Grifo 12

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Papo reto com Abrão Slavutzky

Nº 12

SET

2021 C A R T U N I D S O T S A S J O R N A L

“O dia em que houver

lugar de fala no humor, acaba o humor”Página 19 O Afeganistão no Novo Grande Jogo Página 11

D A G R A F A R

O incrível agosto de Bolsonaro


editorial

Agosto e política

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ossa ideia era uma edição sobre as mentiras de Bolsonaro. Foram 1.682 em 2020, calculou a ONG londrina “Artigo 19”. Entidades de checagem brasileiras confirmam a compulsão mitômana do presidente. A “Aos Fatos”, por exemplo, identificou 3.151 mentiras em 896 dias de governo (até 15/06/2021). Até na ONU ele mentiu. Pedimos ajuda ao Abrão Slavutzky para entender essa estratégia política (Papo reto, pág.19) Mas o bolsonarismo age acreditando no que diz e nos motivou a ampliar a pauta. Agosto é um mês de grandes fatos na história brasileira. Alguns como tragédia que entraram para a história, como o suicído de Vargas em 1954, a Campanha da Legalidade em 1961. Outros foram farsa mesmo, a renúncia de Jânio Quadros no mesmo agosto da Legalidade, o golpe contra Dilma Rousseff em 2016. Agosto de 2021 foi um retrato desses cinco anos, analisados por William Nozaki na página 4. Pressionado pela mobilização popular e por relatório de uma CPI, Collor confiava que superaria agosto de 1992. Mas as consequências começaram em setembro, e em outubro ele caiu. Agora um é conselheiro do outro, o que pode ter motivado o presidente a pensar num agosto todo seu, que não lembrasse Getúlio nem Brizola, mas

também não terminasse como os outros Assim, imaginou-se uma grandiosa manifestação de apoio das forças armadas em Brasília, uma retumbante vitória do voto impresso, do distritão, enormes manifestações populares em defesa da violência. Outra ideia foi ameaçar o Judiciário outra vez, agora, com um pedido de impeachment. Nada disso deu certo para o governo. Alguma coisa ele venceu: privatizações, liberações na legislação trabalhista e qualquer projeto que favoreça os muito ricos ( aumentou em 42 número de bilionários brasileiros) e prejudique pobres e classe média, isso passou. O cercadinho continua com público que aplaude frases como “todo mundo tem que comprar fuzil. Aí, tem idiota que diz ‘ah, tem que comprar é feijão’”. O cercadinho, que já foi maior, aplaudiu. Quem não pode comprar fuzil nem feijão sentiu-se mais abandonado. O agosto de Bolsonaro terminou com essa e outras frases infelizes oficiais ( “Quem mal tem a luz aumentar um pouquinho?”, disse o ministro da Economia; “Universidade é para ricos”, disse o da Educação;) e índice de aprovação em baixa: 24%, o pior de todo o mandato, com 45% considerando o governo ruim. Ainda bem que Slavutzky não falou só de mentira. .

O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Diagramação: Caco Bisol. Participam desta edição: Alisson Affonso, Aroeira, Bier, Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Castelo, Carlos Winckler, Carol Cospe Fogo, Celso Vicenzi, Charles Preto, Dalcio, Dóro, Edgar Vasques, Edu, Eduardo Simch, Eugênio Neves, Georges Conde, Guazzelli, Ivo, J. Bosco, Janete Chargista, José Evaristo Villalobos (Nobrinho), José Weis, Jota Camelo, Julia Dantas, Karina Schröder, Kayser, Lor, Lu Vieira. Luca, Marco Antonio Villalobos, Millôr Fernandes, Moisés Mendes, Mouzar Benedito, Nando Motta, Óscar Fuchs, Rafael, Rodrigo Schuster, Santiago, Schröder, Schuster,Tarso, Wagner Passos, William Nozak E mais: Brady (Cuba), Kcho (Cuba), Marghe Allegri (Itália), Mia Couto (Moçambique), Mongo (Cuba)

EX PE DI EN TE grafar.hq@gmail.com

EUGÊNIO NAVES

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incrível agosto

Diálogos imaginários num agosto real – De quem foi essa ideia de tanqueata dia 10? Não tinha 50, não durou 10 minutos e muitos convidados não apareceram. – Não sei. Sacagem, pô. Podiam ter trocado alguns por outros mais novinhos. Vou mandar investigar. Outra coisa… – Não deu, gente, não deu. – Quer explicar pra que entrar assim, correndo, afobado? – O pessoal do Congresso não teve medo da demonstração de força do governo e não aprovou voto impresso nem distritão. – Cáspite! – Cáspite? – É, que merda! Quer dizer, que pena. O que vamos inventar pra passar a privatização dos Correios, a minirreforma trabalhista, disfarçar a notícia do aumento da gasolina, da inflação? Outra coisa... – Já sei! Eu ouvi o final da conversa de vocês. Vamos pedir pra aquele

ex-deputado gravar outro vídeo, defendendo armamento da população, acusando comunistas e satanás. – Não dá. Foi preso há pouco. – Mas tem aquele cantor que se decepcionou com a política. Agora ele recebe aposentadoria de deputado e nos apoia. – Eu sei como contatar com ele. – Ufa! Estamos conseguindo: passou a reforma trabalhista na Câmara, falta só no Senado. O ministro do trabalho vai dar uma pressionadinha. – Feito! O cantor sertanejo fez uma manifestação corajosa em defesa do presidente e ameaço2u o Supremo. Agora, eles se borram todos. – Sim. E o mito pediu impeachment do Moraes. Agora a coisa vai. – Falta mais algumas declarações impactantes. Outra coisa... – Não falta mais: o ministro da Educação disse que “universidade é para ricos” e disse também que é contra o inclusivismo.

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– Inclusivismo? – É. Essa coisa de colocar deficientes com normais nas salas de aula. Disse que eles não aprendem e só atrapalham. – Essa foi muito boa. – Ih, o cantor sertanejo se arrependeu e pediu desculpas. Tá choramingando nas redes. – Cáspite – Agora só nos resta o mito. Olha ele aí na TV. – Povo armado jamais será escravizado. Tem que comprar fuzil. Aí vem o idiota e diz: “Ah tem é que comprar feijão”. Se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar. – Palmas, palmas. Isso sim. Claro que ter fuzil é melhor que comer feijão. Eu, por exemplo, só como picanha. Outra coisa... – Vejam a coerência dele. Em Goiânia, ele empunhou um violão como se fosse um fuzil. – Pô! O Congresso não aceitou o impeachment de Moraes. E o Judiciário disse que não aceitava pressão. Qual era a outra coisa que você queria falar? – Alguém me tira essas algemas… (Marco Antonio Schuster)


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Brasil: 5 anos de golpe e destruição William Nozaki*

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m 2021 completam-se cinco anos desde que um golpe jurídico, midiático e parlamentar interrompeu, sem crime de responsabilidade, o mandato da presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff. Desde então os governos Temer e Bolsonaro têm promovido o mais severo desmonte dos direitos e das políticas públicas brasileiras. Neste período o Brasil tem enfrentado a mais grave crise da história republicana, com um rastro de morte, doença, desemprego, fome e carestia. As falsas promessas dos que apoiaram a farsa do impeachment não se cumpriram e o país tem sido assolado por autoritarismo, conservadorismo e negacionismo. A agenda neoliberal, derrotada quatro vezes seguidas em eleições presidenciais, mas que foi retomada com o golpe, tem promovido a destruição do Estado de bem-estar Social, o desmonte dos instrumentos do Estado desenvolvimentista, além de ameaças contra o Estado democrático de direito, concorrendo para encolher, inclusive, o papel do Brasil no mundo. Passados cinco anos do golpe e dois governos comprometidos com a austeridade fiscal e a devastação do Estado, os resultados são desastrosos. Não faltaram medidas de ajuste: foram feitas duas reformas trabalhistas e uma previdenciária; adotadas duas novas regras fiscais – o teto dos gastos imposto pela Emenda Constitucional 95 e a chamada PEC emergencial; o Banco Central tornou-se independente; empresas públicas foram privatizadas. Como o diagnóstico era falso e equivocado, o Brasil não voltou a crescer de forma sustentável. Ao contrário, o desequilíbrio fiscal persiste, a infla-

ção voltou a assombrar, a economia brasileira está menor e fora da lista das dez maiores do mundo, a população está mais pobre e assolada pela fome, o meio-ambiente devastado por queimadas e pela expansão predatória da fronteira do grande agronegócio. Em suma, a economia brasileira piorou após o golpe. O diagnóstico equivocado propiciou condições políticas para remédios desnecessários e destrutivos. Os governos Temer e Bolsonaro, comprometidos com um modelo de ajuste que fragiliza os fundamentos macroeconômicos, aprofundaram os desequilíbrios, não promoveram a retomada do crescimento, aumentaram o desemprego e a fome, tornaram a população mais pobre e o país mais desigual. Desde então, o ódio e o ressentimento têm dividido a Nação e dado voz a uma extrema-direita obscuran-

Brasil: cinco anos de golpe e destruição Sandra Brandão (org. ), 320 p. Fundação Perseu Abramo https://fpabramo. org.br/publicacoes/ estante/brasil-cincoanos-de-golpe-edestruicao/

tista e violenta que havia sido relegada ao ostracismo político desde a redemocratização. A construção da narrativa antipolítica e a criminalização do PT estimulada pelos abusos judiciais e pelo lawfare praticado pela Operação Lava Jato desaguaram no atual estado de coisas. Nesse contexto, a reconstrução do Brasil para o presente e a transformação do país para o futuro impõem a necessidade de um balanço sistemático de tudo aquilo que foi subtraído da Sociedade e desmontado do Estado nesse período. Nota: este balanço balanço é o exercício feito pela recente publicação da Fundação Perseu Abramo: Brasil – cinco anos de golpe e destruição. William Nozaki é professor de economia e ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).


