O Ministério da Cultura e a Vale apresentam
As tramas do engano, da simulação e da imagem que se desdobra formam para a exposição um conjunto de pranchas que combinam gravuras em metal, produzidas em 2013, com restos do processo de feitura das mesmas. “Os restos são retalhos de tecidos que foram utilizados na técnica do verniz-mole, para decalque dos mesmos sobre a chapa de metal. Operou-se por uma dupla prensagem: com o ferro quente, manipulavam-se dobras nos tecidos, tendo como base imagens de dobras do corpo humano; depois, com a chapa já sensibilizada pelo verniz, prensava-se o tecido contra a chapa para obter o decalque das dobras”.
que o Memorial Vale amplie, cada vez mais, suas interações e seus diálogos com as manifestações artísticas contemporâneas. Por isso, mais do que apenas um espaço dedicado às tradições, origens e construções da cultura mineira, o Memorial Vale coloca em constante diálogo estas manifestações fundantes com as pulsações mais contemporâneas da arte e da cultura, favorecendo a aproximação do público com as questões que atravessam nosso tempo. Na série de exposições que compõem o Programa de Exposições 2014-2015, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, vamos trazer ao público um panorama da produção de cinco jovens artistas mineiros. A ideia central do programa é dar visibilidade à diversidade de discursos e estratégias da arte contemporânea produzida por aqui, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição. O gesto, mais uma vez, é aproximar passado e presente como forma de nos inserirmos no mundo e revelarmos nossas singularidades diante dele. www.memorialvale.com.br
FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } PRODUÇÃO: MERCADO MODERNO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, FRANCISCA CAPORALI, JÚLIA REBOUÇAS, WAGNER TAMEIRÃO E RONALDO BARBOSA } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS
Para Marina, “o trabalho acontece nas próprias transmissões, no que se sucede pelo contato do tecido com a matriz, no entre, no que é inapreensível. O que resta desse contato é o que é possível apresentar visualmente: os tecidos desdobrados, as gravuras que captaram a dobra, colocados em diálogo nas pranchas”. Dupla-dobra, com isso, se abre para o domínio da gravura e seus processos de reprodução da imagem, bem como a sua sutil subversão. Por outro lado, nos coloca em contato com processos e potências de geração de sentidos e visualidades típicos da história da arte, especialmente em antigos processos de simulação de materiais e texturas, como o mármore, por exemplo, usados por pintores como Giotto. Marina RB, em seu trânsito pelo domínio da gravura e da reprodução de dobras, constrói passagens entre os procedimentos de impressão e seus sentidos, retomando a potência da gravura e de sua tradição na produção artística contemporânea.
Iniciativa:
Parceria:
Patrocínio:
Realização:
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CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2014 / 2015
DUPLA-DOBRA
Em obras e exposições anteriores, Marina trabalhou com costura e tecidos para tratar da memória e também com fragmentos de imagens históricas de construções para a composição arquitetônica. Trabalhando com diversos suportes como fotografia e gravura, envolvidos em processos de experimentação e pesquisa histórica, Marina parece buscar nesses projetos modos de ampliar, tanto formal quanto conceitualmente, as questões típicas da reprodução de imagens. A exposição dá continuidade a esse processo de experimentação e busca novas possibilidades para a gravura, tensionando as passagens entre original e cópia, falso e verdadeiro. Ao comentar a relação entre fotografia e gravura, Marina destaca a força e ambiguidade da palavra fingere: “atualmente tenho pensado muito na palavra latina fingere e suspeito que ela abarque essa relação. Fingere aponta tanto para a noção de manipulação com as mãos quanto para a manipulação conceitual. Talvez uma tradução dessa palavra para o português seja “forjar”: a forja do metal, a forja do engano”. É na articulação desse conjunto dinâmico de referências e repleto de experimentação com materiais, procedimentos e técnicas que Marina recobre de fabulação e invenção a dimensão histórica da gravura e de sua tradição.
mas, sobretudo, como a possibilidade da constante reescritura da memória e do passado. Esse gesto faz com
MARINA RB
As obras que Marina RB apresenta na exposição Dupla-dobra nos mostram processos de reprodução típicos da gravura que convocam, por sua vez, diálogos e atravessamentos de questões da história da arte.
