introdução A partir da construção de uma linha de pensamento da cidade contemporânea, procura-se expandir a procura pelo objeto final de graduação como, também, abrir uma discussão sobre os caminhos da intervenção a ser proposta. Trata-se, portanto, de uma preparação para as atividades não só profissionais, mas como uma reflexão dos rumos das metrópoles atuais e, consequentemente, do avanço do capital em todas as esferas da vivência humana. Entende-se, aqui, o espaço urbano como a forma de organização social inerente ao nosso período histórico e, portanto, não alheio às estruturas das políticas de avanço do capitalismo, mas que, de certa forma, também possui atributos das necessidades propriamente humanas. Na experimentação teórica a seguir, pretendo situar-me tanto como cidadão quanto profissional para a produção de um objeto que faça sentido às minhas reflexões atuais, ambições pessoais e não deslocada da realidade historicamente colocada. Procura-se, também, encontrar os disparadores de projeto à partir do território e, assim, preencher de sentido o espaço, que já possui suas dinâmicas locais, junto à um reflexo da produção teórica acadêmica.
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reflexões sobre a cidade A forma urbana se vê como as necessidades antropológicas socialmente elaboradas e necessidades específicas: atividades criadoras não apenas de produtos e bens materiais consumíveis, mas também informação, simbolismo, imaginário e atividades lúdicas. Logo, a ciência da cidade não é uma realidade acabada, ela se aplica às necessidades básicas da vida social além de acompanhar o período político que se encontra sendo, a cidade, o objeto virtual de estudo. Não há certeza ao se projetar o espaço de uma cidade. Não se aplica uma fórmula para os locais que terão sucesso, precisamos que o projeto se inscreva ao ritmo da vida cotidiana. Procura-se, no ato de projetar, um sistema de significação elaborado por um conjunto de propostas que não só são percebidas e vividas por aqueles que habitam, mas a partir da interpretação do fato de habitar. O mesmo se aplica a disciplina do urbanismo, a cidade em si só não basta, ela tem limites, desfazer as estratégias e ideologias dominantes não é o papel do urbanista sozinho. Há a oportunidade de repensar as lógicas do capital, “a estratégia urbana baseada na ciência da cidade tem necessidade de um suporte social e de forças políticas para se tornar atuante” (1). Nesse sentido, a classe operária é a única capaz de por fim à segregação dirigida contra ela; as estratégias do urbanismo contemporâneo estão ligadas às forças do capital que se infiltram em todos os âmbitos da nossa vida política e social.
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(LEFREVE, 2000, Pág. 112)
(1)
O conceito de direito à cidade, portanto, está lado a lado com o papel desempenhado pelo espaço urbano como canal de absorção de capital excedente ao longo da história. Em outras palavras, como os direitos humanos se aplicam no espaço das cidades sobreposto pela lógica do mercado neoliberal e da dominância da legalidade e ação estatal burguesa. Discute-se, aqui, como o capital sobrepõe o direito a propriedade privada e a lógica do lucro acima de qualquer direito básico como moradia, lazer e entretenimento. Se, o espaço urbano é a colocação material do tempo histórico e político vivido pela sociedade humana, não há como separar os processos urbanísticos da lógica do capital, assim como não há estudo da cidade sem o estudo do capitalismo. A acumulação de recursos norteia o acesso ao que colocamos como urbano, ou seja, o acesso ao básico para se viver alimentando a necessidade perpétua de encontrar terrenos lucrativos para a expansão do capital. O território é, como todas as esferas de nossas vidas, mais uma peça no motor voraz dos meios de acumulação de recursos. Esse processo não se limita ao momento em que vivemos hoje, podemos identificar as problemáticas da expansão do capital dentro do espaço geográfico de diferentes formas, como o desemprego tecnologicamente induzido e investido contra o poder da classe trabalhadora, imigração, exportação de capital entre outros aspectos que refletem a influência do mercado.
