GRIFO 11

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Nº 11

AGO

2021 C A R T U N I D S O T S A S J O R N A L

D A G R A F A R

Deixe Cuba Viver Pág. 11 Legalidade: 60 anos de uma vitória sobre o golpismo Pág. 3

IVO MILAZZO Se tivermos talento, podemos realizar coisas impensáveis Entrevista para Lu Vieira


editorial

A arte antifascista de Milazzo

A

luta contra o fascismo pode estar numa frase de Ken Parker, em Greve: “Para que servem os policiais armados? Será uma manifestação pacífica com mulheres e crianças!” Em seguida, ele aparece entre os trabalhadores numa imagem semelhante ao quadro O Quarto Estado, de Giuseppe da Volpedo. Pintura que Bernardo Bertolucci usa como inspiração no filme Novecento, de 1976. A luta contra o fascismo está na ficção, está na vida. “Na situação atual, o Brasil está vivendo uma tragédia pessoal que, em breve, repercutirá em todo o mundo”, disse Ivo Milazzo em entrevista para Lu Vieira, que falou muito sobre a realidade na conversa. Milazzo e o roteirista Giancarlo Berardi criaram Ken Parker em 1974, um cowboy bem fora do padrão Django, Ringo ou os personagens de John Wayne. A versão do século 21 do fascismo brasileiro chama-se bolsonarismo e não foi criada por um artista. Suspeita-se de vários criadores de pouca criatividade, mas muita agressividade e maior poder econômico. São personagens tão reais quanto os brasileiros que em 1961 reagiram a mais uma tentativa de golpe antidemocrático no Brasil e fizeram a campanha da Le-

galidade, em Porto Alegre. O presidente Jânio Quadros tinha se elegido um ano antes prometendo “limpar o país”- o símbolo dele era uma vassoura - acabar com a corrupção e a indecência (seja lá o que isso quer dizer). Depois de proibir o biquíni (!!!) tentou ser ditador. Dessa vez o fascismo brasileiro (que já se chamou integralismo, lacerdismo, etc.) perdeu. Ressurgiu em 1964 e em 2015. Lembramos a Legalidade nesse número porque a luta contra o fascismo também está na mobilização. Em Greve (uma das histórias em quadrinhos de Milazzo e Berardi) o dono da fábrica comenta sobre reprimir os funcionários: “Se não lhes dobrarmos agora, antes ou depois, teremos que fazer acordos!”. Mais ou menos isso acontece com Cuba. A revolução está chegando aos 62 anos e os Estados Unidos - agindo como um fascista raiz - decidem arrochar o bloqueio econômico. Mas em Cuba a luta contra o fascismo é diária. Sim, podemos fazer coisas incríveis, Milazzo, porque confiamos no esforço, no talento e na cultura que “é uma lente de aumento livre de mentiras para a compreensão da verdade”. Mas isso tu já disseste.

O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Diagramação: Caco Bisol. Participam desta edição: Alécio de Andrade, Bier, Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Roberto Winckler, Carol Cospe Fogo, Celso Vicenzi, Demétrio Xavier, Duke, Edgar Vasques, Elias Monteiro, Eugênio Neves, Janete Chargista, Jeferson Miola, João Bosco, Juska, Kayser, Lafa, Laurindo Leal Filho, Lídia Fabrício, Lu Vieira, Millôr Fernandes, Moisés Mendes, Mouzar Benedito, Nelson Quintino, Rekern, Rodrigo Schuster, Santiago, Schröder, Simch, Tarso, Uberti and sir Winston Churchill. E MAIS: Ares - Aristides Hernández Herrero (Cuba), Brady Izquierdo (Cuba), Marghe Allegri (Cremona, Itália), Michel MORO Gomez (Cuba), Matias Tejeda MATE (Argentina), Ramón Diaz Yanez, MONGO (Cuba), Mahnaz Yasdani (Irã).