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Saiu o golpe

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golpe foi dado, como era esperado, mas ninguém entende como esse tenente da Polícia Militar do Tocantins assumiu a liderança das forças armadas. É ele quem manda nos militares e delibera sobre o que fazer na área bélica para que Carluxo possa governar em paz. Sim, o golpe foi dado contra Bolsonaro, pelos três filhos. Carluxo governa com uma junta militar em

que esse tenente do Tocantins lidera um grupo com integrantes das três armas e das três facções de milícias do Rio. Tudo de acordo com a Constituição e sem pisar fora das quatro linhas. Bolsonaro está preso na Papuda com Paulo Guedes, Damares, Onyx e outros civis. Bolsonaro voltou a ter crises de soluços misturados a arrotos e suspiros. Alguns ministros fugiram para o Rio Grande do Sul e estão escondi-

dos em uma fazenda do distrito de Tupantuba, em Santiago. Os 6 mil militares que estavam no governo aderiram ao golpe, porque receberão salário em triplo, conforme promessa de Carluxo, e serão promovidos a marechal. Eduardo Bolsonaro, que já é marechal, chefia o Exército, e Flavio comanda a Aeronáutica e a Marinha como civil, para que possa tocar seus negócios. As instituições estão funcionando, diz uma nota do Supremo, assinada pelo presidente-interventor, que vem a ser Frederick Wassef, sim, aquele mesmo. O mercado financeiro recebeu bem o golpe, porque Carluxo tem compromisso com as reformas e a privatização dos prédios da Câmara e do Senado. O tenente do Tocantins, que chefia o golpe com mão de ferro, mandou vender todos os tanques de guerra que queimam óleo e enviou Augusto Heleno em missão de paz ao Afeganistão com um jipe, um cabo e um soldado. O clima em Brasília é de certa paz. O Congresso está fechado, mas os restaurantes estão abertos. Carluxo manteve o hábito do pai de falar no cercadinho da Alvorada, mas apenas acena, dá oi, bom dia, tiau e vai embora. O governo americano e os talibãs reconheceram Carluxo como presidente. Cientistas políticos entendem que, como o golpe foi dado pelos filhos contra o próprio pai, talvez não seja golpe, mas intervenção familiar. O tenente da PM do Tocantins, a figura forte do governo, que o Brasil todo conhece apenas como O Tenente, nomeou Braga Netto como seu ajudante de ordens. O PIB já cresceu 0,2% desde o golpe. A Globo está apoiando Carluxo, porque representa a renovação.


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Ideologia e desinformação

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uma espécie de compensação irônica, o vírus que nos jogou num quase insuportável isolamento e decorrente imobilismo também desencadeou um frenesi político inédito no mundo e, principalmente, no Brasil. Enquanto no Afeganistão os estadunidenses abandonam às pressas um país que ocuparam inutilmente por vinte anos, por aqui a CPI da Pandemia desvenda um cenário de crimes que são despejados de maneira convulsiva numa população meio anestesiada. Biden, a esperança democrata da esquerda mundial, embaraça os estadunidenses e surpreende o mundo com o discurso mais medíocre e comprometedor que um presidente deste país já fez. Nem Bush filho faria pior. Numa mistura de cinismo e irresponsabilidade anuncia o abandono daqueles a quem supostamente teriam ido salvar vinte anos antes. O resultado foi o previsível pânico com cidadãos afegãos sendo esmigalhados nos trens de pouso dos aviões e despencando em cenas inéditas de horror. Não satisfeito com o desastre do primeiro discurso, Biden faz um segundo discurso onde então revela que na verdade o talibã estava garantindo a saída dos estadunidenses do Afeganistão assim como estava vigiando

prováveis ataques terroristas por parte do Estado Islâmico, o que se confirmou dias depois. A mídia internacional, perdida entre farta ideologia e escassa e equivocada informação, patina em análises desmentidas nos minutos seguintes por uma realidade que parece cada vez mais um caleidoscópio. Enquanto isso no Brasil a estratégia de Bolsonaro parece ser alternar a intimidação com ameaças de golpe e a produção de escândalos numa velocidade e quantidade que obscurecem a realidade. A CPI vai trazendo a público uma trama grosseira e tosca que nunca procurou esconder os bandidos ou escamotear o plano, agora perceptível, de montar o maior esquema de corrupção da história brasileira a partir das propinas advindas das vacinas com preços incrementados pelo número dos cadáveres que ainda se avolumam numa dimensão recorde.

Tudo é superlativo no país: o número de mortes e contaminações, a dimensão do esquema criminoso, as ameaças à democracia por parte do próprio presidente e, principalmente, a ambiguidade com que a imprensa retrata este redemoinho de eventos. A imprensa nacional acompanha a histeria ideológica internacional e alterna um combate ao Bolsonaro corrupto e negacionista na saúde, mas preserva e mantém o Bolsonaro da economia que afunda o país numa inflação maquiada e em ópticas de concentração de renda que aniquila a recém surgida classe média brasileira. O bolsonarismo sem Bolsonaro parece ser o sonho da imprensa que acalenta uma suposta e mítica terceira via que parece ainda só existir nos delírios ciristas. Enquanto Lula exala sensualidade e amor numa arrancada que só será parada à força, Bolsonaro amarga um agosto de amargura que só não é maior que o dos brasileiros.


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Quem não quer a paz no Afeganistão?

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o momento em que mais uma vez a mídia estadunidense - e por extensão toda a mídia ocidental - tenta semear desinformação e histeria sobre os últimos acontecimentos no Afeganistão, se faz necessário colocar algumas coisas no seu devido lugar. Ou pelo menos tentar. Comecemos pelo “momento Saigon” que vive Cabul. Segundo o governo estadunidense, o seu serviço secreto previu a queda da capital para daqui a um mês. Se considerarmos que esse serviço secreto desmentiu categoricamente que havia armas de destruição em massa no Iraque enquanto o governo e a mídia dos EUA insistiam na mentira sobre sua existência, é bem possível que estejamos diante de uma nova fraude. Difícil de acreditar que os EUA não sabiam de antemão que sua retirada faria o “exército” afegão colapsar imediatamente. Então por que a mentira? Para Biden poder fazer exatamente o que fez: jogar a responsabilidade pela derrota sobre a “falta de vontade” dos afegãos para lutarem contra o Taleban. Esse “repentino” colapso e o caos gerado por ele também pode ser usado como justificativa para o abandono à própria sorte de todos os que colaboraram com a ocupação estadunidense. Numa retirada organizada não haveria desculpa para não levar aos EUA tudo o que eles não querem, ou seja, uma horda de refugiados. Outro tema que a mídia ocidental não toca é o que se refere às negociações que os governos russo e chinês conjuntamente vêm mantendo há um bom tempo com o Taleban. Zamir Kabulov, enviado presidencial especial da Rússia para o Afeganistão, declarou que tais negociações já vêm ocorrendo há sete anos. Foram exigidos certos compromissos, sendo que o

principal deles é não usar o território afegão como santuário para o terrorismo, a partir do qual se criaria na Ásia Central, onde há grande presença de populações muçulmanas, a instabilidade que tanto interessa aos EUA. A contrapartida à garantia da estabilidade é a oferta de estender ao Afeganistão um dos ramais da Nova Rota da Seda que conectaria a China ao Mar da Arábia. Tal acordo significa, também, a desclassificação do Taleban como organização terrorista e seu reconhecimento internacional como legítimo representante do povo afegão. Depois de vinte anos de guerra seria difícil de imaginar que o Taleban não aprendeu alguma coisa. Essa irrecusável proposta significa sair da ruína completa em que mergulharam

durante o longo conflito diretamente para um projeto de criação de infraestrutura que os conectará ao Novo Grande Jogo que é nada mais nada menos - para completo desespero dos EUA – do que a irreversível integração da Eurásia formando o bloco econômico mais poderoso do planeta. Obviamente os EUA não se conformaram com mais essa humilhante derrota e já estão agindo nos bastidores para impedir a todo o custo a volta do Afeganistão à normalidade. Já são claríssimos os primeiros indicadores da guerra híbrida que o império decadente começa a articular. O primeiro deles é, sem dúvida, a campanha pirotécnica pelos “direitos” das mulheres e meninas afegãs. (Eugénio Neves)


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O Afeganistão será aqui?

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questão do Afeganistão, em tempos de rede, possibilitou uma quantidade enorme de disparates e preconceitos, a maioria vindos de fora da rede. Tudo oriundo da má informação, interesses escusos e da histórica ignorância ocidental a respeito do que se passa além da Turquia. Primeiro, a sororidade substituiu a solidariedade. Se obviamente as mulheres afegãs precisam do apoio internacional em função do tratamento vil que sofriam a partir de uma leitura enviezada do Corão, não é menos verdade que toda a população foi submetida a uma brutal ocupação estrangeira de vinte anos depois de uma guerra que colocou no poder um bando de corruptos e traficantes de papoula que jogou o país num arremedo de democracia e aprofundou a miséria e as diferenças sociais – cenário que acalentou o talibã nestas duas décadas. Se esses fundamentalistas foram viabilizados pelos EUA na luta contra a União Soviética, é preciso compreender que hoje eles são a opção da população afegã para garantir sua identidade cultural e existencial. Se são indesejáveis, hoje são realidade: China e Rússia viram isto imediatamente. Como esperado, o desastre Biden se precipitou nesta questão internacional e, de novo, possibilitou que este grupo, e não qualquer outro, se apresentasse como alternativa de poder. A nova geração de talibãs está mentindo, como afirmam os “analistas” de plantão? Pode ser que sim e pode ser que não. A verdade é que se passaram vinte anos desde a última passagem do talibã pelo poder no Afeganistão e hoje a nova geração parece disposta a mantê-lo. As necessárias críticas culturais e de gênero ao

tratamento que os fundamentalistas reservam às mulheres precisam ser mediadas, primeiro pelo olhar a outros países da região, como Catar e Arábia Saudita, segundo por necessárias leituras de feministas muçulmanas. Sim, existe um feminismo que adota a religião na região para além do permitido e acolhido pela imprensa internacional. Atribuir barbarie ao oriente é um traço colonial do qual poucos escapamos. São clássicas as opiniões de pensadores como Hegel e Marx sobre a região e esta opinião permeia quase todo debate, mesmo o de esquerda ou feminista bem intencionado. Sem justificar o talibã, precisamos entendê-lo de verdade para

impedir que o fenômeno se repita com os fundamentalistas neopentecostais que já tomaram de assalto o governo e o parlamento brasileiros e se preparam para impor seu olhar pseudo teológico do mundo sobre o estado nacional. O objetivo da guerra híbrida, sabemos hoje, não é a tomada dos estados nacionais e sim a sua destruição. Portanto, defendê-los é a nossa tarefa histórica, ou então nos submetermos direta e docilmente às corporações que destroem estes estados com “primaveras” de climas tenebrosos. O aumento do feminicídio no Brasil, recorde no mundo, deveria nos fazer mais cautelosos nas análises. (Celso Schröder)


