O Ministério da Cultura e a Vale apresentam
ESPAÇO RELACIONAL
Talvez por isso, o modo com que Salvaro propõe a ocupação do espaço em suas obras seja sempre tão significativo, fazendo dele uma importante linha de elaboração conceitual, significação e fruição. Em exposições recentes como Área de (Galeria GTO, SESC Palladium, Belo Horizonte, 2014), Salvaro desnudou o espaço retirando as placas que cobriam dutos e canos, deixando tudo à mostra: “decidi retirar os módulos do teto deixando toda essa mixórdia visível e usei o material extraído para construir paredes arranjadas na forma de um labirinto que se estendia do chão ao teto”. Essa ocupação revela os modos como o artista percebe e maneja o espaço em sua produção, tomando-o de forma crítica e relacional, como nos termos colocados por David Harvey: “um evento ou uma coisa situada em um ponto no espaço não pode ser compreendido em referência apenas ao que existe somente naquele ponto. Ele depende de tudo o que acontece ao redor dele [...]. Uma grande variedade de influências diferentes que turbilhonam sobre o espaço no passado, no presente e no futuro concentram e congelam em um certo ponto”.
mas, sobretudo, como a possibilidade da constante reescritura da memória e do passado. Esse gesto faz com que o Memorial Vale amplie, cada vez mais, suas interações e seus diálogos com as manifestações artísticas contemporâneas. Por isso, mais do que apenas um espaço dedicado às tradições, origens e construções da cultura mineira, o Memorial Vale coloca em constante diálogo estas manifestações fundantes com as pulsações mais contemporâneas da arte e da cultura, favorecendo a aproximação do público com as questões que atravessam nosso tempo. Na série de exposições que compõem o Programa de Exposições 2014-2015, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, vamos trazer ao público um panorama da produção de cinco jovens artistas mineiros. A ideia central do programa é dar visibilidade à diversidade de discursos e estratégias da arte contemporânea produzida por aqui, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição. O gesto, mais uma vez, é aproximar passado e presente como forma de nos inserirmos no mundo e revelarmos nossas singularidades diante dele. www.memorialvale.com.br
FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } PRODUÇÃO: MERCADO MODERNO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, FRANCISCA CAPORALI, JÚLIA REBOUÇAS, WAGNER TAMEIRÃO E RONALDO BARBOSA } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS
Essas características relacionais do espaço estão presentes nos projetos desenvolvidos por Salvaro, estimuladas, ainda mais, por um complexo processo de criação experimental que convive diretamente com o risco e o erro, aliás, como afirma o artista: “o erro e a falha atualmente estão entre os meus principais interesses”. A proposta selecionada para o Memorial Minas Gerais Vale não foi diferente. Em Fachada, Salvaro reconstrói no espaço expositivo a fachada do prédio histórico que abriga o Memorial. As proporções, as cores e os elementos, bem como os processos construtivos para a ocupação do espaço expositivo, acionam as inúmeras camadas de sentido que recobrem o edifício ao longo do tempo. Assim, as tensões da memória e a fugacidade do tempo presente se relacionam em um espaço que, se de um lado traz a construção, de outro aponta para a ruína.
Iniciativa:
Parceria:
Patrocínio:
Realização:
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CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2014 / 2015
FACHADA
Esse talvez seja o mesmo gesto que Salvaro aciona nos espaços expositivos onde desenvolve seus projetos artísticos. Um olhar atento aos espaços, não apenas em suas características físicas, mas, também, em seus processos de constituição institucional e social e em seus detalhes. Uma percepção que dá centralidade ao espaço, fazendo-o ponto de partida para a realização das obras.
O Memorial Minas Gerais Vale compreende o tempo presente não apenas como uma fugacidade incontrolável,
C. L. SALVARO
O interesse pelos pequenos detalhes da vida cotidiana, especialmente aqueles que, de alguma forma, acontecem ao acaso, habita as referências e percepções de C. L. Salvaro. Para o artista interessam tanto “uma pegada fossilizada no cimento fresco quanto crescimento do mato no canto do muro do prédio da esquina e, às vezes, minha produção é trespassada simultaneamente por todas essas informações e eu tento aproveitar a turbulência para desestabilizar o lugar-comum”.
