfis, escritos em jornalismo literário, gênero e estilo que mescla o jornalismo e a literatura, retratam a realidade de pessoas em situação de rua como elas são: pessoas. É uma tentativa de romper com o estigma que lhes denota a posição de sujeitos indesejados na paisagem da cidade, utilizando o jornalismo como ferramenta de ressignificação. A obra foi escrita como Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás, onde cursei jornalismo.
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Os nomes foram preservados mas a identidade marca presença, autêntica, em cada lembrança, em cada memória, palavra, lágrima ou sorriso para que essas histórias pudessem ser registradas. Histórias de pessoas com berços de papelão.
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O guardador de carros
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sol ainda não acordou. A cor negra que insiste em dominar o céu é pontilhada por umas poucas estrelas cintilantes que aproveitam o sono do Astro-Rei para exibir-se nos últimos momentos em que podem ser vistas da Praça do Trabalhador, na região norte de Goiânia. A lua crescente parece já ter desistido de crescer quando os ponteiros dos relógios alcançam as quatro horas da manhã. Já é domingo. O primeiro ou o último dia da semana. As derradeiras horas de folga para quem trabalha na porção ocidental do mundo. Tempo de descanso para o judaísmo, para o islamismo e para cultura cristã, que segue as palavras do Gênesis: “no sétimo dia, Ele descansou”. Mas aqui na Praça, ocupada pelos trabalhadores que lhe conferiram o nome de batismo, a ‘gênesis’ do domingo é outra. Não interessa se é o primeiro ou último dia semana. Não há folga, nem descanso. É dia de acordar antes do sol. Dia de feira. É Feira Hippie.
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Dizem que Goiânia é a cidade das feiras. Tem feira todo dia da semana e em todos os turnos de cada dia. Tem feira em todos os cantos da cidade e tem gente que vem de fora da cidade só pra ir à feira. Principalmente na Feira Hippie. A feira das feiras na cidade feirante. De hippie mesmo só restou o nome. Expulsos com suas bancas, lonas e peças de artesanato do Mutirama, da Praça Universitária e da Praça Cívica, os hippies instalaram sua feira numa região da cidade em que a forte vocação para o comércio de peças de vestuário expulsou a venda de peças da cultura hippie. Hoje, mais de 2.208 domingos depois da primeira Feira Hippie, em 69, as quase oito mil banquinhas cobertas por lonas azuis tomaram todas as ruas que se atreveram a chegar perto demais da Praça do Trabalhador. Tomaram até um pedaço do sábado. É por isso que às quatro horas da manhã o trânsito nas vias próximas à feira já começa a se complicar: quem está chegando para o dia de batente reveza com quem esteve trabalhando na noite de sábado. E é muita gente. A maior feira livre da América Latina é responsável por mais de 30 mil postos de trabalho diretos e indiretos. Quem gosta de acordar tarde no domingo, vai ter problemas pra estacionar na feira. Tem que
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competir cada centímetro quadrado dos palmos de chão que rodeiam a praça, o Terminal Rodoviário de Goiânia, a Avenida Independência, com os outros 80 mil frequentadores que a Feira Hippie recebe todo santo domingo. A disputa é acirrada. Basta um veículo parado acenar com a seta para a esquerda para que outros três logo atrás parem o trânsito na esperança de terem encontrado uma vaga. Estacionar é o maior obstáculo da feira para muitas pessoas. Não veem direito o carro de trás, tem medo de esbarrar no carro da frente na hora de sair, acham que o veículo é maior que o espaço que por sorte estava disponível ou que a vaga não vale a manobra que é preciso fazer para estacionar. Fora que a essa altura alguém já está buzinando atrás, o pedestre resolve atravessar a rua na sua frente e o motoqueiro corta você, xingando alto com o mau humor de quem não dormiu o tanto que queria. Mas se você for ao lugar certo, tem alguém que sabe te indicar exatamente onde estacionar. Fica na Rua José Sinimbo Filho, entre a 44 e a Avenida do Contorno, na quarta esquina abaixo da Independência. É Pedro. Tem 29 anos. Preto como o céu na madrugada de domingo, ele vai até o meio rua, chama os motoristas com a mão e avisa onde devem colocar o carro.
