Arte folder danielladomingues

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O Ministério da Cultura e a Vale apresentam

Com uma produção que dialoga com o domínio da imagem em movimento, da fotografia, dos desenhos e também dos esquemas gráficos vindos de uma prática em design, Daniella Domingues nos apresenta as formulações de um espaço quase impossível – cheio de crítica e ironia – que se coloca na ambiguidade do modo como se constroem as espacialidades típicas dos estacionamentos. Tanto no âmbito público quanto no privado, os estacionamentos na visão de Daniella manejam significativas porções de espaço que se colocam na relação entre espaços vazios e ocupados. Apesar de parecer simples, sabemos que toda a dinâmica do poder que atua na cidade se coloca justamente em torno da simples equação entre vazio e ocupado. Por isso, a construção conceitual em torno do projeto de Daniella Domingues nos mostra um dispositivo que habita o inabitável, uma proposição hipotética de ocupar os espaços dos estacionamentos.

mas, sobretudo, como a possibilidade da constante reescritura da memória e do passado. Esse gesto faz com que o Memorial Vale amplie, cada vez mais, suas interações e seus diálogos com as manifestações artísticas contemporâneas. Por isso, mais do que apenas um espaço dedicado às tradições, origens e construções da cultura mineira, o Memorial Vale coloca em constante diálogo estas manifestações fundantes com as pulsações mais contemporâneas da arte e da cultura, favorecendo a aproximação do público com as questões que atravessam nosso tempo. Na série de exposições que compõem o Programa de Exposições 2014-2015, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, vamos trazer ao público um panorama da produção de cinco jovens artistas mineiros. A ideia central do programa é dar visibilidade à diversidade de discursos e estratégias da arte contemporânea produzida por aqui, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição. O gesto, mais uma vez, é aproximar passado e presente como forma de nos inserirmos no mundo e revelarmos nossas singularidades diante dele. www.memorialvale.com.br

FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } PRODUÇÃO: MERCADO MODERNO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, FRANCISCA CAPORALI, JÚLIA REBOUÇAS, WAGNER TAMEIRÃO E RONALDO BARBOSA } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS

A questão reverbera em outros desdobramentos, nos levando a pensar todo o intenso processo de privatização do espaço e indo mais longe nas fronteiras móveis entre público e privado. O automóvel e sua presença na vida das grandes cidades acabam por colaborar para a construção singular das espacialidades do ambiente urbano contemporâneo. Deslocar-se de carro pelo espaço ou mesmo ter que estacionar são tarefas igualmente difíceis e que podem nos fazer gastar muito tempo. Célula/Vaga, de Daniella Domingues, se coloca como uma forma de reflexão em torno dessas novas territorialidades, dando visibilidade a outras formas de perceber os múltiplos campos de força da disputa pelo espaço.

Iniciativa:

Parceria:

Patrocínio:

Realização:

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CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2014 / 2015

CÉLULA/VAGA

Os espaços da cidade e as tensões do urbano com seus fluxos e dinâmicas sociais são agenciamentos potentes que nos assediam no contexto urbano e reconfiguram nossos modos de viver. Esse conjunto de temas, típicos dos espaços urbanos contemporâneos, faz parte das questões que Daniella Domingues aciona em sua exposição Célula/Vaga – terceiro exercício expositivo em torno dos estacionamentos, os quais vêm sendo realizados desde 2013.