ENTREVISTA – C. L. SALVARO 1. Como começou seu interesse pela arte? Sempre que essa pergunta surge tento refazer mentalmente todos os caminhos que percorri até este momento e chego a lugares bem distintos. Muito antes de cursar a faculdade ou de frequentar a escolinha de artes do colégio, acho que meu interesse por arte começou na infância mesmo. Isso quando eu penso em arte como uma forma de fazer algo significativo que possa tocar outras pessoas. Eu via a possibilidade de fazer arte tanto observando o dia a dia da minha mãe em casa, que tem muita habilidade manual e trabalha há tempos costurando, quanto nas brincadeiras pelas ruas do bairro, onde as crianças sempre buscavam alguma maneira de construir qualquer coisa, fosse um carrinho de rolimã, um estilingue, uma pipa ou uma casinha na árvore. É claro que a minha percepção era totalmente diferente, mas eu acreditava que essas ações eram satisfatórias para o que eu projetava como arte, e durante algum tempo tal estímulo foi suficiente para que eu seguisse desenhando ou acumulando pedrinhas em algum canto, e acho que este foi o embrião do meu interesse. Com o tempo passei a desacreditar de que qualquer coisa que eu fizesse pudesse ser considerada arte, mesmo assim prestei vestibular na área e segui desconfiando do fazer até depois da conclusão do curso. 2. Muitos de seus projetos têm uma relação direta e tensa com o espaço, enfrentando e ressignificando tanto o cubo branco (e seus falseamentos) quanto o espaço público. Qual é a motivação? Como o espaço e as espacialidades começaram a surgir em seu trabalho e como você maneja atualmente essa noção? Vejo o espaço como um elemento essencial de qualquer ação. Nós o construímos e temos certa obrigação de tentar compreendê-lo e ressignificá-lo. Em relação à arte lidamos constantemente com a representação, com o simulacro de algum evento, enquanto o espaço tem sempre implicações concretas sobre nós. Por isso, pensar nas potências da relação entre a ação corporal em qualquer lugar e as diversas variantes que podem existir no resultado da ação é uma força motriz. Reproduzir os procedimentos de ocultação pode evidenciar o caráter de falsidade que esses lugares guardam. Mas romper o próprio cenário tem uma potência ainda maior, um desmascaramento explícito. Desde os primeiros trabalhos que realizei, como uma instalação com elementos mínimos dispersos por um museu inteiro e a inserção de objetos estranhos no contexto urbano, busquei apontar o espaço incisivamente. Esse desejo parte principalmente da insatisfação com a ameaça constante de contenção do processo artístico. 3. No ano passado você esteve em algumas residências. Conte-nos como foi a sua experiência e as obras desenvolvidas As experiências em residências sempre são muito instigantes. O deslocamento para outras cidades, outros contextos, provoca novos estímulos, distintos daqueles que encontraríamos no lugar habitual. Uma das experiências recentes foi desdobrada em duas etapas em cidades diferentes, através de residência promovida pelo JA.CA (Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia). Em Nova Lima (MG), onde fica a sede do JA.CA, pesquisei lugares abandonados na cidade, em que eu pudesse construir uma habitação temporária com resíduos achados no próprio bairro. Encontrei uma pequena construção inacabada no canto de um lote vago. Com a ajuda de um grupo de estudantes vinculados ao JA.CA, construí um telhado rudimentar sobre a estrutura e um piso de madeira de paletes. O projeto discutia tanto a reutilização de materiais descartados quanto a própria distribuição dos lotes vagos pela cidade, cujo objetivo é evidentemente especulativo. No final da residência encontrei o lugar destruído, as paredes foram derrubadas e a madeira utilizada foi toda queimada. Na segunda parte da residência estive em Belém do Pará. A proposta para essa etapa era oferecer uma oficina aberta ao público interessado. Propus deambulações pela cidade e observações do cotidiano para um grupo de quinze pessoas da cidade. Depois nos reunimos na Universidade Federal do Pará com o intuito de encontrar material descartado e construir uma embarcação. Fizemos um flutuador com blocos de isopor, bambu e chapas de compensado, e o levamos a uma ilha das redondezas para uma tarde de diversão.