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Diz passo a passo o que é preciso fazer para entrar na vaga, com a paciência daquele professor de matemática do ensino fundamental que sabe que até o pior aluno da classe vai sair dali sabendo a fórmula de Bhaskara.Os olhos esbugalhados, que parecem querer saltar do rosto, medem o tamanho do veículo, do pedaço de asfalto desocupado, a distância do carro de trás, da moto que está na frente, do pneu do carro até o meio fio. ‘Vou olhar o carro pro senhor’, anuncia. Mas a pessoa que antes prestava atenção em cada instrução dada pelo Pedro, agora que saiu do carro, finge não ouvi-lo. E o Pedro finge que não viu que a pessoa fingiu que não estava escutando. Senta num toco de madeira e fica ali de vigia caso alguém tente roubar algum dos carros que está ‘guardando’. Além de bom instrutor, é bom guarda. Sabe quando alguém quer roubar um carro, ele mesmo já roubou. Mas isso foi antes de decidir que iria mudar de vida. Magro e alto, o Pedro veste nesse domingo uma camisa cinza bem velha, com três furos na altura do quadril, quase na costura do lado direito. A calça azul de tactel tem duas listras brancas de cada lado e o cós precisa estar bem amarrado pra não cair. Os chinelos são pelo menos dois números maiores que os pés. “A gente ganha muita roupa, mas nem sempre serve”, explica.
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Pedro vigia carros há cerca de um ano, provavelmente. Ele não se importa muito com a contagem do tempo, não consegue se lembrar muito bem dessas coisas, tem memória curta. Não sabe bem até que ponto a insônia o atrapalha, até onde o uso de crack comprometeu seu cérebro. “Mas deve ser uma dessas coisas”, se desculpa, um pouco atônito, quando desiste de tentar se lembrar de alguma coisa. Um dia, cansado de entrar e sair da cadeia, Pedro decidiu que queria fazer outra coisa da vida. Como não roubaria mais carros, resolveu protegêlos. ‘Imagina só que o cara que olhava carro aqui antes de mim mudou pra Aparecida bem quando eu tava procurando um trabalho. Foi muita sorte”. E assim, ele, que nunca teve nada, se tornou dono do trecho da Rua José Sinimbo entre a 44 e a Avenida do Contorno. “É meu ponto todo domingo”, fala, sorrindo com os dentes amarelados, como se não conseguisse conter a alegria por tamanha honra. E aponta com o dedo indicador os ‘pontos’ dos seus amigos nas ruas paralelas. Todo lugar onde possa caber um carro está fatiado entre os domínios dos guardadores. Pergunto se ele dormiu ali. ‘Não, não dá pra dormir aqui. Eu durmo na Goiás, debaixo da marquise da igreja Mundial’.
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Apesar de passar as noites na porta da igreja, Pedro nunca entrou na Mundial. Ninguém nunca convidou e ele é tímido demais pra cruzar a porta sozinho. Além disso “as pessoas vão sempre bem arrumadas pro culto”, conta. Mesmo assim não abre mão de dormir ali. “Deus existe. E se ele existe, tem que morar em algum lugar. Eu acho que é na Mundial e eu quero ficar perto d’Ele”. Pedro sabe ler, escrever e arrisca um pouco de matemática. Frequentava a escola apenas quando não estava trabalhando com o primo. “A gente instalava forros de PVC em construções”. Nos dias de prova, colava dos colegas. Pedia a caneta emprestada pra um amigo. Pedir a caneta, no código secreto da sua turma, era um pedido de socorro. O amigo respondia o exercício numa folha separada, fazia uma bolinha de papel e jogava pra ele. Filho de uma empregada doméstica e de um carroceiro, que vivia de fazer frete, Pedro cresceu no Setor dos Funcionários. O pai era alcólatra. A mãe apanhava sempre que ousava dizer que o dinheiro da bebida estava fazendo falta dentro de casa. Mas aos poucos Pedro aprendeu que as garrafas deixadas no armário aliviavam a pior falta de todas: a de coragem, pra defender Dona Lucimara. Alcólatra desde os 13 anos, começou a fumar maconha aos 15 e a chegar cada vez mais tarde em
