Celebração da Água, da Luz, do Pão e do Vento
(Tempo Comum, 18º Domingo após Pentecostes) Jundiaí, 30 de setembro de 2012
LITURGIA DA ÁGUA Prelúdio: Intróito: Salmo 104.19-30
[A comunidade permanece em oração] [O SENHOR] Fez a lua para marcar o tempo; o sol conhece a hora do seu ocaso. Dispões as trevas, e vem a noite, na qual vagueiam os animais da selva. Porém, quando nasce o sol eles se recolhem e se acomodam nos seus covis. Sai, então, o homem para o seu trabalho e para o seu encargo até à tarde. Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. Por ele transitam os navios e o Leviatã, o monstro marinho que formaste para nele brincar. Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra.
♫ Suíte dos Pescadores: [Dorival Caymmi]
Saudação e acolhida: Água:
[Neusa Cezar da Silva]
Minha jangada vai sair pro mar, Vou trabalhar, meu bem querer, Se Deus quiser quando eu voltar Do mar,
Um peixe bom, eu vou trazer... Meus companheiros também vão voltar, E a Deus do céu vamos agradecer!
[Boas-vindas às/aos presentes e apresentação do tema da celebração e motivos de oração] Água tão pura da serra, tão fresca, pra sede de vida matar. Água da terra, brotando energia, alimento, saúde vem dar.
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LITURGIA DA LUZ Primeira leitura: Números 11.4-9
Havia estrangeiros viajando com os israelitas. Eles estavam com muita vontade de comer carne, e até mesmo os israelitas começaram a reclamar, dizendo: — Ah, se tivéssemos um pouco de carne para comer! No Egito comíamos quanto peixe queríamos, e era de graça. E que saudades dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas e dos alhos! Mas agora acabaram-se as nossas forças. Não há mais nada para comer, e a única coisa que vemos é esse maná! (O maná era parecido com pequenas sementes brancas, meio amareladas. 9 Ele caía durante a noite, com o orvalho. No dia seguinte de manhã, o povo ia apanhá-lo em volta do acampamento. Eles o moíam em moinhos ou o socavam em pilões, cozinhavam numa panela e faziam pães achatados que tinham gosto de pão assado com azeite.) Então Moisés ouviu o choro do povo. [...] e disse a Deus, o SENHOR: Onde poderia eu conseguir carne para dar a todo este povo? Eles vêm chorar perto de mim e dizem que querem comer carne. [...] O SENHOR Deus respondeu a Moisés: [...] Diga ao povo o seguinte: “Purifiquem-se para amanhã; vocês vão comer carne. O SENHOR ouviu vocês chorando e dizendo que queriam carne e que passavam bem no Egito. Por isso o SENHOR lhes dará carne, e vocês a comerão. E não comerão só um dia, nem dois, nem cinco, nem dez, nem vinte, mas durante um mês inteiro, até que saia pelos seus narizes, e vocês ficarem com nojo. Pois vocês rejeitaram o SENHOR, que está no meio de vocês, e se queixaram, dizendo que nunca deveriam ter saído do Egito.” [...] De repente, o SENHOR mandou um vento que trouxe do mar bandos de codornas. Elas caíram no acampamento e em volta, em todas as direções, a uma distância de uns trinta quilômetros; e cobriram o chão em montes de quase um metro de altura.
Kyrie [Iona Community, Scotland] Salmódia: Salmo 7-10,14
Kyrie eleison A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos. O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. [...] As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu!
♫ A tua luz envia-me
[John Bell, versão para o port. de Luiz Ramos, Liséte Espíndola]
Leitura da Epístola: Tiago 5.13-18
♫ Aclamação [Simei Monteiro] Leitura do Evangelho: Marcos 9.41-47
A tua luz envia-me p’ra me guiar; e me conduza até o lugar onde estás.