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Busca por novos mercados, promoção de novos produtos e estilos de vida, instrumentos de crédito e financiamento estão ligados diretamente ao meio urbano, não sendo diferente ou complementar, mas sim atuantes como o desenho urbano proposto Nesse sentido, o Estado se resume a uma regulação de uma “competição arruinada” da cidade em relação a exportação e acúmulo de capital. Portanto, até que ponto a necessidade de expandir o terreno da atividade lucrativa determina a urbanização capitalista como provedora das necessidades humanas reais e universais? Até que ponto as reformas urbanas solucionam problemas da classe operária já que, as mesmas, servem apenas para a afirmação do capital? No precedente histórico, grandes operações urbanas só afirmam o papel delas de continuação do papel opressor do desenho urbano capitalista sobre a classe operária já que se resume, segundo Harvey, “a uma forma de resolver o capital ocioso excedente e criar oportunidades de absorver trabalho”. Reformas que mudam a escala do projeto urbano, são sistemas de financiamento da infraestrutura urbana e aplicação de investimento do capital dentro do território construído. Não se constrói apenas um novo meio, mas uma nova maneira de vida social e urbana. Um bom exemplo é o plano para Nova Iorque de Robert Moses, a mudança de escala, na concepção do seu projeto, transformou radicalmente os estilos de vida, absorvendo
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montagem com base na série EntreVistas de Cláudia Jaguaribe
o excedente de capital e criando uma “estabilização social” de conflitos urbanos. Lutar pelo direito à cidade é lutar pelo direito de comandar todo o processo econômico, sua transformação sobre as camadas históricas presentes na cidade já construída e sua expansão sobre o rural. Aplicações em grande escala das estruturas urbanas sugere uma metropolização, mega-projetos de urbanização com consequências sociais e ambientais incrementando a urbanização local a necessidade de mecanismos financeiros do capital para se sustentar, em quase todos os casos, uma aplicação direta de capital externo globalizado. Há uma crise massiva, exigindo uma completa reconsideração de como opera o mercado de capital e de dinheiro, incluindo sua relação com a urbanização. Deslocam-se populações inteiras para a periferia metropolitana, crise de hipotecas, implicando especialmente pessoas vulneráveis e de baixa renda. A cidade se torna mercadoria, o interesse principal é o lucro colocando o consumo do espaço, o turismo, a indústria cultural e do conhecimento como principais aspectos da economia política urbana. Basicamente se resume a experiência urbana contemporânea em sua relação ao consumo.
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“[...]as cidades só se tornarão protagonistas privilegiadas, como a Idade da Informação lhes promete, se, e somente se, forem devida mente dotadas de um plano capaz de gerar respostas competitivas aos desafios da globalização, e isto a cada oportunidade (ainda na língua dos negócios) de renovação urbana que porventura se apresente na forma de uma possível vantagem comparativa a ser criada” (2). Há uma crise do que se entende por identidade urbana, cidadania e pertencimento, não se vê mais a cidade como corpo político coletivo; em lugar há uma reestruturação urbana pela “destruição criativa” tencionando cada vez mais a luta de classes com remoções, conflitos policiais, especulação imobiliária e definição do uso do solo segundo sua taxa de retorno (valor artificial; “gentrificação”). Coloca-se a pobreza cada vez mais na ilegalidade, destitui-se os direitos básicos de uso da cidade como a moradia em nome das demandas de uso “superior” do solo, como pode observar em grandes obras urbanas como olimpíadas, nós viários, megaeventos, entre outros. Na reflexão de Otília Arantes, em sua obra “Gentrificação estratégica”, conseguimos ter noção do como se coloca historicamente na “fórmula mágica de fazer cidades ocasionais”, espetacularizadas para o deleite do capitalismo avançado.
(ARANTES; 2000; Pág. 11)
(2)
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montagem com base na série EntreVistas de Cláudia Jaguaribe
“Com a retomada da hegemonia americana, vulgarmente conhecida como “globalização”, o modelo “máquina de crescimento” generalizou-se sob pretexto de responder às mesmas pressões competitivas em torno do capital escasso e nômade, na verdade atendendo aos imperativos (políticos) da cultura anglo saxônica dos negócios, a ponto de convenção de que as cidades devem ser geridas não “like business”, mas antes “for business”. Ou por outra, tudo se passa como se a transnacionalização produtiva e financeira, ao contrário do que se poderia prever, em função do acentuado localismo das máquinas urbanas de crescimento, acabasse conferindo - justamente devido ao redirecionamento das Estados nacionais, cada vez mais socialmente esvaziados e deslegitimados, no rumo de uma simbiose ainda mais estreita com o mundo dos negócios a serem publicamente (e acintosamente) “alavancados” - uma segunda juventude cosmopolita às paroquiais colaizões urbanas pró-crescimento” (3)
(ARANTES; 2000; Pág. 18)
(3)
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profundo das coisas
“O profundo das coisas não está na pauta do dia. De nenhum dia”
(4)
.