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casa. A mãe agora precisava brigar com o pai e com ele. Brigavam tanto que o Pedro já não tinha mais vontade de voltar pro barraco no Setor dos Funcionários. Só queria aquela sensação boa, “aquela onda de felicidade, despreocupação, a maconha te deixa brocado”. E amenizava o frio, a fome, o chão duro das calçadas. Um dia o Pedro foi pedir um isqueiro emprestado numa rodinha de outros moradores de rua. Percebeu que eles fumavam uma coisa diferente. Ofereceram pra ele. “As primeiras vezes, é de graça. Usei crack uma semana de graça. Achei bom demais. Só que depois de uma semana eu tava viciado e não tinha dinheiro pra comprar. Aí pedia esmola no sinal, roubava o que desse conta”, diz. Noutro dia, Pedro roubou o caixa de um estabelecimento comercial. Não tinha dinheiro e o zumbido da abstinência era ensurdecedor. “É que quando cê quer a pedra, não consegue pensar em mais nada, não consegue controlar. É uma vontade que dá que é muito grande”, suspira. Com os trocados, conseguiu fumar todo o crack que podia, guardou o restante no bolso e dormiu. Estava assim, adormecido sob seu pedaço de papelão numa viela qualquer da cidade quando sentiu uma mão vasculhando seus bolsos, procurando por
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qualquer coisa de valor. Pedro se levantou num pulo pra pegar o ladrão. Deu um soco e bateu a cabeça dele no meio fio. Sob o efeito do crack, encoberto pelas sombras da noite, Pedro meio que gostou da sensação. Parece que bater a cabeça do ladrão era uma forma de descarregar uma energia que ele não sabe bem como tinha acumulado. Pedro não sabe por quantas vezes ele repetiu os golpes. Lembra-se de sair correndo depois, desesperadamente, como se tivesse sendo perseguido. Quando amanheceu, ele já se sentia melhor. Mas com a chegada do dia, chegou também a notícia de que a poucos quilômetros dali um jovem havia morrido. Dezessete anos. Traumatismo craniano. Alguém havia batido compulsivamente a cabeça dele contra o meio fio. Sem saber o que fazer, tentando tirar das mãos as marcas de sangue e da culpa, Pedro lembrouse da Mundial. Ele já tinha passado por lá algumas vezes e ouviu as pessoas clamarem por misericórdia. Correu até o templo e mesmo sem a coragem de cruzar a porta, ajoelhou-se, chorou e pediu perdão a Deus. Desde então, anda por Goiânia inteira ao longo do dia, mas peregrina toda noite para a calçada da Mundial. Se Deus o perdoou ali, naquele lugar, é porque Ele deve mesmo morar lá.
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Ao redor do toco de madeira onde o Pedro se senta para guardar carro, tem uma mochila preta, rasgada, com um cobertor marrom que um dia, provavelmente, foi um cobertor marfim. O cheiro forte de suor se espalhou pela calçada. É que o Pedro só toma banho quando pode trocar de roupa, jogando fora as peças que estava vestindo. E ele gosta de aproveitar ao máximo as roupas que veste. Tem também um rádio velho, arranhado, que ele escora numa pedra porque não pára mais em pé. Pedro sintoniza na Rádio Hippie pra matar o tempo. Acha a voz do locutor muito bonita. O conteúdo musical é intercalado com as pausas para informar as horas a quem está na Praça do Trabalhador. Se você perder seus documentos ou seus filhos pela feira, a Rádio Hippie anuncia também. A voz bonita do locutor revelando a próxima música se mistura com a de um vendedor. “Só dois reais minha gente. Olha a água, olha a água”, grita, espremendo entre a multidão apressada uma caixa de isopor com gelo, garrafas de água, caixinhas de suco e coca-cola em lata. O rádio não é só um aparelho, é seu colega de trabalho. Faz companhia, distrai e cantarola com ele enquanto os fregueses do seu ponto na José Sinimbo não retornam. Pedro gosta de sertanejo. A mãe gostava
