UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO E DESIGN GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
DESENHO URBANO E PAISAGEM CULTURAL: PLANO DE REABILITAÇÃO URBANA PARA O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE ARAGUARI
LUCAS MARTINS DE OLIVEIRA ORIENTADOR: DR. GLAUCO COCOZZA UBERLÂNDIA, JANEIRO DE 2013
Ao meu pai, Valdivino Alves de Oliveira, telegrafista da RFFSA. (1942-2003)
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AGRADECIMENTOS A minha família, em especial a minha mãe Maria Eunice; Ao Alexandre; À Miki; À Karine; Aos amigos e colegas de percurso; Ao professor Glauco; Às professoras Maria de Lourdes, Maria Eliza e Claudia Reis, pelas contribuições durante o curso e neste trabalho; Ao colegiado do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAUeD.
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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Localização do município de Araguari. Fonte: IBGE, 2012. .......................................... 4 Figura 2: Evolução da malha urbana inicial de Araguari – 1840-1895. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................................................................................. 7 Figura 3: Planta Geral da Cidade de Araguari – 1948. Destaque para o pátio da EFG e início da faixa de domínio da linha férrea. Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. ...................................................................................................................... 9 Figura 4: Recorte do traçado atual da área planejada. Destaque para o pátio da EFG e início da faixa de domínio da linha férrea. Fonte do mapa: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de......... 10 Figura 5: Indicação da Vila Amorim no mapa de 1948. Fonte: PMA. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................................................................................... 12 Figura 6: Perímetro urbano atual de Araguari – destaque para o pátio da EFG e entorno da faixa de domínio da linha férrea desativada. Fonte do mapa: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................ 13 Figura 7: Evolução da ocupação do sistema ferroviário da EFG. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. Colaboração: G. Chaves. ...................................................... 16 Figura 8: Vista aérea da cidade em 1950 – destaque para os Pátios Ferroviários. Foto: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. .......................................... 17 Figura 9: Vista aérea da cidade atual com o Pátio Ferroviário já inserido à cidade. Foto: SILVA JÚNIOR, J. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................. 17 Figura 10: Jóquei Clube (atual Parque de Exposições) e 2º Batalhão Ferroviário (atual 11º BEC) - Final da década de 60 e, à direita, linha férrea da EFG. Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................ 19 Figura 11: Atual região de entorno do leito de trilho. Encontro com trilhos em uso. Foto: SILVA JÚNIOR, J. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................. 20 Figura 12: Principais equipamentos no entorno dos trilhos. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 21 Figura 13: Retificação da linha férrea, desativação das antigas estruturas e construção de novas instalações no espaço urbano. Fonte do mapa base: PMA. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. Colaboração: CHAVES, G. H. ............................................................................................... 22 Figura 14: Tipologia comercial e residencial do primeiro período de ocupação. Pedra comemorativa em homenagem a abertura da Av. Batalhão Mauá sobre o pátio da CMEF. Pavimentação asfáltica sobre as ruas de pedras. Fotos: CHAVES, G. H., SCHMIT, J.; Megaminas. ................................................................................................................................. 24 Figura 15: Praça Gaioso Neves - Relação entre o palco proporcionado pelo pórtico frontal e escadarias e espaço livre da praça. Fotos: PMA e Correio de Araguari. ................................... 27 Figura 16: Restante das edificações já restauradas ou readaptadas. Armazém de Mercadorias. Foto: SCHMIT, J.; Oficina dos Revistadores. Foto: Correio de Araguari. Escola Profissional e Tipografia. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ....................................................................................... 28 Figura 17: Edificações ainda não readaptadas e sem destinação definida. Almoxarifado; Oficina da Via Permanente; Carpintaria; Oficina de Locomoção e Oficina Diesel. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................................................................................... 29 Figura 18: Interior das edificações ainda não readaptadas: Oficinas de Locomoção; Oficina Diesel e Almoxarifado. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de..................................................................... 29 Figura 19: Deposição de entulhos e estacionamentos improvisados no pátio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.; CHAVES, G. H. ........................................................................................................... 30 Figura 20: Vista aérea atual – implantação geral do Pátio Ferroviário. Foto: VIEIRA, H. .......... 30 Figura 21: Estado de conservação da faixa de domínio ao longo do leito de trilho desativado na área urbana. Fotos: SCHMIT, J.; CHAVES, G. H. ...................................................................... 32
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Figura 22: Delimitação da área de estudo para o diagnóstico urbano. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 36 Figura 23: Zoneamento e sistema viário 2007. Fonte: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. 38 Figura 24: Sistema Viário 2004 – Destaque para o prolongamento da Av. Batalhão Mauá sobre o pátio ferroviário e faixa de domínio da EFG. Fonte: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de. . 40 Figura 25: Tipologias edilícias no entorno do Pátio Ferroviário. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .... 45 Figura 26: Eixo de centralidade Sen. Melo Viana/Cel. J. F. Alves. Casa da Cultura e Conservatório Estadual de Música. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................ 45 Figura 27: Tipologias edilícias no entorno do leito de trilho. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .......... 46 Figura 28: Eixo de centralidade Profª L. Naves/J. Araújo, 11º BEC, CAIC e Parque de Explosições. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de; CHAVES, G. H. ......................................................... 47 Figura 29: Mapa de uso e ocupação do solo da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................ 48 Figura 30: Pç dos Ferroviários, resíduo na rua Jaime Araújo, canteiro central Av. Mato Grosso e Pç. Rondon Pacheco. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ..................................................................... 50 Figura 31: Mapa da análise da imagem mental. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ................... 53 Figura 32: Mapa topográfico, do tecido urbano e de massas arbóreas da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 57 Figura 33: Mapa de cheios e vazios da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ..... 59 Figura 34: Perfil da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ..................................... 60 Figura 35: Afastamentos e contiguidade das edificações. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ............. 60 Figura 36: Postes telegráficos, ponto de taxi e bancos na Pç. dos Ferroviários . Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 61 Figura 37: Croqui da conformação topográfica côncava. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ..... 64 Figura 38: Implantação da infraestrutura ferroviária em Piracicaba. Fonte do mapa base: PMP. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 71 Figura 39: Pontilhão sob via em área central. Leito de trilho em nível na região periférica de Piracicaba. Fotos: FIORINI, L. C. ................................................................................................ 71 Figura 40: Estação Piracicaba da Cia. Paulista antes da restauração. Estação depois da restauração. Plataforma em restauração em 2005. Construção da plataforma de passageiros em 1922. Fotos: PMP; MARTINS, F. .......................................................................................... 73 Figura 41: Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista. Fotos: PMP; JARDIM, N. ................... 73 Figura 42: Implantação geral do Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................... 74 Figura 43: Implantação atual do pátio ferroviário da EFNOB em Campo Grande. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 76 Figura 44: Estação de Passageiros e Armazém de Cargas depois da restauração em 2004 e Rotunda ainda não restaurada. Fotos: PMCG. “Feirona” instalada em área do pátio. Fotos: SANTOS, R. ................................................................................................................................ 76 Figura 45: Implantação geral do projeto (montagem original). Fonte: PMCG ............................ 77 Figura 46: Perspectivas do projeto e obras de implantação da Orla Ferroviária - ainda não concluida. Fonte: PMCG ............................................................................................................. 78 Figura 47: Perspectivas do projeto e implantação e vista geral - Orla Morena. Fonte: PMCG. . 80 Figura 48: Proposta de implantação dos projetos de requalificação das áreas ferroviárias na área central de Campo Grande (montagem original). Fonte: PMCG ......................................... 81 Figura 49: Proposta de Implantação do Parque Esplanada (indicações originais) e perspectivas do projeto. Fonte: PMCG ............................................................................................................ 82 Figura 50: Porto de Montreal – Séculos XIX e XX. Fotos: Societé Du Vieux Port de Montréal. 85 Figura 51: Esquema ilustrando a relação entre a cidade antiga, o eixo linear da orla beira rio e os cais. Fonte: Peter Rose + Partners. ....................................................................................... 85 Figura 52: Concepção do projeto e maquetes da proposta para a revitalização do Vieux-Port de Montréal. Fonte: Peter Rose + Partners. .................................................................................... 86 Figura 53: Cortes esquemáticos do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ......................... 86
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Figura 54: Vistas gerais do Vieux-Port, instalação artística, equipamentos sanitários em containers adaptados, placas de borracha na passagem sobre a linha férrea e caminhos internos do Parc des Quais du Vieux Port. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .................................... 88 Figura 55: “Tour de L’horloge” e nova marina. Fotos: PICARD, C.; LESAN, I. .......................... 88 Figura 56: Mobiliário informativo do Parc des Quais du Vieux Port. Foto: OLIVEIRA, L. M. de. 89 Figura 57: Linha férrea elevada em uso – meados do Século XX. Fonte: Friends of the High Line. ............................................................................................................................................. 91 Figura 58: Implantação geral da linha férrea elevada. Fonte: MIT. ............................................ 91 Figura 59: Soluções projetuais para a incorporação da linha férrea ao projeto. Fotos: DALTON, J.; ROTHWELL, A. ...................................................................................................................... 92 Figura 60: Cortes esquemáticos do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ......................... 92 Figura 61: Espaços de lazer e permanência – possibilidades de apropriação. Fonte: Friends of the High Line. .............................................................................................................................. 93 Figura 62: Inserção urbana da intervenção. Fonte: Friends of the High Line. ............................ 93 Figura 63: Foto aérea com a localização das regiões de intervenção. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................................................................................... 101 Figura 64: Análise do entorno da área do Parque. Foto: Googleearth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................................................................................... 120 Figura 65: Diagnóstico das preexistências da área do Parque. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................... 121 Figura 66: Fotos da área de projeto. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................ 122 Figura 67: Estudo preliminar apresentado no iTFG, antes do refinamento programático e conceitual. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................... 123 Figura 68: Croqui conceitual para a elaboração do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.124 Figura 69: Zoneamento – espacialização. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. .......................... 126 Figura 70: Logomarca da RFFSA. Autor: STEAGALL-CONDÉ, C. thesignstudio.blogspot.com.br/2009/04/rffsa.html..................................................................... 128
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LISTA DE SIGLAS 11º BEC – 11º Batalhão de Engenharia e Construção AFA – Associação dos Ferroviários de Araguari ASCAMARA – Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Araguari ASPCA – Associação dos Servidores Públicos Civis de Araguari BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CMEF – Companhia Mogiana de Estradas de Ferro EFG – Estrada de Ferro Goiás FAEC – Fundação Araguarina de Educação e Cultura IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PMA – Prefeitura Municipal de Araguari PMCG – Prefeitura Municipal de Campo Grande PMP – Prefeitura Municipal de Piracicaba RFFSA – Rede Ferroviária Federal S. A.
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 2 CAPÍTULO 1: A CIDADE DE ARAGUARI ................................................................... 4 1.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO MUNICÍPIO................................................... 4 1.2 A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO .............................................................. 5 1.2.1 Núcleo urbano inicial ..................................................................................... 5 1.2.2 A Expansão urbana em traçado planejado.................................................... 7 1.2.3 A desconsideração do planejado e a conformação urbana atual ................ 11 CAPÍTULO 2: A CONFORMAÇÃO E A CONFIGURAÇÃO ATUAL DA ÁREA EM ESTUDO..................................................................................................................... 14 2.1 A IMPLANTAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES NA INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA DA EFG .......................................................................................... 14 2.2 AS TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DO LUGAR ..................................... 23 2.3 O PROCESSO DE TOMBAMENTO E A GESTÃO PÚBLICA............................ 24 CAPÍTULO 3: DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................. 35 4. 1 ANÁLISE FUNCIONAL..................................................................................... 37 4.1.1 Operativa .................................................................................................... 37 4.2.1 Relacional ................................................................................................... 51 4.1.3 Diretrizes da Análise Funcional ................................................................... 52 4.2 ANÁLISE TOPOCEPTIVA ................................................................................. 52 4.2.1 Imagem mental ........................................................................................... 52 4.2.2 Representação geométrica secundária ....................................................... 55 4.2.3 Diretrizes da Análise Topoceptiva ............................................................... 62 4.3 ANÁLISE BIOCLIMÁTICA ................................................................................. 63 4.3.1 Características da forma urbana condicionantes do clima urbano .............. 63 4.3.2 Expectativas de conforto em regiões de clima tropical de altitude............... 65 4.3. Diretrizes da Análise Bioclimática ................................................................. 66 CAPÍTULO 4: REFERÊNCIAS PROJETUAIS ........................................................... 69 3.1 AS PRÁTICAS DE GESTÃO EM PATRIMÔNIOS FERROVIÁRIOS NO BRASIL ................................................................................................................................ 69 3.1.1 Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista, Piracicaba, SP. ..................... 70 3.1.2 Orla Ferroviária, Orla Morena e Parque Esplanada, Campo Grande, MS. .. 75 3.2 REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS EM INTERVENÇÕES EM PATRIMÔNIOS URBANOS .............................................................................................................. 84 3.2.1 Parc des Quais du Vieux Port, Montreal, Canadá. ...................................... 84
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3.2.2 High Line Park, Nova Iorque, EUA. ............................................................. 90 3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS ANÁLISES REALIZADAS .................. 93 CAPÍTULO 5: O PLANO DE REABILITAÇÃO URBANA .......................................... 95 5.1 MATRIZES PROJETUAIS ................................................................................. 97 5.1.1 Matriz Ocupação ......................................................................................... 97 5.1.2 Matriz Circulação ........................................................................................ 98 5.1.3 Matriz Ambiental ......................................................................................... 99 5.2 REGIÕES DE INTERVENÇÃO ......................................................................... 99 5.2.1 Estudo preliminar de intervenção .............................................................. 102 5.2.2 Região de Intervenção 1: Centro Administrativo e Cultural de Araguari .... 103 5.2.3 Região de Intervenção 2: Rua Margem dos trilhos.................................... 108 5.2.4 Região de Intervenção 3: Rua Professora Lourdes Naves ........................ 111 5.2.5 Região de Intervenção 4: Fábrica Desativada ........................................... 113 5.2.6 Região de Intervenção 5: Avenida Marechal Rondon ............................... 115 5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PLANO DE REABILITAÇÃO .............. 118 CAPÍTULO 6: PARQUE URBANO DA BIFURCAÇÃO ............................................ 119 6.1 ANÁLISE DA ÁREA E ENTORNO................................................................... 119 6.2 PROCESSO PROJETUAL .............................................................................. 122 6.3 PROGRAMA DEFINITIVO .............................................................................. 124 6.4 MEMORIAL DE PROJETO.............................................................................. 125 6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PARQUE DA BIFURCAÇÃO.............. 131 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 132
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APRESENTAÇÃO
A ideia de intervenção urbana apresentada se originou em 2009, a partir das apreensões cotidianas do espaço urbano de Araguari, que se desenvolveu e se clarificou durante o período de formação teórica e conceitual no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. A busca por informações e a construção das primeiras análises, inicialmente a respeito da faixa de domínio da linha férrea desativada, deram início a um ensaio crítico sobre o tema, mostrando o potencial de qualificação urbana exercido pela área. Este foi publicado na revista Minha Cidade (nº 120.02 de 2010) e também apresentado no 3º Encontro de Preservação Ferroviária de Araguari, promovido pela FAEC/PMA em 2010. A partir das observações acerca dos trilhos desativados, percebe-se que é inevitável sua qualificação sem que haja uma atuação decisiva no pátio ferroviário, também desativado e ainda mais despercebido pela população em geral devido à sua característica urbana introspectiva. Este trabalho se organiza em cinco etapas, divididas em seis capítulos. Nos capítulos 1 e 2 apresenta-se a cidade e o processo de conformação do objeto de trabalho (pátio ferroviário e faixa de domínio da linha férrea da antiga EFG). No capítulo 3 apresenta-se o diagnóstico da área de estudo, realizado segundo metodologia
estabelecida
por
KOHLSDORF
(1996).
No
capítulo
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desenvolvem-se análises de referências projetuais nacionais e internacionais realizadas a partir da década de 1980, quando se volta o olhar para o patrimônio industrial e ferroviário: Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista em Piracicaba (SP), Orla Ferroviária, Orla Morena e Parque Esplanada em Campo Grande (MS), Parc des Quais du Vieux Port em Montreal (Canadá ) e High Line Park em Nova Iorque (EUA). No capítulo 5 apresenta-se as diretrizes para o Plano de Reabilitação Urbana. Ao final, o capítulo 6 apresenta o anteprojeto para a primeira etapa de implantação do Plano, o Parque Urbano da Bifurcação.
1
INTRODUÇÃO
A partir da segunda metade do século XX o interior brasileiro vivenciou um rápido processo de urbanização, causado pela expansão dos setores agropecuário, comercial e industrial e pela modernização das infraestruturas de comunicação e transporte. Nas cidades, esta nova configuração econômica refletiu na necessidade de uma reorganização espacial das atividades de comércio
e
serviços,
redefinindo
funções
e
significados
de
alguns
equipamentos e espaços urbanos antes essenciais ao seu funcionamento. Áreas significativas, antes economicamente produtivas, tornaram-se ociosas, terrain
vagues1
em
meio
ao
espaço
urbano
consolidado,
gerando
incompreensão e até mesmo rejeição da sociedade. Podem-se citar como exemplos indústrias, armazéns, áreas portuárias, pátios ferroviários e linhas férreas desativadas. O planejamento urbano das cidades brasileiras, que abertamente privilegia o interesse do capital em detrimento ao público, não acompanhou estas transformações e se omitiu em buscar soluções que devolvessem a função social a estes espaços. As áreas desativadas do sistema ferroviário em Araguari, MG, formadas pelo pátio ferroviário e faixa de domínio do leito de trilhos da antiga Estrada de Ferro Goiás, são exemplos para esta situação. São áreas carregadas de valor cultural, exemplares arquitetônicos significativos e, devido à sua posição privilegiada e influência no espaço urbano, potencializam a realização de uma intervenção urbana transformadora. Entretanto, sua reabilitação esbarra no desinteresse da gestão pública que, apesar de reconhecê-las enquanto áreas especiais, age de forma letárgica e descoordenada. Repensar o significado destas áreas é uma oportunidade para se avaliar a maneira pela qual a cidade é construída na atualidade, permitindo analisar as práticas atuais de planejamento e gestão da paisagem e apresentar propostas que se contrapõe ao modo vigente de planejar a cidade.
1
Termo proposto por Solà-Morales (2002) para áreas ou territórios indefinidos, ambíguos, vazios, sem delimitações claras; vagos, improdutivos e, em muitos casos, obsoletos, mas, sobretudo, são áreas com dupla condição. São os territórios da ausência, do encontro do passado com o presente, e o seu contraponto mais instigante: são reservas de futuro.
2
Intervenções em áreas urbanas estratégicas como estas reclamam a elaboração de estudos aprofundados sobre suas especificidades materiais e imateriais. São projetos amplos, integrados e em longo prazo, que envolvem a participação de diversas esferas da administração pública, de diferentes áreas do conhecimento. São compostos por projetos arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos, que se inter-relacionam buscando um objetivo comum: a restauração da paisagem cultural, entendida como representação viva da evolução da sociedade e dos estabelecimentos humanos ao longo do tempo. O objetivo deste trabalho é apresentar a recuperação urbanística das áreas ferroviárias da EFG em Araguari, formadas pelo pátio ferroviário e faixa de domínio do leito de trilho desativado, entendidos como espaços públicos estruturadores na configuração dos sistemas de espaços livres da cidade2. O projeto volta-se para a reordenação dos espaços exteriores, no qual se aprofundam as questões que envolvem a relação entre a paisagem cultural e o desenho urbano.
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Compreende-se como sistemas de espaços livres os elementos e as relações que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaços livres de um determinado recorte urbano. Ver: QUEIROGA et al. Notas gerais sobre os sistemas de espaços livres da cidade brasileira. In: Sistemas de espaços livres: conceitos conflitos e paisagens. FAUUSP, 2012. p. 11-20.
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CAPÍTULO 1: A CIDADE DE ARAGUARI
1.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO MUNICÍPIO
O município de Araguari localiza-se localiza se no estado de Minas Gerais e insere-se na porção norte da microrregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (Figura 01). Sua população o atual é de 110.983 110 habitantes, sendo 94% % destes localizados em área urbana. A prestação de serviços e a atividade agroindustrial industrial formam a base de sua economia,, que totaliza um PIB anual de R$ 1,8 bilhões (19ª colocação entre os 853 municípios mineiros). A cidade apresenta um elevado Índice ndice de Desenvolvimento Humano H no (0,815), entretanto o baixo Índice Í de Gini (0,42) indica uma grande disparidade de renda entre seus habitantes (IBGE, 2012).
Figura 1:: Localização do município de Araguari. Fonte: IBGE, 2012.
A infraestrutura de serviços de média complexidade, o porte econômico e os números populacionais que a cidade apresenta, somada à dinâmica regional em que está inserida, a classifica como uma cidade média. A forte relação de complementaridade com a cidade de Uberlândia, centro regional distante cerca de 30 km,, inibe sua influência regional, se comparado a outras cidades de
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mesmo porte na região3. O clima do município é classificado como Tropical de Altitude. Sua topografia é pouco acidentada, com uma altitude média de 921 m. Ocupa uma área de 2.774 km², sendo que o perímetro urbano ocupa 12,7% desta. É geograficamente limitada pelo encontro dos vales dos rios Paranaíba e Araguari, sendo 52% de sua área remanescente do Bioma Cerrado e 48% do Bioma Mata Atlântica, onde se insere o aglomerado urbano (IBGE, 2012).