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O impasse emergente no Peru Carlos Winckler, sociólogo

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Peru vive dias de incerteza após as eleições para a Presidência e Congresso Nacional. Pedro Castillo, do partido Peru Livre, venceu Keiko Fujimori,da Força Popular, pela ínfima margem de 44 mil votos. Dois projetos em disputa: um de corte nacional-popular com programa moderado de governo, outro neoliberal autoritário na origem - e hoje algo matizado – imposto pela ditadura de Alberto Fujimori nos anos 90, nos marcos da Constituição de 1993, que ainda garante sua continuidade. O resultado foi contestado por Keiko Fujimori, que alegou “fraude sistêmica”, acusação rechaçada por observadores internacionais, pela OEA e pela justiça eleitoral. A campanha foi realizada sob clima de ódio insuflado pela mídia e por um antocomunismo retrógrado, que não fugiu aos padrões do que ocorreu no Equador, Bolívia, Brasil e que explode nas ruas da Colômbia, que realizará eleições presidenciais e legislativas em 2022 No discurso de posse em 28 de julho , Pedro Castillo ressaltou a necessidade de um pacto nacional, de redistribuição de renda, de mais investimentos em educação e saúde, de uma nova política de preços de combustíveis , vacinação em massa até o fim do ano, além de reformas constitucionais. No Congresso Nacional, com 130 assentos, nenhum partido tem maioria, as duas maiores bancadas, Peru Livre (37) e Força Popular (24), dependem de alianças complexas. Preside o Congresso , no biênio

2021-22, a Aliança Para o Progresso (APP) de orientação de direita moderada, apoiada para o cargo pela extrema direita fujimorista. Comissões decisivas, como a de Orçamento e Contas Nacionais e a da Constituição, às mudanças nas formas de financiamento das políticas públicas e à proposta de reforma constitucional, são presididas pela APP e pela Força Popular. Dividem os cargos do Conselho de Ministros, dezenove ao todo, dirigentes de movimentos sociais, técnicos experientes, esquerda moderada e Pátria Livre. Apenas duas mulheres integram o Conselho. Por regra constitucional, o Conselho deverá ser submetido à aprovação de, pelo menos, metade dos integrantes do Congresso. Caso não consiga, submete nova proposta. Há resistências ao primeiro ministro do Conselho, Guido Bellido do Peru Livre, aliado do dirigente partidário, Vladimir Cerrón, de orientação marxista, visto pela direita como o verdadeiro presidente. O Ministério Público abriu investigação preliminar contra Bellido por suspeita de terrorismo, a arma usual de acusação contra a esquerda, após a aventura senderista. Abriu-se também investigação preliminar contra Cerrón. Sob pressão da mídia e da direita, Castillo aceitou a renúncia de Héctor Bejar, indicado ao Ministério das Relações Exteriores, após esse, em entrevista, antes das eleições, ter afirmado, que o terrorismo fora iniciado pela Marinha Peruana nos anos 60. O substituto, por sua vez, foi visto com desconfiança pela direção do Peru Livre, por alinhamento à política intervencionista dos EUA. Pressões da mídia que acusa o Peru Livre de querer instalar uma ditadura, em particular do Grupo El

Comércio, da direita no Congresso, dos bancos, das mineradoras, as possíveis dissenções à esquerda parecem conduzir a um impasse entre executivo e congresso. Caso o Congresso negue a confiança a dois Conselhos de Ministros, resta a possibilidade do Presidente dissolver o Congresso e convocar novas eleições congressuais, conforme previsto pelo artigo 134 da Constituição. Todo esforço da direita pode se dirigir ou a colocar de joelhos o governo de Castillo, frustando a vontade popular, um revival do nacionalista Humala (20112016), que cedeu à lógica neoliberal, ou a forçar eleições com agitação callejera financiada pelo empresariado, que começa a ocorrer, provocando , no limite, a queda do governo. O Congresso, após dois dias de intenso debate, aprovou o gabinete liderado por Guido Bellido, por 73 votos a favor e 50 contra. A combinação de capacidade de negociação institucional e de mobilização social serão decisivas ao futuro do governo Pedro Castillo.

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os filhos do nobre

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Assim foi o Carlos Nobre, meu pai José Evaristo Villalobos, o Nobrinho

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eu pai foi humorista. Durante muitos anos teve uma coluna nas últimas páginas dos jornais Zero Hora e Folha da Tarde ensinando os gaúchos a lerem o jornal de trás para adiante. Faleceu em 1985 e até hoje é insubstituível reforçando a frase cunhada por ele próprio: “Não existem faculdades para humoristas”. Meu pai fez humor no tempo da ditadura e muitas vezes teve que driblar os censores que não acompanham sua graça. No momento das Diretas Já recebeu um pedido do então político Ruy Carlos Ostermann: “Nobre, faz uma frase sobre isso”. A frase do pai saiu na hora: - Diretas, volver!!! Meu pai foi muito amigo de Maurício Sirostky, o criador do império RBS. A Gaúcha Car, empresa que já não existe, centralizou toda sua propaganda de mídia em um funcionário seu: o Warney. Pois bem, quando a Gaúcha Car começou a falir o pai publicou: -A Gaúcha Car entrou em concordata? Pergunta pro Warney. Perto do meio-dia, recebeu uma ligação do seu Maurício, que estava furioso: “Nobre, viste o que fizeste? A Gaúcha Car tirou todos os carros e nossos repórteres só estão saindo usando táxis”. Havia uma permuta entre a RBS e a Empresa.O pai retrucou para Maurício: - Judeuzinho querido, gostaste da piada? Maurício respondeu: “Gostei” O pai finalizou: - Então te vira.Um beijo para ti. Outra: o Pedro Seelig, delegado do Dops, foi lá em casa e perguntou para o pai se ele conhecia algum co-

ARQUIVO DA FAMÍLIA

munista. O pai disse: ‘Claro’. Pedro foi mais além. “Podes dar os nomes?” O pai disse. “Sim. Trostki, Stalin, Lenin”. Seelig acabou indo embora com um sorriso amarelo no rosto. Sem mais perguntas. Meu pai sempre foi engraçado e corajoso.....Tenho muito orgulho de ser filho dele.


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Qualquer semelhança não é mera coincidência Marco Antonio Vargas Villalobos

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m 1954 Carlos Nobre iniciou sua carreira jornalística no diário “A Hora” criando junto com o chargista Sampaulo o espaço “Muro das Lamentações”. De lá até sua morte em 1985, foram quase nove mil colunas escritas em outros quatro jornais- Última Hora (UH), Folha da Tarde (FT), Zero Hora (ZH) e o alternativo Pato Macho. O humorista nos deixou, mas uma rápida pesquisa mostra que graças a um povo que não se ajuda, a ponto de levar ao poder uma espécie de franquia ocidental do Talibã, tudo o que foi ruim pode piorar. Querem ver? Por exemplo: mudem o nome de Lacerda para Bolsonaro: “Lacerda anuncia a próxima atração: golpe em agosto” (UH, 12/06/1963) Pense em um posto Ipiranga fazendo água em um governo responsável pelo empobrecimento geral do país, aumento da miséria absoluta e padrinho da volta da inflação: “Jornal de Roma proclama o Brasil como o país mais religioso do mundo. Também acho que seja. Pelo menos o jejum tem sido quase obrigatório.” ( ZH, 16/03/1981) “Leio que o salário pode melhorar no Brasil, mas não será suficiente. Aliás acho que só há uma solução: os salários de agora com os preços de 1920”. (FT, 05/06/1973) E o que falar sobre o negacionismo e corrupção criminosa em meio à pandemia que já matou quase 600 mil brasileiros? “Em São Paulo já morreram mais de 20 com meningite. Viram só que gente chata? Morrendo de uma doença que não existe. (FT, 21/08/1974, quando falar sobre o surto desta grave doença era proibido pela censura) Até o desfile do batalhão Brancaleone da marinha que serviu para de-

detizar a praça dos Três Poderes parece ter sido previsto poucos dias antes do golpe de 64. “A marinha brasileira está tão bagunçada que só falta agora o porta-aviões Minas Gerais ser rebaixado a porta-retratos “. (UH, 27/03/1964) Por qualquer motivo lembro Marx e sua lapidar sentença sobre a história acontecer como tragédia e se repetir como farsa. Mais do que nunca dois substantivos são tão adequados para definir os tempos em que vivemos neste Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.

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Em 1981, Nobre disse em entrevista ao jornal Tchê: “O mundo foi conduzido à justiça social graças aos grandes pensadores humoristas: Voltaire, Rabelais, Cervantes. Este último talvez o que deixou no mundo marcas mais profundas. O que é Dom Quixote? A justiça pelo riso. Portanto o mundo deve quase tudo ao humor.” Que se mantenham os que existem e que venham muitos mais. Carlos Nobre: PRESENTE! Saudades do filho e do leitor.


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PALAVRAS DA SALVAÇÃO Com um auxílio emergencial desses, o governo tá realizando o milagre da subtração dos pães.

Cedo ou tarde, essa fila do osso vai dar no cemitério. Saber envelhecer é um teste de paciência pras agências funerárias. 31 de julho foi o Dia do Orgasmo. Grande parte da população não teve socorro e foi pro autoatendimento. Não aceite o convite quando um canibal convidar você pra um dedo de prosa. Se todos os corruptos entrarem em greve, o governo cai em uma semana. Aquela fumaça dos tanques é camuflagem pra parecer floresta amazônica. Depois da promoção a marechal, vem aí a promoção a imperador...