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também e ele aprendeu. Bate as mãos na madeira do toco no ritmo da música e começa a cantar ‘Cuida bem dela’, Henrique e Juliano, junto com o rádio. Eu ainda prestava atenção na música quando um homem assoviou do outro lado da rua: “E aí, faxineiro?”. Pedro acenou. Depois me explica, com um sorriso meio sem graça, que a origem do apelido vem de uma das três vezes em que foi preso. Havia roubado um carro de alguém que estava no mesmo bar que ele e os amigos. Logo depois que saiu de casa, num dos poucos dias em que sobrou dinheiro pra tomar umas cervejas. Levaram o veículo até a Vila Canaã, ‘que é pra onde se leva os carros roubados’, conta. “Você leva o carro lá e oferece pra algum dos caras que tem ‘ferro velho’. Ele disse que pagaria mil reais por todas as peças, mas a gente tinha que desmanchar e colocar fogo na carcaça”. Os mil reais pagos pelo carro precisaram ainda ser dividos entre os quatro amigos. “O dinheiro deu pra ficar tranquilo uns quatro dias”. Mas com as imagens da câmera de segurança do bar e a investigação policial, Pedro foi preso algum tempo depois por furto e formação de quadrilha. “Uma cadeia pouca, cinco meses, por aí, porque não foi em flagrante, né?”. Acontece que quando você é preso, automaticamente tem contas pra pagar. “Você já
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entra devendo a faxina da cela. São 20 reais, pagos por todo mundo que é preso, pro faxineiro da sua cela”. Além da faxina, precisa pagar pela droga consumida, “que é mais fácil do que na rua, porque na cadeia tem traficante demais”, pela comida e pelas bebidas vendidas lá dentro. O fiado na cadeia só dura uma semana. “Se você não paga a conta da semana, eles te matam no domingo ou na segunda”. O Pedro descobriu rápido como era feito o acerto de contas. Na semana em que ele chegou na cadeia, alguém saiu, sem ser liberado. Um homem da mesma cela que ele, que não tinha mais dinheiro. Foi morto com uma faca feita do ferro da grade. “Enfiaram a faca no pescoço dele, o sangue esguichou na parede. Deixaram lá, agonizando, pros novatos verem como o sistema lá funciona”. Só a noite o corpo foi retirado da cela. “Desse jeito, eu não queria sair da cadeia”. Quando chegou a hora de dormir, Pedro teve saudade das calçadas. “A cela tinha oito camas, que lá a gente chama de gera. Mas não tem gera pra quem acabou de chegar. Aí tem que dormir na praia, um lugar no chão onde a gente forra um pano. Só que tem que dormir retinho, sem encostar em ninguém. Se triscar apanha”. De medo de encostar em alguém durante o sono, ele não conseguiu dormir.
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Nas primeiras semanas a família do Pedro pagou as contas. Mas ele sabia que o salário da mãe, que não foi suficiente pra mantê-lo na escola, não o manteria ali por muito tempo. Foi então que começou a fazer faxina. Limpava o banheiro e o chão da cela todos os dias. Em troca, recebia 10 reais semanalmente de cada preso e 20 reais de cada novato que entrasse. Cumpriu sua pena e foi liberado meses depois, mas para quem o conheceu nessa época, ele será sempre o faxineiro. Depois passou por uma chácara de recuperação para dependentes químicos. Poderia-se considerar que foi apenas isso, uma passagem, já que ele nunca conseguiu abandonar as drogas que o deixaram assim, abandonado. Não foi. Depois de nove meses sem o crack, ele consegue controlar melhor a abstinência. Diminuiu o consumo. Começou a trabalhar. E ainda que a renúncia às drogas tenha ocorrido só de passagem, ele abandonou, de vez, o crime. Trabalha para comprar crack. De repente, Pedro se levanta. Eu só vi um vulto enquanto ele já enxergava alguém com sacolas vindo em nossa direção. As sacolas são o sinal. Muitas pessoas passam a pé pela José Sinimbo, mas quando alguém passa com sacolas pela rua significa que já encerrou sua jornada em busca dos preços acessíveis da Feira Hippie, deixou o carro estacionado nas redondezas e quer voltar pra casa.
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Era uma mulher. Passou apressada pelo toco de madeira na calçada, segurando as pontas de um vestido floral que queria ir com o vento, não com a dona. As sacolas brancas pesando na outra mão atestavam a manhã de compras. Não olhou na direção do Pedro e entrou rápido num Uno prata. Ele caminhou até a frente do carro, mediu com a retina a distância. “Joga tudo pra esquerda e pode vir que dá”, diz. Poucos segundos depois ele recolhe algumas moedinhas escarradas pelo vidro do Uno.