1.2 A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
1.2.1 Núcleo urbano inicial
O município de Araguari se originou da delimitação de um espaço religioso, não diferente de grande parte dos demais municípios da região. Na primeira metade do século XIX (os primeiros registros datam de 1823), uma área localizada entre duas sesmarias recém demarcadas foi doada à igreja católica como patrimônio da Freguesia do Brejo Alegre, sob a invocação do Senhor Bom Jesus da Cana Verde do Brejo Alegre. Uma associação direta entre a religião, característica cultural, e o curso d’água que daria suporte a fixação da população naquele local. A Freguesia foi criada em 02 de abril de 1840 e elevada a categoria de cidade, com o nome modificado para Araguary, em 28 de agosto de 1888 (NAVES e RIOS, 1988, p. 18). As primeiras construções se concentraram voltadas para o adro da igreja católica Matriz, implantado próximo à margem do córrego Brejo Alegre. Este adro assumiu o papel de primeiro espaço público gerador do traçado inicial. A partir dele, definiram-se as principais direções de crescimento urbano. A influência do traçado colonial português, apesar de tardio, foi significativa nesse período (final do século XIX). A primeira via estabelecida foi a rua Direita, que se desenvolveu em torno da mesma cota topográfica, paralela ao córrego, a fim de facilitar sua implantação e sua utilização. O fato de se desenvolver em nível tem como resultado seu caráter não retilíneo. Teixeira (2004, p. 58), ao 3
O papel regional de Araguari e sua classificação como cidade média foram apresentados na dissertação de Flávia de Araújo - (Re)configurações espaciais na cidade média: a análise de Araguari no Triângulo Mineiro (MG), IG, UFU, 2010
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discorrer sobre os modelos urbanos portugueses da cidade brasileira, afirma que: “as ruas tinham de ser tortas, na sua projeção horizontal, para poderem ser “direitas” no seu perfil”. Na margem oposta, alinhada com igreja Matriz, foi construída a capela do Rosário (os primeiros registros datam de 1864), mais simples em ornamentos e características construtivas. Após a ocupação destes espaços iniciais, desenvolveram-se outras ruas paralelas à primeira via longitudinal – rua Direita, e de outras travessas, perpendiculares a estas. Surge, então, mais uma via longitudinal a uma cota mais baixa – rua do Brejo, mais próxima do fundo de vale e outra via longitudinal a uma cota superior – rua do Comércio. A cidade se expandiu lentamente, de acordo com as características físicas do sítio, paralela ao curso d’água e explorando as particularidades topográficas para reforçar sua organização funcional e seus elementos estruturantes, resultando em um traçado com menor rigor geométrico. O córrego Brejo Alegre não se configurou totalmente como uma barreira física, podendo ser entendido como condição fundamental para a existência e estruturação do núcleo urbano inicial de Araguari. A atuação do poder público que mais se aproxima de um possível planejamento urbano foi a criação do cargo de “alinhador”, pela Câmara Municipal, já em 1884. Sua função era fiscalizar o alinhamento das construções voltadas para as vias, garantindo assim a continuidade destas, como também a demarcação de novas vias quando necessário. Apesar de não seguir um projeto predefinido, é possível identificar a ideia de plano que parte das particularidades geográficas e tira partido delas, seja para destacar os edifícios religiosos ou manter a ocupação urbana próxima ao curso d’água. Cabe destacar que neste período, no ano de 1889, foi aprovada e demarcada a área que seria o primeiro, e ainda único, parque urbano da cidade, o “Parque Municipal”, atual “Bosque John Kennedy”. Após diversas subtrações que resultaram na área atual, a qualificação e abertura ao público somente ocorreu em 1925. No arquivo público municipal (Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto) inexistem mapas que retratam este período, apenas descrições dos
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arruamentos obtidas em leituras das atas da Câmara Municipal. Caso tenham sido confeccionados, acredita-se que foram perdidos em um incêndio que ocorreu na antiga biblioteca pública da cidade – Biblioteca Pio XII – no ano de 1959. Diante das descrições, é possível visualizar a malha apresentada na Figura 02.
Figura 2: Evolução da malha urbana inicial de Araguari – 1840-1895. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
1.2.2 A Expansão urbana em traçado planejado
O final do século XIX e o início do século XX reservaram à Araguari dois acontecimentos importantes, que mudariam sua economia e seu espaço urbano. Sendo eles: a chegada da linha férrea da empresa paulista Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que se originava na cidade de Campinas (SP), e o início das obras da linha férrea da empresa Estrada de Ferro Goiás. A Cia. Mogiana, em busca de expansão territorial e novos mercados, já havia se estabelecido na cidade de Uberaba, e iniciava um novo período de obras com a intenção de alcançar o território goiano. No ano de 1896 a empresa inaugurou sua estação em Araguari. A Estrada de Ferro Goiás foi criada no ano
7
de 1906 com a intenção de ligar Araguari à cidade de Vila Boa de Goiás, hoje cidade de Goiás. A intenção inicial era que a linha férrea se iniciasse na cidade goiana de Catalão, a partir do encontro com a ferrovia Mogiana. Entretanto, devido à dificuldade financeira que atingiu a Cia. Mogiana, esta intenção não se concretizou, cabendo aos planejadores do traçado da EFG alterar o ponto inicial da linha férrea para a cidade de Araguari. A Estrada de Ferro Goiás iniciaria seu traçado em Minas Gerais. A inauguração do primeiro trecho – Araguari - Catalão – ocorreu no ano de 1911 e em 1952 a ferrovia alcançou a nova capital do estado, Goiânia, não tendo mais motivo para chegar à cidade de Goiás, como na intenção inicial. Importantes estudos que discorrem sobre as transformações socioeconômicas causadas pela presença destas ferrovias no espaço urbano de Araguari já foram publicados, principalmente no campo da Geografia4, cabendo a este trabalho destacar a principal transformação que determinou o futuro do espaço urbano da cidade e deu origem à área em estudo – a expansão urbana projetada pelo engenheiro da Cia. Mogiana, Achilles Vidulich5. No ano de 1895, Vidulich, responsável pela obra do trecho Uberabinha (Uberlândia)-Araguari da Cia. Mogiana, ofereceu à Câmara Municipal de Araguari um projeto de expansão da malha urbana para a cidade. O Arquivo Público Municipal, novamente, não tem o projeto dessa data, somente informações sobre a ata de sua aprovação. O mapa que mais se aproxima deste é a “Planta Geral de Cidade de Araguari”, de 1948 (Figura 03). Inexistem trabalhos que se propuseram a elaborar uma análise deste projeto. O projeto de expansão urbana propôs uma costura da malha inicial da cidade com uma malha ortogonal, de quadras com dimensões em média 100x100m, que ocupou a bacia do Córrego Brejo Alegre e a área além trilhos, situando o sistema ferroviário no centro geográfico da cidade. Esta malha é contornada por um conjunto de quatro avenidas com 50m de largura, que fariam as
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Destaca-se o Mestrado de Fábio Barbosa – Ferrovia e organização do espaço urbano em Araguari-MG (1896-1978), UFF, 2008. 5 Foi o engenheiro chefe da Cia. Mogiana para a construção de trechos ferroviários. Erroneamente, a historiografia produzida sobre Araguari divulga o nome Achilies Widulick, entretanto, pesquisas preliminares indicam que a escrita correta é Achilles Vidulich.
8
ligações norte, sul, leste e oeste da cidade, formando um contorno viário que estruturaria seu crescimento futuro. Neste projeto destaca-se, também, a distribuição dos espaços públicos na região central. Sete praças formadas a partir da quadra ortogonal da malha são pulverizadas, espaçadas em torno de três quadras uma da outra. Entretanto, a qualificação destas avenidas e praças ocorreu de forma gradativa e lenta. Como ponto negativo do projeto, percebe-se a desconsideração do Córrego Brejo Alegre, já indiciando que seu futuro seria a canalização e o aterramento. Se comparado o projeto de expansão urbana com o executado, percebe-se que parte do proposto por Vidulich foi modificado ou descartado. (Figura 04)
Figura 3: Planta Geral da Cidade de Araguari – 1948. Destaque para o pátio da EFG e início da faixa de domínio da linha férrea. Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
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Figura 4: Recorte do traçado atual da área planejada. Destaque para o pátio da EFG e início da faixa de domínio da linha férrea. Fonte do mapa: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
Não cabe a este trabalho se aprofundar na leitura desse projeto de expansão urbana, entretanto algumas considerações são necessárias para possíveis desenvolvimentos futuros. O projeto de Vidulich para Araguari, elaborado no ano de 1895, mesmo em sua escala modesta, ilustra a racionalização das intervenções
de
ocupação
territorial
no
Brasil
neste
período.
Sua
contemporaneidade com o projeto de Aarão Reis para Belo Horizonte (elaborado entre 1984 e 1897), mostra o credenciamento técnico dos engenheiros da Cia. Mogiana, no caso de Vidulich, para a modernização das cidades que se instalavam. Era fundamental para estes engenheiros a negação das estruturas coloniais e a imposição da técnica, representada pela ferrovia e pela racionalização do crescimento urbano. Apesar de o plano de expansão urbana de Araguari ter uma preocupação basicamente viária, não se isenta das questões urbanísticas quando pré-
10
determina quadras específicas para a implantação de praças e evidencia, também, uma preocupação sanitarista quando facilita a circulação de ar, a entrada de luz solar e assenta a malha sob a bacia do córrego existente, direcionando para este todo o escoamento pluvial e de esgoto. Ainda não se sabe por que a Cia. Mogiana dedicou um projeto de expansão urbana de maiores dimensões para Araguari, comparado às outras cidades onde se implantava e existem poucas informações a respeito de Achilles Vidulich. Fica ainda a principal dúvida, já que não se tem o projeto original de 1895, se o plano apresentado no mapa de 1948 é o mesmo por ele projetado, o que desconstruiria parte do raciocínio acima apresentado. De qualquer maneira, sabe-se que em 1948 havia um plano de expansão urbana para a cidade que merece ser melhor estudado. Para este trabalho, o que é importante destacar deste período é o surgimento da área de intervenção proposta, formada pelo pátio ferroviário da Estrada de Ferro Goiás, e o leito de trilho que dela se originou e seguia em direção ao estado de Goiás.
1.2.3 A desconsideração do planejado e a conformação urbana atual
Pode-se afirmar que na primeira metade do século XX existia na cidade um crescimento dentro do espaço “planejado” e um crescimento no espaço “não planejado”. A existência da Vila Amorim, indicada no mapa de 1948, mostra a presença de uma ocupação improvisada ao longo dos acessos à estrada do Pau Furado, principal acesso da cidade (Figura 5). O não cadastramento de seu traçado no mapa, apenas a indicação em texto, representa a falta de reconhecimento desta porção como parte da cidade legal, o que resultou em uma malha irregular. Na atualidade a Vila Amorim configura o bairro Amorim, e continua sendo a principal região de acesso à cidade, pela BR-050.
11
Figura 5: Indicação da Vila Amorim no mapa de 1948. Fonte: PMA. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Acredita-se que na década de 1950 teve início a implantação de um loteamento com traçado diferente do indicado no mapa de 1948. Como ainda não foram desenvolvidos estudos sobre este assunto, não é possível indicar com precisão esta área, mas pode-se afirmar que é onde hoje é o bairro Industriários. A partir daí, iniciou-se uma série de desconsiderações ao plano de expansão urbana, causada
pela
falta
de
controle
do
crescimento
urbano
ou
mesmo
desconsideração da legislação urbanística. De forma geral, a ocupação da periferia de Araguari, não diferente das outras cidades brasileiras, foi caracterizada pela implantação de loteamentos com desenhos
variados,
ocupações
irregulares,
implantação
de
grandes
equipamentos urbanos e especulação de grandes glebas urbanas. Como resultado, tem-se a conformação de um espaço periférico sem coesão e rarefeito. Nestes loteamentos periféricos, muitas vezes o único espaço público é a rua, já que parte deles foi implantada antes da lei federal 6766/796, como ocorre em 6
Lei que regulamenta o parcelamento do solo urbano nas cidades. Determina que os novos parcelamentos tenham uma regulamentação que define o papel do espaço livre público. Na prática, é apenas um elemento para a aprovação da gleba perante os órgãos municipais.
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grande parte do entorno da área em estudo. Dos poucos espaços públicos prédeterminados, muitos foram invadidos ou cedidos à implantação de equipamentos institucionais. O Plano Diretor indica que o crescimento futuro da cidade deve-se concentrar ao longo do vale do Córrego Brejo Alegre, devido às facilidades de abastecimento de água e drenagem. Por isso existe ainda a grande área não ocupada na direção leste e nordeste do perímetro urbano. Desta maneira, a estruturação viária da cidade seria formada pelo cruzamento das avenidas Mato Grosso (sentido leste-oeste) e Minas Gerais (sentido norte-sul). A figura 6 mostra a configuração urbana atual.
Figura 6: Perímetro urbano atual de Araguari – destaque para o pátio da EFG e entorno da faixa de domínio da linha férrea desativada. Fonte do mapa: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
13
CAPÍTULO 2: A CONFORMAÇÃO E A CONFIGURAÇÃO ATUAL DA ÁREA EM ESTUDO
2.1 A IMPLANTAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES NA INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA DA EFG
Em 1906, ano de criação da EFG, iniciaram-se as obras de implantação dos primeiros equipamentos que conformam o pátio ferroviário. Em 1909 iniciaramse as obras de construção da linha férrea. A escolha do sítio para o pátio ferroviário deve-se à proximidade com o final da linha da Cia. Mogiana e à sua topografia pouco inclinada, próximo ao divisor das bacias dos córregos Brejo Alegre e dos Verdes. A primeira construção do pátio ferroviário foi o Armazém de Mercadorias, que também abrigou provisoriamente a estação de passageiros. Os principais edifícios do pátio ferroviário foram implantados na sequência a seguir: em 1922 o edifício do Almoxarifado; 1928 a Estação de Passageiros definitiva; 1942 a Escola Profissional; 1944 as oficinas Diesel e de Locomoção. Em área externa ao pátio, em seu entorno, foram implantadas em 1945 a Vila Ferroviária com 25 casas7; 1953 a Associação Beneficente dos Funcionários da EFG – Goiás Atlética, a Cooperativa de Consumo de Produtos e Serviços e o Hospital Ferroviário. Grande parte destas edificações, inclusive a Estação de Passageiros, foi projetada pelos próprios engenheiros da empresa: destacamse Gaioso Neves e Luis Shinoor. Reformas, ampliações e construções anexas foram feitas até a década de 1980, enquanto o pátio ainda era utilizado. Em 1954 a sede da Estrada de Ferro Goiás foi transferida para Goiânia, ficando em Araguari as atividades de manutenção8. Em 1957 a EFG foi incorporada à RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. Esta, a partir de 1996 entrou em
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A Vila Ferroviária foi estudada no Trabalho Final de Graduação em Geografia de Alexandre de Souza - A Formação da Vila Ferroviária da Estrada de Ferro Goiás na cidade de Araguari – MG, IG-UFU, 2009. 8 O processo de transferência da sede da EFG, suas causas e consequências socioeconômicas em Araguari foram apresentados na dissertação de Mestrado de Paulo C. Júnior - A transferência de sede da “Goiás” para Goiânia: 1954, UFG, 1998.
14
liquidação e a superintendência regional onde está inserida Araguari foi concedida à FCA – Ferrovia Centro Atlântica. No início da década de 1960 o 2º Batalhão Ferroviário, atual 11º Batalhão de Engenharia e Construção (unidade militar de engenharia), construiu um edifício voltado para a Pç. Gaioso Neves, para abrigar provisoriamente suas instalações, enquanto sua sede permanente era implantada. Na década de 1970 uma área do Pátio localizada entre a Oficina de Locomoção e o Bairro Goiás passou a ser gerenciada pela mesma instituição para a instalação de uma fábrica de artefatos pré-moldados em concreto. Na década de 1990, outra área, localizada entre a Escola Profissional e o Bairro Goiás, foi destinada à implantação da sede da AFA - Associação dos Ferroviários de Araguari. Atualmente ambas as áreas estão em atividade. A Prefeitura Municipal tem a propriedade de uma pequena área do Pátio e afirma que negocia a propriedade do restante, que está sob responsabilidade da SPU - Secretaria do Patrimônio da União. A atual configuração do pátio ferroviário da EFG em Araguari alcança uma área de 86.570m². Se acrescentadas a área do Hospital Ferroviário e as áreas cedidas para a fábrica de pré-moldados e AFA chega-se a 123.670 m². Como um todo, o pátio caracteriza-se como um conjunto arquitetônico e paisagístico composto por elementos construídos em diferentes épocas, com tipologias construtivas distintas e cuja composição espacial é originada das relações produtivas que ali se desenvolveram. A figura 7 mostra a configuração atual da infraestrutura ferroviária da EFG.
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Figura 7: Evolução da ocupação do sistema ferroviário da EFG. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. Colaboração: G. Chaves.
As figuras 8 e 9 mostram dois recortes temporais do processo de transformação do pátio ferroviário e seu entorno. Na década de 1950, observase o pátio da Cia. Mogiana (à direita) e, implantado em sua continuidade, o pátio da EFG, já com os edifícios de maior destaque construídos, a Vila Ferroviária e o trecho inicial do leito de trilho em área urbana. Nota-se a consolidação da Av. Mato Grosso e de algumas praças presentes no projeto de expansão, ainda grandes espaços sem qualificação. Nos dias atuais percebese o Pátio já totalmente inserido no espaço urbano.
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Figura 8: Vista aérea da cidade em 1950 – destaque para os Pátios Ferroviários. Foto: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 9: Vista aérea da cidade atual com o Pátio Ferroviário já inserido à cidade. Foto: SILVA JÚNIOR, J. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
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O pátio da EFG localiza-se dentro da área contornada pelas Avenidas projetadas no final do século XIX. Ao sair dos limites do pátio, a linha férrea cruza a Avenida Mato Grosso, e inicia um percurso onde novos assentamentos foram implantados em suas margens, repetindo o traçado quadrangular ortogonal originado no centro da cidade, posteriormente com traçado retangular, propiciando lotes de menores dimensões. A forma curva do traçado do trilho não foi levada em consideração na implantação destes loteamentos ortogonais, ocorrendo em alguns casos o estrangulamento do leito de trilho no interior de algumas quadras. Ao longo da antiga estrada para Amanhece (distrito distante 10 km) desenvolveu-se um eixo de centralidade, dotado de pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços que atendem a população local e rural. Atualmente denominada rua Jaime Araújo, pode ser classificada como um eixo de centralidade local em desenvolvimento. Estes assentamentos iniciais foram unificados no Plano Diretor de 2004 e no presente configuram o bairro Santa Terezinha. No ano de 1926, em um descampado às margens do leito de trilho foi implantada a primeira pista de aterrissagem da cidade, em área onde posteriormente foram construídas as instalações que deram suporte à indústria de processamento de ossos Guida & Boaventura Ltda. e em outro momento à fábrica de cortiças Corkisol9, hoje em grande parte demolida, e com sua área sub-judice por conta de ações trabalhistas10. Em 1943, às margens da estrada do Pica Pau e distante cerca de 1 km do Pátio Ferroviário, foi inaugurado o Jóquei Clube de Araguari (atual Parque de Exposições Rondon Pacheco e sede da Secretaria da Agricultura11). No ano de 1965, em uma área denominada “Pasto do Amparo”, localizada entre o Jóquei Clube e o Pátio, foi instalada a sede do 2º Batalhão Ferroviário (atual 11º Batalhão de Engenharia e Construção). A implantação destes equipamentos em grandes áreas muradas configura hoje um enclave urbano para a região, entre os bairros Sta. Teresinha, Santiago e Miranda. 9
A requalificação desta área industrial foi objeto de estudo de Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo de Leandro Santos, FAUeD-UFU, 2008. 10 Aguarda decisão judicial. Gláucio Chaves. www.efgoyaz.blogspot.com.br/2009/09/sobre-hiperbole.html 11 A requalificação deste parque foi objeto de estudo de Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo de Murilo Pereira, FAUeD-UFU, 2010.
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Na continuidade das margens da linha férrea, em área urbana menos densa e ainda não consolidada, na década de 1990 foi instalado o CAIC (Centro de Atendimento Integral à Criança)12. Percorridos os 2,5km de extensão de leito de trilho, chega-se ao trecho atualmente em uso. As figuras 10 e 11 mostram dois momentos da evolução urbana desta região – década de 1960 e dias atuais - e a figura 12 a foto aérea indicando a implantação dos equipamentos citados.
Figura 10: Jóquei Clube (atual Parque de Exposições) e 2º Batalhão Ferroviário (atual 11º BEC) - Final da década de 60 e, à direita, linha férrea da EFG. Fonte: Arquivo Histórico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
12
Unidade de Araguari do PRONAICA – Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente.
19
Figura 11: Atual região de entorno do leito de trilho. Encontro com trilhos em uso. Foto: SILVA JÚNIOR, J. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
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Figura 12: Principais equipamentos no entorno dos trilhos. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Em 1976 foi inaugurada a retificação da linha férrea EF-050 (trecho AraguariUberlândia) e a nova estação ferroviária, desativando parcialmente a ferrovia na área urbana de Araguari e os antigos pátios ferroviários da EFG e da Cia. Mogiana (Figura13). O transporte de passageiros foi extinto em 1997, permanecendo o transporte de cargas. O trecho de trilho e o pátio da Cia. Mogiana foram demolidos em 1980, durante o governo Fausto Fernandes de Melo (1977-1983). A área do pátio foi entregue ao mercado imobiliário e parcelada e a faixa de domínio do leito de trilho deu lugar a Avenida Batalhão
21
Mauá13. Já o pátio da EFG e a linha férrea foram mantidos. Até 2005 as antigas oficinas eram eventualmente utilizadas pela Ferrovia Centro-Atlântica.
Figura 13: Retificação da linha férrea, desativação das antigas estruturas e construção de novas instalações no espaço urbano. Fonte do mapa base: PMA. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de. Colaboração: CHAVES, G. H.
13
O processo de desativação e a demolição do conjunto arquitetônico da Cia. Mogiana em Araguari foram aprofundados no artigo de Alexandre de Souza e Beatriz Soares - A demolição do Conjunto da Estação da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em Araguari. Observatorium. Uberlândia, v. 2, n. 5, 2010.
22
2.2 AS TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DO LUGAR
No primeiro momento de sua ocupação (entre séculos XIX-XX), a paisagem compreendida pela região entre o primeiro núcleo urbano e o sistema ferroviário (face oeste da bacia do córrego Brejo Alegre) foi marcada pela homogeneidade dos padrões morfológicos, diretamente ligados ao ciclo de desenvolvimento que a cidade vivia. Destacam-se a homogeneidade do traçado ortogonal, do parcelamento e da declividade constante, que reforçaram a similaridade nas formas de apropriação e ocupação dos lotes, basicamente residenciais. A região foi predominantemente habitada por uma sociedade operária e de classe média, como os funcionários das empresas ferroviárias, comerciantes e prestadores
de
serviços
diretamente
envolvidos
no
meio
(hotelaria,
alimentação, entre outros), que reproduziam um padrão de construção eclético em sintonia com os centros de poder e conferiam um sentido de progresso àquela área, que se destacava na cidade. O declínio do sistema ferroviário refletiu diretamente na quase estagnação das substituições edilícias da região, mantendo até os dias atuais muitos exemplares
arquitetônicos
daquele
primeiro
momento,
a
maioria
já
readaptados, mas mantendo as principais características de sua implantação, como a fachada frontal alinhada ao limite do lote, a presença de alpendres e a repetição dos repertórios de ornamentação. A demolição do pátio da CMEF nos anos 1980 e o parcelamento de sua área voltado para a classe média/alta promoveu um contraste na paisagem do lugar. Seguindo uma nova legislação urbana, as novas edificações chamam a atenção pelo afastamento frontal, pela implantação no lote e pelo padrão arquitetônico característico dos anos 1980 e 90. Nos dias atuais a região entre o centro da cidade e o antigo sistema ferroviário passa por um novo processo de transformação causado pelo transbordamento dos equipamentos comerciais e de serviços, antes exclusivos à região central, para suas bordas. A pavimentação das antigas ruas de pedras por asfalto (um dos elementos que ainda marcava a distinção entre estas áreas) contribuiu
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significativamente para uma mudança na percepção da paisagem. A figura 14 ilustra as transformações comentadas.
Figura 14: Tipologia comercial e residencial do primeiro período de ocupação. Pedra comemorativa em homenagem a abertura da Av. Batalhão Mauá sobre o pátio da CMEF. Pavimentação asfáltica sobre as ruas de pedras. Fotos: CHAVES, G. H., SCHMIT, J.; Megaminas.