O Memorial Minas Gerais Vale compreende o tempo presente não apenas como uma fugacidade incontrolável,

DANIELLA DOMINGUES

CÉLULA/VAGA


ENTREVISTA - DANIELLA DOMINGUES 1. Como começou seu interesse pela arte? Meu interesse pela arte não é algo que consigo localizar no tempo. Na verdade, nunca consegui pensar em trabalhar com qualquer outra coisa, o que tem me levado a algumas decisões bastante difíceis. Escolher a arte pode ser bem complicado, dependendo do contexto. Comecei meus estudos no Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo, em 2000. Optei por Educação Artística pela possibilidade de estudar música e teatro nos dois primeiros anos. De fato, esses cruzamentos foram muito frutíferos. Aproximei-me de pessoas que me influenciam até hoje, além de serem grandes amigos. Formávamos pequenos grupos de estudo independentes, propúnhamos intervenções e mostras temporárias fora de qualquer programa de disciplinas do curso. Minha grande companheira de investigações independentes era a Priscilla Davanzo, artista com trajetória de pesquisa em performance de mais de quinze anos. Um fato importante é que éramos obcecadas com todas as propostas construtivistas - eu, em especial, com o movimento De Stijl - e então surgiu um interesse pelo design gráfico que, de certa forma, consigo localizar no tempo. 2. Essa presença do design gráfico tangencia sua produção que transita entre a intervenção e a documentação. Como você maneja com essas áreas e estratégias em sua produção? A partir de 2002 comecei a aprofundar a prática do design, o que perdura ainda hoje, tendo trabalhado em diversos estúdios em São Paulo e, como freelancer, para outro tanto de clientes. Dentro do tipo de experiência que busquei no design, sempre procurei operar em um sistema, construir uma metodologia adequada para cada situação, considerando sempre a natureza e as necessidades do objeto. Reunir o maior número possível de informações sobre o objeto ou o contexto, para só então intervir. Isso tem muito a ver com minha maneira de estruturar os projetos de arte. É claro que experimentar de perto esse processo incessante de criação de imagem e atribuição de valor influenciou muito minhas escolhas artísticas, minhas preocupações com relação ao mundo material e ao que mais colocar nele; adoto restrições, que faço questão de me impor, como regras do jogo na hora de criar. Quando resolvi me reaproximar da pesquisa artística, quatro anos atrás, tive um contato muito interessante com o artista paulista Marcius Galan em um workshop. Ele me disse: “Essa experiência com o design nunca vai sair de você, e não é problema: vai influenciar sua maneira de aproximar os objetos. Comece a ficar mais consciente disso e tire proveito. Nada se joga fora”. São esperadas do design respostas a certo tipo de problemática: visual, comercial, ergonômica, etc. Porém, quando estou operando no universo da pesquisa artística, estou adentrando a órbita da especulação, do vir a ser, das possibilidades, da elaboração de questões. Isso modifica em tudo o caráter do projeto, que tende logicamente a se afastar da função e da resposta. Não tenho, dentro do campo da arte, o compromisso de apresentar soluções.

Mais tarde, me deparei com o estudo Reestruturação urbana da metrópole paulistana: análise de territórios em transição, sobre a Zona Leste, coordenado por Raquel Rolnik. Ler aquilo foi fascinante. Consegui a partir dali tecer cruzamentos entre momentos importantes da urbanização da cidade e da trajetória de minha família que me forneceram respostas precisas acerca do que determina seu lugar na cidade. Essas dinâmicas começaram a me interessar muito, principalmente as que se explicitam por meio de deslocamento. Certas regiões – e isto pode oscilar entre centro e periferia, dependendo do momento que a região em questão vive – carregam estigmas muito fortes de pobreza e violência. Essas concepções se explicitam com o deslocamento do indivíduo oriundo de áreas estigmatizadas para os locais de urbanização dita consolidada. Acontece aí o que eu resolvi chamar de “constrangimento geográfico”. Esse constrangimento é um poderoso desarticulador e resulta numa grande dificuldade de essas pessoas desenvolverem qualquer sentimento de pertencimento à cidade como um todo. Desde então reúno notas e fragmentos sobre esses temas; manejo essas informações e percepções como meu objeto de pesquisa e vou, a partir daí, lentamente construindo minhas propostas. 4. O trabalho que você apresenta no Memorial Minas Gerais Vale é um desses processos de sistematização, levando em conta as tensões típicas do espaço urbano. Dessa vez o foco são os carros, os espaços vazios e os estacionamentos. Conte-nos sobre sua proposta. Como disse anteriormente, os fluxos da cidade sempre me interessaram. A elaboração desse projeto é o terceiro exercício expositivo em torno dos estacionamentos, que venho tratando desde 2013. Em Célula/Vaga trabalho com uma possibilidade hipotética de acesso ao espaço de uma vaga. Ao reconhecer o estacionamento como um espaço transitório, destinado apenas à guarda de bens e limitado à permanência de pessoas, o trabalho propõe, no campo hipotético, um acesso híbrido a esse espaço: possível ao abrigo e à permanência de pessoas. Não podemos nos esquecer de que um veículo, mesmo quando usado diariamente pelo seu proprietário, tende a passar cerca de 80% de sua vida útil parado. Então, na presença de um automóvel, uma vaga se torna um espaço inexistente; mas o mais absurdo da questão é que, na ausência dele, é ainda um espaço impossível… E essa presença/ausência anuladora de espaço é pouco ou quase nada questionada, tanto em via pública quanto em estacionamentos privados. Na tentativa de implantar uma célula habitável, frágil e precária, dentro de um estacionamento privado, empreendo, contraditoriamente, uma nova camada de privatização desse espaço, explicitando sua potencialidade a partir de um reforço dessa norma.

