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O Ministério da Cultura e a Vale apresentam

TEMPO PRESENTE, EM COLAPSO O Memorial Minas Gerais Vale compreende o tempo presente não apenas como uma fugacidade incontrolável, mas, sobretudo, como a possibilidade da constante reescritura da memória e do passado. Esse gesto faz com que o Memorial Vale amplie, cada vez mais, suas interações e seus diálogos com as manifestações artísticas contemporâneas.

A delicada série de aquarelas Cinza Fluorescente, de Walter Gam, aproxima de forma poética as complexas tramas que ligam tempo, história e memória. Envolvidas nessa trama, as imagens de antigos prédios, quase monumentos, instauram um jogo de sentidos, sutil e silencioso, criando uma espécie de fresta de onde podemos observar, de forma enviesada, vestígios da modernidade que apontam para seus fracassos.

Por isso, mais do que apenas um espaço dedicado às tradições, origens e construções da cultura mineira, o Memorial

Apesar da grandiloquência espetacular das construções, Gam, em suas aquarelas, acaba por mostrá-las em um tom mais baixo, quase como um sussurro, nos remetendo para as potentes ações do tempo presente e as múltiplas ressignificações típicas da contemporaneidade. Por isso, se, de um lado, nos remetem aos universos do poder, à imperiosa hegemonia construtiva do concreto armado, às impactantes formas visuais geradas pela política e ao sentido coletivo dos monumentos de marcar os territórios, de outro, a própria técnica da aquarela, a predominância rígida (e austera) da escala de cinza, a ausência de contextos (e às vezes até de chão) e a escala das imagens em formato menor acabam por dar aos prédios um tom de abandono, esboçando certa melancolia de algo que se perdeu. Tudo isso tensiona e potencializa a especificidade da aquarela, que assume um modo de representação distante tanto da crueza dos edifícios e de toda racionalidade que eles desprendem, quanto dos atuais modos tecnológicos de produção imagética, dando novos sentidos para as imagens pela técnica.

Artistas Mineiros, vamos trazer ao público um panorama da produção de cinco jovens artistas mineiros. A ideia

Em torno dessa pluralidade as aquarelas nos remetem a nosso tempo presente e a seus passados e futuros. Tudo no plural, para deixar evidente que cada presente aponta para um passado e um futuro, um jogo entre as temporalidades, que nos faz alterar nossos modos de pensar e desejar o futuro. As construções nas aquarelas de Gam e os indícios da complexa realidade social e política que elas apontam nos convocam a pensar sobre as formas utópicas que habitaram o imaginário típico da modernidade: estar sempre adiante. Nessa visão, o tempo presente é uma espécie de empecilho para a redenção do progresso que o futuro nos traria. Essas construções que Gam nos mostra parecem apontar para certo futuro brilhante e luminoso, que se perdeu. Um traço utópico fez com que se construísse algo para mostrar que o futuro já havia começado, a ideia de adiantar o futuro. O colapso talvez seja fazer com o que presente dure (desde já até o futuro), tornando o tempo presente denso.

} REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } PRODUÇÃO: MERCADO MODERNO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, FRANCISCA CAPORALI, JÚLIA REBOUÇAS, WAGNER TAMEIRÃO E RONALDO BARBOSA } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS

Vale coloca em constante diálogo estas manifestações fundantes com as pulsações mais contemporâneas da arte e da cultura, favorecendo a aproximação do público com as questões que atravessam nosso tempo. Na série de exposições que compõem o Programa de Exposições 2014-2015, selecionadas pelo Edital para Jovens central do programa é dar visibilidade à diversidade de discursos e estratégias da arte contemporânea produzida por aqui, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição. O gesto, mais uma vez, é aproximar passado e

FICHA TÉCNICA

É na densidade desse tempo presente, típico da modernidade, que essas imagens parecem nos perguntar: qual seria o correspondente de tudo isso hoje em dia? Construiremos algo para adiantar nosso futuro? Como faremos as devidas ligações, hoje em dia, entre presente e futuro? Certamente essas perguntas nos endereçam para o modo como, atualmente, experimentamos o tempo. Longe do traço utópico, típico da modernidade, talvez, o futuro hoje tenha perdido sua abertura e seu devir, para tornar-se pura programação e controle. Walter Gam não deixa claro onde se localizam esses edifícios ou quais são seus países de origem. Assim como a própria ideia de futuro, territórios e lugares também se perdem (como afirma Gam: “é o contrário do turismo”), deixando uma abertura para a fabulação. A potência fabuladora desse gesto nos serve para, na urgência de um tempo presente inundado de imagens e trocas simbólicas globais, nos indagarmos sobre o que construiremos agora para o nosso futuro: monumentos ou ruínas?

Iniciativa:

Parceria:

Patrocínio:

Realização:

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CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2014 / 2015

CINZA FLUORESCENTE

www.memorialvale.com.br

WALTER GAM

presente como forma de nos inserirmos no mundo e revelarmos nossas singularidades diante dele.

FOTO: GUTO MUNIZ

Por monumento, no sentido mais antigo e original do termo, entende-se uma obra criada pela mão do homem e elaborada com o objetivo determinante de manter presentes na consciência das gerações futuras algumas ações humanas ou destinos (ou a combinação de ambos). Alois Riegl


ENTREVISTA – WALTER GAM 1. De onde começou o processo de desenvolvimento das obras da exposição? Como foi o processo de criação?

aqui vem mais como contraste de um olhar externo [localizado a uma vasta distância dessas experiências] e que se depara, por exemplo, com alguma variante do brutalismo. A linha que define cada um desses lados é mais permeável do que tênue. Por isso, prefiro acreditar que na maioria dos casos a invenção apontava para algum futuro, ainda que sob uma espessa camada ilusória.