- Esta cidade não registra mais mortes por covid? - Claro, morreu todo mundo. Se o Carluxo for pra mesma cela do Roberto Jefferson, ninguém vai comer ninguém. - Hmmm. Sua esposa cheira muito bem. - Que nada, o Aécio cheira muito melhor. Se queimar monumentos eliminasse a barbárie, Oscar Niemayer teria seu legado prejudicado. Pequenas empresas, grandes negócios: FUNERÁRIA SALLES - PLANOS DE CREMAÇÃO. Quer dizer que aquele helicóptero não tava carregado de vacinas???

Curioso pra saber que formato terá o primeiro foguete privado lançado por uma mulher. Não se iludam: o fundão eleitoral ainda não é o fundo do poço. O que vai acontecer quando Carluxo chamar Osmar Terra de “papai”? O centrão tá de corpo fechado. Ninguém tira do cu de ninguém. Se tem uma coisa que o Comando Militar sabe fazer bem é emitir uma comanda. Ofensa ouvida pelos descontentes nas ruas em Cuba: - Vai pro Brasil, carniça! Com esse papo de terceira via, acho que o Ciro Gomes tá mais pra Eduardo Leite... Mas é ruim esse Mito, hein? Nem adubo orgânico ele consegue produzir direito. Só no Brasil uma CPI tira férias. Quem garante que o país não acaba antes de 2022? Alguém já descobriu como a Joyce Hasselman se surrou?


papo reto com abrão slavutz

“A mentira política tem objetivos cruéis e destrutivos”

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papo reto com abrão slavutz

“Na essência do humor, a liberdade é absoluta.”

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Embora 62% dos acessos às crônicas de sextasfeiras do psicanalista Abrão Slavutzky no Facebook seja feito por mulheres, o Grifo escalou uma equipe exclusivamente masculina para entrevistá-lo: Caco Bisol, Marco Antônio Schuster, Moisés Mendes e Paulo de Tarso Riccordi. Não adiantou. Saiu uma entrevista “a favor”. Nos deliciamos com a fala e o pensamento generoso desse psicanalista “modelo clássico” de sua geração: produto da cultura judaica, formado em Medicina, com formação psicanalítica em Buenos Aires, produtor e usuário de humor, dedicado leitor da história, atento observador da condição humana. Ele destaca que sua área “não é a política, minha área é a Psicanálise para pensar a cultura”. (Revisão: Karina Schröder)

”Esse grupo

que está no poder ataca a memória e ataca a imaginação. Qual é o grau de imaginação que tem esse governo e os armados?

SCHUSTER - A mentira vem sendo usada no país como método de governar. Dizem que o presidente e seu ministério são mentirosos profissionais. ABRÃO – A mentira faz parte da condição humana. Já as crianças mentem e não há problema nisso; é saudável uma criança mentir, ela brinca com a verdade e com a mentira e depois diz “eu tava brincando”. É uma sensação de potência da criança enganar o adulto. A gente fala mentiras que eu poderia qualificar de inocentes, mentiras que não fazem mal, mentiras saudáveis, mas não é desse tipo de mentira que vocês perguntam. A mentira política com objetivos cruéis, é uma mentira sistemática, planejada, que busca enganar para destruir e devastar. É uma mentira para esvaziar a verdade dos fatos. Constroem mentiras que passam por verdades, e esse é o seu trunfo. O nazismo mentiu de forma planejada, como revela o livro LTI - a linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer, e convenceu o povo alemão de que seus grandes inimigos eram os judeus. Também criticavam


papo reto com abrão slavutz

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”As democracias já não são

ameaçadas por golpes externos, mas dentro das próprias democracias se organizam os ataques a ela.

o capitalismo, perseguiam e matavam comunistas, mas o grande inimigo a ser eliminado da Europa eram os judeus. “Por que perderam a Primeira Guerra? Por causa dos judeus. Por que o Tratado de Versalhes foi uma traição? Por causa dos judeus”. Organizaram um conjunto de mentiras bem montadas, que transformou os judeus em ratos, em seres desumanos. E pessoas cultas, como [Martin] Heidegger, ou Carl Jung saudaram o nazismo como algo maravilhoso. Nunca pediram desculpas por isso. Esse governo agora namora com o nazismo, como revelou um dos secretários de Cultura do governo. Um ministro e o presidente tentaram convencer o país que o nazismo era socialista. Nazismo e Fascismo foram irmãos na Segunda Guerra e seguem sendo. SCHUSTER – No nazismo já havia um regime de fechamento. O nazismo cresceu numa Alemanha que tinha passado por uma crise enorme desde o final dos anos 20, ainda que em 1932 até estava dando uma pequena recuperada. Mas o Brasil estava numa fase econômica muito boa, com a democracia funcionando bem. Apesar disso, como é que essa mentira consegue tantos apoios e tantos adeptos, consegue convencer tanta gente, a ponto de eleger o Grande Mentiroso? ABRÃO – Alguns psicanalistas já definiram o atual presidente como sendo um canalha por ser não só um mentiroso cruel, mas sem empatia, indiferente aos mortos e seus familiares, por desprezar a vida nessa pandemia

com mais de quinhentos e oitenta mil mortos. O Brasil está numa verdadeira marcha da insensatez, como definiu a historiadora Barbara Tuchman, analisando o que levou as civilizações à destruição, desde Tróia até o Vietname. Aqui foi eleito um presidente que só exalta as armas. Vi uma imagem recente de um carrinho de supermercado repleto de fuzis. Nada como um humorista para nos aliviar do terrorismo. Esse governo sempre assegurou que primeiro iria destruir muito no aspecto social, educação e cultura. E tudo piorou na pandemia, com um presidente negacionista, contra as máscaras, distanciamento e ainda atrasou a vacinação em meses preciosos, o que levou muitos a definirem ele como genocida.

lho da CPI. Tentam anular o enfrentamento e a resistência que os senadores estão fazendo. As pernas da mentira cresceram. É difícil tirar da cabeça de pessoas que já se acostumaram com uma determinada “verdade”. Neste momento a Democracia está sofrendo um ataque gigantesco. “Os partidos funcionam, as instituições funcionam”, mas a mentira tomou conta do espaço político. As mentiras vão direto para o whatsapp. Tu abres o celular e está lá a mentira. Mas não está só num, está no do vizinho, está no outro, em setores evangélicos, nos armados, em profissionais que deviam ter mais discernimento. Creio que a democracia ainda não tem armas eficazes contra isso.

TARSO - É um espanto como um Grande Mentiroso comanda esse país! ABRÃO - O livro A máquina do ódio, escrito pela jornalista Patrícia Campos Melo, é baseado nas reportagens que ela fez sobre as fake news. O “gabinete do ódio” e seu entorno aprenderam dos assessores de Trump e da Hungria como montar uma máquina de mentiras. A eleição do Bolsonaro foi planejada por grupos daqui e do exterior. Criaram uma facada e ele pulou de 17-18% pra 36% [de índice de intenção de voto] na véspera do sete de setembro. Um dia eu falei sobre a CPI com um conhecido, que disse assim: “Tu me falas bem da CPI, mas o presidente da CPI é um perverso!” Ele escutou isso que foi divulgado nas redes sobre uma perversão, sem provas, e assim anulou todo o traba-

TARSO – É interesse de classe. É brincar com o demônio achando que está bem preso pela coleira. É um grau injustificado de ingenuidade social e política dessa direita cheirosa. ABRÃO – Se a gente estuda a história brasileira logo percebe como essa turma no poder hoje é composta pelos herdeiros da mentalidade da Casa Grande. A gente pensa “ah, essa Casa Grande é coisa do passado”. Sim, mas veja que assim como o racismo não terminou com a abolição da escravatura. Os negros até hoje pagam com suas vidas, os pobres, os índios. Temos uma herança pesada. Getúlio Vargas, quando entendeu o Brasil e mudou, e foi no seu governo de 1951 a 54, quiseram depô-lo e ele se suicidou. Em 1961 ocorreu a Legalidade, que postergou três anos o golpe de


22 64, início da ditadura militar até 1985. Quando o país tinha recém trinta anos seguidos de democracia, criaram o golpe de 2016. A democracia brasileira é frágil e quem pensa, minimamente, no povo, prendem, exilam, matam ou são tratados como inimigos. Um general ministro do governo diz que não houve ditadura: “se houvesse ditadura teria morrido muito mais”. E não teve nenhum jornalista que perguntasse a ele quantos teriam que ser mortos para que se configurasse uma ditadura? Dois mil, cinco mil, trinta mil? O Brasil não fez acertos com a sua história, não puniu os torturadores. O Uruguai fez, o Chile fez, a Argentina está fazendo. Pelo lado da oposição se pagou com a prisão, tortura, muitos pagaram com a vida. Dizem ser o Brasil um país que não tem memória. Não é que não tenha memória, é que se importa pouco com sua história. Os professores ensinam sobre as invasões holandesas, as invasões francesas, mas não sobre a invasão portuguesa – esta terra foi invadida por Portugal – e também esqueceram de falar das invasões do Brasil pelos brasileiros armados associados ao agronegócio, aos banqueiros. TARSO – A democracia parece interessar só aos progressistas. Só nós defendemos democracia e direitos para todo mundo. Só nós garantimos, em nossos governos, a liberdade de todos e do banqueiro... ABRÃO – Os grandes inimigos da democracia – e isso já escreveu Tzvetan Todorov – são seus inimigos internos.