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Em seguida, um homem passa pela José Sinimbo abocanhando um pastel. “Epa, é o dono daquele carro ali”aponta na direção de um Corolla de modelo bem antigo, segue o homem de camisa verde e recomeça seu ditado de orientações para desestacionar. O motorista se irrita: “Some com o seu papelão daqui, malandro”. Pedro responde imediatamente: “Vai com Deus também”, enquanto pensa que merecia ter ganho pelo menos um pedaço do pastel. E corre pra acompanhar outra mulher até o veículo estacionado. As unhas, pretas, quase rente aos dedos, ajudam a somar os centavos ganhos. No fim do dia, Pedro soma cerca de 200 reais. Pergunto o que ele vai fazer depois da feira: “Hoje, como eu trabalhei, eu posso comer alguma coisa que eu gosto. E eu adoro o sorvete do Araguaia Shopping. Vou sair daqui, entrar lá e comprar uma casquinha de baunilha com chocolate”.
A mulher do esmalte rosa
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u era mais bonita”. Ela apressou-se em me dizer, quando eu elogiei seu cabelo. Mostrou-me manchas de esmalte rosa choque nas unhas como prova para atestar a veracidade do seu relato. “Tá vendo? Rosa eu acho lindo, mas o que eu mais gosto é um vermelho da Risqué. Chama ‘Maçã do Amor’. É um vermelho forte e tem um brilho muito bonito”. As pontas dos polegares e indicadores tem um cor de rosa em tom mais vivo do que o do esmalte. O pincel da Risqué deixou de deslizar sobre as unhas há um tempo. Deu lugar aos cigarros de maconha, ao crack. Não sente mais as queimaduras nas mãos. Elas tornaramse tão familiares quanto o esmalte. O nome combina com os caracóis do cabelo. Além das unhas, Carolina pintou os fios de loiro há muito tempo, mas a fúria do castanho escuro já domina mais da metade do comprimento. É morena,
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magra, baixa. Quem passa os olhos depressa pela figura sentada no recorte de papelão não consegue apreender a força que a Carolina tem. Antes de ser mulher, morena, magra e baixa, é forte.Em todos os sentidos que a palavra abarca. Os olhos parecem duasjaboticabas no rosto. Ela veste uma regatinha verde e uma saia longa bege, encobrindo a borboleta e as rosas que tem tatuadas no tornozelo direito. A saia é mais longa que ela. Só dá pra ver os pés, calçados nos chinelos pretos da Ipanema, quando ela cruza as pernas. Ombros e sorriso largos. Os dentes, amarelos e desgastados pelo uso constante de entorpecentes. O lábio inferior está ferido pelo Herpes do lado esquerdo. Mas ela é forte o suficiente para que a ferida não a impeça de sorrir quando tem vontade. As noites mal dormidas, pelas calçadas do Centro de Goiânia, latejam nos bocejos constantes durante o dia. Ela tem cicatrizes ao longo de todo o corpo e histórias em cada uma das cicatrizes. Apesar dos 30 anos de idade, Carolina é mais experiente que muita gente com a data de nascimento anterior à dela. Usuária desde os 12 anos de idade e em situação de rua após os 25, nunca olha para si mesma como alguém que padece do próprio destino. Não permite que ninguém olhe.