2.3 O PROCESSO DE TOMBAMENTO E A GESTÃO PÚBLICA
A partir da desativação de suas funções originais na década de 70 o patrimônio ferroviário da Estrada de Ferro Goiás iniciou um processo de degradação causada pela falta de manutenção, vandalismo e apropriações irregulares. No final do século XX o Governo Municipal assistiu a esta degradação abdicandose de encontrar soluções para a questão. Neste mesmo período, as práticas patrimoniais no Brasil voltaram-se para a preservação do patrimônio industrial, e viram nas áreas ferroviárias do interior do país um amplo campo de atuação. Em 1989 o conjunto arquitetônico e paisagístico (pátio ferroviário) teve o tombamento municipal aprovado e em 2008 o tombamento estadual definitivo decretado pelo IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de 24
Minas Gerais (Estação de Passageiros tombamento integral e demais edificações fachada e volumetria). O Processo de Tombamento do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico pelo IEPHA, no item 4 do Dossiê Técnico, dispõe sobre as diretrizes para intervenções: 1- A área correspondente ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico tombado deverá ser compreendida como preferencialmente sem parcelamentos. Um espaço tão generoso no centro de Araguari tende a sofrer pressões urbanísticas para atender a demandas diversas (trânsito, imobiliárias), mas sua força e relevância guardam sintonia com a configuração em conjunto. 2- Nos espaços livres entre os diversos edifícios que compõem o conjunto arquitetônico e paisagístico, dever-se-á evitar a edificação de quaisquer elementos que interfiram no diálogo entre as partes. Assim, marcos comemorativos, elementos construídos ou de estatuária devem ser evitados. Dessa maneira a leitura das construções, de todos os pontos do terreno, torna-se mais correta, e a sua percepção frui de maneira mais harmoniosa. 3- Arruamentos internos e estacionamentos deverão ser evitados no espaço do conjunto, impedindo, assim, que o conflito entre pedestres e veículos se instale, e que causa prejuízos enormes para todos. Os deslocamentos na área interna do conjunto deverão sempre se dar por pedestrianismo. Assim, um caminhar tranquilo e sem transtornos favorecerá a devida apropriação da área por todos que queiram usufruí-la. (IEPHA, 2008, p. 61)
As discussões sobre o tombamento municipal, ainda na década de 1980, já incluíam questionamentos sobre o que fazer com o conjunto arquitetônico. Através de uma decisão voltada principalmente por preocupações funcionais, a Prefeitura decidiu que o conjunto arquitetônico seria readequado para dar lugar as atividades do poder executivo municipal, já que a cidade não possuía um espaço próprio capaz de acomodar sua estrutura administrativa, poupando, assim, uma verba significativa que era direcionada ao pagamento de aluguéis de imóveis, grande parte localizados na região central da cidade. O pátio ferroviário foi renomeado “Centro Administrativo e Cultural de Araguari”, uma associação entre o patrimônio cultural ferroviário e as novas atividades administrativas. Esta decisão, apesar de direcionar investimentos para a
25
qualificação da área, vem sendo conduzida através de intervenções pontuais e isoladas e sem um plano de restauro urbano que vise a valorização das articulações e relações intrínsecas entre os edifícios e uma inserção urbana harmônica para o conjunto. Rufinoni (2009) afirma: A preservação e a restauração de áreas estratégicas como sítios industriais reclamam a elaboração de estudos aprofundados sobre suas especificidades materiais e imateriais, sua dinâmica evolutiva e integração com o tecido urbano envoltório, fundamentos que deveriam respaldar ações conscientes de tutela e de intervenção. (RUFINONI, 2009, p. 147)
O primeiro imóvel readaptado foi o edifício da Telegrafia (ainda no final da década de 1990) que abrigou até o início dos anos 2000 a sede da SAESuperintendência de Água e Esgoto. Em 2006 a Estação Ferroviária foi entregue restaurada, agora renomeada para “Palácio dos Ferroviários” e abrigando a sede do Poder Executivo. A Praça Gaioso Neves, que assegura o vazio necessário para o destaque do edifício da Estação, foi readequada e comumente é utilizada para manifestações artísticas, culturais e políticas, que se aproveitam do palco proporcionado pelo pórtico frontal e escadarias do edifício (Figura 15). Gradativamente,
alguns
imóveis
com
características
funcionais
mais
compatíveis no interior do Pátio foram readequados para abrigar as secretarias municipais. A Escola Profissional foi adaptada para abrigar as Secretarias de Desenvolvimento Econômico e Turismo e a Tipografia adaptada para abrigar a Secretaria de Obras. Recentemente, o Armazém de Mercadorias foi restaurado para abrigar a Secretaria de Educação. Atualmente está em obras a readequação do pequeno edifício da Oficina dos Revistadores para a implantação do CPD – Centro de Processamento de Dados da Prefeitura Municipal (Figura 16).
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Figura 15: Praça Gaioso Neves - Relação entre o palco proporcionado pelo pórtico frontal e escadarias e espaço livre da praça. Fotos: PMA e Correio de Araguari.
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Figura 16: Restante das edificações já restauradas ou readaptadas. Armazém de Mercadorias. Foto: SCHMIT, J.; Oficina dos Revistadores. Foto: Correio de Araguari. Escola Profissional e Tipografia. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Das 17 Secretarias do Município, 12 já tem suas sedes instaladas nos imóveis do Pátio Ferroviário14. As outras edificações do conjunto ainda estão sem destinações definidas (Figura 17). Em 2010 a Prefeitura noticiou que as Oficinas de Locomoção seriam restauradas para abrigar o “Museu Ferroviário de Araguari”15. Entretanto, ainda nada do anunciado foi apresentado. Na verdade, percebe-se que a Prefeitura ainda não sabe o que fazer com as Oficinas. São grandes estruturas que precisam ser adaptadas a usos compatíveis e que correspondam às demandas locais da sociedade. Até o momento, os edifícios que receberam maiores investimentos foram os que estão voltados para fora do pátio (Estação e Armazém de Mercadorias), justamente as edificações visíveis à cidade. Os edifícios das Oficinas, o Almoxarifado e a Carpintaria são utilizados como depósitos de entulhos, mobiliário de trânsito, pneus e lixo eletrônico (Figura 14
Levantamento realizado dia 15 de junho de 2012 no site da Prefeitura Municipal. www.araguari.mg.gov.br 15 “SPU e IPHAN vão ceder dois galpões para a Prefeitura de Araguari”, Jornal Correio de Araguari, 11 nov. 2010.
28
18). Com as reocupações, aumenta a demanda por estacionamentos, que hoje são improvisados em meio ao espaço livre do pátio (Figura 19). A figura 20 apresenta a vista aérea atual do pátio.
Figura 17: Edificações ainda não readaptadas e sem destinação definida. Almoxarifado; Oficina da Via Permanente; Carpintaria; Oficina de Locomoção e Oficina Diesel. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 18: Interior das edificações ainda não readaptadas: Oficinas de Locomoção; Oficina Diesel e Almoxarifado. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
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Figura 19: Deposição de entulhos e estacionamentos improvisados no pátio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.; CHAVES, G. H.
Figura 20: Vista aérea atual – implantação geral do Pátio Ferroviário. Foto: VIEIRA, H.
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Percebe-se que o processo de reocupação do Pátio Ferroviário, assim como as readequações arquitetônicas pontuais, ocorrem sem planejamento e critérios técnicos
de
restauro
definidos,
e
claramente
desrespeitando
as
recomendações do tombamento. A manutenção e as intervenções realizadas, tanto nas edificações como no espaço livre do Pátio, que deveriam ficar a cargo, ou ao menos serem avaliadas pela Divisão de Patrimônio Histórico16, estão sob responsabilidade da Secretaria de Obras, que, visivelmente, não tem qualificação técnica para atuar em uma área urbana tombada. O ex-prefeito (1963-67
e
1993-96)
e
Secretário
de
Obras,
Serviços
Urbanos
e
Desenvolvimento Econômico e Turismo (2010-2011), Miguel Domingos de Oliveira, afirmou que não havia necessidade do tombamento de todo conjunto arquitetônico, pois alega que as Oficinas não podem ser chamadas de patrimônio histórico. Quanto aos antigos trilhos, segundo ele não há necessidade de serem preservados, já que não são utilizados. O secretário concluiu afirmando que o tombamento realizado pelo IEPHA deveria ser revisto, “queiram ou não queiram, para o benefício da cidade”17. Sobre a faixa de domínio da linha férrea desativada, em 2012 seu tombamento foi aprovado pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural. O inventário de proteção realizado pela Divisão de Patrimônio Histórico da FAEC justifica: Hoje a linha férrea se apresenta como um elo centro e arredores, rico em história, com grande potencial de uso turístico cultural e ambiental. Um pedaço da história do Estado de Goiás. Um link entre o passado, presente e futuro, envolvendo várias pessoas e regiões, presente na paisagem urbana de Araguari por mais de um século. Este leito ferroviário é para a Estação da Goiás o mesmo que um córrego para uma nascente, uma continuidade que se relaciona, um atribuindo sentido ao outro, aferindo sentido aos remanescentes ferroviários e presente na identidade cultural do araguarino. (FAEC, 2011, p.2)
16
A Divisão de Patrimônio Histórico é ligada à FAEC - Fundação Araguarina de Educação e Cultura. 17 OLIVEIRA, Lucas. Estrada de Ferro Goyaz em Araguari. A preservação da memória ferroviária e o potencial de uso público do leito dos antigos trilhos. Minha Cidade, São Paulo, 10.120, 2010
31
Apesar de não decretado pelo prefeito Marcos Coelho (2008-2012), o caráter deliberativo do Conselho assegura a validade do tombamento. Tal medida se contrapõe a forte pressão, tanto de setores civis como internos à Prefeitura e ao poder Legislativo, para sua retirada e a transformação de avenida em seu espaço. Segundo o arquiteto e urbanista Alessandre de Campos (servidor municipal), também não existem projetos nem intenção da Prefeitura Municipal para a qualificação do leito de trilho18, que se encontra em estado de abandono e já sofre depredações e subtrações de seus elementos em alguns pontos. (Figura 21).
Figura 21: Estado de conservação da faixa de domínio ao longo do leito de trilho desativado na área urbana. Fotos: SCHMIT, J.; CHAVES, G. H.
O inventário de proteção do leito de trilho no item 18 dispõe sobre as medidas de conservação: Realizar um projeto de requalificação urbana tendo os trilhos como elemento principal de um parque linear. Fiscalizar invasões e usos adversos ao ferroviário. Retomada do uso com finalidades turísticas, que demandaria a manutenção dos trilhos e dormentes. (FAEC, 2011, p.4)
Repensar um novo caráter para o patrimônio ferroviário de Araguari e sua reinserção no espaço urbano envolve uma conciliação entre as divergentes opiniões apresentadas pelos agentes públicos que atuam na cidade. Uma 18
Entrevista cedida ao autor dia 13/10/2011.
32
gestão pública coordenada é fundamental para a elaboração de um planejamento eficiente. Uma notícia vinculada em um periódico local19 ilustra a descoordenação na atuação das Secretarias Municiais de Araguari quando se refere a intervenções urbanas. Ao noticiar as prioridades governamentais para o ano de 2012, a matéria lista a atribuição de caberá a cada Secretaria. A Secretaria de Obras ficará responsável pelo “calçamento com bloquetes e iluminação do pátio do fundo do Palácio dos Ferroviários”. A Secretaria de Esportes responsável pela “revitalização do Campo do Cometa e reforma das seis quadras situadas em Av. Mato Grosso, Av. Cel. Belchior de Godoy, [...]”. A Secretaria de Educação responsável pela “instalação do Campus da UFU”. A Secretaria de Serviços Urbanos responsável pelo “término da reforma da Pç. Manoel Bonito, construção de 25 rotatórias (paisagismo), término da reforma da Pç. Getúlio Vargas, reforma da Praça da República, reforma do Mercado Municipal, implantação de abrigos em pontos de ônibus”. A Secretaria de Meio Ambiente responsável
pelo
“início
das
obras/implantação
do
Parque
Linear,
ajardinamento de avenidas (arborização), obra/recuperação da nascente do Córrego Dâmasus, conclusão das obras de revitalização do Bosque John Kennedy”. Ao todo são cinco Secretarias atuando na concepção e execução de intervenções paisagísticas de forma desconexa, responsáveis por projetos urbanos que em muitas vezes se complementam e necessitam de uma maior integração. A pluralidade excessiva de agentes atuando sobre estes espaços, sem
um
diálogo
e
articulação,
acaba
inviabilizando,
atrasando
e
impossibilitando a produção de espaços que atendam as reais demandas. Cabe destacar uma das prioridades da Secretaria de Obras: “calçamento com bloquetes e iluminação do pátio do fundo do Palácio dos Ferroviários”. Esta será a primeira intervenção da Prefeitura em uma área livre do Pátio Ferroviário, no entanto, não é parte de um projeto de intervenção geral e servirá para atender parte da demanda por estacionamentos. Interessante, também, a forma como a notícia refere-se ao Pátio Ferroviário, como o “pátio do fundo do Palácio dos Ferroviários”. Ilustra a incompreensão que a 19
“Prefeito Marcos Coelho estabelece prioridades governamentais para cumprimento imediato”. Jornal Correio de Araguari, 14/02/2012.
33
administração municipal e a sociedade ainda mantêm em relação ao seu significado, dimensão, caráter urbano com potencial estruturador e valor histórico e cultural. Sem um projeto que compreenda a estrutura ferroviária tombada como um grande conjunto (pátio e leito de trilhos), estas ações pontuais fazem com que o espaço ferroviário perca suas principais características de conexão e continuidade urbana, impossibilitando futuras intervenções para uma cidade mais coesa. Sendo assim, a atuação descoordenada do poder público responsável, provocada pela carência de uma equipe técnica qualificada e inexistência de um plano de atuação, coloca em risco a requalificação do patrimônio ferroviário de Araguari e compromete sua consequente apropriação pública. Como um espaço público de significado cultural de abrangência regional, em face à preocupante situação que se encontra seu gerenciamento, é urgente uma investigação que apresente orientações capazes de melhor reintegrá-lo à cidade.
34
CAPÍTULO 3: DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE ESTUDO
A partir da formação histórica do lugar delimitou-se a área que será estudada para elaboração do diagnóstico urbano. Entende-se que devem ser aprofundadas não só as características próprias ao patrimônio urbano, mas também as características socioeconômicas e culturais da população próxima, os condicionantes físicos do espaço urbano, bem como as relações existentes e potenciais entre o patrimônio e a cidade. Foi considerada a área obtida pela implementação de um raio de 150 metros a partir do perímetro de tombamento proposto pelo IEPHA para o pátio ferroviário e o mesmo para a linha férrea, até o seu encontro com a ferrovia em uso. Acrescentou-se a rua Jaime Araújo devido a sua característica morfológica fortemente ligada a linha férrea e o entorno do CAIC devido a sua representatividade institucional. Desta maneira, permite-se uma leitura urbana satisfatória do entorno, sem perder o foco do objeto de trabalho. Vale ressaltar que a partir desta área de estudo será recortada a área para a elaboração do Plano, que será apresentada no Capítulo 5, p. 100. A figura 22 apresenta a área em estudo, assim como as informações cartográficas relevantes para a compreensão do texto. A análise da área de estudo baseia-se na teoria de análise da forma urbana, proposta por KOHLSDORF (1996), organizado de acordo com os aspectos funcionais, topoceptivos e bioclimáticos20. O diagnóstico busca a compreensão das complexas relações que definem a paisagem do lugar e deve levar sempre em conta o objetivo final, neste caso, o Plano de Reabilitação Urbanística. Portanto, foram abordados os critérios que melhor contribuíram com diretrizes que se aplicam à intervenção proposta.
20
Acrescentam-se como referências as análises baseadas nesta metodologia, elaboradas por Elaine Calderari (2006) e Karine Oliveira (2010) para seus respectivos Trabalhos Finais de Graduação em Arquitetura e Urbanismo - FAUeD.
35
Figura 22: Delimitação da área de estudo para o diagnóstico urbano. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de..
36
4. 1 ANÁLISE FUNCIONAL
4.1.1 Operativa
Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo A LUOS de Araguari, de 2007, no artigo 11, define como área de “relevância cultural, histórica, paisagística, urbanística, arquitetônica e ambiental da paisagem urbana” a área do “complexo da Estrada de Ferro Goiás e do espaço visual proporcionado pelo Palácio dos Ferroviários em direção a Rua Joaquim Aníbal e vice-versa”. O artigo 12 declara estas áreas como de interesse de desenvolvimento turístico, podendo ser recuperadas através de operações urbanas consorciadas, conforme Artigos 32 a 34 do Estatuto da Cidade. O artigo 93, item I delimita a área tombada do pátio ferroviário como ZPPC – Zona de Preservação ao Patrimônio Cultural. Todo projeto de construção ou reforma a ser realizado nesta área ou em seu entorno imediato está sujeito à aprovação pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico, segundo legislação específica. (LUOS-PMA, 2007)
O entorno do leito de trilho desativado é considerado ZR1 – Zona Residencial 1, que “se caracteriza pelo uso residencial unifamiliar ou multifamiliar e também autorizadas as atividades de comércio e serviços locais não poluentes”, segundo o artigo 74 (Figura 23).
37
Figura 23: Zoneamento e sistema viário 2007. Fonte: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
38
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano O PDU de Araguari foi elaborado em 2004 pela Empresa Júnior da FAGEN Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia. Sobre a área em estudo, o texto aborda no artigo 17, item I: “garantir a aquisição
do
restante
do
complexo
da
Rede
Ferroviária
Federal,
transformando-o em centro histórico, conciliando com a atividade administrativa municipal”. E desenvolve o tema na Seção IV: DO CENTRO ADMINISTRATIVO MUNICIPAL, artigo 32 – O Poder Executivo viabilizará a aquisição do complexo da Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA, garantindo a adequação para a instalação do Centro Administrativo Municipal, visando: I-
Centralizar as atividades administrativas, promovendo a redução
das
fases
sequenciais
dos
processos
administrativos, a integração dos diversos órgãos públicos e disponibilizando o atendimento adequado aos cidadãos; II-
Implementar,
modernizar
e
centralizar
o
sistema
de
informação municipal, garantindo um processo permanente de integração entre a sociedade e o Poder Público; III-
Construir novo prédio para instalação da sede do Poder Legislativo Municipal, dentro da realidade exigida pelo Município, permitindo melhores condições de trabalho para os edis e maior participação da população em geral. (PDU, 2004)
Quanto ao item III, pode-se entender que a nova sede do Poder Legislativo deva ser implantada dentro da área tombada. Entretanto, a Câmara Municipal divulgou que a área disponibilizada para este edifício encontra-se na Av. Joaquim Aníbal, à cerca de 300 m da antiga Estação21. Em relação aos trilhos, o artigo 33, item XII afirma: exigir das empresas que exploram o serviço de transporte ferroviário no Município que, no prazo máximo de três anos, seja feita a retirada total do tráfego de trem da área urbana que dá acesso às antigas instalações da extinta Rede Ferroviária Federal. (PDU, 2004)
21
Câmara Municipal de Araguari, requerimento nº 1694 de 13/09/2011.
39
O artigo pede a retirada do tráfego dos trilhos que dão acesso ao antigo pátio ferroviário, o que realmente aconteceu, mas não especifica se os trilhos devem ser retirados ou não, nem a destinação final para a área (faixa de domínio). O PDU de 2004 apresentou quatro mapas: Zoneamento Ambiental, Sistema Viário, Delineamento dos Bairros e Áreas de Urbanização. Em 2007 a legislação urbanística passou por uma revisão e foram apresentados os novos mapas para a Lei do Sistema Viário e Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, que incorporou os mapas de Zoneamento Ambiental e Áreas de Urbanização apresentados em 2004. Cabe destacar que o mapa do Sistema Viário de 2004 ignorou a área tombada do Pátio Ferroviário e projetou a extensão da Av. Batalhão Mauá, ocupando parte do pátio e a faixa de domínio da linha férrea em direção a MG 414 (Figura 24).
Figura 24: Sistema Viário 2004 – Destaque para o prolongamento da Av. Batalhão Mauá sobre o pátio ferroviário e faixa de domínio da EFG. Fonte: PMA. Adaptação: OLIVEIRA, L. M. de.
40
Além das diretrizes gerais, como o fortalecimento da identidade do Município, ampliação da oferta de espaços públicos qualificados e promoção da preservação do patrimônio cultural, paisagístico e arquitetônico, o PDU não vê o pátio ferroviário, assim como o leito de trilho desativado, como áreas com potencial de uso público, muito menos, aborda a necessidade elaboração de um plano de restauro urbano.
Lei do Sistema Viário A Lei do Sistema Viário de 2007 determina o planejamento, hierarquização e dimensionamento do sistema viário da cidade. Para a área de estudo, a Lei apresentou a hierarquia das vias existentes e tentou corrigiu o equivoco apresentado em 2004, entretanto, o mapa não é claro quanto à proteção da área tombada. No artigo 14 a lei estabelece a necessidade de alargamento da rua dos Portadores e do trecho de via da Pç. Gaioso Neves à rua da Glória, justamente as vias que delimitam a área do pátio. Percebe-se que a intenção da Prefeitura continuou sendo utilizar a área do pátio para promover a ligação entre as Avenidas Batalhão Mauá e Mato Grosso. Quanto ao leito de trilho desativado, o trecho de 600m que este se localiza paralelo à Av. Marechal Rondon é considerado como Via Arterial Secundária, podendo ser futuramente interpretado como área para o alargamento da avenida. Os 1,9 km restantes são classificados como vias locais. (Figura 23 p. 39).
Código Ambiental de Araguari O CAA, de 2007, regulamenta as ações do município na conservação e recuperação ambiental e estabelece normas para o controle do Patrimônio Ambiental. Para este trabalho, a análise do CAA é importante para perceber a postura da Administração Municipal frente aos espaços livres urbanos. Percebe-se que o CAA foca sua atuação em áreas de recursos naturais, como nascentes, cursos d´água e reservas nativas. Apesar de abordar o planejamento da paisagem urbana no capítulo III, faz apenas recomendações como no artigo 161:
41
conservar e preservar os sítios significativos (espaços, bens e imóveis, públicos ou privados, de interesse paisagístico, cultural, turístico, arquitetônico, ambiental ou de consagração popular, tombados ou não). (CAA-PMA, 2007)
A partir das descrições, o Pátio Ferroviário e o leito de trilho desativado podem ser entendidos como sítios significativos para conservação e preservação. O capítulo IV, artigo 165, trata da criação do Sistema de Áreas Verdes, que: compreende toda área de interesse ambiental ou paisagístico, de domínio público ou privado e abrangerá: praças, parques urbanos e áreas verdes; canteiros; arborização de vias públicas; unidades de conservação;
parques
lineares;
áreas
arborizadas
de
clubes
esportivos sociais, de chácaras urbanas e de condomínios fechados; remanescentes de vegetação; APPs e Reservas Legais, e por fim, outras áreas cuja preservação ou recuperação venha a ser justificadas pela SEMAM – Secretaria do Meio Ambiente. (CAA-PMA, 2007)
Percebe-se que o CAA, ao utilizar o termo “áreas verdes”, exclui do conjunto todo o sistema viário (vias e passeios), e não entende que este é parte integrante dos sistemas de espaços livres urbanos, conectando praças, parques, canteiros, e demais áreas livres, pavimentadas ou não, públicas ou privadas. Faltou ao CAA a elaboração de um mapa apresentando as áreas identificadas como Patrimônio Ambiental assim como os sítios significativos na área urbana.
