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MONUMENTOS, CIDADES E RUÍNAS

Nas exposições e em seus trabalhos anteriores o artista tomava a repetição das imagens de cães para nelas construir uma relação entre aperfeiçoamento e esvaziamento, como afirma Maria Angélica Mellendi, no catálogo da exposição Tudo o que tem dente morde (Galeria CEMIG, Belo Horizonte, 2010): “Desenhar as mesmas imagens, uma depois de outra, até fazer o desenho perfeito, ou desenhá-las até os traços perderem sentido, até não significarem nada”. A reflexão precisa de Mellendi parece apontar mais uma vez para a complexidade que Bilac promove com os opostos que maneja em sua obra. É nessa situação de muita ambiguidade que Daniel Bilac constrói seus monumentos, gerando passagens que atravessam distintos domínios e territórios. Nas proposições de Bilac, o ordinário assume o lugar do extraordinário e é por isso que, se, por um lado, as obras revelam representações fragmentadas dos monumentos, de outro, vemos também seus processos de ressignificação e recriações. Na visão de Daniel, esse gesto traz a ruína, já que assim os monumentos se abrem para outras formas de visibilidade e inscrição simbólica típicas do sujeito em ação no espaço urbano, como a pichação e o grafite, além, é claro, das próprias ações da natureza. As obras se colocam nesse contexto espaço-temporal de intensa disputa simbólica e ressignificação das referências históricas, sobretudo do próprio espaço urbano, marcado por monumentos de toda ordem. Para o artista, “um monumento pretende ser, via de regra, a última palavra de um discurso. Sua tarefa parece ser a de encerrar um significado que, tornado concreto, deveria ser imutável. No entanto, desde o primeiro instante de sua existência física, um monumento está sujeito a ser danificado, rasurado e ressignificado. Ele se torna, assim, a primeira palavra de sua própria história e ruína”. Aqui não é nem construção e, tampouco, ruína. Trata-se de um espaço intermediário, pura passagem, que articula tanto os monumentos como fruto dos discursos que estruturam os sistemas de poder e suas implicações simbólicas nas cidades, quanto o modo como esses monumentos se transformam com as ações humanas e da natureza. Bilac, com isso, tensiona as temporalidades típicas dos monumentos, aproximando permanência e efemeridade. A permanência dos monumentos se relaciona intensamente com a efemeridade e o dinamismo do entorno que ressignifica seus sentidos e funções. Tudo em movimento. É inevitável não pensar em questões políticas ao ver os fragmentos dos monumentos presentes nas obras de Bilac e as narrativas que eles sutilmente sugerem. Se os monumentos, em sua maior parte, servem para marcar fatos, pessoas e contextos históricos na memória coletiva, solicitando, com isto, uma certa versão oficial da história, as inscrições humanas ou da natureza sinalizam as histórias menores e que se perdem na tramas temporais da vida cotidiana. Daniel traduz essa dinâmica temporal, entre permanência e efemeridade, não apenas com os materiais, mas, sobretudo, com o vigor das rasuras e a intensidade dos apagamentos que se repetem exaustivamente, deixando apenas fragmentos e vestígios dos monumentos. Da imperiosa totalidade dos monumentos restam vestígios estilhaçados também pela dúvida (que agora passamos a ter) de qual é a importância dos monumentos e dessas formas de história para compreendermos o tempo presente. Para Daniel Bilac, “a versão oficial não se isenta de criar estratégias para, subjugando as demais, naturalizar-se na cultura. A comunicação de massa, a criação e a manutenção de feriados, nomes de logradouros e monumentos públicos evidentemente não estão, na sua totalidade, engajados no projeto do discurso hegemônico. Todavia, não são raros os exemplos em que são usados para conduzir uma população a conclusões unificadas e normativas. Esse discurso, porém, não pode isentar-se de certas perturbações. O outro e a natureza são, ainda e sempre, presenças arredias à ordenação, mesmo ante as tentativas de repressão e apagamento. Daí o ciclo de disputa pelo espaço/ visibilidade, em seus sentidos múltiplos, que presenciamos nas cidades”.

mas, sobretudo, como a possibilidade da constante reescritura da memória e do passado. Esse gesto faz com que o Memorial Vale amplie, cada vez mais, suas interações e seus diálogos com as manifestações artísticas contemporâneas. Por isso, mais do que apenas um espaço dedicado às tradições, origens e construções da cultura mineira, o Memorial Vale coloca em constante diálogo estas manifestações fundantes com as pulsações mais contemporâneas da arte e da cultura, favorecendo a aproximação do público com as questões que atravessam nosso tempo. Na série de exposições que compõem o Programa de Exposições 2014-2015, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, vamos trazer ao público um panorama da produção de cinco jovens artistas mineiros. A ideia central do programa é dar visibilidade à diversidade de discursos e estratégias da arte contemporânea produzida por aqui, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição. O gesto, mais uma vez, é aproximar passado e presente como forma de nos inserirmos no mundo e revelarmos nossas singularidades diante dele. www.memorialvale.com.br

FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } PRODUÇÃO: MERCADO MODERNO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, FRANCISCA CAPORALLI, JÚLIA REBOUÇAS, WAGNER TAMEIRÃO E RONALDO BARBOSA } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS

Iniciativa:

Parceria:

Patrocínio:

Realização:

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CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2014 / 2015

DANIEL BILAC

Não se trata de “um ou outro”, mas de “um e outro”. A fragilidade do papel, suporte das obras, com suas indeléveis marcas, ranhuras, dobraduras e esgarçamentos – produzidos durante a construção-manuseio da obra – colocam esses opostos em franco processo de reverberação, gerando inúmeras sobreposições e passagens. Não é simplesmente uma oposição entre a fragilidade dos diversos tipos de papel que Bilac usa e a concretude dos monumentos que representa ou mesmo entre a carga histórica da pintura e a fragilidade do papel como suporte. Mais do que isso, a operação sugere ultrapassar essa oposição mais direta para pensar em que medida a força concreta e física do monumento traz em si certa fragilidade. Onde se constroem as fragilidades do monumento? Em sua porção-ruína, em seu intrínseco coeficiente de destruição e abandono ou em sua complexa relação com o território? Ao contrário de simplificar a oposição a uma mera lógica binária, Bilac complexifica e nos convida a entrar nesse jogo.

O Memorial Minas Gerais Vale compreende o tempo presente não apenas como uma fugacidade incontrolável,

FOTO: GUTO MUNIZ

Os trabalhos de Daniel Bilac, reunidos na exposição Monumento vidraça monumento ruína, num primeiro olhar podem nos encaminhar para uma relação entre opostos, como: a fragilidade do papel e a intensa permanência dos monumentos ou o rigor da pintura e a exaustiva repetição da rasura intensificada pelas formas vernaculares da reprodução técnica da imagem com os carimbos e estênceis. Todas essas oposições binárias podem nos servir como porta de entrada para as elaboradas construções visuais de Bilac. No entanto, a potência de sua obra está justamente em complexificar essas oposições, criando verdadeiras meadas de sentido, muito mais densas e ambivalentes entre os extremos.

O Ministério da Cultura e a Vale apresentam


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