Capela da serra Natal 2014

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“Natal Peregrino”

CAPELA DA SERRA Celebração de Natal

Jundiaí, 14 de dezembro de 2014

PREGREGRINAÇÃO Recital:

José:

[Texto de Zabdiel Ramos Torres, México]

[Liséte Espíndola]

Sonhos rotos, frustração, desespero. Por quê? Como? Para quê? Tanto peso e tanta responsabilidade sobre estes ombros que já não são tão fortes! Angústia, desassossego, indecisão. Mais sonhos: anjos e instruções. Por que eu? Por que comigo? Sem entender tantas coisas devo tomar decisões que implicam graves consequências. Adeus, comodidade. Adeus, vida simples. Adeus vida superficial e sem preocupações. Daqui para frente, um compromisso do qual dependem suas vidas e nosso reconhecimento como uma família. Ele Salvará. Um menino, um filho... ela, tão jovem e... agora devo leva-los a Belém. Ainda que quisesse, não podemos escapar a esta ordem dos romanos opressores. E por que justo agora quando Maria está a pondo de dar a luz? Quando por fim teremos paz? Quando nos tratarão com dignidade? Quando haverá justiça para nós em nossa própria terra? Temor. Insegurança. Belém, a cidade de Davi. Uma longa viagem através de um caminho incerto e cheio de perigos. Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó: vem e percorre conosco este caminho; acompanha-nos durante o percurso e dá-nos a força necessária para chegar sãos e salvos ao destino que nos há proposto. Se tu vieres comigo —conosco—, eu irei. Um menino, Teu Filho, Jesus. Um Menino, também meu filho.

NATAL Anjo:

♫ Gloria in excelsis:

[Lucas 2.14; Zabdiel Ramos Torres, México]

Glória a Deus nos altos céus Paz na terra a todos que Amamos ao Senhor


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Pastor:

[Texto de Luiz Carlos Ramos, Brasil]

Não, moço. Não foi uma noite tão feliz. Fazia frio. O vento cortante feria os lábios, ressecava os ossos. Os que vieram recensear-se, abrigavam-se como podiam. Não era tanto por maldade que os moradores do lugar não ofereciam hospedagem. É que eles mesmos viviam tão modestamente, que era com dificuldade que tapavam as frestas e aninhavam-se em seus casebres. Ademais, era muita gente de uma só vez na provinciana e pacata Beth-Lehem. Eu estava ao relento, sob as estrelas de um céu gelado-escuro, como de costume. Não, não. Não é que eu seja uma criatura soturna, boêmia ou romântica. Sou só um pastor. Isto é, sou sem-teto, sem-terra, sem educação, sem-eira-nem-beira… Cuido de ovelhas, só isso — esses animais frágeis e melancólicos, quase tanto quanto eu. A noite era como muitas outras — porque, na verdade, tudo é igual, a gente é que é sempre diferente. Havia estrelas, havia vaga-lumes, havia sons ao longe: mugidos, latidos, choro de criança… Na mesmice do balanço das árvores, aconteceu alguma coisa diferente aos meus olhos. De repente, as estrelas de sempre pareciam brilhar mais que o normal. Meus ouvidos sintonizaram um choro de recém-nascido. As folhas das árvores pareciam música angelical. Os pirilampos pareciam brilhar gloriosamente. Continuei a caminho do aprisco. As ovelhas, sem perguntar nada, me seguiam tranquilas e pacientes. O choro de criança ficava mais forte, e pude perceber de onde vinha. Uma dessas famílias-sem-nada havia ocupado uma das grutas onde os animais se abrigavam, e ali disputavam aconchego junto a bois e jumentos. O pai tinha o rosto sulcado pelo suor, e franzido pelo trabalho rude. A mãe parecia mais a irmã do recém-nascido, tão jovenzinha. No rosto, a perplexidade de quem contempla o maior dos mistérios: a Vida. Nos lábios, o sorriso tímido. Nos olhos marejados, as gotas salgadas que transbordavam daquelas janelas da alma. Entrei devagar, quase solene. Tudo era tão igual, mas ao mesmo tempo tão radicalmente diferente. Era como se eu não fosse eu. Meus olhos viam o que jamais haviam visto. Meus ouvidos se encantavam com sons tão corriqueiros, como se os ouvissem pela primeira vez. Ajoelhei-me, porque me dei conta de que estava diante do mistério da Vida. Chorei, porque tudo era tão singelamente fantástico. Orei, porque, naquele momento, percebi que estava face-a-face com o Sagrado que habita o cotidiano. Não. Não foi uma noite tão feliz. Continuava frio. O cheiro de esterco ainda era forte. A palha pinicava o recém-nascido. As roupas da mãe estavam sujas de sangue. Eles, como eu, continuavam sem teto, sem agasalho, sem nada. Choravam sorrindo. Sorriam chorando. Tudo era exatamente igual. A única coisa que já não era a mesma éramos eles e eu. Porque nossos olhos viam não uma noite feliz no céu, mas o amanhecer de um novo dia de paz na terra.