Requerimentos da Câmara Municipal A leitura dos requerimentos propostos pelos vereadores ao longo de um ano22 foi inserida neste tópico a fim de perceber a postura do Poder Legislativo Municipal frente à área de preservação cultural do Pátio Ferroviário e o leito de trilho desativado. A única citação a respeito da área do conjunto tombado foi encontrada no requerimento nº 841 de 26/04/2011 que solicitava “recursos para a restauração do Hospital Ferroviário”. Quanto à linha férrea desativada, o requerimento nº 22 Requerimentos publicados entre 26/04/2011 e 17/04/2012 no site www.camaraaraguari.mg.gov.br
42
1996 de 18/10/2011 solicitava “iniciar o projeto de retirada dos trilhos desativados”. Entretanto, nenhuma informação sobre a destinação futura da área foi solicitada. O requerimento nº 1770 de 27/09/2011 solicita a demolição do restante das construções em ruínas da Indústria Corkisol, implantada às margens da linha férrea. Quanto às melhorias urbanísticas para as áreas que envolvem o leito de trilho, o requerimento nº 1500 de 23/08/2011 solicitava “a implantação de uma academia ao ar livre na Pç. Sérgio Pacheco”, o requerimento nº 2035 de 25/10/2011 solicitava “a construção de meio fio e canteiro central na Av. Marechal Rondon” e o requerimento 2256 de 22/11/2011 solicitava “a construção de uma passarela no viaduto sobre a linha férrea”, que liga a Av. Mal. Rondon à MG 414, este último atendido em 2012. A leitura dos requerimentos não acrescentou informações à respeito de demandas específicas sobre a área tombada, entretanto mostrou algumas expectativas da sociedade, principalmente em relação à Av. Mal. Rondon, via de ligação entre a periferia contínua e descontínua (devido a barreira proporcionada pelos trilhos em uso e vazios urbanos) e acesso à cidade em constante aumento de tráfego, principalmente devido ao adensamento populacional vivenciado no bairro Vieno e ao aumento do escoamento da produção agropecuária. Soma-se as perspectivas futuras de pavimentação do restante da MG 414, ligando o distrito de Amanhece à cidade de Anhanguera, GO, e cidades próximas.
Características Socioeconômicas Para as análises socioeconômicas foram utilizados os dados dos setores censitários presentes na área em estudo, disponibilizados pelo IBGE (2010). Os setores censitários são áreas demarcadas pelo IBGE que possuem em torno de 250 a 350 domicílios e não fazem referência as delimitações dos bairros. Vivem na área compreendida pelos setores censitários 13.629 habitantes (13,15% da população total do distrito sede), sendo 48% do sexo masculino e 52% feminino. Grande parte destes tem entre 20 e 64 anos de idade. A área
43
possui 4773 domicílios, o que resulta numa ocupação média entre dois e três moradores por domicílio. A renda média de 63,9% dos domicílios varia entre dois a cinco salários mínimos. Não foram disponibilizados dados referentes à escolaridade.
Uso e ocupação do solo O pátio ferroviário localiza-se oficialmente no Bairro Goiás, em seu limite com o Centro, em área urbana consolidada. O uso residencial unifamiliar de classe média é predominante em seu entorno, sendo marcante a presença de edifícios ecléticos conservados ou adaptados aos usos atuais (Figura 25). O eixo de centralidade exercido pelas Avenidas Cel. José F. Alves e Sen. Melo Viana (ligação centro - MG 223 e MG 413) contribui para a concentração de equipamentos comerciais e de serviços de baixa e média complexidade, característica das subcentralidades em cidades médias. Destacam-se a presença de alguns edifícios mistos de dois pavimentos, com comércio ou serviços no térreo e apartamentos residenciais ou salas comerciais no pavimento superior. As atividades institucionais próximas, além das próprias edificações de uso administrativo do pátio, atuam como referência urbana e geradores de movimento, como SAE – Superintendência de Água e Esgoto na Av. Hugo Alessi, o Conservatório Estadual de Música na Pç. da Constituição e a Casa da Cultura na Av. Cel. José F. Alves (Figura 26). Quase todas estas atividades ocorrem em período diurno, com exceção dos estabelecimentos do ramo de alimentação, como pastelarias, lancherias, pamonharias e pizzarias, que funcionam no período noturno. O antigo Pronto-Socorro Municipal, localizado na mesma praça, era um grande ponto de convergência de toda população e funcionava em período integral, entretanto foi realocado para outra área da cidade, e o antigo edifício foi demolido para a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento – UPA.
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Figura 25: Tipologias edilícias no entorno do Pátio Ferroviário. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 26: Eixo de centralidade Sen. Melo Viana/Cel. J. F. Alves. Casa da Cultura e Conservatório Estadual de Música. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
O leito de trilho, que inicia seu percurso no pátio ferroviário, segue em direção à periferia da cidade, contornando os limites leste e nordeste do Bairro Santa Terezinha e fazendo limite com os Bairros Miranda, Santiago, Palmeiras do
45
Império e Independência, encontrando neste último com os trilhos atualmente em atividade. Estes dois últimos ainda não totalmente consolidados, com baixa densidade de ocupação. O uso do solo no entorno do leito de trilho é notadamente
residencial
unifamiliar
de
classe
baixa,
com
algumas
concentrações de residências de classe média ou alta, como a Vila Militar e o entorno na praça Sérgio Pacheco (no Bairro Santiago) (Figura 27). Como um todo, ao longo das margens do leito de trilho percebe-se uma ambiência pacata e os principais pontos de encontros da região concentram-se no eixo de centralidade exercido pelas ruas Profª Lourdes Naves, Jaime Araújo e Av. Mal. Rondon (ligação centro – MG 414), onde se localizam comércios e serviços de pequena e média complexidade e poucos edifícios mistos de dois pavimentos. O 11º BEC, localizado na rua Profª Lourdes Naves é o grande ponto de referência e atração da região, com destaque também, para o CAIC – Centro de Atendimento Integral à Criança, na Rua Dr. Augusto Carpaneda e, com um uso esporádico e subutilizado, o Parque de Exposições. (Figura 28). A Figura 29 mostra o Mapa de Uso e Ocupação da área em estudo.
Figura 27: Tipologias edilícias no entorno do leito de trilho. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
46
Figura 28: Eixo de centralidade Profª L. Naves/J. Araújo, 11º BEC, CAIC e Parque de Explosições. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de; CHAVES, G. H.
47
Figura 29: Mapa de uso e ocupação do solo da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
48
Espaços Livres Públicos Os espaços livres públicos da área são classificados por vias de tráfego, passeios, praças e espaços livres viários (áreas residuais, canteiros e rotatórias). Na região de entorno do pátio ferroviário grande parte das vias tem pavimentação asfáltica e o restante possui pavimentação em pedras. Ao longo das margens do leito de trilho no Bairro Sta. Terezinha e nos bairros Palmeiras do
Império
e
Independência
algumas
vias
locais
ainda
não
foram
pavimentadas. As vias com maior tráfego de veículos são aquelas já citadas como acessos à cidade, historicamente utilizadas como ligação centro-periferia e urbano-rural, resultando em eixos de centralidade em desenvolvimento. Também são importantes eixos de ligações as Avenidas Mato Grosso (liga a cidade no sentido oeste-leste23) e Batalhão Mauá (ligação oeste-sul). Os passeios no entorno do pátio ferroviário possuem pavimentação diversa, com predomínio de cimentados moldado in loco e com larguras que variam entre 1,5 e 2,5 metros e não estão de acordo com as normas de acessibilidade em vigor. Ao longo das margens do leito de trilho é comum a presença de passeios ainda não minimamente qualificados. O traçado da região é caracterizado pela costura de tecidos ortogonais, originados das fases de crescimento urbano vivenciado na área. Como resultado dessa costura, é frequente em toda área de estudo a presença de praças triangulares, de diferentes tamanhos, originalmente áreas residuais dos parcelamentos, algumas oficialmente nomeadas como praças e outras não. As mais significativas e melhor qualificadas são a Praça Gaioso Neves (que emoldura a antiga estação ferroviária), a Praça da Constituição (que emoldurava a estação de passageiros da Ferrovia Mogiana) e a Praça dos Ferroviários. As praças triangulares restantes na área possuem pouca ou nenhuma qualificação paisagística. O mobiliário urbano existente (bancos,
23
Não existe oficialmente uma subdivisão da cidade em zonas geográficas, neste trabalho o zoneamento foi utilizado para uma melhor compreensão do texto.
49
lixeiras, pontos de ônibus, placas de sinalizações, cabines telefônicas) ainda é, em grande parte, precário. (Figura 30).
Figura 30: Pç dos Ferroviários, resíduo na rua Jaime Araújo, canteiro central Av. Mato Grosso e Pç. Rondon Pacheco. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Infraestrutura Os dados do IBGE (2010) referentes aos setores censitários mostram que a área em estudo conta com quase 100% de rede de abastecimento de água e apenas seis poços artesianos privados. Em relação ao esgoto, 73% dos domicílios estão ligados à rede e 27% possuem fossa (séptica ou rudimentar). Toda a água fornecida em Araguari é captada nos lençóis subterrâneos, por intermédio de 114 poços semi-artesianos distribuídos em 9 áreas de captação (baterias)24, sendo 2 destas presentes na área de estudo (Fátima e Independência). O tratamento da água é feito através de desinfecção com cloro. As áreas de captação deveriam ser tratadas como áreas de preservação permanente, entretanto não passam por nenhum controle sanitário25. O esgoto
24 25
SAE. www.saearaguari.com.br/desenv/aguaesgoto.php CAMPOS, Alessandre. www.olhar-urbano.blogspot.com.br/2009/11/agua-sae.html
50
coletado é direcionado para o interceptor tronco da bacia do Córrego Brejo Alegre, sem tratamento algum. A drenagem pluvial subterrânea se concentra no entorno de pátio ferroviário e parte do leito de trilhos, com pontos de captação na Av. Mato Grosso e Espírito Santo. Grande parte da drenagem é direcionada, por gravidade, para o Córrego Brejo Alegre. A coleta de lixo atende 100% da área. Não foram encontrados dados relativos a problemas no fornecimento de energia e telefonia.
4.2.1 Relacional
A área em estudo possui poucas relações entre seus espaços funcionais, se comparado ao período em que o sistema ferroviário ainda estava em funcionamento, no qual os hotéis e pensões se relacionavam com a estação de passageiros, a vila ferroviária se relacionava com as funções produtivas, escola, hospital e centro recreativo, entre outras relações possíveis. Com a implantação do Centro Administrativo em andamento, percebe-se o incremento de atividades como despachantes, copiadoras e lanchonetes próximos às entradas do pátio, na Av. Cel. José F. Alves e Pç. Gaioso Neves. Outra relação de complementaridade identificada é entre a Vila Militar e 11º B.E.C. As atividades de comércio e serviços concentrados nos eixos de centralidade já indicados atuam isoladamente, muitas vezes concorrendo entre si. As poucas indústrias, como atendem a demandas específicas, não se relacionam com os demais usos, podendo estar instaladas em qualquer área da cidade. Os principais equipamentos institucionais atendem toda população, como o Centro Administrativo e o Conservatório Estadual de Música. Outros equipamentos, como a Casa da Cultura e o Parque de Exposições atendem a públicos específicos e menores.
51
4.1.3 Diretrizes da Análise Funcional
No campo legal foram identificados pontos mal construídos que deixam brechas na proteção ao bem tombado, como consequência, colocam em risco a reinserção funcional do Conjunto. Faz-se necessário a revisão da legislação, principalmente Viária, no que toca ao entorno de tombamento e Ambiental, na consideração do espaço não edificado como patrimônio ambiental urbano. De maneira mais urgente, deve-se inserir na revisão do PDU a necessidade de elaboração de um plano de restauro urbano para o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico, que reavalie as destinações dos edifícios e concilie estes usos aos espaços livres do pátio, a fim de que não sejam cometidos novos equívocos que prejudiquem a integridade do bem. Quanto aos trilhos é necessário o esclarecimento sobre o valor cultural, ambiental e urbano da faixa de domínio da linha férrea desativada, não só à população, mas principalmente, no meio político-administrativo. Assim como esclarecer estes conceitos na revisão do PDU. Deve-se realizar um levantamento do patrimônio arquitetônico do entorno do Conjunto e da faixa de domínio visando à necessidade de salvaguarda dos elementos significativos que contribuem para a valorização da identidade do lugar. Para a elaboração de uma intervenção eficaz é fundamental a consolidação da ocupação no entorno da faixa de domínio nos bairros Independência e Palmeiras do Império. Por fim, identifica-se a necessidade de conexão à rede de esgoto nos 27% de imóveis restantes, bem como o tratamento do esgoto da cidade, ainda não tratado.
4.2 ANÁLISE TOPOCEPTIVA
4.2.1 Imagem mental
A figura 31 apresenta o mapa da análise da imagem mental da área. 52
Figura 31: Mapa da análise da imagem mental. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Os caminhos foram identificados como as principais vias que passam ou que se originam na área em estudo. Percebe-se a característica de passagem nas
53
vias Av. Cel. José Ferreira Alves/Sen. Melo Viana, Av. Mato Grosso, rua Profª Lourdes Naves e Av. Espírito Santo. Os caminhos que se originam na área em estudo foram identificados pelo próprio leito de trilho (caminho em potencial), pela Av. Batalhão Mauá, Av. Joaquim Aníbal e rua Jaime Araújo. Em relação aos Bairros, foram encontradas oito porções que se caracterizam por conjuntos morfológicos e padrões arquitetônicos com suficiente coerência e clareza capaz de se diferenciarem uns dos outros. Os bairros tipo 1 caracterizam-se pelo conjunto urbano do pátio ferroviário, o 11º BEC e o Parque de Exposições. Estes se comportam de maneira introvertida, nos quais os acessos (entradas ou portarias) são as únicas ligações à cidade que os envolve. O bairro 2 conforma-se pelo eixo de centralidade composto por comércios, serviços e equipamentos institucionais e organiza-se ao longo do caminho Av. Cel. José F. Alves/Sen. Melo Viana. Morfologicamente as construções são de pequeno porte, com mínimo recuo lateral, sem recuo frontal e com as portas voltadas para a via O bairro 3 também conforma-se por um eixo de centralidade (ruas Profª Lourdes Naves/ Jaime Araújo), entretanto se difere do bairro 2 por não ter a mesma quantidade e diversidade de comércios e serviços e ausência de equipamentos institucionais. Os bairros tipo 4 caracterizam-se pela primeira ocupação da área, ainda no macroparcelamento projetado pela engenheiro Achilles Vidulic. As características morfológicas desses bairros foram comentadas na análise das transformações na paisagem do lugar (p. 23). Os bairros tipo 5 são porções onde se concentram uma população de classe média-baixa, de ocupação predominantemente posterior à conformação do sistema ferroviário e predomínio de tipologias habitacionais simples. Destaca-se nos dias atuais uma maior ocupação do lote, causada pela construção de volumes anexos ao longo do tempo, como garagens, varandas e áreas de serviço. Os bairros tipo 6 são
porções
de
ocupação
relativamente
recente,
predominantemente
residencial. Destacam-se residências de médio e alto padrão, em alguns casos arquitetonicamente relevantes e com maior tratamento paisagístico do espaço exterior. Os bairros tipo 7 conformam-se por aglomerações de classe baixa, de ocupação recente, com presença de sub-habitações, ainda pouco adensado e ainda não consolidado. O bairro 8 apresenta-se ainda como o vazio formado
54
pela indústria desativada e pelas margens do leito de trilho desativado ainda não minimamente inseridas no espaço urbano, até o seu encontro com a ferrovia em uso. Em relação aos limites, observou-se que os muros e cercas que delimitam o pátio ferroviário, o 11º BEC e o Parque de Exposições atuam como barreiras, criando rupturas entre as partes do espaço urbano. Também atua como barreira a ferrovia em uso, na extremidade norte da área em estudo. As costuras são definidas quase sempre pelas próprias edificações, na transição entre tipologias comerciais/serviços e residências e por alguns caminhos, que, apesar de terem variação quanto à caixa de via e tráfego, ainda não se pode afirmar que promovem o rompimento entre as partes. Como pontos focais, destacam-se os acessos ao pátio ferroviário, por gerar a concentração de pessoas devido ao centro administrativo em implantação e cruzamentos localizados quase sempre em praças ou rotatórias, por serem importantes pontos de passagem. Na área em estudo os marcos visuais caracterizam-se por elementos arquitetônicos que se destacam na paisagem urbana, seja verticalmente, como o torreão da estação ferroviária e a chaminé da fábrica desativada, ou por seu destaque na perspectiva, como o Armazém de Mercadorias implantado no inicio da Av. Batalhão Mauá, o CAIC implantado em área urbana não consolidada e o viaduto sobre a linha férrea em uso localizado no final da Av. Mal. Rondon.
4.2.2 Representação geométrica secundária26
Sítio físico A área em estudo localiza-se no divisor de águas das bacias dos córregos Brejo Alegre e dos Verdes, em área relativamente plana, cuja declividade varia entre 0,3% e 4,9%. Não foi identificada a presença de superfícies hídricas, como nascentes ou solos hidromórficos. As massas vegetadas concentram-se 26
Neste item serão apresentados apenas alguns dos tópicos que introduzem a análise da representação geométrica secundária. Não é objetivo deste trabalho desenvolver as técnicas que aprofundam a caracterização geométrica do espaço.
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nos quintas das residências, nas grandes áreas institucionais, como o pátio ferroviário e o 11º BEC, e em algumas áreas livres públicas (como o canteiro central da rua Profª Lourdes Naves). A deficiência de arborização urbana nas vias é grave, principalmente nas áreas ainda não consolidadas. (Figura 32). A área recebe luminosidade durante todo o dia devido a sua característica topográfica côncava. Não existem grandes elementos geradores de sombra como edificações verticais significativas.
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Figura 32: Mapa topográfico, do tecido urbano e de massas arbóreas da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
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Planta baixa Percebe-se na área o predomínio de costuras de malhas ortogonais, sobrepostas a vias diagonais (Rua Jaime Araújo e rua dos Portadores) e o eixo curvilíneo gerado pela linha férrea. Em toda área em estudo os segmentos variam entre médios e curtos e são conectados entre si, com exceção da região de entorno da Av. Mal. Rondon, onde existem segmentos desconexos que ainda não ultrapassaram a linha férrea desativada. As dimensões das vias variam entre 6 metros (rua dos Limpadores - Vila dos Ferroviários, hoje bairro Goiás) e 50 metros (Av. Mato Grosso). A implantação da malha não orientada com a conformação geométrica do Pátio ferroviário e da linha férrea gera diversas formas poligonais de quarteirões. Estas análises podem ser observadas na figura 32. O mapa de cheios e vazios da área em estudo mostra claramente o predomínio de pequenos volumes voltados para as vias, com pouco ou nenhum afastamento, além do destaque gerado pelos espaços livres do pátio ferroviário, da faixa de domínio da linha férrea e da Av. Mato Grosso. Destacam-se, também, os grandes volumes construídos, como exemplo, as Oficinas de Locomoção no pátio ferroviário (Figura 33).
58
Figura 33: Mapa de cheios e vazios da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
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Conjunto de planos verticais Os perfis da área em estudo são bastante uniformes. A horizontalidade da área é marcante, proporcionada pelo predomínio de construções térreas somada a pouca declividade topográfica. As linhas de coroamento sofrem pouca variação conforme aparecem algumas pontuações, estas por sua vez acontecem em longos intervalos. Os elementos marcantes são o torreão da estação ferroviária e a torre da antiga indústria, assim como eventuais árvores de porte significativo. (Figura 34).
Figura 34: Perfil da área em estudo. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Edificações No entorno do pátio ferroviário é comum a inexistência de afastamentos frontais, quando existem, são mínimos. Percebem-se fachadas elaboradas e limitadas ora por grades, ora por muros semiabertos. Ao longo do leito de trilho são marcantes portas voltadas para as vias e fachadas ocultas por muros, estes também limitam os afastamentos laterais, quando existem. Em toda a área as edificações possuem alto grau de contiguidade (Figura 35).
Figura 35: Afastamentos e contiguidade das edificações. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Elementos complementares O mobiliário urbano existente é caracterizado por bancos de placas de concreto, postes de iluminação, telefones públicos, pontos de táxi e pontos de
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ônibus com marquise, concentrados nas Praças da Constituição, dos Ferroviários, Gaioso Neves e Rondon Pacheco. A sinalização corresponde às placas de trânsito e pintura nas ruas. Inexiste um programa de comunicação visual indicando o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da EFG. Foram identificados outdoors e grandes placas que se configuram como poluição visual na paisagem, além dos elementos de empachamentos comuns a atividade comercial. Como elementos decorativos, destacam-se a Locomotiva da EFG nº 1, localizada na Pç. dos Ferroviários, a Locomotiva Paraguaçu nº 3 e a escultura “construtor ferroviário”, localizadas no canteiro central da rua Profª L. Naves. Ao longo do leito de trilho é marcante a presença de postes telegráficos originais do período de construção da linha férrea (1910), espaçados em torno de 40m (Figura 36).
Figura 36: Postes telegráficos, ponto de taxi e bancos na Pç. dos Ferroviários . Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Estrutura interna do espaço Percebe-se que o pátio ferroviário se relaciona de forma mais intensa com os bairros Centro e Industriários, devido, basicamente, ao posicionamento dos acessos a este e às edificações. O bairro Sta. Terezinha, morfologicamente
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envolto pela linha férrea, é o que mais se relaciona com este espaço. Ao longo da linha férrea as alterações de paisagem se dão de maneira gradativa com a melhoria do padrão das edificações rumo ao centro. A conformação do sítio, o traçado urbano e a presença dos muros geram alguns efeitos significativos. Nas vias que terminam nos limites do pátio ferroviário percebe o efeito de “visual fechada” devido à presença dos muros, que geram a interrupção visual. Já no leito de trilho, a característica morfológica curvilínea da linha férrea envolta por volumes construídos, proporciona efeitos de “direcionamento”, que incitam a mudança na direção do percurso.
4.2.3 Diretrizes da Análise Topoceptiva
A estrutura do espaço analisado é condicionada à dinâmica do espaço urbano global, no caso de Araguari, pautada por uma forte relação centro-periferia, já que as subcentralidades ainda não se sobressaem ao primeiro centro. A relação periferia-periferia, identificada entre o pátio ferroviário e o leito de trilhos, é fraca. O pátio, na sua atual conformação, atua como enorme barreira entre os bairros Goiás e Centro. Sua reabertura proporcionará uma costura entre estes bairros. A
linha férrea,
atualmente um
elemento
de
incompreensão
urbana,
morfologicamente favorece e potencializa a costura urbana. Deve-se então, consolidar o caminho por ela proporcionado. É necessário promover costuras entre pátio ferroviário, leito de trilho, espaços públicos e centralidades existentes e potenciais (como a Av. Mal. Rondon), proporcionando, além de uma leitura de continuidade da estrutura espacial, uma ligação clara e legível entre os bairros que o envolvem e o centro da cidade. Esta costura será realizada através de uma reformulação do desenho urbano (reajuste de tecidos, fluxos de tráfego, cruzamentos e transposições), fortalecimento dos pontos focais e marcos visuais e qualificação paisagística das
praças,
espaços
livres
viários
e
residuais
(arborização
urbana,
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acessibilidade, mobiliário urbano que estimulem o uso dos espaços e programação visual convidativa específica para a promoção do patrimônio cultural em questão).