Na residência feita em Valparaíso, no Chile, pela Bolsa Iberê Camargo, me dediquei a procurar moedas perdidas nas ruas. A empreitada surgiu pela recorrência do encontro, inicialmente casual, e que pouco a pouco tomou o lugar da proposta inicial. No final do processo apresentei o material recolhido no antigo edifício da Bolsa de Valores de Valparaíso, onde fica o espaço do CRAC Valparaíso, entidade que me acolheu na cidade. As moedas foram dispostas sequencialmente em colunas lineares na malha hexagonal do piso do edifício, iniciadas a partir de uma rachadura evidente, formando um gráfico de valores. Cada linha correspondia ao dia em que as coletei, uma após outra. Foram mais de 400 moedas encontradas em dois meses de estada na cidade. Em todos esses casos, a interação com os habitantes das cidades foi fundamental para o desenrolar das propostas, que foram se adaptando de acordo com os encontros e conversas que tivemos nesses lugares. 4. Na obra do Memorial parece que pela primeira vez você toca no espaço ligado à memória e ao patrimônio. De onde partiu a ideia e qual é o interesse nesse tipo de espaço? Quando fecho o canto de parede do apartamento que habito há alguns anos com uma cobertura plástica translúcida em forma de prisma, conservando o interior tomado por mofo e restaurando o restante da parede, apresento lado a lado diferentes tempos. A simples justaposição de uma seção da parede totalmente deteriorada com outra restaurada leva a perceber que o espaço está em constante mutação, e este também é um sinal da memória do lugar. Acredito que esse viés esteja presente em outros trabalhos de forma mais sutil. Tenho intensificado a extração de vestígios que constituem os espaços, seja com a remoção direta dos elementos ou através de moldes ou decalques. Antes mesmo do recente tombamento do prédio desse mesmo apartamento, que pode corroborar a ideia de resgate de alguns elementos, eu vinha coletando fragmentos arquitetônicos. No caso do Memorial, eu sequer poderia cogitar extrair um molde para reprodução. Nem mesmo os anteparos construídos para ampliar o espaço interno, os mesmos que ocultam janelas e paredes protegidas, poderiam sofrer intervenções drásticas, fato que atenuou o projeto original.
} C. L. Salvaro (Curitiba, 1980) vive em Belo Horizonte. } Salvaro é licenciado em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná (2001) e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC (2010). } Mais recentemente, em 2013, recebeu bolsas e participou de projetos de residência artística como a Bolsa Iberê Camargo, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS); Centro de Residências para Artistas Contemporâneos - CRAC, em Valparaíso (Chile); Mergulhos Poéticos, Edital Conexão Artes Visuais Funarte 2012, em Praia de Piranji (RN); Programa de Residências Re:USO, Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia - JA.CA, em Nova Lima (MG) e Belém (PA); e em 2010 foi selecionado pela Bolsa Pampulha, em Belo Horizonte (MG). } Entre as exposições coletivas destacam-se as mais recentes: O óbvio improvável (2014), Farol Galeria de Arte – Curitiba (PR); GR_VE (2014), Laboratório Curatorial SP-Arte - São Paulo (SP); Region 0 - The Latin Video Art Festival (2013), Centro Rey Juan Carlos of New York University - Nova York (USA); Solstício (2012), Galeria Emma Thomas - São Paulo (SP). } Realizou as exposições individuais: n’outro (em parceria com Joana Corona), no SESC da Esquina (2008), em Curitiba (PR); duto, na Galeria Adalice Araújo - Universidade Tuiuti do Paraná, também em Curitiba (2008), entre outras.