Anjo:

♫ Gloria in excelsis:

[Lc 2.14; Zabdiel Ramos Torres]

Mago:

[Texto de Luiz Carlos Ramos, Brasil]

Glória a Deus nos altos céus Paz na terra a todos que Amamos ao Senhor Numa época de trevas, quando todos andavam cabisbaixos e desesperançados, estranhos viajantes contemplavam o céu. Seus olhos vasculhavam a escuridão infinita enquanto seus queixos apontavam o horizonte. Um pequeno ponto luminoso na vastidão tornou-se razão suficiente para uma longa jornada. Partiram do Oriente. Olhos nas estrelas, pés na estrada… rumo ao horizonte. — Que haverá no horizonte? Quando lá chegavam descobriam a resposta: — Outro horizonte! O povo continuava a viver em trevas, enquanto os viajantes seguiam guiados pelos pequenos pontos luminosos naquele mar de escuridão. Tanto andaram que um dia chegaram. Tinham diante de si a porta entreaberta de um casebre. Com aqueles olhos acostumados a procurar luz na escuridão, entraram na casa escura.


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Lá estavam… duas contas brilhando no meio das trevas. Aproximaram-se. Era Ele! Deus! Mas com olhos de menino… brilhando no meio da noite. Deram-lhe presentes. Deus brincou com eles. Voltaram felizes porque brincaram com Deus. Diz-se que, desde então, aqueles viajantes também se tornaram meninos; e que quando voltaram para o seu povo, que ainda vivia nas trevas, seus olhos também brilhavam, cada vez mais intensos como estrelas ao anoitecer… … porque tanto mais escura a noite, mais brilham as estrelas. E o povo que andava em trevas foi iluminado, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz. ♫ Responso e ofertório:

[Isaías 9.2; Liséte Espíndola]

E o povo que andava em trevas foi iluminado, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz.


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FUGA Soldado Romano:

[Texto de Dan González Ortega, México]

Ordens... estou acostumado a cumprir ordens! No entanto, nesta ocasião estou duvidando quanto a acatar a ordem do meu Centurião. Ademais, o tal Herodes nem sequer é realmente um romano. Por que temos que cumprir seus caprichos e sucumbir ante seus medos? César lhe dá certos privilégios, porém não é o mesmo enviar um gladiador a lutar com os leões no circo que ter que assassinar sem clemência a crianças inocentes. Eu sou um soldado romano... Não sou parte do maior e melhor exército do mundo para isso: Cumprir ordens de um subalterno de César? Dizem que desde o Oriente vêm príncipes em busca de um novo rei para a Judeia. Sei que isso é um perigo para o meu imperador. Não acho que nesta terra possa surgir alguém com tanto poder a ponto de fazer retroceder a “Pax” que com exércitos temos logrado instalar. A gente destes lugares fala que em seus textos sagrados está registrado que na antiguidade sucedeu algo semelhante, quando foram escravos no Egito. Que o Faraó em exercício também decretou a aniquilação das crianças dessa nação. Que as parteiras desobedeceram a ordem... Que devo fazer? Se cumpro a instrução, ninguém me acusaria de cometer uma injustiça? Sou um soldado romano... A justiça está do meu lado se obedeço... minhas mãos já tem derramado muito sangue, porém... estas são crianças... não morrerão em um campo de batalha... não tem um capacete, uma armadura, um escudo ou uma espada. É justo que morram estas crianças? Ou é justo que estas crianças vivam e ameacem o poder de Roma? A mulher que alimenta as legiões de Belém disse que seu marido, um pastor de ovelhas, viu revelação de deuses falando de um novo caudilho que será poderoso. Pelo que ela conta, esse seria um novo Hércules ou outro Aquiles, que foram filhos dos deuses... E se isso for verdade... Que direito tenho eu de opor-me à vontade divina ou ao destino marcado para este povo? Dizem que nas estrelas está escrito o nosso destino, e que nelas se assinalou esta terra como a esperança do mundo, que elas trouxeram esses estrangeiros desde o Oriente, esses que inquietaram o falso romano que me ordena hoje matar... Que devo fazer? Sou um soldado romano!

♫ Kyrie dos inocentes: [Esteban Fernando Paz

Arévalo, Guatemala]

Ó Deus, Pai Nosso Tem compaixão Que vemos inocentes Morrendo sem razão

Tem piedade das crianças Que são tua criação Tem piedade das crianças Que são tua criação


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TEMPLO Maria:

[Texto de Dan González Ortega, México]

