As fotografias, os vídeos e impressões que Victor Galvão nos mostra na segunda exposição do edital 2016 para o Ciclo de Exposições de Jovens Artistas Mineiros são um instigante conjunto de paisagens construídas pela força da experimentação com processos analógicos. Expostos à lógica do acaso pela natureza de seus processos e pela investigação experimental de suas potências, os suportes analógicos da fotografia ganham uma centralidade nas imagens produzidas por Galvão. Se os registros das paisagens em rigoroso preto branco em alguns momentos são precários, rasurados e cheios de ruídos, revelam ainda o vigor da investigação em curso que inclui tanto a questão técnica do esgarçamento dos suportes quanto as deambulações pelo espaço e a investigação conceitual sobre a história da fotografia. Predominam estruturas industriais que se mostram desprovidas dos clichês imagéticos do progresso ou inusitadas imagens e documentos de uma viagem que sugerem uma narrativa latente. No entanto, a qualidade ruim das imagens pouco nítidas parece apontar para a catástrofe e o abandono, assim como para as lacunas e os vazios ainda mais ativados pela ausência de precisão nos documentos das possíveis narrativas. Poéticas e rigorosas em suas composições, as imagens de Victor Galvão nos convocam a refletir sobre o sistema contemporâneo das imagens, principalmente para uma espécie de retomada dos suportes analógicos e de seus típicos descontroles e acasos, no mundo dominado pela estranha perfeição do ambiente digital.
Além de dar destaque para as manifestações da cultura ligadas à memória e à tradição, o Memorial Minas Gerais Vale ainda ativa as potências do contemporâneo como forma de dar sustentação e circulação ao legado do passado. Esse gesto aproxima e coloca as dimensões do tempo em um jogo, no qual passado e presente se entrecruzam nas dinâmicas das muitas manifestações da arte e da cultura. O Programa de Exposições 2016, selecionadas pelo Edital para Jovens Artistas Mineiros, é um desses gestos que aciona a produção artística contemporânea, dando visibilidade a artistas emergentes. Nessa temporada, quatro exposições revelam o vigor da produção artística emergente. A ideia central é dar espaço para a diversidade de discursos, práticas e estratégias da arte contemporânea produzida em Minas Gerais, garantindo aos jovens artistas boas condições de exposição e de visibilidade. www.memorialvale.com.br Iniciativa:
Patrocínio:
FICHA TÉCNICA } REALIZAÇÃO: MEMORIAL MINAS GERAIS VALE / GESTOR: WAGNER TAMEIRÃO } MONTAGEM: GUILHERME MACHADO } DESIGN GRÁFICO: AD10 COMUNICAÇÃO } SELEÇÃO DAS EXPOSIÇÕES: EDUARDO DE JESUS, WAGNER TAMEIRÃO E MARIA ANGÉLICA MELENDI } COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS: EDUARDO DE JESUS
Parceria:
Realização:
MINISTÉRIO DA CULTURA
O Ministério da Cultura e a Vale apresentam
Ao lidar com a paisagem, as imagens técnicas, como a fotografia, o cinema e o vídeo, assumem outras relações com o real. Se, por um lado, como Roland Barthes nos mostrou, existe nelas uma intensa ligação com o referente, na contemporaneidade, por outro lado, a articulação das imagens em suas complexas circulações acaba por dar novas densidades e funções à indicialidade da fotografia.
CICLO DE EXPOSIÇÕES MEMORIAL MINAS GERAIS VALE 2016 / 2017
As paisagens habitam nosso imaginário e assumem formas distintas nas mais diversas manifestações da arte. Desenhos e pinturas consagraram as visões que primeiro tentavam ser fidedignas ao real, enquadrando composições que formaram, ao longo do tempo, a tradição da paisagem. É claro que essa mesma tradição pelos próprios desenvolvimentos da arte acabou assumindo novas formas com outras intensidades.
VICTOR GALVÃO
Jean François Lyotard
HORIZONTE-INSTABILIDADE
Haveria uma paisagem, de cada vez que o espírito se deslocasse de uma matéria sensível para outra, conservando nesta última a organização sensorial conveniente ou, pelo menos, a sua lembrança. A Terra vista da Lua pelo terráqueo, o campo visto pelo citadino, a vila pelo agricultor. A desorientação seria uma condição da paisagem.