papo reto com slavutz As democracias já não são ameaçadas por golpes externos, mas dentro das próprias democracias se organizam os ataques a ela, esse é o neoliberalismo. Este ataque de agora foi planejado, e isso veio vindo nestes últimos anos desde 2013, que foi um ano importante desse ataque, quando no final dos protestos tinha gente a quebrar prédios, movimentos organizados. TARSO – Infiltração paga pela direita. A gente está numa situação difícil e pode piorar a curto prazo. Essa CPI da Covid começa a revelar algumas coisas espantosas. A gente intuía que havia muita negociata com as vacinas, além do atraso criminoso. A pressão contra essa CPI vai crescer, as dificuldades serão grandes, a CPI do Senado tenta ser o contraveneno à mentira. Talvez não tenha mais força que a mentira, mas está tirando algumas de suas máscaras. SCHUSTER – O que é possível para combater a mentira? Fazer redes sociais no mesmo estilo? ABRÃO - Não sei, mas será preciso aprender e se tardar esse aprendizado o país sofrerá ainda mais. Diante do veneno é preciso inventar contravenenos eficazes. Tua pergunta é importante e creio que mereceria muito mais atenção dos políticos, dos pensadores, da turma da informática. TARSO – E a não vontade de enorme parcela da população em cogitar que talvez o que ela ouve não seja verdade? A descrença sobre uma outra

”Dois regimes mentiram bem,

onde a mentira passou a ser uma coisa superorganizada e magnificamente executada: o nazismo e o stalinismo.

versão que não seja a versão que lhe apela. Isso é um processo psicológico ou auto referência cultural-ideológica? ABRÃO – Eis uma pergunta difícil, que expressa o espanto diante da crueldade, da ignorância Deveríamos não ter desistido de conversar com gente conhecida. Não fomos convincentes. Em alguns casos em que tentei e fracassei me senti em dívida, fiquei com um mal-estar. Entretanto, como disse o filósofo Vladimir Jankelévitch, há uma incurável tolice da mediocridade humana. O incrível é que precisamos lutar contra e não desistir jamais, porque se a gente desiste torna-se cúmplice da mediocridade. Confesso que já desisti, mas hoje estou de acordo com Jankelévitch. Aliás, foi lendo ele, a quem rendo tributo, que me convenci sobre o quanto o humor é essencial. Por fim, uma última reflexão sua que nunca quis escrever e é sobre a mesquinhez do coração do homem que não se pode extirpar. Mesquinhez que aparece como inveja, sordidez ou avareza inextirpável do ser humano. Relendo a entrevista desse filósofo francês do século XX, parece que ele falou para nós. Não respondi tua pergunta, só tentei dizer algumas palavras para seguir a conversa. TARSO - Para entender tua forma de pensar, como é ser um psicanalista que também pensa a sociedade? ABRÃO - Freud mudou sua forma de pensar a partir da Primeira Guerra Mundial. Primeiro ele esteve


papo reto com abrão slavutz ao lado da Alemanha, torcendo pela Alemanha - ele morava em Viena, império Austro-Húngaro. Os filhos dele foram pra guerra. Aí, em 1915 tem um choque de realidade e se dá conta do óbvio: a guerra era uma desgraça, um conflito destrutivo. Ao terminar a guerra ele escreveu um de seus livros mais importante, introduzindo a pulsão de morte, Mais além do princípio do prazer, onde Freud repensa o ser humano. Depois, A Psicologia das Massas, em que escreve que a psicologia é individual e, simultaneamente, psicologia social. É um livro essencial para se pensar as massas que buscam no líder um “ideal de Eu” para se identificar, ideal que a pessoa busca em alguém para conformar-se. O líder de uma massa, o Mito, representa uma parcela da população que prefere as armas à educação, fuzis e não feijão, despreza a cultura e as ciências. Como é que um quarto da população se identifica com um presidente assim? Forte, branco, simplório, arrogante, violento, onipotente, tem o apoio dos armados e seus apoiadores vibram com suas vociferações. Mas isso faz parte de um certo Brasil onde as armas são idealizadas, a justiça e a política desprezadas e um ódio aos que sonham com um país para todas e todos. SCHUSTER – A questão da mentira é que ela acaba gerando outras consequências, a violência, a crueldade, a covardia. Qual é a ligação entre a mentira e esse governo, que está sempre ameaçando se valer da violência? ABRÃO – A turma da crueldade tem um truque, que é fantástico: os violentos, os assassinos sempre se dizem inocentes. Fazem um processo que se chama de vitimização. O assassino se diz vítima, o Bolsonaro diz que não pode governar porque a Justiça não deixa, os governadores não deixam, os prefeitos não deixam. Ele se vende como um coitado, é uma vítima, não um incompetente. Os armados são vítimas, nunca são culpados de nada, não têm autocrítica pra fazer. No passado foram ao sertão baiano e mataram

”Os partidos

funcionam, as instituições funcionam, mas a mentira tomou conta do espaço político.

o Antônio Conselheiro e milhares de pessoas, mas não fizeram isso porque estavam a serviço dos latifundiários e sim porque os pobres “estavam fazendo bagunça, atrapalhando os negócios, eram perigosos”. A história brasileira não os julgou, como não os julgou em Santa Catarina [NR: na Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, morreram cerca de 8 mil pequenos proprietário rurais e mil militares]. Nunca foram julgados e aí a população pensa que eles não fazem o mal. TARSO – Nessa vitimização tem outro truque, não? Possibilitar que a população, que é vítima histórica das elites, se identifique com ele em relação aos poderosos. A esquerda participa da política, tem políticos, é parte dos poderosos; o juiz, liberal ou progressista, faz parte dos poderosos; e o Bolsonaro se diz contra os poderosos... identificação direta, o que aumenta o grau de perigo à democracia e a dificuldade de desmontar esse truque. ABRÃO – Muito grande. O esforço que a Globo faz hoje para desmontar o que ela mesma fez não é pequeno – e não assume nenhuma responsabilidade por isso! Mas eles trabalharam muito para isso. Era todo dia, todo dia, todo dia. Não foi pouco.

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TARSO – Não há perdão possível para a Globo. É cúmplice pelo assassinato da democracia no Brasil. ABRÃO – Uma violência que fazem no Brasil é o ataque à memória, e nós precisamos da memória para ter imaginação, precisamos da memória para pensar o futuro. Atacar a memória e atacar a imaginação. Qual é o grau de imaginação que tem esse governo e seus aliados? É o grau de imaginação do ódio, da guerra. Não é a imaginação da criatividade para construir o futuro. Hoje vivemos uma das piores invasões que o Brasil sofreu em sua história. Dividiram o povo brasileiro entre os que se beneficiam do governo e os opositores, tratados como inimigos de guerra. TARSO – Esse pensamento fascista, excludente, afora os primeiros anos da ditadura de 1964, sempre foi feito na surdina, não sei se por vergonha ou por prudência. Mas recentemente passaram a fazer isso em público, orgulhosamente. A invasão de terras indígenas é feita às claras, com argumentos: “eles (os indígenas) atrapalham o desenvolvimento, impedem a produção de alimentos, estão em cima de minérios valiosos, são preguiçosos”. Perderam a vergonha de dizer isso em público. E tem muita gente do povo, pobre, que concorda com isso! ABRÃO – O que acontece com o povo diante disso? O povo brasileiro ainda está bastante passivo. Mas olha o povo dos EUA, que deu 75 milhões de votos para o Trump e ameaça o eleger na próxima eleição. Nós estamos diante de uma situação nova na história. Essa máquina do ódio é muito bem organizada, incorporando as experiências dos Estados Unidos e da Hungria, que trouxeram para cá. Estamos diante de um problema muito difícil. MOISÉS – Eu gosto dessa conversa sobre a memória. Na Argentina eles têm um compromisso com o passado como coisa que não deve ser repetida. O Uruguai também tem isso. O Uruguai realiza, todos os anos, uma mar-


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papo reto com abrão slavutz

” Um cara que atacou nossa

memória foi o Rui Barbosa. Por que ele queimou todos os documentos sobre a escravidão no Brasil?

cha silenciosa pela memória pelos desaparecidos. Não é nem por todos os que foram mortos pela ditadura, é pelos desaparecidos. A Maria do Rosário [NR: deputada federal pelo PT-RS] propôs que, em nome da memória, se identifique os prédios onde mataram e torturaram durante a ditadura. A Alemanha tem isso com as marcas do nazismo, para que isso não aconteça de novo. Pela memória dos que foram torturados, mortos, desapareceram. A juventude não tem conexão com nosso passado. Temos que enfrentar esse problema. Na mesma semana, dois generais, dos mais importantes do governo, foram na Câmara Federal dizer que não houve ditadura! Olha o deboche desses caras! Gostei dessa tua fala sobre memória, porque é isso que vai nos proteger. ABRÃO – Se uma pessoa perde a memória ela perde sua vida, ela não sabe quem é. Convivi uma ou outra vez com pessoas que perderam a memória e é de uma tristeza sem fim. Estava o corpo, mas parecia estar sem alma. Gabriel García Márquez escreveu Viver para contar, mas para contar é preciso ter memória. Lembrar os brasileiros que lutaram contra a ditadura e foram torturados, mortos, faz parte da História. Criaram a ilusão, a mentira, que o Brasil é um país pacífico. Tentam esconder a nossa crueldade. TARSO – Esse é um dos grandes embates: a disputa pela versão do fato contra uma fábrica montada para produzir mentiras. Estamos a ouvir, agora mais do que há dez, vinte anos, que a ditadura de 1964 a 85 foi um período de progresso, com segurança, com desenvolvimento

social, sem corrupção, sem assaltos. Uma versão que a ditadura foi melhor que a democracia para a sociedade. Ainda estamos disputando versões sobre os últimos séculos! O que nos devolve ao tema da mentira utilizada como processo governativo. O surpreendente é a intencional confusão entre os fatos e as fake news, como modo de fazer política e governar, a um ponto de que tu não sabes mais o que é verdade. Aí começa a ficar difícil contrarrestar. É uma deliberação política confundir verdade e mentira. É o que possibilita dizer que “todos os políticos são iguais”, “todos são corruptos”, para, finalmente, tipos como Bolsonaro pedirem votos dizendo que são contra a política, contra os políticos, contra a corrupção da “velha política”. MOISÉS – Nós temos que inventar aqui alguma coisa pra levar pra rua a memória deste período, a memória dos que foram presos, torturados, desaparecidos pela ditadura. Temos que criar algum movimento de respeito pela História, temos que desenvolver um dever de memória. ABRÃO – Moisés fizeste uma observação importante: estamos conversando, estamos analisando, mas temos que fazer mais do que isso. Às vezes começo a falar sobre o Brasil e me emociono frente à injustiça, frente à desigualdade, o racismo estrutural, frente à crueldade. São temas que tocam, emocionam, atravessam a vida, nós que somos favorecidos nessa sociedade tão desigual. TARSO – Abrão, repetidamente, ao longo dos anos, e por vários meios,