Engrandece minha alma ao Senhor… Ainda que em meio a esta terrível angústia: Enaltece minha alma ao Senhor! Dois dias buscando o filho travesso que o Senhor pôs em minhas entranhas. Por que o Altíssimo lhe concedeu viver se hoje o tira de mim, depois de peregrinar até o seu santo Templo em Jerusalém? Ainda me recordo bem de quando Deus visitou meu corpo e minha vida, tal como quando Deus libertou o seu povo do Egito e o acompanhou pelo deserto, sendo nuvem pelas manhãs e, nas noites, luz para o caminho até a liberdade. A mim também me tem acompanhado o Senhor, por isso não entendo o que sucede hoje. Faz doze anos, nem bem se havia recuperado meu corpo do parto quando tivemos que fugir para o Egito. Minha gravidez foi muito difícil meu corpo não estava pronto para conhecer homem quando já estava grávida. Tive que dar à luz em condições pouco usuais, pois tivemos que peregrinar por um longo caminho até Belém. Minhas entranhas não resistiram ao cansaço e o menino veio ao mundo em uma habitação improvisada que tinha as estrela como teto, animais do estábulo como companhia e palha como calor para o corpo do meu recém-nascido. Deus lhe permitiu viver... Herodes iniciou uma campanha contra o povo para arrebatar a vida dos meninos, ainda não entendo por que decidiu fazê-lo, dizem que tinha medo até de que um dos seus próprios filhos herdasse seu poder... Entre os poderosos, a loucura e as extravagâncias são algo comum, no entanto jamais entenderei porque arremeter contra crianças que nenhuma competição lhe podiam presumir. Seria seu ódio à vida? Pobre homem! Seguramente não era feliz com toda sua riqueza… Por isso Deus exalta aos humildes, pois sabemos ser felizes sem necessidade de dinheiro. Porém, naquele momento o egoísmo daquele homem nos impedia de sermos felizes e tivemos que ir para o Egito, apesar de Deus nos haver advertido para não voltarmos por esse caminho, pois ali nossa nação conheceu a escravidão... No entanto, para nós voltar significou liberdade em meio à ameaça, por isso estou convencida de que Deus nos acompanhou. Ao meu filho: Deus lhe permitiu viver. Porém, para quê? Para que se perdesse hoje nesta peregrinação? Já perguntei aos meus parentes se o haviam visto e ninguém sabe dele. Por que, Senhor, lhe permitiste viver se hoje o haverias de tirar de mim? José e eu cumprimos com nossa obrigação de visitar o Templo e fizemos nossos sacrifícios... porém perdemos o nosso filho. Aquele pelo qual arriscamos tanto, aquele que viu de contínuo sua vida ameaçada. Hoje se perde desta maneira absurda e tola. No caminho, e com os peregrinos, não está, tive que voltar caminho de um dia até Jerusalém. Disseram-me que há um menino que com sua graciosidade conseguiu chamar a atenção dos escribas e dos sacerdotes no Templo, espero que seja Jesus, está tão acostumado a conversar com o rabino de Nazaré, que não compreende que outros mestres da lei são diferentes e não consentem na presença infantil. José já havia falado com o nosso rabino para reajustá-lo e não alentá-lo a expressar o que pensa com tanta liberdade, mas o mestre disse que nosso filho está marcado desde o alto para grandes coisas e a única coisa que posso fazer é guardar estas esperanças em meu coração. Deus lhe permitiu viver... porém, para quê? Para questionar os adultos e incomodar os mestres da lei? Não entendo, mesmo assim: Minha alma engrandece ao Senhor! Sim. Aleluia! Engrandece a minha alma ao senhor! A distância o vejo... já o reconheço... é Jesus no Templo fazendo rir aos escribas... boa repreensão o espera ao voltar a casa... esta travessura não passará em branco... Contudo: Engrandece minha alma ao Senhor! Deus lhe permitiu viver.


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♫ Aleluia:

[Lucas 1.46-55; Zabdiel Ramos Torres, México]

Aleluia! Minha alma engrandece ao Senhor Ele exalta os humildes, Santo é, Santo é Ele exalta os humildes, Santo é o Senhor Partilha eucarística:

No Natal, Deus vem comer pão com a humanidade, Na Eucaristia a humanidade come Pão com Deus.

♫ Responso:

[Lucas 2.52; Liséte Espíndola]

Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e da humanidade.


7 ]

Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e da humanidade.

PAZ ♫ Minha paz lhes deixo:

[João 14.27; Esteban Fernando Paz Arévalo, Guatemala, e Zabdiel Ramos Torres, México]

Minha paz lhes deixo Minha paz lhes dou Não tenham medo Com vocês eu vou

* *** *


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“Celebração especial de Natal: “Natal Peregrino”, Capela da Serra, Jundiaí, 14.o de dezembro de 2014”, foi preparada em uma oficina de produção litúrgica sob os auspícios da Red Creart de Liturgia, realizada na Cidade do México, em julho de 2014, é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada. Permissões além do escopo dessa licença podem estar disponíveis em http://www.luizcarlosramos.net  Pianista: Liséte Espíndola;  Regente: Neusa Cezar e Elenise Ramos;  Ambientação: Vastí Ferrari Marques;  Fotografia: Carlos Nagumo e Walfrido dos Santos;  Diagramação: Luiz Carlos Ramos;  Arte do convite: Juliana Mesquita _______________________________________________________________________________________________________________ Para ter acesso a outras liturgias da Capela da Serra e para ver fotos das celebrações anteriores, acesse: http://www.luizcarlosramos.net


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