10 DE SETEMBRO A 13 DE NOVEMBRO / 2016
PAISAGENS INSTÁVEIS
ENTREVISTA – VICTOR GALVÃO 1. Como você vem construindo seu arquivo de imagens? Como essa prática começou e como repercute em seus trabalhos? A ideia de estruturar alguns de meus trabalhos pela lógica do arquivo ocorre à medida que minhas pesquisas passam a se orientar, para além das imagens em si, pela noção de narrativa. Esse formato permite, para mim, pensar os projetos em um tempo expandido e dinâmico, permitindo reconfigurações constantes de seu conteúdo. Esse pensamento se inicia a partir do projeto vapor ferro chão, que constitui uma catalogação sem critérios bem definidos de paisagens urbanas e industriais que conotam uma sensação de instabilidade. Esse trabalho não tinha em vista uma conclusão, mas a possibilidade de, a partir dele, estruturar narrativas que se relacionam por um núcleo temático comum. Os elementos que constituem essas imagens remetem à estética da modernidade e da ideologia do progresso, baseando- se numa figuração inespecífica quanto aos tempos e lugares retratados. Ao associar essa qualidade das minhas fotografias com outras imagens que encontrei ao longo desse processo, percebia que a relação entre documento e ficção podia ser muito fluida. A indefinição - que é própria da minha forma de produzir imagens - é aquela mesma das fotografias encontradas e, desta forma, todas elas coexistem num mesmo campo subjetivo. E nesse conjunto de cenas, em que se relacionam por sua incompletude, se estabelece o que eu entendo como um arquivo em constante desenvolvimento, que não se define em parâmetros objetivos, mas por uma desordem que possibilita intercruzamentos de elementos díspares, sejam temporais ou espaciais. 2. Como você se relaciona com as técnicas, os suportes e processos da produção imagética em foto e vídeo? Existem, para mim, qualidades conceituais e poéticas que são inerentes aos suportes com os quais trabalho. A vulnerabilidade material da película fotográfica possibilita uma forma de registro não apenas no interior da imagem, mas na superfície que a contém. Esses registros ao acaso, imprevisíveis, são consequentes de diferentes formas de atrito a que é submetida a materialidade físico-química do filme, na qual se transcrevem os estados de fragilidade das narrativas que estabelecem. Minha intenção ao produzir fotografias a partir de um processo aberto a intempéries é dar atenção à sua superfície, sua opacidade, a que se deixa ver através, mas também obstrui o olhar. Cada imagem é um abismo a que se sobrepõe uma série de camadas de significação que mediam seu interior e exterior. Mas esse processo caótico exige uma negociação constante com o acaso, pois a margem de erro permitida pela fotografia é muito estreita. Ao longo do tempo fui desenvolvendo critérios específicos para produzir fotografias que quase dão errado por completo, desde a escolha do filme ao momento da captura e do processo de revelação. É no mínimo irônico trabalhar a partir de uma metodologia que busca o erro como resultado, mas esse simulacro carrega precisamente um questionamento sobre a autonomia da imagem e o caráter indiciário e documental da fotografia. Quanto aos trabalhos em vídeo, essas mesmas questões estão também muito presentes, pois também recorro a meios de produção que sejam tecnicamente instáveis ou à apropriação de imagens cujo conteúdo não é muito claro. O vídeo diz respeito, ainda, à possibilidade de desenvolver muito diretamente o caráter narrativo de uma série fotográfica, como é o caso de Erosão e Manifold. Nesses trabalhos se apresenta a noção de que a disposição de fotogramas ao longo de um filme já possui um caráter cinematográfico, na forma como define um sequenciamento de planos como uma narrativa, em que as imagens se apresentam dispostas no tempo, em alternâncias entre revelação e ocultamento. E no vídeo é muito importante o
protagonismo da linguagem verbal, pois a leitura está sempre muito presente em meus processos de pesquisa, e pela escrita é possível trazer outras densidades que não se manifestam por imagens. 3. Qual é a relação entre as imagens que você produz e as questões ligadas ao tempo? Elas pretendem acionar outras temporalidades? O tempo é definitivamente um dos elementos mais importantes no conjunto de meus trabalhos, ainda para além do que apresento nesta exposição. As narrativas descritas por minhas imagens tratam de uma abordagem existencial sobre as perdas que são inerentes à passagem do tempo. E nelas busco articular o tempo entendido de diferentes formas, pelo aspecto social e histórico ou como índice da progressão da entropia do universo. Na dinâmica ambígua entre ficção e documento dessas imagens, seu estado de degradação se refere de forma análoga às relações entre entre memória e esquecimento, no plano subjetivo, e entre construção e destruição, no espaço concreto. Seu tempo é suspenso, incerto e incoerente. A justaposição de imagens produzidas atualmente e outras já muito antigas descreve uma continuidade de eventos incompatível com a realidade, mas que funciona a partir de signos visuais muito bem definidos. Existe, nesses trabalhos, sim, a intenção de descrever outra temporalidade, em que convivem o pré e o pós moderno, em que o estado de precariedade é o mesmo de uma industrialização latente ou decadente. Configura uma arqueologia ou premonição de um tempo distópico, mas que não deixa de ser uma projeção do presente.
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Victor Galvão (Belo Horizonte, 1994)
Cursando Artes Visuais com ênfase em Desenho na Escola de Belas Artes da UFMG, Victor Galvão tem uma atuação que se desdobra pelo domínio das imagens técnicas – fotografia e vídeo – e também pela música. }
Entre suas exposições destacam-se:
Bienal 1 Universitária de Arte (Belo Horizonte, 2012), Mostra! Exposição dos alunos da Escola de Belas Artes UFMG (Belo Horizonte, 2013), Deriva 7 (Belo Horizonte, 2013), Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia (Belém, 2014), Turvas Narrativas (Nova Lima, 2014), Diversidad Sexual (Universidad de Guanajuato, México, 2015), Estruturas de Atrito (Contagem, 2016), Coloque um título aqui (Belo Horizonte, 2016). }
Em 2016, participou dos seguintes festivais de audiovisual:
Videoformes (Clermont-Ferrand, França), Les Irrécupérables (Paris, França), Images Contre Nature (Marseille, França), Proyector (Madrid, Espanha), Festival Internacional de Curtas de São Paulo e Festival Internacional de Curtas Belo Horizonte. }
Ainda desenvolveu trilhas sonoras para:
U: Réquiem para uma cidade em ruínas (2016), longa metragem, de Pedro Veneroso; Siso (2016), vídeo, de Randolpho Lamonier; Não me aborreça (2015), peça de teatro, de Marcus Nascimento; Diários em Combustão (2014), vídeo, de Randolpho Lamonier.