4.3 ANÁLISE BIOCLIMÁTICA
4.3.1 Características da forma urbana condicionantes do clima urbano
As características da forma urbana condicionam o clima urbano através das relações estabelecidas entre a morfologia da massa edificada e a morfologia dos espaços exteriores de permanência e circulação e dos elementos morfológicos da forma e atmosfera urbana. Essa atuação pode ser fraca ou intensa na configuração do clima urbano, considerando sua maior ou menor influência no desempenho de um ou mais elementos climáticos. Araguari localiza-se em região de clima tropical de altitude, basicamente definido em duas estações: uma quente-úmida que se inicia no verão e outra seca no inverno. A temperatura média varia entre 19 e 26 ºC durante o dia, podendo causar desconforto pela temperatura elevada, e minorado à noite, quando pode baixar para limites aquém do conforto na estação seca. A conformação espacial da região em estudo é avaliada como côncava (Figura 37). A massa edificada é predominantemente densa, salvo o pátio ferroviário, o 11º BEC, o Parque de Exposições e o leito de trilho. Raramente ultrapassa o pavimento térreo e apresenta alta contiguidade além dos muros, limitando, assim, a porosidade na área e caracterizando as vias de circulação e o leito de trilho como os principais canais de circulação de ventos, ruídos e partículas atmosféricas.
63
Figura 37: Croqui da conformação topográfica côncava. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
A malha urbana está implantada em sentido ortogonal, deslocada da direção dos ventos dominantes (nordeste-sudoeste). Esta situação converte as edificações em barreiras que bifurcam a circulação das massas de ar. As grandes áreas livres do pátio ferroviário, do leito de trilho, da indústria desativada, do Parque de Exposições e do 11º BEC atuam como importantes campos de drenagem. Outra grande superfície drenante é a área ainda não consolidada dos bairros Independência e Palmeiras do Império. Somam-se os quintais e jardins das residências. Tal situação pode ser observada no mapa de cheios e vazios (Figura 53, p. 80). Estas mesmas áreas livres de edificações, tanto de propriedade pública quanto privada, são responsáveis pela vegetação local. Nas grandes áreas livres já citadas são encontradas importantes massas arbóreas de grande porte. Os materiais constituintes da pavimentação das ruas e avenidas são: asfalto na cor grafite e cimentados e pedra basáltica nas calçadas, nas cores cinza e preta, respectivamente. As edificações são em alvenaria e geralmente pintadas em cores claras, com coberturas predominantemente em telhas de barro e fibrocimento.
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4.3.2 Expectativas de conforto em regiões de clima tropical de altitude
Conforto higrotérmico Conforto higrotérmico analisa as forças térmicas que atuam no exterior de uma construção que resultam da combinação de radiação e convecção. A topografia côncava aproveita das brisas nos períodos quentes, entretanto não oferece anteparo aos ventos do inverno. A mesma topografia favorece a insolação, absorvida durante a tarde e armazenada no asfalto, e dificilmente dispersada devido à baixa porosidade, o que provoca o aumento de temperatura ao longo das vias. A impermeabilização dessas áreas permite que a radiação térmica seja acumulada na estrutura urbana, o que reduz a umidade do ar. Como a vegetação é predominantemente isolada, há incidência de energia térmica nas construções e pessoas.
Conforto acústico O conforto acústico é inter-relacionado a fatores como: umidade, vento, temperatura, topografia, vegetação, materiais e fachada. As principais fontes são o fluxo de veículos e as atividades comerciais e de serviços (borracharias, ferro-velhos). A forma côncava do terreno tende a concentrar e intensificar o ruído gerado. A contiguidade de edificações paralelas favorece a reflexão e penetração dos sons. Como são exatamente esses fatores que dificultam a passagem dos ventos, a dispersão dos sons no meio torna-se também mais difícil.
Conforto luminoso A iluminação é influenciada pela conformação espacial dos espaços exteriores (vazios, vegetação, edificações) e de sua relação com os espaços exteriores. A forma topográfica côncava expõe a área em estudo a forte iluminação. As superfícies claras das edificações refletem a luz e podem causar excesso de claridade em algumas áreas, que são atenuadas nas áreas vegetadas. A iluminação artificial além de tornar o ambiente confortável e esteticamente agradável possui um papel fundamental na segurança pública. Sua qualidade
65
decresce ao longo da área em estudo, da região central da cidade em direção à periferia.
Qualidade do ar Basicamente, a qualidade do ar está relacionada à redução da intensidade da ilha de calor urbana e da criação de condições favoráveis à ventilação da estrutura urbana com o objetivo de proteger das fontes e evitar a concentração da poluição. Há uma concentração de partículas num raio em torno das vias de maior fluxo. A maior fonte poluidora é o monóxido de carbono (CO) emitido pelos veículos. Nessas áreas, os materiais absorventes de calor, a impermeabilidade do solo e a deficiência de vegetação impedem a sua dispersão, além disso, soma-se a orientação da malha que não coincide com a dos ventos dominantes e os baixos índices de porosidade e rugosidade da área como um todo.
4.3. Diretrizes da Análise Bioclimática
Segundo Romero (2000) apud OLIVEIRA (2010, p. 85) o desenho urbano não atende a todas as expectativas de conforto ambiental urbano. Neste sentido a forma e o desempenho são fundamentais no controle do clima de uma área. Para as regiões de clima tropical de altitude, o grande desafio dos elementos morfológicos urbanos é controlar o excessivo calor durante o dia e criar uma proteção contra os dias de frio noturno. A vegetação deve ser implantada ao longo das vias de modo a sempre manter uma face sombreada e auxiliar no desempenho das edificações e no trânsito dos pedestres. As árvores de grande copa canalizam as brisas do verão e permitem a incidência solar no inverno. Por meio de mecanismos como aumento dos índices de porosidade, revisão dos afastamentos das edificações nas ruas perpendiculares aos ventos e saliências e reentrâncias na malha melhor se aproveita as brisas de verão e barreiras de vegetação servem para bloquear os ventos frios no inverno.
66
Uma importante recomendação feita pela mesma autora diz respeito aos espaços públicos. Romero (2000) apud OLIVEIRA (2010, p. 85) não recomenda que estes espaços sejam muito grandes porque a massa de ar que se encontra neles tem a capacidade de reter a umidade contida no ar, provocando um alto nível de secura. Sempre que possível, o uso de pavimentação permeável atenua tanto a absorção quanto a reflexão de radiação solar, também reduz a velocidade de escoamento da água em períodos de chuva, evitando inundações, erosão e deslizamentos. A canalização dos ventos e a implantação adequada ao longo das vias de vegetação também auxiliam na dispersão dos poluentes. As atividades geradoras de poluição não devem ser concentradas, afinal, isso causaria uma elevada concentração de poluentes, dificultando sua total dispersão. Os níveis de rugosidade devem ser controlados, pois implicam na diminuição da velocidade do vento e logo na demora da dispersão. O ar úmido propaga os ruídos com maior velocidade, o que diminui o eco e as reverberações. Nas vias onde há maiores índices de ruído, afastamentos frontais maiores, forma dos edifícios e vegetação nos passeios atenuam o incômodo; outra solução é o controle de velocidade, através de elementos de traffic calming, visto que as vias onde as velocidades são moderadas e constantes tendem a ser menos ruidosas. A porosidade ajuda na dissipação do som e o gabarito baixo evita a reverberação. A porosidade também permite melhor aproveitamento da luz. Nas avenidas cujo sentido coincide com o caminho do sol (como as Avenidas Mato Grosso e Mal. Rondon) deve-se atentar para estratégias que atenuem o ofuscamento de motoristas e pedestres. Uma delas é a vegetação que também proporciona o sombreamento nas áreas de maior incidência luminosa e amortece o contraste da iluminação de espaços internos e externos. Os materiais para pavimentação devem ser escolhidos de modo a também evitar o ofuscamento da visão dos usuários. As cores neutras, para as edificações são indicadas por diminuírem a reflexibilidade da luz.
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Dada a importância dos elementos água e vegetação, como elementos fundamentais nas medidas que visam o conforto do ambiente urbano é imprescindível, não só a arborização urbana, como também, a inserção da água no desenho urbano. Outros pontos a serem trabalhados são: a revisão dos índices de aproveitamento do solo urbano, o estabelecimento de padrões volumétricos para as edificações e a remoção ou substituição do muro por outro elemento permeável, a fim de melhorar os níveis de porosidade e rugosidade.
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CAPÍTULO 4: REFERÊNCIAS PROJETUAIS
3.1 AS PRÁTICAS DE GESTÃO EM PATRIMÔNIOS FERROVIÁRIOS NO BRASIL
O rápido crescimento demográfico vivenciado pelo processo de urbanização no Brasil acarretou, também, em um rápido espraiamento urbano, fazendo com que equipamentos antes instalados nas bordas das cidades, como as primeiras áreas ferroviárias, fossem envolvidas pela urbanização. Quase sempre, ocasionando a divisão do espaço urbano, fazendo com que a relação entre ferrovia e cidade fosse, simultaneamente, complementar e conflituosa (LUZ, 2006, p. 15) Na grande maioria dos casos, uma nova infraestrutura ferroviária, voltada para o transporte de cargas foi redesenhada nas novas bordas das cidades. Assim, as antigas infraestruturas localizadas nas áreas centrais ou pericentrais tornaram-se áreas especiais para o remodelamento urbano, apresentando aos planejadores um desafio: encarar as áreas ferroviárias como uma oportunidade para a valorização da cultura local e melhoria da qualidade urbana ou utilizá-las para simplesmente resolver os problemas de circulação do sistema viário, como reservas de terreno livre. Em Araguari, esta última alternativa foi a opção encontrada em relação às áreas da antiga Cia. Mogiana, como já citado. Decisão semelhante foi tomada em relação às áreas ferroviárias desativadas na cidade de Uberlândia, MG, diferenciando apenas o destino do pátio, que foi reocupado como uma praça pública (praça Sérgio Pacheco)27 e reordenado como um ponto de convergência do trânsito para as regiões norte e leste da cidade, por meio da construção de avenidas na faixa de domínio do leito de trilho. É importante destacar que a demolição do patrimônio ferroviário da Cia. Mogiana presente na área urbana, tanto de Araguari como Uberlândia, ilustra a 27
O projeto final para a praça, que ainda era composto por um centro cívico, foi elaborado em 1973 por Ary Garcia Roza e Roberto Burle Marx. Foi parcialmente implantado. Ver: PAIVA, K.; CAPPELLO, M. Documentação dos projetos para a Praça Sérgio Pacheco em Uberlândia: a proposta de Ary Garcia Roza e Roberto Burle Marx. Horizonte Científico, Uberlândia, v. 5, n. 5, 2011.
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tentativa de negação de seu valor histórico para a cidade, assim como a inexistência de medidas para a sua salvaguarda. Não se poderia esperar que entre 1970 e 1980 medidas neste sentido fossem tomadas, mesmo porque, na época, as discussões para salvaguarda do patrimônio ferroviário brasileiro eram incipientes. Nesta época, principalmente Uberlândia, passava por um rápido processo de crescimento urbano e não tinha um planejamento urbano, principalmente um planejamento viário, capaz de acomodar tal demanda. Nesta parte do trabalho serão identificadas áreas em cidades brasileiras que vivenciaram o processo de desativação do sistema ferroviário após 1980, quando as práticas patrimoniais se voltam para a preservação do patrimônio ferroviário. O objetivo é mostrar a atuação do poder público, assim como as alternativas possíveis de intervenção. Serão analisados dois casos de desativação de infraestrutura ferroviária – pátio e leito de trilhos - em área urbana: Piracicaba (SP) e Campo Grande (MS).
3.1.1 Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista, Piracicaba, SP.
A cidade de Piracicaba é o principal centro econômico da microrregião de mesmo nome, localizada na porção central do estado de São Paulo. Sua população atual alcança 365 mil habitantes. A estação Piracicaba da Companhia Paulista de Estradas de Ferro iniciou suas atividades em 1922, ligando Piracicaba à Nova Odessa, SP. A estação de passageiros foi construída distante 1 km do núcleo urbano, na continuidade da via que se originava na praça da Igreja Matriz, criando o eixo urbano Igreja Matriz – Estação Ferroviária. Em 1977, já com o pátio ferroviário totalmente inserido ao espaço urbano, o tráfego de passageiros foi suspenso. Na década de 1990 o ramal ferroviário de Piracicaba foi totalmente desativado e abandonado. A figura 38 mostra a implantação do sistema ferroviário na cidade. O pátio ferroviário, com aproximadamente 42.000 m² de área, é composto
pela
estação
e
plataforma
de
passageiros,
galpão
de
armazenamento de cargas e galpão de manutenção de vagões e locomotivas. O leito de trilho, que se inicia no pátio ferroviário, percorre cerca de 10 km até os limites da área urbana, alternando suas alturas entre taludes, trincheiras ou 70
em nível. (Figura 39). Devido ao abandono, encontra-se em mau estado de conservação e teve vários trechos subtraídos (LUZ, 2006, p. 97).
Figura 38: Implantação da infraestrutura ferroviária em Piracicaba. Fonte do mapa base: PMP. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 39: Pontilhão sob via em área central. Leito de trilho em nível na região periférica de Piracicaba. Fotos: FIORINI, L. C.
Em 1996 a Estação teve o tombamento municipal aprovado. A intenção da Prefeitura era gerar na área do pátio ferroviário um polo institucional de
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prestação de serviços, lazer e prática esportiva, promovendo a apropriação do pátio pela população. Em 2003 o município teve a propriedade das áreas patrimoniais do pátio concedida, iniciando as negociações para adquirir também todo o restante do leito na área urbana (LUZ, 2006, p. 137). Em 2005 iniciaram-se as obras de restauração da Estação de Passageiros e, posteriormente, dos galpões, assim como a adequação do pátio ferroviário para uso público (Figura 40). O pátio foi renomeado “Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista” e é administrado pela Secretaria da Ação Cultural. Abriga o Centro de Formação Musical de Piracicaba, o Centro de Convívio da Terceira Idade e possui uma infraestrutura para abrigar eventos culturais e comemorativos. O espaço livre é composto por pista de caminhada, ciclovia, parque infantil e estacionamento. (Figura 41). A figura 42 mostra a implantação geral do pátio ferroviário. O projeto de qualificação do pátio ferroviário fez parte do programa de “Reabilitação da Área Central de Piracicaba – Centro Vivo”, e foi elaborado pelo IPPLAP – Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba. O valor da obra de reabilitação das edificações e do pátio totalizou R$ 771.463,31, sendo R$ 400.000,00 destes, doados pelo Banco Santander 28. Para o reaproveitamento da linha férrea estudou-se a possibilidade de uso para o transporte público sobre trilhos, no entanto, o custo de renovação frente a forma como está inserido na cidade e às densidades de ocupação atual do entorno inviabilizam o projeto. O Plano Diretor de Piracicaba sugere a busca de opções de se preservar o eixo ferroviário, indicando áreas favoráveis ao adensamento urbano, o que futuramente viabilizaria o reaproveitamento da linha férrea para transporte público sobre trilhos (LUZ, 2006, p. 138).
28
PMP. www.emdhap.piracicaba.sp.gov.br/site/noticias/23-estacao-da-paulista
72
Figura 40: Estação Piracicaba da Cia. Paulista antes da restauração. Estação depois da restauração. Plataforma em restauração em 2005. Construção da plataforma de passageiros em 1922. Fotos: PMP; MARTINS, F.
Figura 41: Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista. Fotos: PMP; JARDIM, N.
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Figura 42: Implantação geral do Centro Cultural e de Lazer Estação Paulista. Foto: GoogleEarth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
No Brasil, as práticas de conservação frente ao patrimônio ferroviário se consolidaram no final do século XX, coincidentemente, no período de desativação do sistema ferroviário da antiga Cia. Paulista em Piracicaba. O tombamento da Estação, aprovado 1996, resguardou sua conservação para posterior restauração, assim como a preservação da área do pátio ferroviário, embora não tombado. A decisão por utilizar as edificações como uso cultural, apesar de ser usual em requalificações de edifícios institucionais, encontrou na necessidade de espaços para atender os programas da Secretaria da Ação Cultural uma justificativa plausível. A reabilitação do pequeno pátio ferroviário como área de lazer, nos moldes de um parque público, promove uma multiplicidade de atividades para o conjunto, recebendo um público variado, saudável à apropriação e à consolidação da área. A contribuição do Banco Santander viabilizou 56% da verba necessária para a intervenção, o que mostra ser altamente viável a parceria entre Prefeituras e empresas privadas. A incorporação da área do leito de trilhos desativados ao planejamento urbano, assim como as negociações para a aquisição da área, mostra que a Prefeitura de Piracicaba procura torná-lo um eixo estruturador para a cidade, preservando
74
sua linearidade e não desconsiderando sua função de linha férrea, mas revitalizando-a em futuro próximo.
3.1.2 Orla Ferroviária, Orla Morena e Parque Esplanada, Campo Grande, MS.
A cidade de Campo Grande é a capital do estado de Mato Grosso do Sul, localizado na região centro-oeste do Brasil. Na cidade vivem aproximadamente 787 mil habitantes. A Estação de Campo Grande da Estrada de Ferro Itapura-Corumbá foi inaugurada em 1914. Na época, cerca de 1.900 pessoas habitavam o núcleo urbano. Em 1917 a E. F. Itapura-Corumbá fundiu-se à EFBOB - Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e em 1935 uma nova estação ferroviária foi construída, atual edifício. Em 1996 o tráfego de passageiros foi suspenso e em 2004 os trilhos em área urbana foram desativados e parte erradicados29. Dos cerca de 33km de extensão de trilhos em área urbana, 12km deram lugar à qualificação do sistema viário, através da implantação de novas avenidas ligando diretamente regiões periféricas à região central da cidade. O restante ainda aguarda alguma intervenção. Na região central o leito de trilho percorre cerca de 900 metros estrangulado em miolos de quadras, em uma faixa de domínio com largura inferior a 20 m. O pátio ferroviário possui uma área aproximada de 117.000 m² e teve o tombamento estadual decretado em 1997. Fazem parte do pátio: Estação de Passageiros, Armazém de Cargas, Oficina e Rotunda (giradouro) (Figura 43). A Estação de Passageiros e o Armazém de Cargas foram entregues restaurados em 2004 e hoje abrigam o Arquivo Histórico de Campo Grande, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e o centro cultural “Armazém Cultural”
30
. Em 2006, partes da área do pátio foram utilizadas para
duas intervenções problemáticas: a construção de galpões para abrigar a “Feira Central-Feirona” e 16 mil m² de estacionamentos pavimentados. Ainda 29 30
GIESBRECHT. www.estacoesferroviarias.com.br/ms_nob/campogrande PMCG. www.pmcg.ms.gov.br/fundac
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não foram tomadas medidas para a qualificação das demais edificações. (Figura 44)
Figura 43: Implantação atual do pátio ferroviário da EFNOB em Campo Grande. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 44: Estação de Passageiros e Armazém de Cargas depois da restauração em 2004 e Rotunda ainda não restaurada. Fotos: PMCG. “Feirona” instalada em área do pátio. Fotos: SANTOS, R.
Como parte do programa de urbanização integrada “Projeto Viva Campo Grande”, em 2007 a Prefeitura apresentou três projetos de intervenções para o
76
trecho do leito de trilho na área central e em direção ao aeroporto. Estes foram denominados: Orla Ferroviária, Orla Morena e Via Morena (Figura 45). O projeto Orla Ferroviária visa à revitalização dos 900 m do leito da antiga ferrovia na região central. O projeto Orla Morena consiste na qualificação do canteiro central da Av. Noroeste (construída as margens do leito de trilho desativado), e o projeto Via Morena incorpora a faixa de domínio da ferrovia para o alargamento da Av. Duque de Caxias, aumentando sua capacidade de tráfego em direção ao aeroporto 31. Percebe-se que a divisão do projeto de intervenção em três trechos ocorreu devido às características diferentes presentes ao longo do leito de trilho, da região central até a região oeste da cidade, onde variam as dimensões e a implantação da faixa de domínio, densidade de ocupação do entorno e hierarquia viária. Para esta análise, não interessa o projeto Via Morena, já que é apenas um alargamento da caixa das vias utilizando o leito de trilho erradicado.
Figura 45: Implantação geral do projeto (montagem original). Fonte: PMCG
31
Projeto Viva Campo Grande, 2007.
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O projeto Orla Ferroviária buscou revitalizar uma área ociosa localizada no centro da cidade, em área especial de interesse cultural, formada por trechos de leito de trilho estrangulados pela ocupação em seu entorno. O projeto baseia-se na criação de um calçadão, com cerca de quinze metros de largura, que acompanha trechos de trilhos e dormentes, que serão aproveitados para a implantação de um projeto paisagístico. A desapropriação de algumas construções irregulares foi necessária para a qualidade do projeto. Os dois pontilhões presentes foram restaurados e enriquecem a característica de continuidade, fundamental ao projeto (Figura 46).
Figura 46: Perspectivas do projeto e obras de implantação da Orla Ferroviária - ainda não concluida. Fonte: PMCG
Grande parte das faces do entorno é preenchida por muros devido à localização intra-quadra do leito de trilho, gerando fachadas cegas. Este fator
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diminui as chances de apropriação do espaço e, percebe-se que não foi considerado na elaboração do projeto. As interrupções na linha férrea mostram que os trilhos foram considerados apenas como ornamentação e inviabiliza o uso da linha para trânsito de trens turísticos ou transporte público. O projeto foi financiado pelo BID-PROCIDADES32 e orçado em R$ 3.900.000,00. O Projeto Orla Morena consiste na qualificação do canteiro central da Av. Noroeste (aproximadamente 7,5km de extensão), leito da antiga linha férrea, e reordenamento viário de interseções e retornos. O projeto baseia-se na implantação de um calçadão e uma ciclovia, que percorrem o canteiro central (com larguras que variam entre 10m e 50m) envolvendo e interligando os equipamentos propostos: parque infantil, pista de skate e academia ao ar livre. A linha férrea foi removida em grande parte, restando pequenos trechos com função de ornamentação. A característica de “parque linear” promovida pelo calçadão e ciclovia incentiva o uso público e a presença do mobiliário urbano e dos equipamentos propostos favorece
a
permanência
no
local,
gerando
segurança
e
vitalidade,
principalmente nos fins de tarde. Eventos socioeconômicos e culturais, como feiras-livres e apresentações artísticas são promovidos pela Administração Municipal, atraindo públicos variados e garantindo uma multifuncionalidade ao lugar. Novamente, os cortes na linha férrea inviabilizam seu uso para atividades turísticas e transporte público que poderiam ocorrer futuramente. (Figura 47). O projeto, também financiado pelo BID-PROCIDADES, foi orçado em R$ 11.500.000,00.