EX PE DI EN TE grafar.hq@gmail.com

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golpismo

A Legalidade ensinou como se faz

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em toda tentativa de golpe vence no Brasil. O maior exemplo é a Legalidade. No dia 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou, alegando pressão de “forças terríveis”, na esperança que a direita civil dissesse não e lhe desse o monopólio do poder com apoio do Exército. Quase deu certo. Um motivo é que Jânio já não seduzia tanto os conservadores. Uma foto de Erno Schneider, feita em abril de 1961, mostra o presidente com o corpo torcido, o pé esquerdo virado no sentido contrário ao do corpo, virou símbolo do seu governo. A direita tentou mais uma vez, como vinha fazendo desde 1950, dar um golpe de Estado sem Jânio. Outro motivo foi a reação do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. Ele liderou um movimento em defesa da Constituição e da posse imediata do vice-presidente João Goulart, que naqueles dias visitava a China em missão governamental. O movimento chamou-se Campanha da Legalidade, ganhou apoio de trabalhadores, da maioria da população e dividiu o Exército. Venceu, mas precisou fazer uma concessão: aceitar o parlamentarismo, derrubado por plebiscito dois anos depois. Não houve Legalidade em 1964. Após anos de ditadura obscura seguida de democracia popular, o golpismo voltou em 2015, venceu em 2016 e agora apresenta o semipresidencialismo como nova versão do parlamentarismo. Legalidade deve ser permanente, para não se repetir 1964 para não se repetir 1964.

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1961- Uma pausa agoniante rebelam na Base Aérea de Canoas e im-

Carlos Alberto Winckler pedem que aviões bombardeiros deco-

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ia 28 de agosto de 1961, o general Orlando Geisel, cumprindo ordens do ministro da Guerra , comunica ao comandante do III Exército, Machado Lopes “pôr termo à atividade subversiva de Leonel Brizola” e “se necessario”, utilizar a força das das armas, inclusive bombardear o Palácio Piratini, onde o núcleo de resistência democrática se entricheirarara, após a renúncia de presidente Jânio Quadros no dia 25 de agosto. Devido a ausência do vice, Jango Goulart , em viagem diplomática à China assumiu a presidência Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara Federal, que comunicou ao Congresso a inconformidade dos três ministros militares que Jango assumisse o cargo em seu retorno. Desencadearam-se manifestaçoes e greves em todo país, pressionando pela posse de Jango. Dia 26 o país estava sob estado de sítio informal e poder de fato exercido por uma junta militar. As manifestações populares e greves desarticuladas, o precário dispositivo militar, a repressão e a censura mostraram a necessidade de mobilização nacional. Montou-se a Rede Radiofônica da Legalidade nos porões do Palácio Piratini, que integrou mais de centena de rádios em onda curta pelo país. A interceptação do comunicado dia 28 acelerou os acontecimentos. Brizola, em dramático discurso, denuncia pela Rede o golpe e as ameaças no mesmo dia, antes de encontro com Machado Lopes no Piratini. Conclama o povo a concentrar-se em frente ao Palácio e se diz disposto a resistir até o fim. Fugindo às expectativas, Machado Lopes concorda que a Constituição deve ser respeitada. Cria-se o Comando Unificado do Sul, e há ampla mobilização de voluntários civis. OAB, CNBB,UNE exigem respeito à Constituição. Sargentos e suboficiais se

lem. Além de Brizola, apenas o governador de Goiás, opõe-se abertamente aos ministros militares. Comandos de inúmeras unidades militares pelo país se recusam a cumprir ordens dos ministros. Partidos e líderes políticos não aceitam a quebra da ordem, frustrando o desejo de um golpe de “baixo custo” via impedimento de Jango, combinado com pressões militares. Grupos de esquerda e nacionalistas desejam a posse imediata de Jango; liberais, conservadores (UDN, PSD) e um conjunto de pequenos partidos, apoiados por militares legalistas, inclinam-se pela saída negociada do parlamentarismo. Em meio às tratativas Jango retorna, desembarcando em Porto Alegre dia 1º de setembro. Perto de 80 mil pessoas o aguardam em frente ao Palácio e ruas laterais. Da sacada do Piratini limita-se a acenar, em silêncio, para a multidão, enquanto em Brasília se aceleram as negociações no