Existe entre vocês alguém que seja sábio e inteligente? Pois então que prove isso pelo seu bom comportamento e pelas suas ações, praticadas com humildade e sabedoria. Mas, se no coração de vocês existe inveja, amargura e egoísmo, então não mintam contra a verdade, gabando-se de serem sábios. Essa espécie de sabedoria não vem do céu; ela é deste mundo, é da nossa natureza humana e é diabólica. Pois, onde há inveja e egoísmo, há também confusão e todo tipo de coisas más. A sabedoria que vem do céu é antes de tudo pura; e é também pacífica, bondosa e amigável. Ela é cheia de misericórdia, produz uma colheita de boas ações, não trata os outros pela sua aparência e é livre de fingimento. Pois a bondade é a colheita produzida pelas sementes que foram plantadas pelos que trabalham em favor da paz. Aleluia! [Disse Jesus:] — Eu afirmo que quem der um copo de água a vocês, porque vocês são de Cristo, com toda a certeza receberá a sua recompensa. Jesus continuou: — Quanto a estas pequeninas crianças que creem em mim, se alguém for culpado de fazê-las cair, seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar, com uma pedra grande amarrada no pescoço. Se uma das suas mãos faz com que você peque, corte-a fora! Pois é melhor você entrar na vida
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eterna com uma só mão do que ter as duas e ir para o inferno. [Onde os vermes não cessam de devorar, e o fogo nunca se apaga.] Se um dos seus pés faz com que você peque, corte-o fora! Pois é melhor você entrar na vida eterna com um só pé do que ter os dois e ser jogado no inferno. [Onde os vermes não cessam de devorar, e o fogo nunca se apaga.] Se um dos seus olhos faz com que você peque, arranque-o! Pois é melhor você entrar no Reino de Deus com um olho só do que ter os dois e ser jogado no inferno. Onde os vermes não cessam de devorar, e o fogo nunca se apaga. ♫ Aclamação [Simei Monteiro] Reflexão: “Meus companheiros também vão voltar”
[Luiz Carlos Ramos (cf. Mc 9.40-47)]
Aleluia! Na tarde de 14 de junho de 2011, numa cerimônia pública realizada em São Paulo, foram repatriados documentos e microfilmes, cópias feitas em segredo dos autos da ditadura militar no Brasil, mantidos a salvo no exterior pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), na Suíça, e pelo Center of Research Libraries (CRL), nos EUA. A preservação desses documentos só foi possível graças à cooperação ecumênica entre o Rev. Jaime Wrigth, pastor presbiteriano, e Dom Paulo Evaristo Arns, bispo católico-romano. Os documentos foram entregues às autoridades brasileiras e haverão de ser disponibilizados, para consulta pública de qualquer cidadão através da internet. Esse projeto chama-se “Brasil: Nunca Mais” Digit@l (cf. Marcelo Schneider). Naquela tarde, dois depoimentos, proferidos por pessoas muito próximas a muitos de nós da Capela da Serra, foram particularmente comoventes. Um foi feito pelo nosso irmão metodista Anivaldo Padilha, que foi preso em 27 de fevereiro de 1970. Torturado brutalmente durante meses, conseguiu finalmente partir para o exílio, onde foi forçado a viver longe da esposa, que à época estava grávida. O Anivaldo só veio a conhecer o filho depois da lei da Anistia, quando este já tinha 8 anos de idade. Esse seu filho, Alexandre Padilha, é o atual ministro da saúde. No mesmo dia também havia sido presa Eliana Rolemberg, uma das amigas do Anivaldo, que é jundiaiense e cuja família ainda vive aqui em Jundiaí. Ela contou um pouco dos abusos sofridos nas mãos violentas dos torturadores e das ameaças que faziam envolvendo sua filha, que ainda era bebê na ocasião. O horror era ainda maior porque podiam ouvir os gritos dos seus amigos sendo torturados. Contaram, então, que, justamente nas horas mais difíceis, alguém, em alguma cela, começava a cantar “Minha jangada vai sair pro mar / Vou trabalhar, meu bem querer,…”, e uma a uma, as vozes dos prisioneiros e prisioneiras das outras celas, iam se somando “… Se Deus quiser quando eu voltar / Do mar, / Um peixe bom, eu vou trazer… / Meus companheiros / também vão voltar, / E a Deus do céu vamos agradecer!