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Gosta de conversar. Me estendeu uma beiradinha do papelão estendido na calçada na segunda vez em que fui entrevistá-la. Eu queria estender sua história. A voz é rouca, mas vívida. A garganta seca e as cordas vocais mesmo comprometidas não comprometem a vivacidade do timbre da voz, a entonação emocionante que ela faz questão de dar às suas palavras. Fala do passado com a paz de quem tem força para se perdoar. Melhor, com a paz de quem sabe que nunca foi culpada. Carolina nasceu no Garavelo, pouco tempo depois da criação do bairro. Os pais ocuparam as margens da GO-040 com um barraco de madeira quando decidiram morar juntos. Longe de Goiânia, de Aparecida, dos olhos das autoridades, morar no local onde hoje está situado o Setor Garavelo era na verdade sobreviver. “Talvez não tenha mudado muita coisa”, as duas jaboticabas me olham fixamente e ela deixa as palavras escaparem com um tom de voz amargo. O pai dela era caminhoneiro, nascido em São José do Rio Preto. Conheceu a mãe da Carolina na primeira viagem que fez pra Goiás transportanto eletrodomésticos para uma loja de móveis na capital. Da outra vez que veio a Goiânia, conheceu o filho que fez em Lourdes. Resolveu vir
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pra ficar. Lourdes cuidava dos filhos e do barracão de madeira enquanto ele trabalhava furando poços artesianos nas fazendas do estado. Alugava o maquinário de que precisava e chegou até a contratar alguns peões para ajudá-lo no trabalho. Carolina se lembra que aos poucos os colchões onde a família dormia passaram a ficar em cima de camas. Não faltava mais sapatos para caminhar os quase seis quilômetros até a escola onde ela e os dois irmãos estudavam. O barraco foi se transformando em uma casa. Ela cresceu vendo o Garavelo crescer. E o negócio do pai também. Certa vez ele até foi chamado para furar um poço numa fazenda no Mato Grosso. O fazendeiro mandaria buscá-lo de avião. “A gente só tinha visto avião de longe, passando no céu. Eu e meus irmãos uma vez apostamos corrida, correndo atrás de um. Ganhava quem alcançasse o avião. Ninguém ganhou”. A lembrança a fez ganhar mais um sorriso enquanto traduzira infância pra mim. Carolina se lembra de ver os dedos da mão do pai dela tremendo, quando ele foi se despedir da mãe. Ela estava atrás da Lourdes e viu quando ele passou a mão pelos cabelos da mulher no abraço seco que a dona de casa ganhou do esposo. O pai estava com medo da viagem de avião. Mas morreu depois
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da aterrissagem, quando uma peça da perfuratriz que ele estava usando se soltou e acertou sua cabeça. O corpo regressou de avião, depois de fazer escala em Cuiabá para que um médico atestasse a morte. Lourdes começou a trabalhar no caixa de um supermercado e colocou os dois filhos mais velhos para trabalharem também. Só a Carolina terminou o ensino médio, assim que asfaltaram as ruas da sua casa. O Garavelo agora tinha rede de esgoto, água encanada, eletricidade e algumas ruas pavimentadas. Como o setor ocupa áreas dentro dos limites de Goiânia eáreas pertencentes ao município de Aparecida, a responsabilidade pelo local era jogada que nem batata quente pelas prefeituras. As linhas de transporte coletivo não chegavam até o Garavelo. E a maioria dos moradores do setor trabalhava bem distante de casa, nas áreas mais movimentadas de Goiânia. O irmão mais velho da Carolina precisava se levantar às 04:00 h se quisesse chegar no trabalho às 07 h. Em comparação com alguns dos vizinhos, ele até que levantava tarde. Hoje o setor abriga as casas de mais 50 mil pessoas. O Garavelo é maior do que 224 das 246 cidades goianas.Precisou ser dividido em três para organizar o contingente populacional alojado entre Goiânia e Aparecida, que já não podia
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mais ser ignorado pelo poder público. E, mesmo sendo tão desigual de partes das cidades onde está instalado, a via principal do setor Garavelo se chama Avenida Igualdade. “Eu acho quem mora, por exemplo, aqui no Centro, não sabe como é morar no Garavelo. Por mais que eu esteja na calçada eu vejo os ônibus passando toda hora, eu sei que as ruas não tem tanto buraco. Tem escola, hospital perto, tudo que você precisar. Lá não é assim não”.E ela continua, sem lamentar a vida nas calçadas. Carolina não lamenta nada. “É melhor assim, embaixo da marquise, sem ter lugar pra morar, do que morando no Cepaigo que nem meus irmãos”. Ela prefere a Avenida Tocantins. Dorme por lá durante toda a semana, sempre na porta da mesma loja de calçados. “Eu gosto daqui por que é movimentado, mas não é um movimento que te atrapalha muito. Essas lojas sempre tem caixas por perto, pode reparar naquelas lixeiras ali. Eu venho pra cá quando tô com sono. Na verdade, tem dias que eu nem saio daqui. Na hora que eu quero dormir, escolho uma caixa de papelão, rasgo e deito”. As noites nas calçadas da Avenida Tocantins, há poucos metros da residência oficial dos governadores, do Centro de Convenções, do
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primeiro teatro da cidade, do Parque Mutirama, do maior patrimônio Art Déco do país, em uma área tão central da cidade, é muito distante da vida que a Carolina sonha. Ela vive no Centro mas trouxe a periferia com ela, lá do Garavelo. Quando eu digo que ela sonha com a vida diferente que queria levar, é acordada mesmo, porque não tem um sono tranquilo assim, a ponto de poder sonhar à noite. Ela queria ser técnica em radiologia. Tem um primo que é técnico, em um hospital lá em Aparecida. “Tinha vontade de fazer o curso técnico de radiologia. Se eu tivesse oportunidade, teria feito. Sabe o quê que é... Eu gosto de mexer com esse lado que cuida do ser humano. E é uma profissão boa, que trabalha pouco, aposenta mais cedo. O salário também eu acho ótimo. A gente não tem força nem saúde pra sempre. Eu sei que é perigoso, mas tudo hoje em dia é perigoso. Um trabalho perigoso ainda é melhor do que a situação de rua. Porque, no trabalho, você tem normas de segurança e se precavendo não tem problema. Na rua não tem como se precaver”. O piso de um técnico em radiologia hoje é R$ 1.301, 25 mais um adicional de insalubridade de 520 reais. Não é muito diferente do contracheque dela. A Carolina pagou um contador para fazer uma falsificação de um contracheque pra ela.