Acho que o começo aconteceu ao me lembrar dessa frase do Samuel Beckett, ‘não somos daqui, somos só deste século’. Porque ele limita nosso raio de ação a um período contido entre 100 anos. E ao definir o tempo como referencial, o lugar se torna secundário. Assim os espaços são homogêneos, qualquer território tem o mesmo valor que outro.

5. As obras parecem dinamitar os conceitos de lugar e território. A quais lugares ou territórios suas obras remetem?

Paralelamente a isso me interessavam a arquitetura relacionada às heranças do modernismo, o contraponto soviético e as tentativas de se aproximar do amanhã. Também me parecia importante olhar para as últimas décadas e encontrar agora o ‘futuro de ontem’, às vezes num estado perecível, sem correspondência com o plano original. 2. Como você relaciona as dimensões do tempo nas obras que compõem a exposição? Há um traço cronológico de 100 anos (1914-2014) em que todas as construções foram realizadas. Mas eu entendo esse recorte como uma arqueologia que se justifica ao ser espelhada adiante. Vejo o conjunto dessas pinturas de modo esparso, mas interligado quando rebatem o que se dimensiona como ‘mito do progresso’. Não entendo a sobreposição das décadas como uma escada que subimos e construímos num só passo. Frequentemente nos enganamos e pensamos que o presente seria esse ápice, esse último degrau. Mas o chão pode ser instável. E o que garante que a direção certa é para lá? Ou apenas para lá? De quantas maneiras uma escada pode ser usada? 3. Existe um traço narrativo em Cinza Fluorescente? Talvez através das aspirações, de um desejo comum que despontava desde diferentes frentes, entre regiões muito distantes. E isso leva a um aspecto quase ficcional porque muito do que foi erguido se parecia pouco com o que existia até então. É claro que quase todas as imagens que escolhi foram realizadas em concreto armado [uma inovação técnica para o período], o que também cria uma unidade formal. Mas essa vontade fundadora é o que mais me interessa como narrativa, independentemente dos desdobramentos e do sucesso desses projetos. Eles são [ou foram] tentativas de romper ou modificar seu tempo, seu contexto. Por isso a ideia de fluorescente no nome das aquarelas.

FOTOS: GUTO MUNIZ

Outro dia encontrei esse trecho do W.G. Sebald: “Desde o início, toda civilização humana não foi mais que uma incandescência que cresce hora a hora de intensidade, da qual ninguém sabe dizer até que grau aumentará e quando começará a minguar progressivamente. Por enquanto, nossas cidades ainda brilham, ainda se espalham os fogos ao seu redor”. 4. As obras apresentadas mostram fragmentos de edifícios que misturados a outros formam quase uma narrativa da modernidade e de seus fracassos, montam uma tensão entre utopia e distopia. Em qual dos dois extremos você localiza esses edifícios-monumentos? O filtro que usei para escolher essas obras buscava mais um esforço utópico ou uma precariedade dessas utopias do que lugares que tivessem um uso, uma função decididamente distópica. A distopia

Penso em uma perspectiva dissidente, que se descola do continente e prefere ser insular. A surpresa que essas construções me dão se relaciona com um tipo de autonomia que foge do nosso dicionário. A linguagem delas traz algo raro, peculiar. Porque em geral foram deixadas à parte. Tenho a sensação de que elas existem em algum lugar que não tenha nome ou endereço. Não basta dizer que aquela obra fica na Moldávia (ou em qualquer país), porque não há lugar para elas dentro do que se constrói como uma imagem da Moldávia [se é que temos alguma]. Seria o oposto do turismo. 6. Em sua trajetória podemos ver o desenvolvimento de obras em diversos suportes, técnicas e estratégias. O que o levou a escolher a aquarela para o desenvolvimento de Cinza Fluorescente? Até então nunca tinha pensado em um volume de obras ou uma série que viesse através da pintura. Mas nesse tema havia uma possibilidade evidente e bastante irônica, pelo menos para mim, que surge quando pensamos em sustentar todas essas construções a partir de camadas de água e algodão (o papel). Diante de tanto concreto armado e do peso histórico (além do físico) há um contraponto. Acho que essa ideia sobre os materiais foi conduzindo o caminho.

} Walter Gam (Belo Horizonte, 1983) é graduado em Artes Plásticas pela Escola Guignard (2006), com especialização em desenho e fotografia. Participou de exposições coletivas como Abre Alas (Galeria A Gentil Carioca, Rio de Janeiro, 2012), Tristes Tropiques (The Barber Shop & Novo Museo Tropical, Lisboa, 2010) e Ciutats Intervingudes (La Capella, Barcelona, 2010), entre outras. } Realizou ainda a exposição individual Pavilhão das Lebres (Paço das Artes, São Paulo, 2012). } Foi finalista do evento de arte pública Centro Abierto (Lima, 2010) e em 2009 foi residente no projeto Idensitat, em Barcelona. } Walter Gam publicou os livros de poesia Ambiente, pela Cosac & Naify (2009), e Variações de um movimento íntimo (2003), como resultado do prêmio-publicação concedido pela revista Cult, no ano anterior. Esteve em diversas outras publicações no Brasil e exterior, como a revista Boulevard Magenta (Irish Museum of Modern Art, Dublin, 2010); além das antologias A poesia andando (Portugal, 2008) e Escuela Brasileña de Antropofagia (México e Chile, 2011-2012).


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