tu declaras uma fé no humor. Inclusive do ponto de vista político. Tua maravilhosa crônica de hoje [20/8/2021] volta ao tema [“Combater a crueldade requer humor, poesia, ciência, construir a solidariedade, ir às ruas e apostar sempre no humanismo. Para imaginar o amanhã é preciso coragem, dignidade, sem esquecer que a covardia é a mãe da crueldade” - filósofo Michel de Montaigne]. ABRÃO – Sim, a covardia é a mãe da crueldade. Um torturador, ou quem elogia a tortura, são covardes, atacam pessoas indefesas. O mundo está dividido entre os bem humorados e os mal humorados. O [filósofo Ludwig] Wittgenstein disse que “o humor é uma forma de ver o mundo”. Se os humoristas conseguissem convencer o mundo sobre sua forma de ver a vida, o mundo seria melhor. Eu tenho fé no humor porque as melhores coisas da minha vida foram graças ao humor: O humor brasileiro, o humor judaico, o humor argentino. Se tenho alguma oração, alguma reza, ela tem no humor seu cerne. O humor está ligado ao amor. Amor sem humor é chato. Tu imagina um cara mal humorado pra fazer o amor. O humor é uma vacina contra o desespero, já o governo brasileiro não tem humor, tem ironia - e ironia das mais grosseiras, da mais vergonhosa. Não é uma ironia fina. O nazismo não tinha humor, o stalinismo não tinha humor. Os humoristas eram caçados e mortos. Eu tenho fé e ao mesmo tempo tenho ceticismo, sou da geração de 68, depois encontrei a Psicanálise e cheguei, mais uma vez, ao humor. O Luís Fernando Veríssimo escreveu na orelha


papo reto com slavutz do livro Seria trágico se não fosse cômico que o humorista e o psicanalista fazem o mesmo: procuram o outro lado das coisas. MOISÉS – Existe “lugar de fala” no humor? Por exemplo, só judeus podem fazer humor sobre judeus? ABRÃO – O dia que houver “lugar de fala” no humor, termina o humor. Entretanto, gosto da expressão “lugar de fala”, uma forma pela qual a cultura negra defende seu espaço para falar de temas antes só abordados por brancos. Já o humor ou é livre ou não é. Claro que tem leis, mas a liberdade tem que ser exercida plenamente. Um exemplo é que o melhor do humor judeu é sua irreverência com Deus, ou com o Povo Eleito. O Otto Maria Carpeaux contava uma história, ambientada em Praga de 1934, em que um judeu diz pro outro: “Os tempos estão cada vez piores. Tem muito antissemitismo!” Aí o outro diz: “Mas não esqueças que somos do Povo Eleito”. Aí o primeiro diz: “Pô, mas já não está na hora d’Ele escolher outro povo?!”. SCHUSTER – O melhor humorista é o que ri de si mesmo. ABRÃO – Sem dúvidas, precisamos aprender a rir da seriedade que temos, até dessa nossa conversa que gosto, mas estamos pesados, numa realidade pesada. Com respeito pelo luto e aproveitando a pergunta sobre o humorista, recordo duas coisas: uma é o humor do povo brasileiro. O Gregório Duvivier, no Gregnews, tem nos alegrado e revelado muita coragem. Ele tem

um vídeo inteiro só sobre o Exército que vale a pena ver. Aqui temos Grifo, que é um polo de resistência. Já tinham feito aquela exposição na Câmara de Vereadores [NR: ação da Grafar - Grafistas Associados do Rio Grande do Sul – contra a censura de uma exposição de humor no Legislativo de Porto Alegre], bons humoristas, com boas histórias. A segunda coisa que desejo lembrar é o quanto o humor é um jogo. Duas questões finais: creio que a nossa conversa foi boa, mas muito séria. O humor é coisa séria, mas prima pela leveza, o humor sabe brincar mesmo em tempos de terror e morte como os que se vive. Recomendo, finalmente, o documentário Tarja Branca, dirigido por Cacau Rhoden, que está no NOW e no Youtube. Revela um Brasil colorido, que sabe brincar, dançar, cantar, se divertir. Quase todas as danças, a música, a ginga vieram dos negros nas sofridas e mortíferas senzalas. Precisamos nos cuidar para não afundar e mesmo em tempos sofridos precisamos não esquecer o quanto o brincar é essencial para tudo. É uma potência de vida, cura para muitos males, pois há nas crianças uma beleza que é preciso recuperar. SCHUSTER - Humor é coisa séria? ABRÃO - E agora? Escrevi um livro ao longo de anos para tentar demonstrar que é, mas vocês sabem, por experiência, que o humor quase não entra na Academia, é um tema marginal até na Psicanálise. O humor só é levado a sério mesmo quando toca o autoritarismo. Eles têm suas razões, ficam incomodados de serem defini-

”Nós temos uma rebeldia

que nos leva a sempre lutar contra a injustiça, a sempre lutar pela liberdade, a sempre lutar pela democracia.

25 dos como genocidas, cruéis. Parêntesis: pode um presidente pedir a seus seguidores invadirem hospitais? Aqui pode. Aliás, o humorista Aroeira foi processado pelas suas incríveis charges sobre esse triste episódio da História Brasileira. O humor é um dom precioso e raro, como definiu Freud há quase cem anos em seu breve estudo Humor. Nunca tinha lido uma exaltação desse homem tão reservado e que adorava contar e escutar piadas. Nesse final de boa conversa, peço licença para um comunicado que pode interessar: em outubro a editora Diadorim fará cinco anos e lançará o livro Imaginar o amanhã, feito pelo Edson Luiz André de Sousa, amigo, colega, estudioso de arte, utopia e psicanálise, doutor e pós doutor, e por mim. Nosso trabalho começou em 2019 e atravessou a pandemia. Foi um esforço que fizemos pra refletir sobre o que acontece aqui hoje a partir da nossa vivência como analistas inquietos diante do autoritarismo. Imaginar é um ato que instaura espaços de revolta e de esperança, abre para o desconhecido e traz o ontem para o hoje e assim pensar o amanhã. A luta pela democracia é um caminho sem fim e imagino que devemos nos sentir bem pois nossas armas são o amor ao conhecimento, o amor à paz, o amor ao nosso povo, pois foi aqui que nos formamos. Temos todos obrigação de seguir, nunca desistir dos sonhos para seguir imaginando o amanhã.


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só carm


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culra

Inusitado narrador Julia Dantas

É

verdade, eu sou uma vergonha. Uma chaga, dizem alguns. Um engano, dizem aqueles que um dia me defenderam. Sou mais um filho bastardo num país que é todo nascido da bastardia. Sou filho da sanha estrangeira com o ódio nacional. Sou um mestiço que ri na sua cara. Porque sou uma vergonha na terra dos desavergonhados. Sou rico. Porque sou um bastardo muito bem-nascido. Agora ninguém é meu pai, mas acredite, eu valho milhões. Sou a cara do poder. Sou a dentadura cheia de cáries do poder. Sou a mordida e o sal na ferida. Você acha que sou coisa do passado, mas ainda tenho muito sangue para derramar. Alguns bondosos me chamam de cego. É mais fácil tomar por cegueira o que eu sempre tive de maldade. Me veem como máquina calculadora, mas eu sou ave de rapina. Me veem como acidente, mas eu fui orquestrado com lerdeza. Fingem que não me veem, mas eu assombro as suas casas cada minuto do dia. Sou aquela sensação de que você já viu esse filme e o elenco tinha os mesmos sobrenomes. Eu sou um riso de escárnio que ressoa cinco séculos para trás e um século para frente. Sou varíola numa tribo indígena. Sou o balaço nas costas de um negro. Sou a fome na boca do pobre. Sou a infecção de um aborto ilegal. Sou o rasgo em uma vagina estuprada. Sou quem pergunta “há uma mulher em volta dessa vagina?”. Sou o silêncio na rua que é interrompido por mais uma bomba de gás. Sou a asfixia do gás lacrimogêneo. Sou o bandido bom; vivo e gravata na televisão. Sou a piada que os banqueiros compartilham no churrasco sobre quebra de vitrines. Sou a taxa de juros que você não consegue pa-

GEORGES CONDE @CONDE_ARTESANATO

gar enquanto os banqueiros comem picanha. E riem. Eu sou muito riso de muito escárnio. Eu sou o recalque de quem espanca trans para não virar viado. Sou o cu sujo e sedento do macho viril. Sou o rosto que se vira diante da sapatão. Sou a camisa de força no corpo do bailarino. Sou uma mortalha de falso moralismo e não vou descansar até o último artista engolir uma hóstia. Eu arroto champanhe francesa e janto guisado de trabalhadores. Eu sou uma velha múmia com roupas novas costuradas por bolivianos sem passaportes. Eu sou malas de dinheiro. Eu sou fazendas apinhadas de escravos. Eu sou Miami. Eu sou sertão. Eu sou aposentadoria em Portugal. Eu sou cama de papelão debaixo da marquise. Eu sou um crime. Mas nem sem-

pre. Eu sou um crime. Mas não para todos. Eu sou o perfume sofisticado de um juiz e o cheiro podre da justiça. Eu sou a tornozeleira eletrônica apeluciada e o mijo de rato na cadeia superlotada. Eu sou a punição. Eu sou a cova rasa de quem se preparou para o velório dos outros. Sou um homicídio que deixou muita sujeira. Eu sou um massacre cirúrgico. Sou a forca que dança no seu pescoço. Sou o lembrete de qual é o seu lugar. Nunca esqueça qual é o seu lugar. Ainda mais se você for mulher. Ainda mais se você for a primeira mulher presidenta de um país. Quando você tentar tirar a corda, mais vai apertar o nó. Por baixo de trapos de legalidade, meu nome é golpe. Julia Dantas é autora do livro Ruína y Leveza.


culra

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Alemão Guazzelli vai à praia CENA 1 INT - NOITE - DENTRO DA CABEÇA DO ELOAR ELOAR 1- Precisamos fazer algo, depois de uma curva ascendente o desenho de ontem foi muito pouco curtido… ELOAR 2 - Também, as pessoas querem desenhos bonitos e temas alegres e ali não tinha nada disso (.) ELOAR 3 - O assunto é sério...Ele anda triste...quando

olha as curtidas para os amigos desenhistas de sucesso a coisa piora ..MUITAS CURTIDAS...e ele ali na armadilha das curtidas médias...e o número de seguidores então nem se fala. ELOAR 1 - Discordo...isso é deprimente e ele sabe...viramos uma seita...contando seguidores. Que medo! ELOAR 2 - Pragmatismo rapazes...pragmatismo… gente pode significar trabalho, encomendas...