Precisamos pensar o profundo das coisas para entendermos a formação da cidade que, nada mais é que “[...] o espaço físico que responde, armazena, reproduz e produz, aglutina e articula dinâmicas diversas e simultâneas. É nela que as teorias se materializam, que as pesquisas e conceitos ganham vida própria, que as realidades se alternam e se transformam.” (5). Que cidade a gente está tratando? Não existe neutralidade de discurso na materialidade urbana. “É nela também que as desigualdades e incongruências estão ancoradas perpetuando uma dinâmica que se sustenta pelas relações de poder que privilegia grupos quantitativamente minoritários em detrimento de grupos socialmente minoritários.” (5). Entende-se o trabalho do urbanismo como tentativa diminuir as ocorrências dessas demonstrações de desigualdade socialmente colocadas já que seu trabalho, sozinho, não consegue amenizar a promoção da segregação socioespacial do Capital. O urbanismo, na prática, é só mais um instrumento de controle econômico, porém, sua aplicação de forma reflexiva, pode abrir espaço para exceções dentro do jogo urbano. Precisamos entender a formação do sociedade para entender como se constitui a cidade já que essa é o reflexo de todas dinâmicas econômicas e sociais. Logo, para entender a formação das opressões de classe, gênero, raça e sexualidade, precisamos
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(Micheliny Verunschk Nossa Teresa: Vida e morte de uma santa) (5) (BERTH; 2017; IX CBDU) (4)
entender também a cidade e, assim, intervir. Onde essas desigualdades acontecem? A sociedade é estruturada e formada de maneira taxativa na divisão de quem tem direito a cidade. Cidade para pessoas? De que pessoas estamos falando? Quando essas desigualdades estão acontecendo? A que ponto essa desigualdade está sendo gerada e quem ela está atingindo? Em quem ela está batendo mais forte? Essa série de questionamentos colocados por Joice Berth não tem resposta prática, pronta ou que possibilita uma intervenção arquitetônica/urbana já consolidada, mas elas serão norteadoras para as leituras conceituais propostas, assim como uma autocrítica a própria produção acadêmica aqui colocada. “O espaço não pode mais ser concebido como passivo, vazio ou então, como os produtos, não tendo outro sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer.” (6)
(6)
(LEFEBVRE; 2000; Pág.5)
Tendo essa leitura e pretendendo não fazer uma leitura vazia do espaço urbano, há a tentativa de uma proposição interseccional de levantamento de projeto. Interseccionar vem de intersecção ,ou seja, corte, sobreposição de fatores ou interação entre pontos distintos. Entender a vivência e as camadas que ali se apresentam, leituras da cidade.
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Colocar características se entrecruzando sem tratar as desigualdades como iguais para todos, falha detectada nos planos diretores de pensar apenas o superior. Se o Capital desapropriou qualquer significado urbano em nome da perpetuação da acumulação produtiva, procura-se, com essa leitura trazer algum sentido ao jogo de interesses do urbano, abrir brechas para uma possível reflexão da população mais atingida pelas grandes reformas, marginalizada socioeconomicamente, oprimida nas relações de classe, raça, gênero e sexualidade.
planejamento urbano
direito à cidade ações públicas reflexivas in
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Cidades que possivelmente podem englobar a pluralidade e, assim, abrir brechas para a reflexão, organização e futura revolução
nterseccionalidade
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leituras sobre a rmsp A escolha da cidade de São Paulo é estratégica para entender, na escolha de um recorte de caso, as dinâmicas de promoção do capital em um cenário metropolitano. Foco nas bordas da cidade São Paulo e suas relações com os outros municípios da RMSP, entendendo os processos geradores das ações do plano diretor. Há, nessas leituras do plano diretor, uma perspectiva crítica daquilo que se coloca como necessário e uma adaptação do que já é proposto pelo estudo governamental junto a promoção de intervenções arquitetônicas/urbanas.