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Conhecia duas pessoas que usavam contracheques falsos fornecidos por esse mesmo contador e um dia resolveu tentar. “No começo, assim que eu passei a morar nas ruas tentei trabalhar, mas não deu certo. Eu passei em três cooperativas de reciclagem mas não tinha carrinho. Esses carrinhos de ferro onde os catadores guardam o material reciclável. Eles sempre me diziam pra voltar depois do fim de semana, prometendo que iriam arrumar um, mas nunca arrumaram. Eu acho que é porque eu sou mulher, eles pensam que eu não vou conseguir empurrar um carrinho a semana toda”. Mulher, usuária de drogas e em situação de rua, ela se deu conta de que não seria fácil arrumar um trabalho. Perguntou onde ficava o escritório de contabilidade. Era no Bela Vista. Carolina se perdeu três vezes até chegar até lá, mas encontrou o endereço. Era um sobrado com uma loja embaixo. O contador atendia no andar de cima, depois de uma escada escura e apertada, numa salinha de paredes brancas que estavam descascando perto do assoalho. Ela descia as escadas poucos minutos depois, aliviada, com um contracheque que assevera que a Carolina recebe um salário de 1.500 reais mensais, já incluindo o vale transporte,além de um adicional pelas horas extras que ela fez naquele mês. Nem
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dava pra acreditar. Tem até o número de uma conta que nunca foi dela. Carolina guarda o contracheque dobrado com cuidadodentro de um saco plástico onde ela coloca os documentos, no fundo de uma mala de oncinha com as suas outras três peças de roupa e uma toalha lilás. Com o contracheque falso ela consegue abrir crediário próprio em várias lojas. “Eu compro, por exemplo, televisão de LED. Já devo ter comprado umas três. Compro nas Casas Bahia, no Novo Mundo, mas lá em Campinas, aqui no Centro não. Eu tenho medo de alguém me reconhecer aqui e chamar a polícia”. Ela troca tudo o que compra por drogas. É assim que mantém o vício. “Celulares eu nem sei mais quantos foram. Teve até uma vez que fui numa loja de materiais de construção e comprei 50 sacos de cimento. Na Avenida mesmo eu devo estar devendo uns 400 reais, de umas roupas que eu peguei lá uma vez. Eu sei que não posso continuar assim pra sempre, porque meu nome já deve estar sujo, vou lascar meu CPF, mas tá resolvendo o problema por enquanto. Depois eu arrumo outra coisa pra fazer”. Ela não pareceu constrangida ao me contar sobre o contracheque. Ou sobre como o traficante precisou ir buscar os sacos de cimento na casa da mãe,
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no Garavelo, porque ela não tinha outro endereço para entrega. Mas seus lábios hesitaram por alguns segundos quando perguntei o que ela fazia para sobreviver antes. Juntou a palma das mãos, olhou para o que restava do esmalte rosa. Queria ter certeza de que poderia falar. “Eu não falo muito sobre isso”. Carolina não viveu sempre entre Goiânia e Aparecida. Conheceu, além dos traficantes de drogas, traficantes de pessoas. A oferta deles parecia ainda mais tentadora. Estava pensando em como faria para deixar a casa da mãe, e as constantes brigas por causa dos cigarros de maconha, quando perguntaram-lhe se sabia dançar. Ela sabia. Embarcou para Portugal e de lá foi de trem para Navarra, na Espanha,embalada pelo som da promessa de que, como dançarina, ganharia em pouco tempo dinheiro suficiente para voltar ao Brasil, comprar uma casa, um carro e abrir um negócio. Ganhou passaporte, visto, passagens aéreas. “No fundo eu sabia que teria que prostituir, mas como era em outro país, ninguém ia ficar sabendo. Eu achava realmente que ia ganhar muito dinheiro e lá a droga é mais fácil de conseguir. Então eu fui”. Trabalhava como dançarina numa boate e precisava fazer pelo menos três programas por noite. “Tinha muita mulher trabalhando lá. De Goiás, eu e mais duas. No começo eu sentia muitas
