Caderno de poesia #47

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CADERNO DE POESIA #47

Lucas Vieira


ReuniĂŁo de poesias escritas entre os anos 2000 e 2018 por Lucas Vieira


Uberaba/MG - Fevereiro/2018


o cerrado sempre volta

entre tantas estações, estar só já fui verão, hoje árvore no outono já errei e ainda continuo errando e por vezes me abandono natural para um ser que não busca o trono permaneço o que fui e jamais serei o que querem ser rei, será, sereia sem ar, sem porto, sem mar como a seca que abandona o cerrado e sempre volta inundando a paisagem com a variedade de infinitas poesias

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entre ďŹ os

permaneço quando estou breve para nada em nada por nada tentei partilhei habitei perdi sofri chorei ganhei senti parti só um eu sem ti

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mudo

hoje preferi andar descalço que é para ver o meu mundo girar que é para ver se consigo mudar hoje preferi morrer um pouco foi difícil mas foi louco improvável de acreditar hoje senti o frio e o sufoco de um dia qualquer que remonto só para me fazer pirar hoje meu destino se fez pronto mas destinos nascem tontos impossíveis de guiar

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o clima

mas outrora mesma hora tem o tempo poeira e vento รกgua que voa hora que passa tempo que sopra vento que lava molha o cabelo escoa na testa a boca se abre o olho se fecha um bloco e concreto cimento e sentimento tempo frio, dia seco

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nada ameno

sinto o silêncio corroer meu interior como a ferrugem do tempo ouço palavras que não fazem sentido deixo o passado me desfazer contemplo um futuro vazio meu olhar se perde entre devaneios o que existe ainda me preserva Deus existe e não é na Terra sinto a guerra me povoar tenho nos nervos, as dores de tudo que procurei evitar me vejo afogando mesmo se soubesse nadar tenho pouco tempo no mundo e sempre me faltou o ar figuras e espelhos se quebram meu pesadelo esta acordado protejo-me e projeto-me arranco-lhe a língua e sua fala me cala tento nao explicar o que o silêncio me fala tento, mas meus ouvidos não conseguem enxergar meu tato falha o passo despeço-me de um momento vivencio tantos outros mesmo em verdade, a mentira duas horas parecem eternas as pernas se fazem o sustento de um mundo em tormento 5


o ser é o deserto

o ser surge deserto um espaço liso limitado pelo estriado assim como nos mostrou Mead, o ser se torna espaço condicionado tende a se tornar espelho pelo contágio e quando desajustado, da origem a um novo estágio. o ser foi, o ser é e o ser será.

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a vida ainda é uma sobremesa?

Olá! Queria tanto conversar. Procuro alguém para desabafar, Meus amigos foram pro bar. Minha vida acaba pouco a pouco a cada recomeçar. Nesse sufoco, os meus amigos estão quase loucos, De extrato ou de pressão. Olá! Parece que alguém me respondeu, Se não foi você, com certeza fui eu Ao encontro de uma grande tristeza. Eu que já me observei com tanta beleza Que os meus olhos ficavam tontos. Respostas de pensamentos prontos. Então, Faz tempo que passa por essa revolução? Os seus pensamentos ainda são confusão? Parece que sim, ou não? As suas dúvidas ainda são as mesmas, Poucas respostas para tanta certeza. A vida ainda é uma sobremesa?

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35 Levei 35 anos para entender que a maturidade, não se adquire com o tempo, é fruto da necessidade. As experiências que à ela conduzem variam, e independem da idade. Levei 35 anos para entender que a juventude é um estado de espírito, e que é preciso conhecer o Tempo para reconhecê-lo. Levei anos para entender que a cor branca dos meus cabelos, antes todos pretos, era um sinal de estresse, mas que toda minha família, por herança genética, está propensa a tê-los. Passei anos carregando tristezas que morreram, certezas que não vieram, medos que outros também tiveram por insegurança sobre minhas próprias escolhas. Julguei pessoas, sabendo que por serem más, também eram boas. Errava pelo erro alheio e com isso impedia o meu próprio crescimento. Fiz juras que nunca conseguiria cumprir, chorei quando poderia sorrir, sonhei quando precisava viver e isso me ensinou o valor de sofrer. Causei dor a quem me curava, machuquei a quem me cuidava, fui espinho a quem me foi or, fui inverno a quem me foi verão. Na consciência de que tudo passa, permiti-me viver a desgraça. Me fiz cego ao fingir não doer. Aprender. o que faz o ganhar, sem o perder? 8


reexão do dia

Você me disse que se sente só. Eu te disse que vivemos e só. Você me disse que falta verdade. Eu te disse que na vida, verdades nem sempre existem. Você me disse que era eu. Eu te disse que sou você e fui dormir.