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“A Subprefeitura Cidade Ademar é composta por 2 distritos: Cidade Ademar e Pedreira, o qual está predominantemente inserido na Área de Proteção e Recuperação de Mananciais Billings (APRM-B). Assim sendo, a parte norte do sítio físico associa-se a Sub-bacias que drenam para o Pinheiros e a porção sul, às Sub-bacias tributárias da Billings.” (7) O loteamento de antigas fazendas presentes no local, na década de 1970, intensifica o movimento de êxodo rural na região. Outro aspecto marcante na ocupação dessa região é a irregularidade de vários loteamentos e a inadequação ambiental nas áreas de drenagem nas áreas mananciais, mesmo com a lei de proteção dos mananciais de 1976 (Lei Estadual n° 1.172 de 17 de novembro de 1976). Área da bacia de contribuição da represa Billings. População das áreas de relevo mais acidentado colocadas como de grande vulnerabilidade social, sendo as principais regiões de “favelamento” o Jardim Apurá, Americanópolis, Jardim Martini e Vila Joaniza. Pertencente a região administrativa de Santo Amaro até 1966, a Cidade Ademar apresenta um atraso em serviços, recursos públicos e a densa ocupação não deixa grandes espaços para a proposição de grandes aparatos construídos. (PDSP - Quadro Analítico; 2016; Pág.5)
(7)
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“Os desafios da Subprefeitura Cidade Ademar estão além do alcance do Plano Regional da Subprefeitura, pois envolvem temas como o estímulo à empregabilidade e à educação dos jovens, possibilitando a elevação dos salários dos trabalhadores. Além de emprego e/ou trabalho, ações em segurança, educação e saúde são o mínimo necessário para prover melhoria das condições de vida dos segmentos mais vulneráveis da população. Do ponto de vista macrorregional, a posição de Cidade Ademar é estratégica para a ligação do interior com o ABCD e com o litoral; portanto, um desafio importante é melhorar a mobilidade tanto regional quanto local. Melhorar a qualidade de vida nas áreas de maior vulnerabilidade social e ambiental passa pela questão da habitação, mas também do acesso ao meio ambiente equilibrado e da universalização do saneamento ambiental. É preciso reduzir a pressão de ocupação em áreas ambientalmente frágeis e em locais inadequados à ocupação humana. Melhorar a qualidade de vida nas áreas de maior vulnerabilidade social e ambiental passa também pelo acesso aos equipamentos sociais. Com exceção do CEU Alvarenga e do Parque Sete Campos, não há equipamentos públicos suficientes para atendimento da demanda.”(8) (PDSP - Quadro Analítico; 2016; Pág.13)
(8)
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o termo “favela” Inicio, aqui uma crítica aos princípios que norteiam as políticas urbanas e há uma tentativa de repensar o que se coloca como “ilegalidade urbana”, logo, refletir e repensar o que se colocar como “favela” e “loteamento” com base nas diferentes formas de acesso a cidade. A ilegalidade urbana se coloca como critério na discussão sobre o direito à cidade, na formação de cidades mais democrática e na colocação da questão da pobreza estrutural no capital, porém, essa ilegalidade não transpassa para as camadas médias e altas. A pura problematização dos loteamentos ditos como “favelas” e sua dissolução enquanto espaço, em função de sua mera ilegalidade é problematizada, desse modo, a repensarmos a nossa maneira de agir junto a tais formações. A visão dualista de favela-bairro, formal-informal, integrado-excluído, centro-periferia também se mostra no panorama de leitura para a dissolução das mazelas urbanas, mas precisamos pensar no loteamento urbano precário em sua formação enquanto peça de perpetuação do capital. Se as legislações urbanas estão, irrefutavelmente, ligadas a produção da cidade para o capital, precisamos assim, repensar nossas políticas públicas em busca de ordenar de maneira diferente nossos espaços.
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montagem com base na série EntreVistas de Cláudia Jaguaribe
Coloca-se a disputa simbólica do espaço urbano como imagem do capital e, assim, dois pesos e duas medidas para a dissolução das ilegalidades urbanas: “[...] de um lado a inadequação dos critérios objetivos definidores dessas noções [legislativas] e, de outro, a disputa, no campo simbólico, da representação dos territórios da cidade nomeados por tais noções.” (9) A disputa da imagem da favela se coloca pelo conflito da promoção deste espaço enquanto berço da criminalidade, somando a sua aparente pobreza extrema. Coloco tal pressuposto para o seu entendimento pois o foco acadêmico em torno da problematização do termo “favela” é a violência urbana e de remoção dessas áreas e a relação inexorável da ilegalidade com a pobreza reafirmando diariamente a criminalização da pobreza. O cenário colocado não nos permite pensar o espaço espontâneo da “favela” enquanto formação pertencente à promoção do capital e resultado do jogo urbano, precisamos pensar tais espaços fora da perspectiva da ilegalidade, apenas.
(9)
(LAGO, 2003, Pág 3)
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“Uma questão a se pensar é se nessa disputa simbólica há uma reafir mação do “outro” como excluído, destituído de direitos, como não cidadão. Dois movimentos contraditórios estão por trás desse confli to. Por um lado, quando o morador de “favela” se utiliza do termo “comunidade” para nomear seu lugar de moradia, ele reafirma esse lugar como uma unidade fechada, ele reafirma a particularidade do seu território em relação à cidade, negando o estigma que ele carrega, mas aceitando e colocando esse estigma em outras favelas, reafirman do, portanto, o termo.”(10)
A colocação do termo “comunidade” se coloca com a representação desses espaços para os próprios moradores e o acesso dos mesmos aos equipamentos presentes na cidade conflitando a noção de criminalidade ao espaço de moradia. Esses conflitos aparecem com o espraiamento das relações de mercado, o acesso da população da “cidade informal” a criação de uma camada de consumo para tal população. A representação do assentamento da “favela” como ocupantes da terra alheia, portanto, como responsáveis pela ilegalidade se choca com sua capacidade de consumir, pagando pelo direito à cidade.