…” O texto do Evangelho que lemos denuncia o escândalo que é alguém fazer cair algum dos mais pequeninos. “Escandalizar os pequenos é ser motivo pelo qual os pequenos se desviam e perdem a fé em Deus […]. Quem toca neles toca em Jesus!” (Mesters e Lopes). Antes de fazer mal a qualquer um dos mais pequenos, que não têm como se defender, é preferível fazer mal a si mesmo: arrancar a própria mão, pé, olho… Ainda hoje não se sabe o paradeiro de muitos dos que foram perseguidos, presos, torturados e “desaparecidos”. Há quem diga que alguns foram jogados no alto mar. Recentemente, o pastor evangélico Claudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), do Estado do Espírito Santo, assumiu com todas as letras que foi torturador durante o regime militar brasileiro e que participou da eliminação de muita gente. Contou inclusive que uma das maneiras empregadas para livrar-se dos corpos era incinerá-los na usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, no Rio de Janeiro. Sobre isso, Jesus diria que seria melhor para esses torturadores que amarrassem uma pedra ao próprio pescoço e lançassem a si mesmos no fundo do mar. Mas quero concluir esta reflexão com uma palavra de esperança. Quando perguntado sobre se era capaz de perdoar os seus algozes, Anivaldo Padilha respondeu que perdoar, muitas vezes, é mais importante para quem perdoa, do que para quem é perdoado, porque quem não perdoa, será sempre assombrado pelo espectro dos seus exatores. O perdão liberta! Por essa razão, o projeto “Brasil nunca mais” digit@al e a Comissão da Verdade buscam não a vingança, que só ressuscita fantasmas, mas a justa responsabilização dos que cometeram crimes contra os Direitos Humanos durante a ditadura, justamente para defender a Vida e para que coisas terríveis como aquelas nunca mais tornem a acontecer nem a nós nem às nossas crianças mais pequeninas. É essa a jangada da vida na qual queremos velejar!
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LITURGIA DO PÃO ♫ Suíte dos pescadores: [Dorival Caymmi]
Minha jangada vai sair pro mar, Vou trabalhar, meu bem querer, Se Deus quiser quando eu voltar Do mar, Um peixe bom, eu vou trazer... Meus companheiros também vão voltar, E a Deus do céu vamos agradecer! Adeus, Adeus... Pescador não esqueças de mim! Vou rezar pra ter bom tempo, Meu nego, Pra não ter tempo ruim... Vou fazer sua caminha macia... Perfumada de alecrim... Pedro! Pedro! Pedro! Chico! Chico! Chico! Nino! Nino! Nino! Zeca! Zeca! Zeca! Cadê vocês, homens de Deus? Eu bem que disse a José! Não vá José! Não vá José! Meu Deus! Com tempo desses não se sai! Quem vai pro mar, quem vai pro mar, Não vem!
É tão triste ver... Partir alguém... Que a gente quer... Com tanto amor... E suportar... A agonia... De esperar voltar... Viver olhando o céu e o mar... A incerteza a torturar... a gente fica só... Tão só; a gente fica só... Tão só... É triste esperar... Uma incelênça... Entrou no paraíso... Adeus! Irmão, adeus! Até o dia de Juízo! Adeus! Irmão, adeus! Até o dia de Juízo... Minha jangada vai sair pro mar, Vou trabalhar, meu bem querer, Se Deus quiser quando eu voltar, Do mar, Um peixe bom, eu vou trazer... Meus companheiros também vão voltar E a Deus do céu vamos agradecer!