32
O PROCIDADES é um mecanismo de crédito que financia ações de investimentos municipais em infraestrutura básica e social, como desenvolvimento urbano integrado, transporte, sistema viário, saneamento, entre outros. Para serem elegíveis, os projetos devem fazer parte de um plano de desenvolvimento municipal. www.bidprocidades.org.br
79
Figura 47: Perspectivas do projeto e implantação e vista geral - Orla Morena. Fonte: PMCG.
Em 2011 a Prefeitura apresentou o “Plano urbanístico de uso e ocupação da Esplanada Ferroviária”, concluindo as intervenções nos espaços ferroviários na
80
região central da cidade. O projeto consiste na qualificação da área livre do pátio ferroviário, agora denominado “Parque Esplanada”, criando assim o sistema de espaços livres contíguos: Orla Ferroviária – Parque Esplanada – Orla Morena. (Figura 48)
Figura 48: Proposta de implantação dos projetos de requalificação das áreas ferroviárias na área central de Campo Grande (montagem original). Fonte: PMCG
81
Figura 49: Proposta de Implantação do Parque Esplanada (indicações originais) e perspectivas do projeto. Fonte: PMCG
O “Plano urbanístico de uso e ocupação da Esplanada Ferroviária” é entendido como fundamental para a elevação da qualidade de vida, social, cultural, urbanística e ambiental da área central de Campo Grande, tanto para moradores do entorno, quanto para turistas. O projeto assume a inserção da “Feirona” no espaço e busca a sua revitalização econômica através da qualificação de eventos, como a feira gastronômica e a comercialização do artesanato local. A animação da área será promovida pela implantação de novos espaços para eventos culturais (anfiteatro), esporte e lazer (campo, quadra esportiva, parque infantil e academia ao ar livre) e área para a instalação de equipamentos temporários33.
33
Projeto Viva Campo Grande, 2007.
82
Os edifícios já readaptados manterão seus usos e os demais serão destinados à função administrativa do Parque e novas demandas institucionais. Parte do estacionamento implantado será removida e bolsões serão distribuídos próximos aos novos acessos. Em área localiza a frente da “Feirona” será implantada a Praça Central, mobiliada com mesas para atender principalmente as atividades de alimentação comum à feira. O projeto mantém a continuidade da linha férrea para a implantação de um trem turístico, que ligará a Estação Ferroviária ao futuro Centro de Belas Artes, em obras às margens da Orla Morena. A linearidade da linha férrea será enfatizada pela presença do calçadão e ciclovia, que percorrem suas margens (Figura 49). O valor estimado da obra ainda não foi divulgado. Os projetos analisados propõem uma intervenção nas áreas ferroviárias apenas na área central de Campo Grande, como parte integrante da proposta de requalificação desta região. Infelizmente, ainda não se considera a urbanização do leito de trilho desativado nas áreas periféricas, o que seria uma proposta com grande potencial transformador àquelas regiões, haja vista suas grandes deficiências em termos de espaços públicos qualificados. Cerca de 20 km de leito de trilho desativado ainda percorrem áreas periféricas consolidadas, áreas industriais e vazios urbanos. Apesar de atravessar a cidade no sentido Noroeste-Sudeste, passando pela região central, não se permitiu a reutilização do leito de trilho para o transporte público, reabilitando-o para seu uso original. Portanto, a Prefeitura não vê a linha férrea desativada como um futuro eixo estruturador para o planejamento da cidade. A proposta de criação do Trem Turístico, ligando a Estação ao futuro Centro de Belas Artes, percorrendo um trajeto de cerca de 2 km, reflete uma tímida tentativa de resgate das funções originais da ferrovia, entretanto, agora justificada apenas para a promoção turística, que não será usada na mobilidade dos moradores da região. A reabilitação do pátio ferroviário como parque público, acrescenta novos usos ao conjunto, talvez de forma mais expressiva do que em Piracicaba, devido às dimensões da área (quase cinco vezes maior). A destinação das construções tombadas para fins institucionais, administrativos e culturais não difere das práticas usuais de requalificação.
83
Vale ressaltar que os projetos Orla Ferroviária e Orla Morena foram utilizados na campanha de Campo Grande para eleição das sedes para a Copa do Mundo FIFA 2014, que acabou não sendo escolhida.
3.2
REFERÊNCIAS
INTERNACIONAIS
EM
INTERVENÇÕES
EM
PATRIMÔNIOS URBANOS
Esta parte do trabalho busca encontrar experiências recentes realizadas em território internacional que forneçam elementos para debater aspectos envolvidos na reinserção urbana de patrimônios urbanos, onde a presença da infraestrutura ferroviária era marcante, e que resultaram em transformações significativas no espaço urbano. Serão analisados os projetos de intervenção do porto fluvial “Quays du Vieux Port”, na cidade de Montreal, Canadá e da linha férrea elevada “High Line Park”, em Nova York, EUA.
3.2.1 Parc des Quais du Vieux Port, Montreal, Canadá.
Montreal é hoje a segunda maior cidade do Canadá em população, com 1.620.000 habitantes. Em 1760, as primeiras instalações portuárias foram construídas às margens do rio São Lourenço, com a função de promover o comércio de peles, que vivia um período de expansão. Em 1850 grandes obras foram realizadas para adaptar o porto ao sistema ferroviário e torná-lo capaz de receber navios transoceânicos. A partir da década de 1950 o declínio das rotas marítimas para a Europa e as transformações ocorridas na atividade industrial da região fizeram com que sua área portuária entrasse em declínio (Figura 50). No ano de 1976 as atividades portuárias foram desativadas e em 1981 foi criada a Societé Du Vieux Port de Montréal, iniciando as discussões para uma intervenção na área. Em 1987, então, foi promovido o concurso de projetos para sua revitalização, que teve como vencedora a proposta elaborada pelo escritório de arquitetura Peter Rose + Partners.34
34
Societé Du Vieux Port de Montréal. www.societeduvieuxport.com
84
Os autores basearam a proposta de intervenção em dois pontos chave: a religação visual e física entre a cidade e o rio São Lourenço e a reabertura do canal Lachine, que fora anteriormente extinto. A religação visual e física foi promovida através de uma série de desaterramentos ao longo da orla e a reabertura do canal devolveu ao local o trânsito de pequenas embarcações, vindas diretamente de outras regiões da cidade. Montreal localiza-se em um arquipélago fluvial e tem com o rio uma estreita relação, tanto socioeconômica quanto paisagística e ambiental. A figura 51 mostra a relação entre a cidade antiga e os principais espaços e equipamentos portuários, a figura 52 mostra um estudo de implantação e imagens da maquete do projeto, e a figura 53 apresenta cortes esquemáticos ilustrando a relação entre a cidade e o rio.
Figura 50: Porto de Montreal – Séculos XIX e XX. Fotos: Societé Du Vieux Port de Montréal.
Figura 51: Esquema ilustrando a relação entre a cidade antiga, o eixo linear da orla beira rio e os cais. Fonte: Peter Rose + Partners.
85
Figura 52: Concepção do projeto e maquetes da proposta para a revitalização do Vieux-Port de Montréal. Fonte: Peter Rose + Partners.
Figura 53: Cortes esquemáticos do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
No ano de 1992 o novo Vieux-Port de Montréal foi inaugurado. Os antigos cais foram readaptados com capacidade para receber os atuais transatlânticos turísticos e balsas para transporte público e também receberam espaços comerciais, administrativos, edifícios garagem, apoio para a realização de
86
grandes eventos e equipamentos culturais e educacionais, sendo o maior atrativo o Centre des Sciences de Montréal (inaugurado em 2000). Seu espaço livre, agora renomeado Parc des Quais du Vieux Port, transformou-se em um parque público sem fechamentos, que percorre linearmente os 2 km de extensão da orla do velho porto, amplamente dotado de infraestrutura de estar e lazer. Os ramais da linha férrea que acessavam os cais foram removidos, entretanto a linha principal foi mantida e percorre toda a orla à beira rio. As travessias (ao todo são sete) ocorrem em mesmo nível e foram tratadas com soluções projetuais adequadas (Figura 54). A intervenção na antiga área portuária de Montreal fez parte de um conjunto de medidas tomadas para frear processo de decadência vivenciado pela antiga área central da cidade, a “Vieux Montréal”, no final do século XX. O amplo programa
de
necessidades
mescla
variados
usos
(educação/cultura,
esporte/lazer e transporte), fazendo do lugar um espaço para a apropriação cotidiana dos moradores, mais do que apenas um espaço para o turista. Se volta-se o olhar para as teorias de restauro urbano, percebe-se que o antigo porto foi visto como uma grande reserva de terreno livre e uma oportunidade para
a
implantação
de
novos
empreendimentos.
Poucas
estruturas
preexistentes foram mantidas, apenas edificações de valor excepcional ou simbólico que foram reinseridas em novas ambiências, como a antiga “Tour de L’horloge”, de 1919. (Figura 55). A Figura 56 mostra o mobiliário informativo com a implantação do conjunto.
87
Figura 54: Vistas gerais do Vieux-Port, instalação artística, equipamentos sanitários em containers adaptados, placas de borracha na passagem sobre a linha férrea e caminhos internos do Parc des Quais du Vieux Port. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
Figura 55: “Tour de L’horloge” e nova marina. Fotos: PICARD, C.; LESAN, I.
88
Figura 56: Mobiliário informativo do Parc des Quais du Vieux Port. Foto: OLIVEIRA, L. M. de.
A partir da segunda metade do século XX, devido à ascensão econômica de Toronto, atual principal cidade do Canadá, Montreal move esforços para manter seu destaque internacional, como a realização da Expo 67 e das Olimpíadas de 1976, eventos que promoveram significativas mudanças na estrutura intraurbana da cidade, como a implantação de linhas de metrô e novos parques urbanos. Pode-se afirmar que estas intervenções são baseadas em grandes projetos de qualificação urbana e fizeram parte de um planejamento estratégico que visava a promoção de Montreal como “cidade global”. Estes investimentos promoveram a cidade internacionalmente, atraindo novos consumidores e canalizando novos investimentos.
89
3.2.2 High Line Park, Nova Iorque, EUA.
Nova York é cidade mais populosa dos Estados Unidos, com cerca de 8.175.000 habitantes. A cidade recebe anualmente cerca de 50 milhões de turistas. A linha férrea elevada que deu lugar ao High Line Park foi construída nos anos 30, a partir de uma iniciativa público-privada a fim de melhorar a infraestrutura logística na área industrial de West Side, na região de Manhattan. (Figuras 57 e 58). Em 1980 a linha foi desativada, permanecendo assim durante as duas décadas seguintes. Em 1999 os moradores do entorno criaram a associação Friends of the High Line, com o objetivo de convencer a Prefeitura a restaurar a linha como um parque público elevado. No ano de 2002 a iniciativa recebeu o apoio da Prefeitura e, em 2003, foi realizado um concurso público para a elaboração de uma proposta de intervenção. O projeto vencedor foi de autoria dos escritórios James Corner Operations e Diller Scorfidio + Renfro. A associação de moradores arrecadou US$ 44 milhões através de doações e a Prefeitura arcou com US$ 152 milhões restantes35, necessários para o restauro dos cerca de 2,4km de estrutura férrea e implantação do parque, cuja largura varia aproximadamente entre 8m e 16m. A construção iniciou em 2006 e o primeiro dos três trechos previstos foi inaugurado em 2009. O segundo trecho inaugurado em 2011 e o projeto do terceiro trecho apresentado em 2012. O parque é de propriedade municipal e mantido pela New York City Department of Parks & Recreation em associação com a Friends of the High Line.
35
Friends of the High Line. www.thehighline.org/
90
Figura 57: Linha férrea elevada em uso – meados do Século XX. Fonte: Friends of the High Line.
Figura 58: Implantação geral da linha férrea elevada. Fonte: MIT.
Pode-se afirmar a intervenção como uma operação de restauro, de reconversão social de um antigo elemento produtivo, apresentando, também, a diversidade de estruturas industriais disponíveis para apropriação no espaço urbano. As soluções projetuais encontradas baseiam-se na “infraestrutura verde”, com forte discurso ecológico. Foi fundamental para a reconversão do espaço a
91
despoluição e preparo da superfície orgânica (camada de solo) capaz de dar suporte à nova vegetação. Peças pré-moldadas em concreto compõe o calcamento, cujo desenho baseia-se no entrelaçamento com a camada vegetal e a linha férrea. O mesmo conceito foi adotado em relação ao mobiliário do parque (Figuras 59 e 60). A característica de “parque linear” proporciona múltiplos acessos, assim como múltiplos espaços de apropriação (Figura 61). A figura 62 mostra a inserção do parque no espaço urbano.
Figura 59: Soluções projetuais para a incorporação da linha férrea ao projeto. Fotos: DALTON, J.; ROTHWELL, A.
Figura 60: Cortes esquemáticos do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
92
Figura 61: Espaços de lazer e permanência – possibilidades de apropriação. Fonte: Friends of the High Line.
Figura 62: Inserção urbana da intervenção. Fonte: Friends of the High Line.
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS ANÁLISES REALIZADAS
Nos dois casos analisados em cidades brasileiras percebeu-se a atuação de institutos específicos para a pesquisa e planejamento urbano. No caso de Piracicaba, o IPPLAP – Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba e em Campo Grande a PLANURB - Instituto Municipal de Planejamento Urbano. No caso de Araguari, ainda não existe Secretaria de Planejamento Urbano, mas sim, uma Diretoria de Planejamento Urbano, vinculada a Secretaria de
93
Planejamento cuja atuação se concentra muito mais na questão do desenvolvimento econômico do que no desenvolvimento físico-territorial. Ficou claro que as intervenções em Campo Grande e Piracicaba tiveram como discurso a valorização da questão patrimonial e visaram à valorização do conjunto edificado, tendo como edifícios protagonistas as estações de passageiros. Nos casos internacionais a mobilização da sociedade civil através da criação de Associações foi fundamental para a reconversão dos espaços. Em Montreal a prioridade da intervenção foi o remodelamento da área e a inserção de novas edificações, fazendo com que grande parte das preexistências fosse anuladas e vistas apenas como reservas de terreno livre. Em Nova Iorque, o High Line Park mostra-se como uma intervenção exótica com forte cunho midiático, que contribui para a divulgação da imagem de cidade internacional, cuja ampla divulgação gerou uma falsa ideia de ineditismo, já que a primeira reconversão de leito de trilhos elevados em parque urbano surgiu em Paris, com a criação do Promenade Plantée, em 199336. Em todos os casos analisados a localização privilegiada em meio ao tecido urbano consolidado potencializou múltiplas vantagens para a implementação das intervenções. Apesar das divergências quanto à qualidade projetual, metodologias de intervenção e atuação frente ao patrimônio urbano, os projetos tem como objetivo comum a valorização da função social e pública, no qual estes foram entendidos como bens coletivos. Além das indiscutíveis razões culturais, foram considerados os benefícios gerados para a coletividade e melhoria da qualidade de vida nas áreas afetadas. Percebe-se, também, que foi fundamental para a elaboração dos projetos a divulgação e debate sobre os planos de intervenção, valorizando a etapa projetual e a atuação de arquitetos e urbanistas. Por fim, os casos analisados colocam-se como projetos de grande amplificação pública e são fundamentais para a imagem de renovação da cidade contemporânea, em locais onde a ideia de patrimônio se pode juntar a uma ideia de espaço público para ser potencializada como atração turística e de lazer. 36
Promenade Plantée. www.promenade-plantee.org
94
CAPÍTULO 5: O PLANO DE REABILITAÇÃO URBANA
A construção deste trabalho apoia-se na definição do conceito de “reabilitação urbana”, já em discussão desde a década de 90 e definido por CASTRIOTA (2007) como um modelo de intervenção que parte da compreensão da realidade sobre a qual se quer atuar, no qual: as políticas de patrimônio não se limitam mais a apenas formular estratégias de controle para as áreas a serem conservadas, mas passam a traçar estratégias amplas para o seu desenvolvimento, que partem
exatamente
de
seu
caráter
de
áreas
conservadas.
(CASTRIOTA, 2007, p. 22)
A “reabilitação urbana” entende que a ampliação do conceito de patrimônio promoveu a valorização da totalidade urbana e não somente o mérito arquitetônico ou estético das edificações e estruturas individuais significativas. Para o autor, a questão do uso dessas áreas torna-se central para as políticas de patrimônio: “o fato é que nem todas essas edificações protegidas podiam se transformar em museus ou centros culturais, e nem todas as áreas conservadas, em destinos turísticos privilegiados”. (CASTRIOTA, 2007, p. 22) Neste modelo torna-se claro que a preservação e a conservação não ocorrem sustentadas somente por financiamentos públicos. Faz-se necessário a articulação de planos de desenvolvimento para essas áreas, o que pressupõe não só uma série de medidas administrativas, mas também a utilização instrumentos legais que respondam a essa nova situação, na tentativa de se estabelecer novas formas de relacionamento entre as esferas pública e privada, envolvendo, entre outros, repasses de recursos da esfera privada ao poder público ou a redefinição de competências para intervir sobre o urbano. Assim como sugere o artigo 12 da LUOS para a recuperação do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da EFG (Página 37). Soma-se ao conceito de “reabilitação urbana” a definição de “plano local”, “entendido como um plano que concentra-se em estabelecer objetivos e definir diretrizes para o desenvolvimento físico-espacial de um bairro ou região de uma cidade”. (SABOYA, 2012, p.1). Os planos locais concentram-se nos aspectos mais relevantes para uma área específica e, dessa forma, preveem
95
objetivos e diretrizes mais sintonizados com suas características particulares. Os principais objetivos dos planos locais são: •
Estabelecer uma visão clara do que a comunidade ou região deseja para o futuro, e como pretendem que sejam seus espaços;
•
Revelar e explorar problemas, oportunidades e prioridades que não tenham sido revelados na etapa anterior de elaboração do plano mais geral (Plano Diretor Municipal);
•
Aprofundar a conformação de lugares, em sintonia com as aspirações e características socioculturais da população do lugar. (SABOYA, 2012, p.1)
O trabalho absorve, também, conceitos estruturalistas, apresentados nas teorias de Lynch (1960), Alexander (1965) e Venturi (1965) apud MAGALHÃES (2001). Lynch reconhece a impossibilidade de organizar a cidade como objeto finito, acabado e bem delimitado no espaço, e volta-se ao sistema de ruas e quarteirões que leva em conta a identidade do espaço exterior. Para ele, a reformulação de um ambiente existente deve descobrir e conservar as imagens fortes, resolver as dificuldades de percepção e, sobretudo, desenhar a estrutura e a identidade latentes na confusão. A estrutura urbana deve ser diferenciada, oferecendo várias possibilidades de percursos, todos eles claramente estruturados e identificados. Alexander afirma que nas cidades os elementos estruturantes interpenetram-se e semientrelaçam-se. Para ele a complexidade da intercessão de conjuntos urbanos é mais semelhante a um tecido orgânico e mais adequada a responder à complexidade organizada. Venturi admite que a complexidade permite a inclusão de fragmentos urbanos rejeitados, bem como a tensão por eles gerados. Para o autor o contraste entre espaço interior e exterior é uma característica essencial da arquitetura urbana e propõe a conciliação destes fragmentos, afirmando que a irracionalidade das partes se justifica pela racionalidade do conjunto e a ordem é a maneira de ver um conjunto adequado às suas características próprias e ao seu contexto. Venturi defende que ligeiros ajustes nos elementos convencionais da paisagem urbana existente podem promover efeitos significativos na qualidade do espaço.
96
5.1 MATRIZES PROJETUAIS
Os conceitos apresentados e as diretrizes do diagnóstico urbano resultam no embasamento teórico para a elaboração de um conjunto de estratégias para a área em estudo. Estas foram organizadas em matrizes projetuais, que se sobrepõem e abrem à possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas combinações possíveis, por meio de uma dinâmica urbana mais flexível às demandas atuais. Para esse estudo as propostas foram organizadas em três matrizes: “Ocupação”, “Circulação” e “Ambiental”.
5.1.1 Matriz Ocupação
•
Reavaliação dos usos propostos para as edificações do Conjunto Arquitetônico.
•
Realocação da fábrica de pré-moldados para área adequada e reinserção do antigo espaço ao pátio reabilitado. Intervenção fundamental para quebrar a barreira existente.
•
Recomendações para a ocupação da área privada hoje desocupada ao lado do pátio ferroviário, em área tombada, claramente utilizada como especulação imobiliária (taxa de ocupação ideal, usos possíveis e gabarito).
•
Remoção das construções implantadas em áreas invadidas que inviabilizam a proposição de soluções adequadas para a intervenção ao longo da faixa de domínio da linha férrea (15m).
•
Plano
para
ocupação
das
áreas
macroparceladas
nos
bairros
Independência, Palmeiras do Império e Santa Terezinha, ainda não consolidadas. •
Solução para a antiga área industrial atualmente sub-judice. Necessidade de avaliação das condições do patrimônio industrial e ambiental existente e proposição de alternativas possíveis.
•
Implantação de mobiliários urbanos, equipamentos recreativos e esportivos que estimulem a apropriação dos espaços livres públicos e a valorização da paisagem cultural e ambiental.
97
•
Plano de restauro para os bens móveis (mobiliário, maquinário e material rodante) presentes no pátio ferroviário, assim como plano de reutilização para os vagões, atualmente abandonados e em estado de degradação.
•
Remoção dos muros (ou substituição por gradis) que envolvem o pátio ferroviário e o Parque de Exposições, melhorando os níveis de rugosidade e porosidade.
•
Incentivos fiscais à diversificação das atividades de comércio e serviço, bem como à implantação de edifícios multiusos (comércios/serviços/habitações) nos eixos de centralidade e ao longo da faixa de domínio da linha férrea, contribuindo para sua consolidação.
5.1.2 Matriz Circulação
•
Reordenamento viário interno, dos acessos e do entorno ao pátio ferroviário, bem como o remodelamento viário das margens do leito de trilho, de acordo com as diretrizes de tombamento do Conjunto e do inventário de proteção da linha férrea.
•
Pavimentação
em
piso
drenante
das
vias
restantes
nos
bairros
Independência e Palmeiras do Império. •
Redesenho da Av. Mal. Rondon, ainda com caráter de rodovia, que concilie a presença da linha férrea paralela à via.
•
Elaboração de um plano cicloviário para o pátio e margem dos trilhos, assim como a implantação do plano cicloviário municipal para a área.
•
Criação de um passeio que acompanhe a linha férrea e estimule a apropriação, bem como a remodelação dos passeios no entorno e internos ao pátio e ao longo do leito de trilho.
•
Reordenamento de estacionamentos internos e externos ao Conjunto e ao longo do leito de trilho, conciliando as diretrizes do tombamento e as demandas locais exigidas para a implantação do Centro Administrativo.
•
Restauração da linha férrea, visando sua reutilização para transporte coletivo, integrado ao transporte público, e retomada dos estudos para fim turístico, como já estudado pelo extinto “Programa Trem de Minas” do governo estadual.