3. Seu trabalho muitas vezes parte do espaço urbano e de suas questões. Como surgiu esse interesse pela cidade e por seus fluxos? Nasci e cresci na Zona Leste de São Paulo (SP). Obviamente é uma cidade enorme e cada saída de casa para resolver qualquer coisa fora do bairro resulta em um deslocamento imenso. Durante as décadas de 1980 e 1990, vivi esses deslocamentos, sempre com muito entusiasmo e curiosidade. Qualquer evento desses sempre envolvia no mínimo uma viagem de metrô e, dependendo do destino, mais uma ou duas viagens de ônibus. Existem coisas em São Paulo que só louco faz de carro. Meu pai sempre se recusou terminantemente a dirigir até o centro e abria exceções apenas em casos essenciais, mas acho que estes nunca existiram. No final da década de 1990 os deslocamentos foram ficando maiores e mais frequentes, ao mesmo tempo que meu senso crítico se desenvolvia conforme dinâmicas sociais e espaciais que se tornavam mais claras pra mim. No início de 2002 aconteceu o Arte/Cidade Zona Leste, evento organizado por Nelson Brissac Peixoto e que tomava algumas regiões da cidade com intervenções urbanas e obras de arte. Além das intervenções que faziam parte do evento, vários grupos de artistas alugaram ou ocuparam galpões ao longo da Radial Leste, criando uma programação paralela. Foi uma experiência muito intensa, pra mim, buscar todas as intervenções, caminhar a pé por lugares onde eu só passava de ônibus ou de metrô e, também, um momento de perceber que havia muito que compreender a respeito das dinâmicas socioespaciais e da região onde vivia.

}

Daniella Domingues (São Paulo, 1982) vive e trabalha em Belo Horizonte (MG).

} Graduada em Artes Plásticas pela Escola Guignard (2012-2014), e em Artes Visuais, pelo Instituto de Artes UNESP (2000-2003). } Entre seus projetos e atividades recentes, destacam-se as exposições: Projecto Multiplo: Convocatória 1 – Red Bull Station (São Paulo, 2014); Estacionamento/parking lot - Kunsthalle São Paulo
 (São Paulo, 2013); 14ª Mostra Interna – Escola Guignard (Belo Horizonte, 2013); MARP Programa de Exposições (Ribeirão Preto, 2013); Mostra Permeabilidades – Funarte (Belo Horizonte, 2012). } Esteve nas residências Paradise AIR Short Stay Program (Tokyo, Japão, 2014), e Permeabilidades, CEIA – Funarte (Belo Horizonte, Brasil, 2012).


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