Congresso, que aprova a emenda parlamentarista no dia 2. Jango aceita a solução, condicionada à realização de plebiscito previsto ao final para 1965, antecipado para 1963, quando retorna, com votos da maioria dos eleitores, o regime presidencialista. Para Brizola uma capitulação, para a população em vigília uma frustração. Para os golpistas, insatisfeitos com a negociação, cresce a consciência de que a próxima rodada terá que ser melhor planejada e contar com maior apoio interno e externo. 1961: um round na disputa entre dois projetos de país. O trabalhista, voltado ao desenvolvimento do capitalismo nacional, distribuição de renda, reforma agrária e ampliação dos direitos sociais com papel decisivo do Estado; e o liberal –conservador , elitista, moralista, anticomunista, defensor de ampla abertura do país ao capital internacional e defensor da ordem social. Uma pausa agoniante antes do vitorioso golpe civil-militar de 1964.


golpismo

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fez-se news

moisés mendes

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A canoa

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olsonaro está no gabinete rodeado de deputados do Centrão, quando Eduardo entra apressado. – Papai, quero competir na canoagem. – No Lago Paranoá? – Na Olimpíada, papai. – Mas como, garoto? – Eu treino hoje e amanhã. Pego um avião da FAB no domingo e na segunda posso competir – afirma Dudu, com voz impositiva. Ciro Nogueira, que agora é quem manda no governo, entreolha-se com parceiros do Centrão. Bolsonaro se dirige a Ciro Nogueira, que ocupa a mesa de Bolsonaro, e diz: – Você é o presidente agora, você decide isso daí. Ciro Nogueira diz que dará um jeito, e os deputados presentes apenas olham um para o outro. – Você quis ser embaixador, quis ser líder mundial do fascismo, quis aplicar um golpe com um cabo e um jipe e agora quer remar numa canoa. – Eu sei que posso – disse Dudu. Bolsonaro rebate. – Mas você nem canoa tem. Ciro Nogueira interfere e diz que isso não é problema, que podem tirar recursos das vacinas para comprar 10 canoas. Hamilton Mourão entra na sala e se mete na conversa. – Seria bom para a imagem do Brasil. Eu posso ajudar, mesmo que o Supremo seja contra. – Você não conseguiu resolver nem o problema da Universal em Angola – diz Bolsonaro.

Onyx entra na sala. Informa-se sobre a demanda e diz: – Deixa comigo. Sai da sala e volta em alguns minutos com uma canoa. – Mas é furada – exclama Dudu. – Foi usada pelo Pazuello em Manaus – diz Onyx. Ciro Nogueira sugere que comprem 200 canoas novas sem licitação, porque é uma questão urgente. Bolsonaro, Dudu e os deputados examinam o furo na canoa. – Tapa com Durepox – diz Bolsonaro. Outro sugere que enfiem uma bucha de pano.

Pazuello entra na sala e diz que é assim mesmo, que sempre usou uma canoa furada e que sempre se saiu bem, até na CPI do Renan Calheiros. – Vai nessa que eu garanto – diz Pazuello. Dudu põe a canoa furada debaixo do braço e sai da sala feliz. Bolsonaro olha para Ciro Nogueira com aquela cara de tio do pavê, quando alguém percebe que há um buraco na parede e que a sala começa a ser alagada. Ciro Nogueira puxa uma bucha de pano do bolso do casaco e grita: – Coloquem os coletes salva-vidas.


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Live bomba explode no colo

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ulho foi um mês muito intenso. Variante delta, inflação do ano acumulada em mais de 3,5 por cento, denúncias de corrupção, popularidade caindo. Era preciso fazer alguma coisa. Um dia antes do anúncio de recesso parlamentar, inclusive para CPI, o presidente internou-se num hospital, por obstrução intenstinal. Saiu quatro dias depois, cheio de ideias e anunciando mudanças no governo. O prestativo Onyx Lorenzoni ganhou um novo ministério, o do Emprego (do Trabalho, não. Não nesse governo). Ciro Nogueira, personalidade da direita que se diz centrão, assume a Casa Civil. Alguns inimigos tiveram a deselegância de lembrar a incoerência com o discurso da campanha eleitoral, mas pouco a imprensa repercutiu. Afinal, o projeto de privatizações e liberdade econômica aos muito ricos continua. Dias depois, anunciou uma “live bomba” para o dia 29 de julho. Foi mesmo. Tinha até um analista de inteligência presente, que permaneceu mudo. Falou por duas horas e pouco, não deixou os repórteres convidados perguntarem, acusou fraudes eleitorais, mas, comedido, ressaltou “não temos provas, mas indícios”, mal plagiando afirmações de dois ou três procurados da República já desacreditados pela Justiça. A verborragia bombou no zap. Mas até gente parecida com ele achou ruim. Kim Kataguiri e João Amoedo, por exemplo, que perguntou até quando a Câmara Federal e seu presidente Arthur Lira “irão ser coniventes com as mentiras e ameaças do presidente?” Já os partidos da oposição anunciaram processos contra o presidente exigindo que apresente provas de fraudes eleitorais e demais inverdades proferidas. No fim, parece que a bomba de 2021 repetiu a do Riocentro de 1980: explodiu no colo do capitão que a carregava.