(LAGO, 2003, Pág 3)
(10)
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montagem com base na série EntreVistas de Cláudia Jaguaribe
Se propõe, dessa forma, a reposição do termo “favela” desligado do sua característica de assentamento irregular, portanto: favela, nesse trabalho, se colocará como a terminologia do capital para os espaços de criminalização da pobreza; o posicionamento, muitas vezes irreal, da criminalidade no espaço urbano; e a disputa da imagem (e invisibilização) da pobreza enquanto reflexo da promoção do capital. Pretendo, com o posicionamento do termo, refletir maneiras de desmistificar os espaços de modo a não promover remoções arbitrárias de habitações já consolidados nas dinâmicas locais (com o pretexto apenas da irregularidade do assentamento), promover equalizadores das desigualdades à partir das leituras do local, promover espaços que possivelmente possam englobar a pluralidade e entender que a promoção do capital não se encerrará com a recolocação das pessoas no espaço urbano. O posicionamento crítico em relação aos termos, planos diretores e políticas públicas hegemônicas, etc, é a nossa única ferramenta para a aplicação imediata do projeto urbano/arquitetônico de maneira a deixar espaço para uma possível revolução das formas sociais de produção do espaço.
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referência de projeto Com todo o posicionamento teórico colocado, como encontrar uma referência projetual que abarque todos os questionamentos colocados? Como não cair na falha de tentar resolver projetualmente o capitalismo enquanto sistema opressor? Pretendo trazer a referência das Bibliotecas Parque de Medelín não como detentoras de todos os elementos projetuais que utilizarei como ferramenta, mas como um exemplo de tentativa de promoção de políticas sociais, educacionais, culturais em seus bairros circundantes.
“[...] usar a arquitetura pública como meio para alcançar uma rein venção das práticas sociais” (11)
A tentativa dos projetos de tentar ressignificar as manchas de violência da periferia da cidade, além da tentativa de transformar o que se coloca como “espaço do pobre” é de grande validade em um viés de modificar o que se coloca socialmente como favela, espaço da criminalidade e mazela urbana. Há a presença significativa do Estado na paisagem da periferia, cuidado na qualidade arquitetônica dos projetos, promoção de um ambiente livre multifuncional e de inclusão social na sociedade contemporânea.
(MONTAYA , 2014)
(11)
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“Além desse “contraste arquitetônico dos prédios da biblioteca com os seus arredores, os edifícios também pretendem construir ‘con trastes históricos’”. Esses “contrastes históricos” são expres sos pelos locais escolhidos para esses edifícios: todos eles estão em lugares que têm uma história recente de extrema violência (campos de execução, bases de tráfico de drogas, prisões) que lembram a “Me dellín dos cartéis” . A intenção do projeto é usar os locais e a “arquitetura monumental” dos edifícios das bibliotecas como sím- bolos de modernização social (social upgrading) bem sucedida.” (12) Claramente questões de salubridade, saúde pública, vulnerabilidade social, etc, aqui não abordadas na questão da moradia não podem ser ignoradas, mas, nesse trabalho, o foco é recolocar os espaços públicos ligados a favela de modo a modificar sua visão no panorama da metrópole; entender as necessidades de desenvolvimento social, profissional e pessoal das classes sociais oprimidas.
(12)
(CAPILLÉ, 2017, link1)
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bibliografia
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ARANTES, Otília - “Gentrificação Estratégica”; 2000 BERTH, Joice - “Cidades Plurais” - IX Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico; 2017 CAPILLÉ, Cauê - “Arquitetura como dispositivo político: introdução ao projeto de Parques Biblioteca em Medellín”; 2017 HARVEY, David - “O Direito à Cidade”; 2012 HENRI, Lefebvre - “O Direito à Cidade”; 2000 JAGUARIBE, Cláudia - “EntreVistas”; 2014 LAGO, Luciana - “Favela-loteamento: reconceituando os termos da ilegalidade e da segregação urbana”; 2003 Planos Regionais das Subprefeituras - Quadro Analítico; 2016
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