98
•
Qualificação do ponto de ônibus localizado no cruzamento entre a Av. Mato Grosso, rua Margem dos trilhos e linha férrea, atualmente um importante ponto de convergência entre o transporte coletivo urbano, semi-urbano (Uberlândia) e rural (distritos de Amanhece e Piracaíba e comunidades de Ararapira e Barracão).
5.1.3 Matriz Ambiental
•
Catalogação do patrimônio arbóreo significativo existente (pátio ferroviário, faixa de domínio da linha férrea e espaços livres públicos).
•
Incentivos à manutenção e implantação de quintais residenciais não impermeabilizados, devido, não só às suas qualidades ambientais, como também, socioeconômicas.
•
Tratamento paisagístico dos espaços livres públicos e elaboração de um programa de arborização urbana, valorizando a característica ambiental da região de transição de biomas Cerrado – Mata Atlântica.
•
Implantação de infraestruturas-verdes visando o conforto microclimático, o enriquecimento da biodiversidade e a drenagem pluvial.
•
Avaliação da necessidade de despoluição do solo ao longo da linha férrea bem como em áreas compactadas do pátio ferroviário, principalmente no entorno dos pontos de abastecimento de veículos e locomotivas.
•
Canalização subterrânea da rede elétrica, telefônica e lógica em galerias técnicas na área tombada e ao longo da faixa de domínio da linha férrea devido à poluição visual por estes causada pela fiação aérea.
5.2 REGIÕES DE INTERVENÇÃO
As matrizes apresentaram os principais direcionamentos e as primeiras oportunidades projetuais. Questões que envolvem a qualificação da paisagem (tratamento dos espaços livres públicos e readequação e qualificação da mobilidade) são comuns em toda a área em estudo.
99
A partir da área de estudo, delimitou-se a área de intervenção para a elaboração do Plano de Reabilitação. Esta área é composta por cinco regiões com características de paisagem distintas, sendo a primeira o pátio ferroviário (atual Centro Administrativo e Cultural de Araguari) e demais quatro trechos da faixa de domínio da linha férrea desativada, neste trabalho denominada Caminho dos Trilhos. Apesar de carecerem de intervenções similares, estes trechos se diferem quanto à estrutura morfológica, situação urbana e complexidade de atuação. Os trechos foram nomeados: rua Margem dos trilhos, rua Profª Lourdes Naves, Fábrica Desativada e Av. Marechal Rondon. Estas Regiões de Intervenção receberam diretrizes específicas, na tentativa de aproximação ao máximo das necessidades de cada espaço, sempre focando no diálogo entre a paisagem cultural e desenho urbano (Figura 63). Na sequência, apresentam-se as regiões de intervenção com um breve diagnóstico do espaço livre público e as diretrizes para cada região.
100
Figura 63: Foto aérea com a localização das regiões de intervenção. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
101
5.2.1 ESTUDO PRELIMINAR PARA O PLANO DE REABILITAÇÃO
ESTUDO PRELIMINAR PARA A ÁREA DE INTERVENÇÃO - A SER DESENVOLVIDO ESC 1:10.000
SITUAÇÃO ATUAL DA ÁREA DE ESTUDO ESC. 1:10.000
PLANO DE REABILITAÇÃO URBANA PARA O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE ARAGUARI PROPOSTA PRELIMINAR DE INTERVENÇÃO
1/6
5.2.2 REGIÃO DE INTERVENÇÃO 1 - CENTRO ADMINISTRATIVO E CULTURAL DE ARAGUARI
INDÚSTRIA DE PRÉMOLDADOS: ÁREA LIVRE BRITADA ÁREA PÚBLICA RESIDUAL: PAINEIRA SIGNIFICATIVA CARPINTARIA
ÁREA PÚBLICA RESIDUAL NÃO QUALIFICADA
ÁREA CENTRAL DO PÁTIO FERROVIÁRIO: CONGRUÊNCIA DE VIAS DE SERVIÇOS E CONCENTRAÇÃO DE ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS
ALMOXARIFADO
OFICINA MECANIZADA DA VIA PERMANENTE
ÁREA FRONTAL - TIPOGRAFIA: RECÉM PAVIMENTADA COM BLOQUETES PARA ESPACIONAMENTO
TIPOGRAFIA
ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS
ÁREAS LIVRES: FORRAÇÃO GRAMÍNEA, ÁREAS BRITADAS E PONTOS DE DEPOSIÇÃO DE ENTULHOS
CONSTRUÇÃO FÁBRICA DE PRÉ-MOLDADOS DE CARROS METÁLICOS DO EXÉRCITO
ABASTECIMENTO DE LOCOMOTIVAS
OFICINAS DE LOCOMOÇÃO
OFICINAS DIESEL
CORETO
PRAÇA GAIOSO NEVES: INTERVENÇÃO PAISAGÍSTICA RECENTE, PRESENÇA DE FONTE ORNAMENTAL E PRINCIPAL CONCENTRAÇÃO DE ESTACIONAMENTOS
ÁREA PÚBLICA RESIDUAL NÃO QUALIFICADA DEPÓSITO DE SUCATAS
ACESSO POR VEÍCULOS PELA PRAÇA GAIOSO NEVES
INSTALAÇÃO PROVISÓRIA DO EXÉRCITO
OFICINA DOS REVISTADORES
ESTACIONAMENTOS ÁREA PRIVADA DESOCUPADA PORTARIA
AFA - ÁREA ESPORTIVA RESTRITA AOS ASSOCIADOS ESCOLA PROFISSIONAL
ÁREA RECÉM PAVIMENTADA COM BLOQUETES
ESTAÇÃO
TELEGRAFIA
ACESSO PELA RUA CEL. J. F. ALVES: ÁREA PAVIMENTADA PARA ESTACIONAMENTOS
HOSPITAL FERROVIÁRIO
ÁREA RESIDUAL: PRESENÇA DE ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS
ARMAZÉM
LOCALIZAÇÃO GERAL 1:30.000
CENTRO ADMINISTRATIVO E CULTURAL DE ARAGUARI PLANTA DE DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE - REGIÃO DE INTERVENÇÃO 1 ESCALA 1:2.000
DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE
2/6
A intervenção no “Centro Administrativo e Cultural de Araguari” é um projeto de grande complexidade e exige soluções maduras, condizentes com a sua riqueza e potencialidade. Neste trabalho será apresentada a reavaliação dos usos e diretrizes para as edificações protegidas, buscando verificar se as iniciativas tomadas pela Prefeitura condizem com as características latentes da área, de espaço público privilegiado e integrador. Os usos das edificações, assim como de seus espaços livres, devem conciliar as funções administrativas municipais com as atividades demandadas pela sociedade e atividades potenciais identificadas que diversifiquem os usos e favoreçam a apropriação pública. Assim, observam-se as principais especificidades encontradas no uso e ocupação atual do conjunto: •
Estação de Passageiros: Edificação readequada para abrigar a sede do Poder Executivo e sede do Museu dos Ferroviários. O uso da plataforma de passageiros e do pátio posterior para estacionamentos não se adéqua ao plano de intervenção.
•
Armazém de Mercadorias: Readequado para abrigar a sede da Secretaria de Educação. O uso do pátio de acesso para estacionamentos de veículos públicos (carros, ônibus escolares e caminhões), assim como veículos particulares não se adéqua ao plano de intervenção.
•
Escola Profissional: Adaptada para abrigar repartições administrativas. Sugere-se a volta de sua função original de educação e capacitação técnica, capaz de atender a programas de treinamento comuns aos servidores públicos e a programas governamentais e comunitários para a população. Sugere-se o uso em período integral, contribuindo para a diversificação de público e vitalidade do espaço também em período noturno. Propõe-se a inserção de vagas especiais e o disciplinamento do estacionamento existente em sua área frontal.
•
Oficinas de Locomoção: Compõe-se por duas grandes edificações ainda sem uso definido. A Prefeitura indica a restauração para a implantação do Museu Ferroviário. Sugere-se a conciliação entre o Museu e um espaço multiuso, capaz de abrigar eventos dos mais variados portes. Tal medida diversifica o uso do Conjunto e o público que frequenta a área.
104
•
Oficina Mecanizada da Via Permanente: Edificação sem uso definido. Sugere-se sua readequação para um anfiteatro, suprindo a demanda existente para a realização de encontros escolares/acadêmicos, atualmente realizados no Salão de Eventos da AFA, infelizmente de forma improvisada, já que a Prefeitura não dispõe de um anfiteatro próprio.
•
Carpintaria e Almoxarifado: Edificações com implantações próximas e aglomeradas, ainda sem uso definido. São tipologias arquitetônicas compatíveis a readequações para funções administrativas municipais, bem como da própria administração do Centro Administrativo e Cultural.
•
Tipografia: Readequada para abrigar a Secretaria de Obras. O uso de seu espaço frontal para estacionamento de veículos particulares não se adéqua à intervenção proposta. Propõe-se uso restrito à necessidades especiais.
•
Oficinas Diesel: Edificação sem uso definido. Propõe-se a restauração e implantação de um equipamento voltado para a promoção de atividades artísticas e culturais, capaz de abrigar exposições e apresentações para o público. Sua posição central privilegiada no pátio potencializa o encontro e o uso artístico/cultural enriquece as novas funções do conjunto.
•
Indústria de Pré-moldados do Exército: Propõe-se a sua transferência para a Região de Intervenção 5, em área compatível à atividades industriais do mesmo porte, e reinserção do antigo espaço ao pátio reabilitado, efetivando, assim, a religação visual e física entre este e o bairro Goiás. A edificação é composta por um volume fechado que favorece a readequação para uso administrativo, e um volume coberto sem fechamentos, que favorece atividades públicas multiuso.
•
Coreto: Cobertura hexagonal localizada na região central do pátio ferroviário, atualmente não utilizada. Propõe-se que seja utilizada como ponto central de observação e atendimento da equipe de segurança.
•
Associação dos Ferroviários de Araguari – AFA: Atua na promoção de lazer e esportes para seus associados. Sugere-se a manutenção das atividades e uma reestruturação para melhor aproveitamento do espaço público cedido. Não será objeto de intervenção neste trabalho.
•
Hospital dos Ferroviários: Edificação ainda não restaurada. Abriga a unidade regional do Serviço Social das Estradas de Ferro – SESEF.
105
Propõe-se a manutenção do uso, compartilhado a atividades de menor complexidade ligadas a saúde, retomando parte da função original do edifício. Em relação aos espaços livres, atualmente a Prefeitura Municipal utiliza ou cede a Praça Gaioso Neves para a realização de eventos, que, como já citado (página 26), tornou-se um dos principais cenários da cidade para ações comunitárias.
Tem-se
como
principais
atividades
realizadas:
Feira
Gastronômica, Aniversário da Cidade, Chegada do Papai Noel, eventos itinerantes realizados por organizações como SESC – Cinema na Praça, SENAC – Cursos em Unidades Móveis, Concertos Populares, além de cerimônias e eventos institucionais específicos. Observa-se que a praça, muitas vezes, não comporta o público que busca estes eventos, seja por suas dimensões reduzidas ou mesmo configuração morfológica que não favorece a grande aglomeração de pessoas. A qualificação do pátio posterior à Estação de passageiros para a promoção de eventos supre uma crescente demanda vivenciada na cidade por áreas públicas adequadas para estes fins. A qualificação dos espaços livres do Centro Administrativo e Cultural sugere a adequação e o incremento do paisagismo e da arborização; a implantação de pontos de encontro próximos aos locais de maior frequência e às edificações, possibilitando múltiplas opções de estar; a acessibilidade física e visual buscando a unidade espacial; a interligação de passeios; a valorização dos elementos externos existentes, como caixas d’água, plataformas, bombas de combustível, entre outros. Sugere-se, também, o restauro de um ramal de linha férrea a ser definido capaz de atender a retomada do trânsito em casos específicos, como o Trem Turístico. Deve-se conciliar o trânsito de automóveis, já que o acesso por veículos especiais e a presença de estacionamentos pulverizados são necessários para o funcionamento das edificações e estimular os usos propostos. Para o aumento da percepção de segurança, é fundamental a instalação de pontos de apoio para guardas e funcionários de manutenção, como já afirmado, sugere-se como ponto central o coreto existente. A articulação com o tecido urbano, isto é, a conexão entre espaços urbanos variados, é primordial. Como coloca ALEX (2008, p. 258), “o convívio social no 106
espaço público está intimamente relacionado as oportunidades de acesso e uso, o qual depende de um desenho interno coerente e de um desenho externo adequado”. O espaço se apresenta não só como centro de convergência da vizinhança, mas também, espaço de transição entre centro e periferia. Como ponto prejudicial, tem-se que o pátio ferroviário insere-se parcialmente intra-quadra, ou seja, não tem sua delimitação totalmente definida por ruas. Tal característica dificulta a percepção da ordem urbanística. As diretrizes apresentadas buscam ampliar o valor social da área, lembrando que a qualificação do pátio ferroviário nos moldes de um parque público é uma recaracterização do espaço, já que este não foi feito para ser um parque, ou é resultante de uma área de preservação ambiental. A área desta região de intervenção alcança 119.272 m².
107
5.2.3 REGIÃO DE INTERVENÇÃO 2 - TRECHO RUA MARGEM DOS TRILHOS SEGMENTO VIÁRIO IMPLANTADO EM 2011: ATERRAMENTO INTERROMPEU 2 DOS 3 RAMAIS QUE DIRECIONAVAM-SE AO PÁTIO FERROVIÁRIO
TRECHO INTRAQUADRA DE FAIXA DE DOMÍNIO DA LINHA FÉRREA. ATUALMENTE FECHADA
CONSTRUÇÕES IRREGULARES IMPLANTADAS EM ÁREA DE FAIXA DE DOMÍNIO INVADIDA
CANTEIRO CENTRAL DA AVENIDA: FORRAÇÃO GRAMÍNEA, PRESENÇA DE CAMINHOS INFORMAIS. INEXISTÊNCIA DE PASSEIOS E PROJETO PAISAGÍSTICO
SEGMENTOS NÃO PAVIMENTADOS DEVIDO ÀS INVASÕES DA FAIXA DE DOMÍNIO. GRANDE PARTE EM TERRA BATIDA.
LEITO DE TRILHO BRITADO
ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS
XX
V
V
B
A
PLANTA DE DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE - REGIÃO DE INTERVENÇÃO 2 ESCALA 1:2.000
RECENTE RECAPEAMENTO DA VIA SOTERROU PARTES DA LINHA FÉRREA
ÁREA PÚBLICA RESIDUAL: PRESENÇA DE PONTO DE ÔNIBUS REGIONAL, BANCOS EM CONCRETO, LIXEIRA E FORRAÇÃO GRAMÍNEA COM ELEMENTOS VEGETAIS TOPIARIZADOS
ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS
LOCALIZAÇÃO GERAL 1:30.000
CAMINHO DOS TRILHOS
A
B
TRECHO RUA MARGEM DOS TRILHOS DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE
3/6
Este trecho de faixa de domínio do leito de trilho possui 635m de extensão, desde a rua Luis Shinoor até a rua Jaime Araújo, e apresenta três situações urbanas distintas. A região de intervenção totaliza 23.608m². No seu trecho inicial, tem como principal complexidade a inexistência de aberturas que se voltam para ele, causada pela sua localização intra-quadra, podendo gerar uma sensação de insegurança ao acessá-lo. Assim, o projeto deve ser convidativo ao trânsito de pedestres para consolidar a ligação entre o pátio ferroviário e a faixa de domínio da linha férrea. Sugere-se uma ligação direta com a Região de Intervenção 1 pela rua Luis Shinoor (conexão do trânsito pedonal e cicloviário). Aconselha-se a não restrição total ao trânsito de veículos, pois tal medida prejudicaria a legibilidade da quadra e sua permeabilidade em relação às vias convencionais. Uma segunda situação se apresenta na conexão da linha férrea com a avenida Mato Grosso, via estrutural e ponto nodal fundamental no sistema de espaço livre público da cidade. Sugere-se a adequação das travessias férreas e a qualificação dos passeios através da implantação de travessias elevadas, preparando, assim, para a conexão futura entre e o Caminho dos Trilhos e o canteiro central da Avenida (20m), ainda não qualificado. Para a avenida, sugere-se a remoção de retornos desnecessários e os cruzamentos com vias locais. Como última situação, tem-se o único trecho de leito de trilho que se pode afirmar oficializado, nomeado rua Margem dos trilhos. A Prefeitura iniciou a pavimentação das margens da linha férrea, na tentativa de implantação de uma via de duas pistas, mas devido as invasões irregulares não solucionadas o trabalho não foi concluído. Como resultado, tem se a alternância de trechos pavimentados e trechos não pavimentados ao longo dos seus 385m de extensão. Faz-se necessário a remoção das áreas indicadas de faixa domínio invadida que prejudicam a qualidade da intervenção (aproximadamente 710m²), sendo 3 moradias integrais e 2 ampliações de moradias regulares. Indica-se que as moradias integrais sejam realocadas em área pública desocupada localizada na Região de Intervenção 4, garantindo, assim, o direito social de propriedade.
109
Sugere-se a busca por alternativas ao desenho convencional das vias locais (passeios e via segregados), como nas ruas compartilhadas tipo woonerf apresentadas por SPIRN (1995, p. 85), que acentuam o papel social da rua predominantemente residencial. Sugere-se minimizar as distinções físicas entre rua e calçadas e introduzir desenhos e materiais distintos, que intensificarão a clareza do espaço diferenciado para que o usuário saiba que adentrou à uma rua especial. Obviamente, busca-se adaptar a ideia à cultura e a estrutura intraurbana local. A qualificação do ponto de ônibus urbano/semi-urbano/rural, localizado às margens da linha férrea e voltado para a Av. Mato Grosso, contribuirá para a consolidação da área como ponto nodal no sistema de espaços livres e como importante ponto focal da região. Faz-se necessário a remoção de construções em três pontos críticos de invasão à faixa de domínio da linha férrea, totalizando cerca de 675m².
110
5.2.4 REGIÃO DE INTERVENÇÃO 3 - TRECHO RUA PROFESSORA LOURDES NAVES
SEGMENTOS NÃO PAVIMENTADOS DEVIDO ÀS INVASÕES DA FAIXA DE DOMÍNIO. GRANDE PARTE BRITADO
SEGMENTO VIÁRIO UTILIZADO COMO ESTACIONAMENTO PARA O 11º BEC
V
ESTRANGULAMENTO DO LEITO DE TRILHO
ESTACIONAMENTOS EM TODAS AS FACES DA PRAÇA
ESTACIONAMENTOS IMPLANTADOS NO CANTEIRO CENTRAL
RETORNOS VIÁRIOS DESNECESSÁRIOS
PRAÇA COM DESENHO PAISAGÍSTICO. PRESENÇA DE BANCOS EM CONCRETO, ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS E PARQUE INFANTIL DEGRADADO NO CENTRO
B A
V
CRUZAMENTO VIÁRIO COM GRAVE CONFLITO DE TRÁFEGO
CONSTRUÇÕES IRREGULARES IMPLANTADAS EM ÁREA DE FAIXA DE DOMÍNIO INVADIDA
PLANTA DE DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE - REGIÃO DE INTERVENÇÃO 3 ESCALA 1:2.000
LEITO DO TRILHO COM FORRAÇÃO GRAMÍNEA E ELEMENTOS VEGETAIS ORNAMENTAIS
CANTEIROS CENTRAIS COM ELEMENTOS ARBÓREOS SIGNIFICATIVOS
SEGMENTOS VIÁRIOS SUPERDIMENSIONADOS
RAMAL FERROVIÁRIO DE ACESSO AO 11º BEC
LOCALIZAÇÃO GERAL 1:30.000
CAMINHO DOS TRILHOS
A
B
TRECHO RUA PROFª L. NAVES DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE
4/6
Observa-se que esta é a única região de intervenção com parte do leito de trilho minimamente qualificado paisagisticamente, devido a presença dos acessos ao 11º BEC e Parque de Exposições. A região necessita de um desenho urbano que reordene o sistema viário, ainda confuso, com segmentos desnecessários ou superdimensionados e falta de clareza da presença da linha férrea. Este trecho de faixa de domínio alcança 516m de comprimento e a região de intervenção 38.995m². A Praça Sérgio Pacheco possui um desenho próprio e conta com um parque infantil, já totalmente degradado, e estacionamentos em todas suas faces, instalados para atender ao Parque de Exposições. Por ela atravessa o ramal da linha férrea desativada que adentra ao 11º BEC. Atualmente a praça é pouco utilizada no cotidiano, condição favorecida pelas barreiras causadas pelos equipamentos citados, e se configura como uma rotatória no cruzamento da rua Profª Lourdes Naves (Via Arterial de Transposição) com a Av. Espírito Santo (Via Arterial Secundária). O leito de trilho configura-se, ora segregado em canteiro, ora localizado na face da quadra, como um grande passeio alargado e com parte estrangulado por ocupações irregulares em área de faixa de domínio. Recomenda-se a desocupação destas invasões (cerca de 2.185m²), o que resultará na religação visual e física entre a rua Margem dos Trilhos e rua Profª Lourdes Naves. Estas invasões caracterizam-se por 8 habitações, 2 comércios e 2 ampliações de habitações regulares. As habitações e os comércios serão realocados na Região de Intervenção 4, em área pública desocupada.
112
5.2.5 REGIÃO DE INTERVENÇÃO 4 - TRECHO FÁBRICA LEITO DE TRILHO BRITADO. MARGENS CAMPO SUJO
CAMINHOS NA CONTINUIDADE DE VIAS
PONTOS DE INVASÃO SOBRE ÁREA DE SEGMENTO VIÁRIO
ÁREA DESOCUPADA. CAMPO SUJO
A
V
PLANTA DE DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE REGIÃO DE INTERVENÇÃO 4 ESCALA 1:2.250
ÁREA PRIVADA. CONCENTRAÇÃO DE PATRIMÔNIO ARBÓREO
ÁREA RESIDUAL NÃO QUALIFICADA
A CAMINHO DOS TRILHOS TRECHO FÁBRICA DESATIVADA
LOCALIZAÇÃO GERAL 1:30.000
DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE
5/6
A intervenção nesta região dependente da destinação da área industrial subjudice (cerca de 20.640m²), portanto, assim como no pátio ferroviário, a questão será abordada baseada em um cenário de ocupação que se considere satisfatório e que a reinsira de maneira harmoniosa ao espaço urbano. Este trecho de faixa de domínio alcança 420m de comprimento e a região de intervenção 22.525m². Sugere-se que a Prefeitura adquira a antiga área industrial e a reabilite como pólo institucional, em um projeto que restaure o patrimônio industrial, resguarde o patrimônio ambiental existente e faça da área um novo ponto focal para a região. Indica-se que os principais acessos se voltem para o Caminho dos Trilhos. Para esta, sugere-se o uso compartilhado da margem voltada para a área industrial afim de que se estabeleça uma forte relação espacial entre estas áreas. Sugere-se um projeto paisagístico para a praça indicada no Mapa de Zoneamento Ambiental de 2004 ainda não qualificada, conectando assim, os espaços livres públicos limítrofes trabalhados na Região de Intervenção 3. Sugere-se o prolongamento das ruas Indianópolis até o encontro com a rua Jaime Araújo (necessidade de remoção das ampliações irregulares – 555m²) e rua Pires do Rio até a Av. Espírito Santo, delimitando-se assim os limites da área e a ordem urbanística. Para a área residual existente (2.634m²) indica-se a realocação das famílias removidas da faixa de domínio da linha férrea nas Regiões de Intervenção 2 e 3, em um microparcelamento a ser desenvolvido, garantindo, como já afirmado, o direito social de propriedade.