O Memorial Minas Gerais Vale compreende o tempo presente não apenas como uma fugacidade incontrolável,
FOTO: GUTO MUNIZ
REBATIMENTOS, SIMULAÇÕES E DES(DOBRA)MENTOS
ENTREVISTA - MARINA RB 1. Como surgiu o interesse pela gravura? Tive contato com a gravura na Escola de Belas Artes da UFMG, quando fiz uma disciplina obrigatória do curso de graduação com a Profa. Daisy Turrer. A partir de então fiquei muito interessada pelo campo da impressão e por suas possibilidades. Optei por essa linha na Escola, tendo frequentado por alguns anos o ateliê de gravura da EBA/UFMG, sob a direção do Prof. Clébio Maduro, muito fascinada pelos processos, materiais e possibilidades de reprodução. Como procedo frequentemente por fascínio, foi muito importante para mim esse período de formação. Ele acabou por consolidar um plano de conhecimento dos materiais e práticas que perpassam os trabalhos que faço também em outros meios, como as instalações e vestimentas. 2. Como você relaciona gravura e fotografia em seus trabalhos? Atualmente tenho pensado muito na palavra latina fingere, e suspeito que ela abarque essa relação. Fingere aponta tanto para a noção de manipulação com as mãos quanto para a manipulação conceitual. Talvez a tradução dessa palavra para o português seja “forjar”: a forja do metal, a forja do engano. Acredito que tanto a esfera da gravura quanto aquela da fotografia se relacionam com essas manipulações, da mão e da mentira. No entanto, essa qualificação do que seria falso não é pejorativa, mas, sim, de uma potência tamanha. Tanto a fotografia quanto a gravura clássicas lidam com a noção de verdade, de fidelidade ao original, seja pela matriz que se reproduz por contato, seja por ter tido contato com o fato verdadeiro, em realidade, e tê-lo registrado em um clique. No entanto, ambos os campos lidam, desde seus princípios históricos, com a manipulação que permite fraudar o original quando da sua reprodução. Isso é maravilhoso, pois joga por terra a noção de verdade unívoca, de original, de hierarquia, trazendo mundos possíveis que são imaginários, que são forjados, que são inventados sem precisar lidar com um modelo de realidade. Isso é o fingere, para mim, sendo um conceito que permite articular as noções de realidade e ficção, cópia e original, sem necessitar de dicotomias ou exclusões. A gravura e a fotografia são campos que lidam com esse estatuto.
FOTOS: GUTO MUNIZ
3. Seus trabalhos transitam, frequentemente, por diversos suportes, estratégias e técnicas, muitas vezes colocando em jogo justamente seus limites e possibilidades. Em Nuova Architettura (Centro Cultural da UFMG, Belo Horizonte, 2014) você mostrou fotografias e, no final da exposição, uma performance que reconfigurava tanto a superfície de seu corpo quanto o próprio espaço expositivo. De onde surgiu a ideia da performance? Como você relacionou fotografia e performance? Como, naquela exposição, os suportes e o espaço expositivo se relacionaram? A performance foi gerada no próprio processo de construção daquele espaço. Desde quando comecei a organizar a exposição, estava com o desejo de trabalhar uma ação. Porém, foi com a própria montagem do espaço expositivo, que exigiu muito esforço físico e imersão, que ela se configurou, de forma muito ligada à própria prática. As cenas para as fotografias apresentadas foram feitas apenas para a fotógrafa ali presente, a colega Luísa Horta, sem que fossem registro de uma performance. Talvez se aproximassem mais de uma fotoperformance: montar uma cena e fotografá-la para expô-la em outro contexto. Uma vez em outro contexto, a fotografia impressa se insere em um espaço transformado, cuja textura reflete aquela da veste e do corpo da figura presente na fotografia. Há, assim, uma lógica de rebatimento de situações, materiais e texturas. Assim também acontece com os suportes, pois é dessa forma que se remetem uns aos outros: da construção da figura fotografada à fotografia; da montagem da fotografia no espaço à performance que modifica o espaço e o corpo. O processo todo se iniciava em uma modificação do corpo, uma forja de afresco em grisalha, depois se transformava em uma fotografia de um corpo que se pretendia escultura e era materialmente retomado no espaço a partir do material do gesso. Foi inevitável devolver o corpo àquele espaço, destruí-lo, modificá-lo, com o corpo também modificado e levado ao pó; também fugaz, também montagem, também forja. Frágil e forte ao mesmo tempo. 4. Em Dupla-dobra, exposição apresentada aqui no Memorial, você retoma procedimentos utilizados em La madonna del latte, obra apresentada no projeto “Memória da casa de dentro e de fora” (EXA, Belo Horizonte, 2013), como decalcar retalhos com verniz em chapas de gravura. De onde partiu a ideia para esses experimentos com a gravura e os tecidos? Como você retomou esse procedimento para realizar as obras de Dupla-dobra? Na época do Memória, que foi um projeto organizado por Sylvia Amélia e Rosa Maria Unda Souki, eu estava