ELOAR 3 - Piorou... vida de bunda na janela atrás de servicinhos enquanto o universo assiste o espraiar da inveja. ELOAR 1 - Não concordo. Inveja é pensar que o outro não merece reconhecimento e que a gente é que deveria estar lá no seu lugar. O caso é apenas de cobiça, ou seja, parabéns pra quem conseguiu, mas a gente também quer um reconhecimento. ELOAR 3 - Igualmente DEPRIMENTE.


culra

ELOAR 1 - Se você conhece um artista que goste do silêncio me apresente. ELOAR 2 - Bom, se pensarmos que Jesus começou com 12 quadros...contando familiares e tal mais a Maria Madalena dá uns 50 pelo menos… ELOAR 3 - Então precisamos arrumar um São Paulo ahaha(.) ELOAR 1 - Não acho graça, o caso é sério...ele anda esquisito... pegando lenha por aí… deixando as frutas apodrecerem…

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ELOAR 2 - Estudando Mandarim...só falta voltar a desenhar aquela cidade inútil, aquilo toma um tempo enorme.

SOM DE ALARME INTERROMPE A CONVERSA

ELOAR 1 - E as leituras da quarentena então? A Peste de Camus e agora uma biografia do Mussolini, tudo muito relaxante.

EXTERIOR - PRAIA LITORAL GAÚCHO ( ANOS 70)

ELOAR 3 - Acho que é mandinga… ELOAR 1 - Foco por favor. Precisamos ...

Alerta de pesadelo ! Alerta de Pesadelo

Menino olha para o mar. Um elefante sai da água na sua direção. POLVO - Você voltou no tempo e vai reviver sua vida.


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ras

Wagner Passos

Lu Vieira

O amor é… O amor é cafona. Está fora de moda. Não há espaço para o amor. Quem ama está alienado, fora da realidade. O mundo inteiro desabando e duas pessoas se amando. Onde já se viu? Como pode caber tanto amor? O amor é para os inúteis. Para quem tem tempo a perder. O amor deveria ser algo só para os ricos. Esses sim tem o dinheiro, a beleza e a chiqueza para amar. Onde já se viu, dentes amarelos, sem lentes brancas, se beijarem? Onde já se viu, pessoas de meia idade, pessoas da terceira idade, sem corpos malhados, se amarem? Brilho nos olhos. Essa luz no fim do túnel. A dobra do tempo e do espaço. Onde o nada é tudo. O completo é absurdo. O infinito que não cabe em si. Sim, o amor realmente é para poucos. O amor... é para os loucos. (Wagner Passos)

MORGANA, A BRUXINHA Celso Schröder


ras COLARINHO, PÃO E VINHO J. Bosco

ONOFRE, O GAUDÉRIO DE APÊ Óscar Fuchs

BIOMA PAMPA Celso Schröder

RANGO Edgar Vasques

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Terra era redonda e está ficando chata José Weis, jornalista

J

osé J. Veiga (1915-1999), escritor e jornalista brasileiro que publicou obras como A Hora dos Ruminantes e Sombra de Reis Barbudos, referências do chamado realismo fantástico brasileiro. Veiga também foi considerado um mestre do conto, como é o caso de Os Cavalinhos de Platiplanto, seu livro de estreia muito bem recebido. Escritor para os que querem aprender a escrever, o autor de Os Pecados da Tribo não é tão popular. Porém seus livros, sua prosa e suas histórias são acessíveis a todo e qualquer leitor. A leitura de seus livros traz sempre a surpresa, o inesperado.

De Jogos e Festas (Companhia das Letras, 2016) reúne três novelas que dão uma excelente ideia do talento de José J. Veiga em contar envolventes histórias. Quando a Terra Era Redonda é um ótimo exemplo disso. Quando a Terra Era Redonda começa assim: “Difícil acreditar que esta parte da Terra já foi redonda” (...) “O que sabemos é bem pouco, mas já dá para concluir com relativa certeza que esta nossa parte da Terra não foi sempre chata como a vemos hoje”. Na sequência, aparece um tal dr. Emílio Sorensen de Moura, “lamentavelmente desaparecido em fins de 1978 numa expedição ao Alto Xingu. Durante anos o dr. Sorensen vinha recolhendo provas e indícios da redondeza da Terra”... À surpresa e ao inesperado do eu estilo de José J. Veiga acrescente-se o humor e a ironia, o resultado é uma deliciosa leitura. Tem tudo a ver com o que se vive neste país. A insensatez (perdão, Tom e Vinícius) nos tempos de pandemia dá nisto, a Terra é plana mesmo? Em pleno século 21, haverá aqueles que pleitearão pela volta da fogueira da imbecilidade. Depois de Galileu, após Gagarin, o Grêmio e o Colorado pintaram o planeta de azul e depois vermelho, tem gente que tem fé demais nisso tudo. Boa leitura, antes que este livro entre para o índex da grei bolsonarista. Este livro premiou o autor com o troféu Jabuti, em 1981.

Nilson Lage

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jornalista e professor Nilson Lage conversou sobre o jornalismo brasileiro na quinta edição do GRIFO, talvez tenha sido sua última grande entrevista. Criticou que “os veículos da mídia profissional”, submetidos ao grande capital, “interpretam o mundo com o olhar dos banqueiros”. Saída para o impasse: “O jornalismo terá que ser reinventado”. Como? Apresentou algumas ideias. Faleceu em 23 de agosto de 2021, por causa de um câncer no pulmão. Carioca, depois de se aposentar da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mudou-se para Florianópolis, onde também lecionou na universidade federal. “Até o final mantinha o espírito lúcido e a mente afiada, publicando textos com a sempre reconhecida clareza e precisão” . (César Valente, Portal Casa do Jornalista (SC). “Nilson foi um exemplo de determinação e militância plena. Nunca disse não às demandas sindicais dos jornalistas e sempre esteve alinhado a uma perspectiva de país desenvolvido, livre e justo”. (Celso Schröder)


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Feiquenius não flutuam à toa Eugênio Neves

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Globo agora só fala em “feiquenius”. Mas claro, da maneira enviesada como sempre trata das coisas. Ela vem confinando paulatinamente o fenômeno da disseminação em massa de mentiras pelas redes sociais a uma prática exclusiva do bolsonarismo. Essa narrativa descaradamente omite que tal prática é bem mais antiga e a verdadeira função das redes sociais, ou seja, que elas foram criadas exatamente como instrumento para manipular informações e construir narrativas convenientes a quem as controla. Omite

principalmente que foi justamente a mídia que mais se valeu delas muito antes do advento do bolsonarismo para impulsionar, por exemplo, a narrativa que começou em 2013, derrubou o governo Dilma e garantiu a eleição do atual “presidente”. A forma como a Globo aborda as tais “feiquenius” dá a entender que elas simplesmente “flutuam” na internet depois de terem sido lançadas ali pelos malvadões do gabinete do ódio. Considerar que tais mentiras só “flutuam” na rede porque debaixo há um oceano de algoritmos que escrutinam e censuram tudo o que passa por elas é só um detalhe menor que não vem ao caso. Coincidentemente, o que é cen-

surado é justamente o que não é do agrado dos proprietários dos algoritmos. Mas é só “coincidência” mesmo. Justamente por conta dessa coincidência, há poucos dias a ÚNICA proposta séria feita até agora para tratar do assunto, convocando os representantes das tais redes sociais para esclarecimentos, foi sumariamente enterrada com um “não se fala mais nisso”. Assim Zuquemberg e outros mega oligarcas das corporações de manipulação de informações poderão continuar deitando a cabeça no travesseiro com a certeza de que dormirão o sono dos justos. E a Globo poderá continuar mentindo e dando nome aos bois que pisoteiam tudo sem precisar dar o nome do dono da boiada.

Eugênio: Um jornal que dá um passo de cada vez. Primeiro com um pé e depois com o outro. Assim que ele ficar pronto... Lu Vieira: Grifo, um jornal que começou com o pé direito - o esquerdo não tava pronto. Tarso: Um jornal que ri dos outros, mas não olha pro próprio pé. Eugênio: Um jornal sem pé mas com cabeça. Tarso: Agora entendi porque o grifo tomou duas patas da águia... Eugênio: ‘Em que pé está a edição do Grifo?’

- ‘Só tá pelo pé do grifo’. Caco: Grifo, um jornal que vai pras cabeças. Tarso: Um jornal em permanente desequilíbrio. Eugênio: O grifo é uma figura mitológica cujo pé virou um mito... Tarso: Um jornal que mantém sua posição (só porque não consegue correr). Eugênio: Em nome da nossa saúde mental eu desenho o pé do grifo e paramos por aqui, tá? Tarso: Pronto, acabou a desculpa pras mancadas do Grifo...

Pé de Grifo O logotipo que orna este mensário foi desenhado pelo brilhante artista gráfico Eugênio Neves. Um grifo classudo. Mas, sabe-se lá a razão (as versões que inventaremos serão sempre melhores), o desenho ficou por dez meses incompleto. Faltava finalizar uma pata traseira. Como não podíamos esperar que o artista arrumasse tempo, usamos o grifo assim mesmo, capenga, nas onze edições anteriores. Até que, mais escrachado que general da Logística, o Eugênio finalizou o desenho. Assim privados de um motivo pra piadas, fizemos uma despedida “au grand complet” no whats interno: Eugênio: Vou terminar a pata do grifo pra vocês não pegarem mais no meu pé. Tarso: O jornal do famoso grifo perneta. Eugênio: A não resolução da questão do pé do grifo vai acabar fazendo com que os leitores fiquem com um pé atrás com o Grifo. Tarso: Um jornal sempre sob o risco de dar mancada.