Pedro! Pedro! Pedro... Chico! Chico! Chico... Nino! Nino! Nino... Zeca! Zeca! Zeca... Sursum corda:
O Senhor seja com vocês. | E com você também. Elevemos os nossos corações. | Ao Senhor os elevamos. Rendamos graças ao Senhor. | Sim, é justo e bom render graças a Deus. Nós te rendemos graças, ó Deus, porque em Cristo tu vens até nós e nos alimentas com Maná do Céu e sacias a nossa sede de justiça com água pura e o vinho do Perdão. Por isso te saudamos, cantando:
♫ Sanctus:
[Texto litúrgico tradicional, Música: Liséte Espíndola]
Santo, Santo, Santo, Senhor Deus onipotente, Terra e céus estão cheios da tua glória, Glória a ti Senhor!
Instituição e Memorial: Anamnese
E, enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo dado graças, o partiu e deu aos discípulos, e disse: Isto é o meu corpo dado por vós: fazei isto em memória de mim. ♫ Bendito sejas para sempre! Depois de cear, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos e disse: Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado por vós; fazei isto em memória de mim. ♫ Bendito sejas para sempre!
Consagração: Epiclese
Eterno Deus, nosso materno Pai, nós humildemente te suplicamos que envies sobre nós e sobre estes alimentos o teu Santo Espírito e cumpras a tua Palavra, a fim de que o pão que vamos comer seja para nós a comunhão no corpo de Cristo, e o vinho que vamos beber seja a comunhão na vida de Cristo; é o que te pedimos em ação de graças; por Cristo, com Cristo, e em Cristo. Amém!
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♫ Mysterium fidei:
[Texto litúrgico tradicional, Música: Liséte Espíndola]
Partilha eucarística:
♫ Suíte dos pescadores: [Dorival Caymmi]
Cristo morreu
e ressuscitou,
breve voltará!
O pão pelo qual damos graças é a comunhão no corpo de Cristo; O cálice pelo qual damos graças é a comunhão na vida de Cristo. Minha jangada vai sair pro mar, Vou trabalhar, meu bem querer, Se Deus quiser quando eu voltar Do mar,
Um peixe bom, eu vou trazer... Meus companheiros também vão voltar, E a Deus do céu vamos agradecer!
LITURGIA DO VENTO Oração Final:
[Luiz Carlos Ramos, inspirado na Suíte dos Pescadores de Dorival Caymmi]
Senhor Deus do céu, aqui estamos para te agradecer pela jangada da vida que nos permite sair pro mar, pra trabalhar. Somos gratos pelo sopro suave do vento e porque pudemos voltar trazendo peixe bom, somos gratos pelos companheiros que também voltaram e, ainda mais, pelos que não puderam voltar. Por causa da saudade continuamos a rezar pra não ter tempo ruim, pra ter bom tempo, sim, pra ter tempo bom... Que a estrela matutina nos acompanhe e aponte o caminho... E saberemos que não estamos sós... Que tu velas por nós. E com aquela antiga esperança vamos singrando esse mar, recruzando sertões... salgada vereda que vai dar no avarandado do amanhecer. Amém!
♫ Vento, Pé-de-vento: [Xico Esvael]
Despedida:
Vento, pé-de-vento, que assovias aos ouvidos, Será que a rosa-dos-ventos me dirá de onde vens?
Vento, pé-de-vento, que despertas os sentidos Nesta longa travessia, o que queres? quem te traz?
Vento, pé-de-vento, és rajada e ventania Será que o cata-vento poderá ser nosso guia?
Vento, pé-de-vento, traz notícias de além-mar Para quem está sedento de justiça e de paz Vento, pé-de-vento...
Abraço da paz
(Creative Commons, Non Commercial License) Liturgia preparada pelo Rev. Luiz Carlos Ramos Pianista: Liséte Espíndola; Regente: Elenise Ramos; Ambientação: Vastí Ferrari Marques; Arte do convite: Juliana Mesquita; Fotografia: Carlos Nagumo