114
5.2.6 REGIÃO DE INTERVENÇÃO 5 - TRECHO AVENIDA MARECHAL RONDON ÁREA NÃO PARCELADA. CAMPO SUJO
CAMINHOS INFORMAIS
LEITO DE TRILHO BRITADO. MARGENS CAMPO SUJO
ÁREA RESIDUAL. PRESENÇA DE PONTO DE ÔNIBUS, BANCOS EM CONCRETO E ELEMENTOS VEGETAIS ORNAMENTAIS
PONTOS DE INVASÃO SOBRE ÁREA DE FAIXA DE DOMÍNIO
B
V
VIA SOBRE LINHA FÉRREA EM USO
V
A
PLANTA DE DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE - REGIÃO DE INTERVENÇÃO 5 ESCALA 1:2.500
VIAS NÃO PAVIMENTADAS
ÁREA INSTITUCIONAL
ÁREA DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEA - SAE
LOCALIZAÇÃO GERAL 1:30.000
CAMINHO DOS TRILHOS
A
B
TRECHO AV. MARECHAL RONDON DIAGNÓSTICO DO ESPAÇO LIVRE
6/6
Nesta região de intervenção a linha férrea posiciona-se paralela à avenida Mal. Rondon, ainda com caráter de rodovia. Tem grande parte de sua faixa de domínio resguardada e o restante ocupado pela via. Observam-se duas situações distintas, sendo seu entorno inicial consolidado e ocupado predominantemente por habitações e seu trecho final ainda não urbanizado. Este trecho de faixa de domínio alcança 940m de comprimento e a região de intervenção 96.938m². Para a qualidade do projeto, sugere-se a remoção de ampliações
irregulares
de
residências
sobre
a
faixa
de
domínio
(aproximadamente 567m²). Sugere-se o redesenho da avenida em duas faixas de trânsito distintas separadas por canteiro central, ocupando uma das margens da linha férrea e conciliando os dois modais de circulação. Deve-se, também, ampliar o viaduto sobre a EF-050, dotando-o de passeios e ciclovia. Este novo desenho viário baseia-se no Artigo 10 § 1º da Lei do Sistema Viário: “as vias arteriais ou coletoras, quando inseridas em regiões da cidade já consolidadas, poderão ter faixas de domínio reduzidas”. Para a outra margem da faixa de domínio propõe-se a implantação do Caminho dos Trilhos, dotado de pontos de encontro e qualificado paisagisticamente. Recomenda-se o estímulo à ocupação da área do entorno, aumentando as chances de consolidação da intervenção. Para a área pública não parcelada localizada na bifurcação da linha férrea em uso e linha férrea desativada, propõe-se a implantação de um Parque Urbano que promoverá a melhoria da identidade do local, da coesão comunitária, do microclima e do sombreamento, nesta que é a área mais carente de qualidade urbana e ambiental da área de estudo. O parque deverá ser dotado de equipamentos de recreação e prática esportiva e marcará o início/fim do Plano de Reabilitação. Este será o objeto de projeto apresentado no próximo capítulo, denominado Parque Urbano da Bifurcação. Para parte da área pública não parcelada (margens da ferrovia em uso) propõe-se uma nova área para as atividades da Fábrica de Pré-moldados do Exército, em área adequada para atividades logísticas e industriais, que se beneficiam da linha férrea devido à facilidade de abastecimento e escoamento.
116
Como desdobramento deste plano, faz-se necessário trabalhar a urbanização da faixa de domínio da MG 414, no bairro Vieno, e das margens da linha férrea em uso e do atual pátio ferroviário, atualmente concedidos à FCA. Estes se conformam como barreiras entre os bairros Independência e São Sebastião.
117
5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PLANO DE REABILITAÇÃO
Para a realização satisfatória do “Plano de Reabilitação Urbana para o Patrimônio Ferroviário de Araguari” sugere-se que a administração pública crie o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, capaz de dar maior autonomia e infraestrutura adequada para a elaboração e coordenação de ações de desenvolvimento urbano, entre outros inúmeros benefícios gerados. Sugere-se também que se voltem investimentos para a qualificação técnica da Divisão de Patrimônio Histórico da FAEC, ação necessária para que se melhor gerencie as intervenções de restauro realizadas, não só no Conjunto Arquitônico e Paisagístico da EFG, mas também em todo patrimônio protegido do município. Apresenta-se como fundamental a ampla divulgação e debate da proposta de reabilitação por meio de audiências públicas promovidas pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Araguari. A participação pública, além de legitimar o Plano politicamente e expressar o consenso local, servirá para a composição da coordenação do projeto, a qual pode ser alocada no próprio Conselho, ou criado um novo organismo especificamente voltado para a condução do Plano. Caberá à Prefeitura Municipal, apoiada por este órgão, implantar as ações do plano apresentado.
118
CAPÍTULO 6: PARQUE URBANO DA BIFURCAÇÃO
As diretrizes para a Região de Intervenção 5 sugerem a qualificação da área pública localizada no final do trecho de linha férrea tombada, no encontro com os trilhos em uso. A área localiza-se no bairro Independência, nos limites com os bairros Santa Terezinha, Palmeiras do Império e Vieno. Propõe-se o nome Parque Urbano da Bifurcação, em referência ao ponto em que a linha férrea se decompõe em duas. A qualificação desta área como Parque Urbano marca o início da reabilitação da paisagem cultural ferroviária da periferia para dentro da cidade, da área socialmente mais crítica para a área central. Sua implantação resguarda e qualifica uma área significativa para a promoção da qualidade ambiental e urbana da periferia da cidade, carente de espaços livres públicos qualificados, bem como está consoante ao objetivo geral deste trabalho, que é a recuperação urbanística das áreas ferroviárias desativadas de Araguari, entendidas como estruturantes na configuração do sistema de espaços livres públicos da cidade. 6.1 ANÁLISE DA ÁREA E ENTORNO
A analise da área foi apresentada na etapa de diagnóstico de toda a área em estudo (Capítulo 3). Todavia vale ressaltar as principais informações analisadas especificamente sobre a região de entorno da bifurcação entre as ferrovias em uso e desativada. A legislação considera a área como Zona Residencial 1. A região é socialmente marcada pela baixa densidade de ocupação e predominância de habitações unifamiliares de baixa renda. Do ponto de vista físico-ambiental a área caracteriza-se pela baixíssima declividade (0,3%) que problematiza a drenagem pluvial e de esgoto, sendo constantes os alagamentos das vias no período chuvoso. A deficiência na arborização urbana é grave. O mobiliário urbano se resume a postes de iluminação e placas de sinalização de trânsito. Encontram-se pavimentadas somente as ruas 21, Augusto Carpanêda e a Av. Mal. Rondon, as duas últimas são as principais vias de acesso à área e se fortalecem cada vez mais como 119
eixos de ligação centro-periferia, sendo a Av. Mal. Rondon ainda o único acesso ao bairro Vieno, habitado por 1.818 habitantes (IGBE, 2010). A área para o Parque foi demarcada a partir do início do raio da curva da ferrovia desativada. O perímetro de delimitação da área é composto pela ferrovia em uso, Av. Mal. Rondon, rua Augusto Carpanêda, rua 21, alameda Goiás e divisa com a nova fábrica de pré-moldados do Exército (como indicado nas diretrizes do Plano de Reabilitação), totalizando 1082m e 54.544m² de área. A figura 64 sintetiza a análise da área.
Figura 64: Análise do entorno da área do Parque. Foto: Googleearth. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Inexistem elementos arbóreos significativos na área do Parque, sendo predominante a forração em capim, manchas arbustivas pontuais e elementos de pequeno porte concentrados em um ponto próximo a linha férrea, no
120
entorno de um casebre abandonado. Este é o único elemento preexiste construído, alem dos próprios elementos que constituem a linha férrea. Existem pontos irregulares de deposição de lixo e entulhos da construção civil voltados para a Alameda Goiás. O único caminho interno existente leva ao casebre. A figura 65 apresenta um diagnóstico das preexistências da área de projeto. A figura 66 apresenta imagens da área.
Figura 65: Diagnóstico das preexistências da área do Parque. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
121
Figura 66: Fotos da área de projeto. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.
6.2 PROCESSO PROJETUAL A elaboração do projeto inicialmente baseou-se em três premissas: •
Destaque ao bem tombado (linha férrea e postes telegráficos).
122
•
O arco gerado pela curva da linha férrea mostra-se como importante linha de força para possível articulação do programa.
•
Necessidade de preparação para a futura conexão entre o Parque e o Caminho dos Trilhos (próxima etapa do Plano).
Figura 67: Estudo preliminar apresentado no iTFG, antes do refinamento programático e conceitual. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Após a definição do programa e o desenvolvimento conceitual acrescentaramse as premissas: •
Incrementar a visualização direta para a linha férrea em uso, minimizando a sensação de barreira provocada pela separação física. Isto é, a linha férrea em uso é barreira física, e não visual.
•
Devido a característica de parque urbano de pequeno porte, deve-se dedicar atenção à costura entre seus limites e a cidade.
•
Implementação de elementos (construídos ou vegetais) que quebrem a forte horizontalidade do lugar.
123
•
Prioridade para exemplares vegetais que referenciem a condição do ecossistema do lugar, de transição entre os biomas Cerrado e Mata Atlântica.
Figura 68: Croqui conceitual para a elaboração do projeto. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
6.3 PROGRAMA DEFINITIVO Para o Parque propõe-se a implantação de espaços de recreação e lazer, bem como espaços voltados ao lazer contemplativo. O programa de necessidades é composto por: •
2 quadras poliesportivas;
•
campo de futebol;
•
circuito cicloviário;
•
circuito de caminhada;
•
academia ao ar livre (alongamento, musculação, equipamentos para pessoas com deficiência e idosos);
•
pontos de apoio (bebedouro, bicicletário, elementos informativos, bancos, mesas, e lixeiras);
•
parque infantil;
124
•
espaços livres diversificados para múltiplas apropriações: atividades de descanso, lúdicas, contemplativas, artísticas, esportivas, entre outras;
•
sala administrativa/zeladoria/segurança;
•
sala de manutenção/D.M.L.;
•
sala de primeiros socorros;
•
sanitários masculino e feminino;
•
sanitários familiar/infantil;
•
estacionamentos
6.4 MEMORIAL DE PROJETO A ação de projeto partiu da articulação entre o diagnóstico, as premissas apresentadas e a definição de um zoneamento capaz de atender as necessidades do programa. Definiu-se pela implementação de uma zona ativa (esportiva) na área oeste do parque, a fim de atrair o público e estimular os usos próximos aos limites não delimitados por vias da área (talude do viaduto, linha
férrea
e
divisa
com
a
nova
fábrica)
e
uma
zona
passiva
(contemplação/recreação) na área leste, envolvida pelo restante dos limites do parque. Os circuitos pedonal e cicloviário interligam estas zonas e envolvem a ferrovia desativada, bem como foram implantados de forma a percorrer toda a área do parque, não deixando áreas inseguras ou inacessíveis (Figura 69). Todas as infraestruturas arquitetônicas demandadas no programa serão supridas pela utilização de containers adaptados aos usos37, em referência ao trânsito de cargas realizado na ferrovia em uso, que será visível ao usuário do Parque. Este identificará que os containers distribuídos pelo parque são semelhantes aos que ele vê passar pela ferrovia. A intenção é incrementar a sensação de pertencimento ao lugar e valorizar a memória ferroviária, já que o morador do entorno está habituado com a presença de tais elementos no seu dia-a-dia, bem como tornar flexíveis as transformações no uso e ocupação que 37
A utilização do container na Arquitetura e Urbanismo é amplamente estudada e aplicada nas áreas de tecnologia e sustentabilidade das construções. Tem como vantagem a estrutura resistente, flexibilidade, modularidade, facilidade de transporte e baixo custo de produção, se comparado a alvenaria convencional. Como desvantagens, exige adaptações de revestimentos e acabamentos para garantir o conforto do usuário e a necessidade de mão de obra especializada. O trabalho de G. Garcia e J. Liao - Arquitetura em Container aprofunda a discussão.
125
possam ser demandadas. No estudo de caso Parc des Quais du Vieux Port foram utilizados containers adaptados para as infraestruturas sanitárias, ilustrados na figura 54 p. 88.
Figura 69: Zoneamento – espacialização. Elaboração: OLIVEIRA, L. M. de.
Para as áreas livres pavimentadas sem uso pré-estabelecido a paginação de piso principal é composta por duas faixas paralelas de placas pré-fabricadas de micro-concreto 50x50cm (piso drenante) nas cores cinza e branca, com 1m de largura, que se alternam e percorrem toda a área do parque, gerando uma unidade visual. Tal desenho referencia a paginação de piso elaborada pelo arquiteto João Jorge Coury para remodelação da Praça Manoel Bonito em 1966, localizada no Centro da cidade, no entanto, com dimensões diferentes e executadas em pedra portuguesa. O mobiliário baseia-se em elementos pré-fabricados em concreto (bancos, mesas, bebedouros) e aço (bicicletários, placas informativas e lixeiras). Estes se concentram nos pontos de encontro, bem como se distribuem por todo o Parque.
126
Para o parque infantil propôs-se trabalhar a experiência do espaço através do estímulo à movimentação horizontal (correr e atravessar obstáculos) e vertical (pular, descer, subir e atravessar). Para o piso propôs-se a variedade de materiais (grama, areia e concreto desempenado), desenhos (círculos e quadriláteros) e cores. Decidiu-se implantar o parque infantil próximo a ferrovia desativada para estimular a relação visual e interação física da criança com este elemento e próximo a entrada pelo Caminho dos Trilhos, principal acesso ao Parque. Para o estacionamento utilizou-se o piso intertravado concregrama. Este foi implantado nos limites da área com a futura Fábrica de Pré-moldados do Exército no intuito de incrementar a percepção urbana da área, acrescentando um segmento viário ao seu limite. O circuito de caminhada/corrida possui 7m de largura e utilizou-se piso em manta de borracha natural na cor cinza chumbo, adequado a esta prática de esporte. Nos trechos que marcam os cruzamentos pedonais, os acessos ao parque e sua ligação direta ao Caminho dos trilhos foi aplicada uma paginação composta por duas faixas de 20cm de espessura paralelas e espaçadas 1m, no mesmo piso na cor branca. Este desenho remete a bifurcação de linhas férreas e é uma releitura da logomarca da RFFSA, também inspirado em uma bifurcação (Figura 70). Para o circuito cicloviário, com 3,5m de largura, será utilizado concreto desempenado pintado na cor vermelha.
Figura 70: Logomarca da RFFSA. Autor: STEAGALL-CONDÉ, C. thesignstudio.blogspot.com.br/2009/04/rffsa.html
127
Com o intuito de enfatizar a relação da área com o bairro Vieno, propôs-se a implantação de uma passarela a partir do viaduto em direção a esquina com a Rua Augusto Carpanêda (acesso ao centro da cidade). Esta possui três pontos de acesso, sendo: ao nível do viaduto; ponto intermediário (Praça Administrativa) com escada e elevador; e rampa (Praça da Fonte). Assim, a passarela servirá como um atalho ao pedestre ou ciclista que habitualmente se desloca na rota bairro Vieno – Centro, bem como será um novo espaço a ser explorado pelo usuário do Parque e elemento de destaque na horizontalidade característica do lugar. A passarela foi projetada em estrutura metálica treliçada (1,70m) apoiadas em pilares espaçados 20m, com fechamento do guardacorpo e piso em tela metálica. Para a rampa utiliza-se o mesmo sistema estrutural, entretanto com fechamento do guarda-corpo em chapa de aço corten, a fim de destacá-la da passarela com treliças à vista. Para a drenagem da água das chuvas foram propostas uma rede de biovaletas e uma bacia pluvial. Estas soluções, chamadas de infraestrutura verde (CORMIER e PELLEGRINO, 2008), evidenciam a estrutura da paisagem do lugar ao atuarem efetivamente no manejo das águas urbanas. As biovaletas são elaboradas com solo tratado com compostos e insumos a fim de aumentar a porosidade, agindo como uma esponja que suga a água, enquanto a vegetação e microorganismos e bactérias no solo removem os poluentes difusos. Elas direcionam a água colhida por gravidade até a bacia de retenção da água pluvial que reabastece o lençol freático nos períodos de chuva. Junto à bacia propõe-se a implantação de uma elevação topográfica, utilizando do solo gerado pelas escavações. Estas movimentações topográficas proporcionarão espaços agradáveis de contemplação, lazer e recreação e minimizarão a monotonia gerada pela configuração plana do parque. Para o plano de vegetação utilizou-se de espécies observadas ao longo do trecho da linha férrea desativada, no pátio ferroviário e no Bosque John Kennedy, a fim de se estabelecer referências com a vegetação local. Além disso, foram inseridas novas espécies exóticas que melhor se adéquam aos propósitos de cada área do Parque, •
Na Praça da Fonte destacam-se os maciços de Tipuana. Apesar de exótica, esta espécie adaptou-se com sucesso ao bioma Mata Atlântica. 128
Os exemplares foram implantados em duas faixas paralelas que emolduram a perspectiva em direção a rampa de acesso a passarela. Seu grande porte gera destaque na entrada do Parque pelo Caminho dos Trilhos, e sua grande copa proporciona sombra, tornando a praça altamente receptiva ao estar e convivência. •
Na Praça Administrativa destacam-se os Ipês-brancos organizados ortogonalmente. Nativa do Cerrado, esta espécie de porte médio foi implantada com espaçamento de 7m, não obstruindo a percepção geral do espaço. A espécie foi escolhida devido ao seu caráter ornamental (floração branca e folhagem densa de cor verde azulada).
•
Para a Praça da entrada pela Av. Mal. Rondon utilizaram-se as espécies Pau-ferro e Jacarandá-mimoso (Mata Atlântica). São espécies de grande porte e foram implantadas em duas faixas paralelas que direcionam o usuário a adentrar ao Parque.
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Para a Praça das academias optou-se pelo predomínio de palmeiras Gerivá e Palmito-doce (Mata Atlântica), que geram destaque no conjunto e não obstruem a visibilidade. Os exemplares de Guapuruvu (Mata Atlântica) implantados ao longo do circuito de caminhada neste trecho, geram sombra a praça durante a tarde.
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Na Praça das quadras optou-se pela distribuição regular de elementos Pau-ferro (espaçados 11m). Sua copa alta e ampla gera identidade à praça, além de suas raízes serem adequadas para superfícies calçadas. No centro da praça optou-se por interromper a sequência de implantação das árvores a fim de gerar uma área propícia para a implantação de elementos móveis e temporários, como rampas para prática de skate ou tendas para eventos esportivos ou recreativos.
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O Bosque foi implantado em área central do Parque, tem seus limites bem definidos e caracteriza-se por um valioso estoque arbóreo composto por espécies como Cedro, Peroba-rosa, Aroeira-salsa, Angico do cerrado, Embaúva prateada e, destacados no centro, Paineirasrosas. Internamente, caminhos forrados com cascalho permitem a exploração do espaço, forrado com manchas de Helicônia-papagaio, Curculigo e Imbé.
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Para o limite do Parque com a linha férrea em uso foram implantados exemplares das espécies de porte médio Triplaris e Eritrina (Mata Atlântica), que possuem copa permeável e não geram barreira visual
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Ao longo dos limites com a Av. Mal. Rondon foram implantados exemplares de Quaresmeiras (Cerrado) que se destacam devido ao caráter ornamental, além de sombrear o passeio e a ciclovia.
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No talude do viaduto sobre a EF-050 foram implantados maciços de Gerivá sobre manchas de Imbé. Estas palmeiras sobre o talude realçam a diferença na topografia.
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Ao longo dos circuitos pedonais e cicloviário distribuem-se o restante das espécies selecionadas, com destaque para a faixa de Ipê-rosa forrada com manchas de Imbé voltada para a rua 21 e os maciços de Guapuruvus próximo a Praça das academias e Jacarandás-mimosos forrados com manchas de Curculigo próximo as quadras poliesportivas.
Para o leito da ferrovia desativada propôs-se uma intervenção mínima baseada na manutenção da forração por britas e gramíneas tipo capim braquiaria (com exceção dos trechos em que é cortada pelos caminhos e ciclovia), possibilitando que o usuário perceba as condições próximas as originais do leito ferroviário. Esta ação se aproxima do que PELLEGRINO (2010, p.1) define como “projeto inconsciente” e justifica que o “deixar acontecer” leva a “diferentes situações e feições e pode resultar em surpresas interessantes”. Soma-se a esta ação a intenção de não impor estratégias projetuais em relação à faixa de domínio da linha férrea que deverão ser tomadas na etapa de projeto do Caminho dos Trilhos, no qual a intervenção se resume ao espaço da faixa de domínio da ferrovia e à sua complexa articulação com o tecido urbano, ao mesmo tempo em que estabelece um contraponto, enfatizando-se a complementaridade entre as duas intervenções: Parque da Bifurcação e Caminho dos Trilhos. O projeto luminotécnico deverá ser elaborado em etapa complementar e baseado na iluminação por lâmpadas LED. Essa tecnologia de iluminação tem como pontos positivos a durabilidade das lâmpadas e o baixo consumo de energia. Para os circuitos de caminhada e ciclovia sugere-se uma implantação linear das lâmpadas, de forma contínua a fim de propiciar um luz homogênea
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que incidirá diretamente na pistas. Assim como nos circuitos, na passarela implanta-se as lâmpadas de forma linear próxima ao piso, incidindo no guarda corpo e formando uma parede de luz. Para as quadras poliesportivas e campo de futebol recomenda-se refletores LED de alta potência e luminosidade implantados em postes. Para o Bosque, passeios e demais áreas recomendase luminárias embutidas de solo, implantadas em sequencia aleatória alojada próximo aos troncos das árvores, com a intenção de iluminar as copas. 6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PARQUE DA BIFURCAÇÃO
A implantação do Parque da Bifurcação se justifica devido a necessidade crescente em equilibrar a distribuição de espaços livres públicos qualificados na cidade, principalmente em áreas socialmente frágeis e com uma ocupação ainda rarefeita, mas com elevado potencial de adensamento, como na área em questão. O Parque atuará como um catalizador das relações sociais e comunitárias, além de incrementar a qualidade visual e bioclimática. O projeto evidencia a relação sistêmica entre o Parque e o Plano de Reabilitação Urbana para o Patrimônio Ferroviário de Araguari, bem como a relação deste com a estrutura da paisagem urbana da cidade. Por fim, enfatizase a importância do projeto paisagístico nas propostas de intervenções urbanas, não apenas com um complemento, mas com a clareza de que são equivalentes.
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