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lu vieira e rodrigo schuster

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De praxe

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filósofo pré-socrático Praxedes foi o primeiro a identificar um comportamento das sociedades humanas que ele chamou de Leis de Interações Exclusivas (LIE). De acordo com Praxedes, as “...leis não escritas de cada sociedade se originam em padrões comportamentais das mesmas e criam a unidade ideológica que identifica e diferencia cada uma…”. É desse trabalho de Praxedes que se originou o termo “de praxe” para se referir a algo que é comumente feito em uma sociedade sem que nenhuma regra obrigue isso. Por exemplo acreditar no que tá na internet sem usar a própria internet para confirmar os fatos. A disseminação de notícias falsas não foi usada pela primeira vez para difamar e engendrar o golpe contra Dilma. Mentiras têm colocado bolsonarismos no poder por

toda a história humana, sejam eles brasileiros, afegãos, estadunidenses, alemães, egípcios ou de qualquer lugar, em qualquer tempo. Quando o ódio e as guerras chegam ao poder, a humanidade se atrasa. Os ódios xenófobos e religiosos destroem e renegam conhecimentos já estabelecidos, nos fazendo retro-

ceder séculos. Grande parte da tecnologia romana se perdeu no extremismo católico da europa medieval e não temos sequer ideia do quanto se perdeu quando Roma destruiu Cartago. Já os ódios misógino, racista, lgbtfóbico e elitista limitam nossas novas descobertas. Se apenas dez por cento das pessoas têm acesso à educação, temos dez vezes menos chances de descobrir grandes talentos. A evolução de nossas técnicas e tecnologias, de nossa compreensão do universo e de nós mesmos, é dez vezes mais lenta do que poderia ser sem as mentiras que empoderam discursos de ódio. As mentiras que validam guerras, por sua vez, deixam um rastro de milhões de mortes, além de serem um desperdício descomunal de recursos mentais e financeiros. Os vinte anos da ocupação estadunidense no Afeganistão chegaram ao fim deixando um custo de U$$ 1 trilhão para os EUA, 174 mil mortes para a humanidade e a volta do Talibã ao poder. Se você deixou para pesquisar depois de ler todo o texto, nem se dê ao trabalho. Não há registro de um filósofo pré-socrático chamado Praxedes. Talvez ele até tenha existido, e os sinais estejam nos dois mil e seiscentos anos de escombros guardados na sala de troféus da mentira. Jamais saberemos. Mas o meu Praxedes foi invenção para mostrar como é importante a checagem, e o quanto truques simples, tipo colocar uma suposta citação em itálico, dão ares de credibilidade. Porém quando eu invento eu aviso, claro. Não sou mentiroso, sou ficcionista.


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Para os assalariados, a vida não é justa. É apertada. Celso Vicenzi

Busco a iluminação, mais do que nunca. Porque pagar a conta de luz tá cada vez mais difícil. Celso Vicenzi

A política no Brasil se tornou tão imunda que não tem mais crimes de colarinho branco. Celso Vicenzi

O sexo é o único esporte em que é o amadorismo que está acabando com o profissionalismo. Millôr Fernandes

Enfim, um país que pratica o quiproquó com metodologia científica. Carlos Castelo A fala de Biden explicando e justificando a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão entrará para a história como um dos discursos mais cínicos e patéticos da história dos EUA. Schröder) Decididamente, o Sul (bolsonarista) não é mais o meu norte. Celso Vicenzi As fake news da imprensa comercial contra quem pensa diferente dela são consideradas verdadeiras? Caco Bisol

A vida imita a arte. Bebê da capa de disco Nevermind do Nirvana processa banda por pornografia infantil Caco Bisol Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo deixou ser nosso. Mia Couto

O homem não mudou porque caçou uma cabra. Mudou porque a pintou na parede de uma caverna. Alexis Leyva Machado – Kcho, Cuba Sérgio Reis, que babacão... Por oportunismo virou sertanejo, E se revelou gado, não peão Mouzar Benedito

O objetivo dos EUA não é uma guerra bem sucedida no Afeganistao. É lavagem de dinheiro. Julien Assange, em 2011 Aquele que não tiver pedra atire o primeiro pecado. Carlos Castelo A política é um vale-tudo em que a maioria dos políticos não vale nada. Celso Vicenzi

Fricção científica é um gênero da literatura erótica ambientada no futuro. Celso Vicenzi Na grama do Alvorada, com a cabeça enterrada, ouve a ema apalermada do capitão a patacoada. Charles Preto, Ditador Plenipotenciário da Sociedade Armorial Patafísica Rusticana o ‘Pacotão’, Brasília

Nostalgia do tempo em que o pior do neopentecostalismo era só a gritaria. Paulo de Tarso Riccordi

Sobre aquele incêndio: Imagina um governo onde nem a Secretaria de Segurança Pública é segura! Bier

Eu gostava mais quando as ameaças eram só aqueles versos cantados pelos soldadinhos durante a ginástica. Paulo de Tarso Riccordi Caralho!, ameaça de golpe todo santo dia! Não poupa nem o feriado? Luca, zona leste de Sampa, fazendo churrasquinho na laje

Com exceção de um deputado do PDT e dos deputados da esquerda, PT e PSOL, todos os deputados do Rio Grande do Sul votaram a favor do voto impresso e do golpe embutido. Schröder Piada pronta. FDA americana esclarece: ivermectina é para gado. Jura? Caco Bisol Sou como um presidiário: odeio os holofotes. Carlos Castelo


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O troféu da Marghe

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á algum tempo conhecemos a italiana Margherita Allegri (de Cremona, na Lombardia). Apaixonados, passamos a publicar seus excelentes e líricos cartuns no Grifo. Marghe brinca (essa é a melhor expressão que me ocorre) com as formas e as cores suscitadas por rabiscos infantis de seus filhos e alunos. Ela conta que ”às vezes misturo o meu signo com o das crianças que desenham comigo (em casa ou na escola), interajo com as formas para criar um novo significado para as imagens. Pessoalmente, acho que é um exercício gráfico muito estimulante”. Marghe é autora e ilustradora de livros para crianças e adultos, colabora em revistas digitais e impressas. ”E também desenhei rótulos de vinho...” ”O tema da infância é muito querido para mim. Associar o tema do concurso ‘o mundo envenenado’ a um conto de fadas clássico foi quase automático”. Pois com essas belas artes a Marghe acabou de receber o Troféu de Ouro da sexta edição do World Humor Awards, por seu cartum ”O mundo envenenado” - para o qual foram convidados 250 autores, de 75 países. Parabéns, querida Marghe! ”O humor é a chave para entender a vida e uma das formas mais elevadas de inteligência”, ela diz.

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Não conheci a Torre de Babel, mas as redes sociais são muito parecidas. Celso Vicenzi

Kaikais

Verdade atroz: Mentira não tem perna Mas anda veloz.

Se o novo normal é ser cruel, mentiroso, genocida e nazifascista, quero ser defeituoso. Carlos Castelo É charlatanismo as Pastilhas Valda garantirem proteger a garganta contra vírus? isso não dá cana? Schröder Deu na imprensa que sargento traficou cocaína sete vezes em aviões da FAB antes de ser preso. Não entendo muito de aviação. Seriam esses os famosos aviões de ”carreira”? Celso Vicenzi Voto impresso, mesmo com apoio da Marinha, virou naufrágio universal. Carlos Castelo Dos bacharéis em Logística jamais se poderá dizer que só capinam calçadas e pintam meio fio. Coronéis sempre gostaram de gerenciar garimpos, de empreitar estradas na Amazônia, de criar Montepios, de colecionar táxis, de exportar coca em aviões da FAB. São muito empreendedores. Paulo de Tarso Riccordi

Que tempos! Até ameaça Com tanques na praça É cortina de fumaça! Estratégia para eleição: Falsa honestidade E mentiras como o cão.

Marco temporal é o cacete! Movimento indígena incendeia estátua de Pedro Álvares Cabral no Rio de Janeiro.

Verdades zero, mentiras mil: Pra bolsominium, a vida É um grande Primeiro de Abril.

Depois dos sem terra, sem teto, sem renda, sem vacina, sem o mínimo respeito, o Brasil vai virar um país sem estátuas. Caco Bisol

Entenda, meu amigo: Para o Bozo, quem fala verdade É que merece castigo.

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Creia, seguidor do jumento: Mentiroso é sempre Pródigo em juramentos.

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Não há mentira que choque-o Ele acredita e bate palmas Para tudo que diz o Pinóquio Avalista das mentiras É menos perigoso Do que o mentiroso? Velhaco, fanfarrão, enganador, Imbecil e metido a ditador: Tudo como gosta seu eleitor.

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Ô, pessoas de bem: Mentira vai, Mentira vem.

Um dois, fuzil com arroz Três quatro, fuzil no prato Cinco seis, fuzil chinês Sete oito, fuzil no coito Nove dez, fuzil nos pés Marco Antonio Schuster

Boquirroto metido a valentão, Ameaça, chama pra guerra... E afina quando vai pra prisão.

Cantor sertanejo procura músicos para acompanhá-lo à Polícia Federal. Carlos Castelo Repentinamente os bacharéis em Logística descobriram uma vocação tardia por empresas de importação de vacinas. Paulo de Tarso Riccordi

Para direitopata A verdade é coisa De esquerdopata

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Campanha eleitoral antecipada não pode, mas motociatas pagas com dinheiro público tá valendo, é isso TSE? Celso Vicenzi

Infanticida, feminicida, E pra variar, racista... Algum não é bolsonarista? Mouzar Benedito


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CACO BISOL

Eis uma página de esboços para uma tira do famoso personagen Rango. Mostra o processo de trabalho do Edgar Vasques, como a cabeça dele funciona enquanto está criando.


GEORGES CONDE @CONDE_ARTESANATO

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