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o luto (todo carnaval é triste)

Todo dia alguém morre, eu fico. Eu perco um irmão, eu perco um amigo. A vida é samba canção. Samba comigo. Sambo sozinho. Sambo perdido. Sambo um caminho. Hoje choro eu, chora a vida. Hoje o samba chora na avenida.

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cartas sentimentais

Rasgou. Partiu. Sangrou por dentro. Esqueceu-se que apenas o tempo amadurece as dores do sentimento. Ali, nua, a tua consciência, a rua. Em paz, pouca luz, silêncio e jazz, e quando vai embora, o que você faz?

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atos

do alto de seu egocentrismo de perto jรก nรฃo dava para ver agigantou-se de longe, eu mal existia um tropeรงo comeรงou tudo outra vez.

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boatos

Noite insana Esta noite, a noite ĂŠ meia. Meio toda, toda plena. Esta noite, sem problemas. Vejo a vida, vida e meia.

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o fim de um começo

Por onde andei? Perguntei-me por uma, duas, três vezes. Não obtive resposta. Aquela sensação inequívoca, a falta de espaço, o balanço das horas, o caos momentâneo. A falta de sexo estava transbordando o pensamento, a falta de nexo se encontrava na falta de palavras. Faltava pouco para alcançar, mesmo que por pouco tempo. Ainda dava para ouvir ao fundo o som do despertador e a voz que dizia: - Ei meu filho, é hora de acordar.

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10 em: triste sendo

Não passam de algumas fórmulas diferentes de se macular sentimentos. Derivações, subterfúgios que não passam de argumentos. Se há na sociedade inuência, essência básica de uma ilusória felicidade. Há em sua base uma essência, que em silêncio orgânico ecoa a maldade.

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porto inseguro

Um barco, um marco. Um mar. Pouco seguro. Necessito parar. Pauso, penso. O que busco? Remar. No barco, sou echa Na ågua, sou ar.

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in: ativos

Ela sentiu vontade de ter tudo e ter nada, ganhou-se, perdeu-se. Ele com seu egoísmo particularmente coletivo, preferiu investir. Calouse, entendeu-se. Os dois já não se conheciam mais, liam livros, revistas, assistiam filmes e faziam palavras cruzadas de jornais. Numa curva de rio, que era atalho, a canoa virou. Ele não sabia nadar, mas peixe tornou-se, nadou, fugiu. Ela em meio ao turbilhão, na correnteza deixou-se levar, perdeu o rumo, não conseguia voltar.

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fevereiro

Se negou por não duvidar. A verdade é mais frágil que um cristal. Ela dizia que todo terço era santo. Mas acreditava no poder do carnaval.

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feito

Feito folhas de árvores caindo. Feito a distância que chega sorrindo. Feito o medo de não te levar. Feito a vontade e o não aceitar. Feito a amora madura no chão. Feito uma bola do meu coração. Feito o efeito da bola na trave. Feito a fuga de mais um covarde. Feito criança que não quer voltar. Feito o dia que não conseguiu ficar. Feito cegueira em meio à visão. Feito um corpo na multidão.

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cio

Meu [silên]cio em tua homenagem. Um caso típico de solidão. Um ato-retrato escarrado. Dois olhos na escuridão. Tuas palavras em regresso. Me e[s]coando no/do teu pensar. Delay de um retrocesso. Aquilo que te fez c[h]orar. Perfeição [rel]ativa ou indução para sonhar? Insurgência espiritual. Tendência mor[t]al.

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para explicar

para começar um texto, criou-se o parágrafo para a queda, o pára-quedas para o choque, o pára-choques para o vento, pára-brisas para o sofrimento, o para-peito para a dor, o paraíso para a loucura, a para-anfetamina para os momentos de falta, a paranóia para o surf, a parafina para ser aceito, paradigmas para ser preso, parangas para a tv, parabólica para Curitiba, Paraná para o aniversariante, parabéns para o nojo, a intolerância e transmissão de doenças, parasitas para deixar parado, paralisia para confrontar, paralelos para unir, parafusos para o absurdo, o paradoxo para explicar um pouco de nós dois, parábolas de mim, para você.

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covardes

Eu que sempre tive sonhos, acordei. Logo agora que pareciam ser verdades. Eu que sempre andei com medo, enfrentei. Logo agora que precisavam de covardes.

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mágoas

Se é do passado que lá fique. Não me expresse em forma de lágrimas. Se é tão amarga que adocique. Não se estresse em torno de mágoas.

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em meio a isso

Vivo em um meio, meio insano, meio intenso, meio engano. Me perco em meio a isso. Vivo um meio plano, meio avulso, meio humano. Me entendo em meio a isso.

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