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Faltam só 90 dias

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oram duas semanas de recesso parlamentar, e mesmo sem sessões, a CPI da Covid continuou gerando notícias, adiamento de depoimentos e novas investigações. A comissão tem prazo até o início de novembro para descobrir por que o Brasil demorou tanto para iniciar a vacinação, por que temos tantos casos e se houve, e como foi, corrupção na compra de vacinas. A volta do recesso deve aprofundar o terraplanismo mental: Luiz Carlos Heinze tornase integrante titular da CPI em lugar de Ciro Nogueira.

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Deixe Cuba viver

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m 23 de julho, mais de 400 pessoas e entidades publicaram um texto com o título acima no New York Times, entre eles integrantes da oposição brasileira. O embargo a Cuba dura o tempo da revolução (vitoriosa em 1º de janeiro de 1959). Primeiro, os Estados Unidos utilizaram uma lei de 1917 (da Primeira Guerra Mundial) e inventaram outras piores ao longo das décadas. A maioria dos países tem seguido a ONU e votado pelo fim do embargo, inclusive o Brasil antes do bolsonarismo. Joe Biden desprezou o apelo internacional e no dia 30 de julho anunciou novas sanções, na ideia de destruir a soberania cubana. O Grifo também defende o fim do bloqueio econômico a Cuba.

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Semipresidencialismo e Legalidade Jeferson Miola

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om a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, Jango deveria assumir a Presidência. A regra constitucional determinava que o vice-presidente da República “Substitui o Presidente, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no [caso] de vaga” [CF/1946, art. 79]. Apesar da clareza solar da Constituição, setores das classes dominantes e militares se opuseram à posse de Jango. Entendiam que o trabalhista “ameaçava a ordem e as instituições”. Em paralelo, na América Latina se assistia à ofensiva dos EUA no contexto da guerra fria. A potência imperial intervinha diretamente nos países e financiava partidos e organizações da direita hemisférica. Em 1961, a revolução cubana assumiu caráter socialista, desafiando a hegemonia e o poder estadunidense. Em reação, os EUA expulsaram Cuba da OEA e lançaram a Aliança para o Progresso – uma versão regional do Plano Marshall para assegurar a influência política, econômica e cultural dos EUA e impedir o avanço da União Soviética na região. A continuidade da política externa independente do Brasil com Jango representava um desafio adicional aos interesses estadunidenses e das oligarquias colonizadas. A partir do Rio Grande do Sul, Brizola liderou a Campanha da Legalidade. Para o sucesso do movimento, foi decisiva a postura legalista e profissional do general José Machado Lopes, comandante do 3º Exército. Não satisfeitos com a assunção de Jango, os setores conspirativos impuseram no Congresso a adoção do parlamentarismo para limitar os poderes

presidenciais e obstruir o governo reformista. Há nítida similitude histórica entre este episódio ocorrido há 60 anos e a proposta de semipresidencialismo hoje aventada por certos estamentos jurídicos, políticos e militares. Ante a provável vitória do Lula em 2022, setores antidemocráticos apoiados pelos EUA ameaçam rasgar a legalidade para impor um parlamentarismo de ocasião. Se nos anos 1960 a América Latina estava no espectro da guerra fria entre os EUA e a União Soviética, na atualidade a região está no centro da guerra geopolítica que a potência imperial trava com a Rússia, no plano estratégico-militar, e com a China, na disputa pela hegemonia comercial, econômica e tecnológica mundial. A hipótese de retomada, pelo Brasil, de uma política externa soberana e independente sob a presidência de Lula não é digerida por Washington, pois Lula propiciará o fortalecimento econômico-comercial e político do MERCOSUL e atuará para reerguer os organismos de integração independentes da OEA, como a UNASUL e a CELAC.