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dores nas pernas porque tinha que dançar de salto o tempo todo e eu não tava acostumada. Não tinha tempo pra dormir. Eu não falava e não entendia espanhol, lá eles falam muito rápido. Mas o pior mesmo é a humilhação, ninguém acha que tem respeitar prostituta. Em nada. É como se você não fosse uma pessoa, como se você fosse tão inferior que não tivesse voz”. Foi estuprada, agredida, mantida em cárcere privado e violentada psicologicamente. Teve um dos dentes quebrados em um soco que levou quando reclamou do primeiro salário. Ela recebeu 400 euros ao fim do mês. Disseram que havia descontos por causa da maconha que ela havia consumido na boate, dos lençóis que usou, do aluguel do quarto e até das camisinhas.Cobraram também o passaporte, o visto e as passagens que haviam dito pra Carolina que eram por conta do estabelecimento. Ela trabalhou dois anos para pagar dívidas que nem sabia que tinha feito. Detestava tudo, mas se adaptou, aos trancos, barrancos e tragos no crack. “É muito estranho. Você acaba se acostumando, eu acho que a gente se acostuma com tudo. Era ruim, mas eu não tentava vir embora, olhava pra todas as outras mulheres que chegaram lá antes de mim e acreditava que
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não ia conseguir. Às vezes eu pensava que era melhor nem voltar do que voltar sem nada, com as mãos abanando”. Aos poucos a fiscalização em torno dela diminuiu. Carolina podia sair da boate e fazer programas nas ruas da cidade para complementar a renda. Foi detida assim, numa esquina de Navarra, enquanto um cliente tentava convencê-la de que o preço cobrado era caro demais. Ligou para a mãe. Os irmãos pagaram sua passagem de volta ao Brasil, com o dinheiro que conseguiram vendendo os móveis que roubavam de casas em Goiânia e em Aparecida. Mas não aceitaram mais Carolina em casa quando souberam que ela trabalhava como prostituta.“Pelo menos, eu trabalhava”, diz. Ela me olha com as jaboticabas enquanto a mão se enrola num pedaço da saia bege. A testa quase se curvou numa expressão de dor quando ela mordeu os lábios sem querer, se esquecendo da ferida da Herpes. Mas ela é forte demais para chamar isso de dor. Carolina interrompeu a resposta como se quisesse evocar memórias distantes. O sorriso é o mesmo quando se recorda e quando não consegue se lembrar de algo. É forte demais para deixar de sorrir. Vítima deuma série de injustiças sociais, nunca se fez de vítima. Nem pretende.
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A mão deixa a saia para arrumar o cabelo. “Olha como tá ressecado. Aliás não é só o cabelo não”. Desvia as jaboticabas para a pele dos braços. “Tá vendo? É a pedra. Eu acabo esquecendo de tomar água, você só tem vontade de fumar e pronto. Eu tinha uma garrafa com água mas perdi. Nunca consegui ser organizada, se você olhar aqui dentro da mala, vai ver que não tem muita coisa, mas mesmo assim tá uma bagunça”, sorri. Eu repito que seu cabelo é bonito. “Era mais”, ela responde, mais seca que os fios, como se a minha opinião não importasse. E não importa mesmo. Carolina é forte demais para se importar com o que pensam sobre ela. “Aproveita e vê se você acha o isqueiro aí na mala”, me pediu. Estava embaixo do saco plástico com os documentos e o contracheque falso. As unhas ainda pintadas com esmalte rosa acendem um baseado guardado no cós da saia.
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