em um período que tinha necessidade de produzir individualmente, após muitos trabalhos coletivos. Voltei-me então para meu ateliê e acabei por observar os vários retalhos que tinha herdado de minhas avó e bisavó, que costuravam. Fui a única neta que se envolveu com esse ofício, tendo herdado todos os retalhos, caixinhas e pequenos pedaços dos ateliês de costura. Afinal de contas, era isso o que tinha me levado à Escola de Belas Artes. Então, quis trazer de volta esse universo que havia esquecido durante o período de graduação, aquele da modelagem e da costura. Foi assim que juntei as dobras de corpo humano que havia fotografado em close, com os tecidos manipulados em dobras para produzir gravuras através de decalques dos mesmos. Após prensá-los, o que faz parte do processo técnico de verniz mole, comecei a reparar e dar muita atenção ao que era o descarte do próprio processo: os retalhos de panos dobrados e marcados com o verniz escuro. Pensei que tinha algo ali, então fui guardando esses retalhos, que acabaram por entrar na montagem de Dupla-dobra, juntamente com as gravuras finalizadas. 5. Tanto em Nuova Architettura quanto em Quem não cuida de si, que é terra...erra (Galeria da CEMIG, Belo Horizonte, 2011), exposição com Hortência Abreu, parece que as obras remetem à história da arte, com seus tratados e desdobramentos. Como essas questões vindas da história da arte habitam sua produção? Existe uma motivação ligada à pesquisa histórica? A história da arte de fato habita e motiva minha produção, desde o primeiro trabalho que considerei um conjunto, Architettura (2010), que foi exposto com Hortência Abreu. O processo dessa série se relaciona com minha forma de lidar com as imagens advindas da história da arte. Quando fiz as gravuras de Architettura, tinha acabado de regressar de um intercâmbio acadêmico no qual cursei uma disciplina de história da arte medieval. Dez séculos em um semestre, com muitos fascínios. Quando voltei, acabei por começar a desenhar portais fictícios que misturavam elementos de diferentes períodos e lugares, mas os organizando de forma que aparentavam ser algo existente em algum canto do real. As pessoas me perguntavam onde eu tinha visto aqueles portais que desenhava, de fato. Talvez seja dessa forma que eu lide com a história da arte, de maneira a modificá-la, reorganizando seus elementos de maneira não cronológica, fazendo uma releitura de suas imagens, relacionando-as com o contemporâneo, em extremo contato com suas existências no presente e sem depender exclusivamente de que as pessoas associem de onde vêm as referências. Virtù (2012), que são as fotografias que compuseram Nuova Architettura, também partem, principalmente, mas não exclusivamente, de elementos medievais: trata-se do primeiro estrato de afrescos da Cappella degli Scrovegni, em Pádua, de Giotto di Bondone. Assim também a Madonna del latte, que parte de um fascínio com uma luneta datada do século X, da Igreja de San Rufino, em Assis. Não ignoro os estudos feitos em torno dessas imagens, me interesso também por sua parte histórica, mas trabalho com elas mais porque elas me fascinam, porque elas passam a me habitar. A motivação com imagens históricas é total, pelo mistério que elas contêm.
} Marina RB (Belo Horizonte, 1989) é graduada em Gravura pela Escola de Belas Artes (UFMG, 2011) e mestranda na mesma instituição (2013-). } Já realizou residências artísticas e, entre as suas principais exposições, destaca-se Nuova Architettura, individual no Centro Cultural da UFMG (Belo Horizonte, 2014). No encerramento da exposição a artista apresentou a performance Effigies/Figura/Fingere/Effingere. } Entre as coletivas, destacam-se O estado do real (Espaço não institucional, Belo Horizonte, 2013), Memória da casa: de dentro e de fora (Espaço Experimental de Arte – EXA, Belo Horizonte, 2012) e Formandos 2011/1 (Galeria do Centro Cultural da UFMG, Belo Horizonte, 2011). } Com a artista Hortência Abreu compartilhou Quem não cuida de si, que é terra, ...erra (Galeria de Arte da Cemig, Belo Horizonte, 2011).