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O Brasil, além disso, recuperará respeito e protagonismo nos arranjos internacionais de poder como ONU, G7 e G20, fortalecendo a articulação Sul-Sul. Ademais, a retomada dos BRICS pelo Brasil – impulsionando o Banco de Desenvolvimento e políticas multilaterais – afronta a estratégia geopolítica imperial. A luta pela legalidade – no passado e hoje –, em vista das riquezas do Brasil e da sua relevância no tabuleiro mundial, tem um caráter latino-americano, nacional-popular e anti- imperialista. A luta pela liberdade, neste sentido, é uma luta decolonial e antirracista.


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O bloqueio a Cuba na prática Laurindo Leal Filho

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uba é proibida de negociar com o mundo! 1- Se Cuba comprar um produto argentino, por exemplo, a letra de câmbio, não pode ser em dólares americanos, porque ao chegar a um banco, é confiscado lá mesmo pelo governo dos EUA. Então precisa ser em outra moeda. 2- Um Banco suíço, USB (União dos Bancos Suíços), foi multado em 100 milhões de dólares pelo governo dos EUA, por aceitar transferência em dólares de Cuba. 3- O bloqueio impõe dificuldades que fazem Cuba perder em suas trocas cambiais entre 50 a 60 milhões de dólares POR ANO. 4- Nenhuma empresa pode exportar para Cuba um produto, se essa mesma empresa (francesa, canadense...etc..) tiver mais de 10 por cento de componentes americanos. (O que é que hoje em dia não tem algum componente dos EUA?) Entendem por que em Cuba muitos carros são antigos ? 5- Cuba não pode comprar aviões europeus, pois a parte eletrônica dos aviões é americana. 6- Todas as embaixadas norte americanas espalhadas pelo mundo devem escrever cartas aos países onde estão sediadas avisando das possíveis sanções caso façam comércio com Cuba. 7- Empresas fabricantes de carro, japonesa ou européia, não podem usar níquel importado de Cuba. 8- Cuba não tem acesso ao FMI e ao Banco Mundial. (Portanto, não pode obter empréstimos internacionais) País sem crédito é país com economia ASFIXIADA.

EUGÊNIO NEVES

10- Os navios que têm comércio com Cuba são proibidos de entrar em portos dos EUA. Isto é, fazem terrorismo econômico para que outros países não levem produtos para Cuba. Que efeito isso tem na ilha ? a) as companhias de navegação não querem mandar seus navios para Cuba b) Cuba teve dificuldades incríveis para encontrar navios que trouxessem carne de gado do Canadá.

c) Cuba tem terríveis dificuldades para trazer aparelhos médicos do Japão. d) Cuba tem terríveis dificuldades para trazer remédios da Europa. 11- (até recentemente) estadunidenses que viajassem para Cuba podiam pegar até 10 anos de cadeia e uma multa de 250 mil dólares. Para de dizer que o bloqueio se restringe aos EUA se você não compreende a dimensão!


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BRADY (CUBA)

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Levei muitos anos para compreender a verdade sobre o meu trabalho como autor ENTREVISTA A LU VIEIRA - TRADUÇÃO DE PAULO GUANAES Ivo Milazzo, artista italiano nascido em 1947, começou a trajetória nos quadrinhos em 1971 desenhando para revista Horror, colaborando também com histórias de Tarzan, Diabolik e Silvestro. A parceria com Giancarlo Berardi, em 1974, resultou no nascimento de Ken Parker, um personagem humano e imperfeito que iria revolucionar os quadrinhos ocidentais. Seus desenhos são o espetacular encontro de uma extrema síntese gráfica com uma narrativa transbordante de sentimentos! A minha vida não seria a mesma sem ele, toda a minha existência está entrelaçada à obra do Ivo! E foi lá em 2015, no saudoso café Cartum, justamente por desfilar com um desenho do Ken Parker no corpo que conheci o Celso Augusto Schröder! Anos depois ele iria me convidar a colaborar com o Grifo! Viram, só?! Estou no grifo por causa do Ivo, e por estar no Grifo entrevistei o Ivo! (Lu Vieira)


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KEN PARKER - ADAH

Ivo, a pandemia mudou a forma como nos relacionamos e produzimos. Quais os reflexos disso em ti como artista? Quando a Covid-19 se propagou na Itália, em 2020, eu estava empenhado em realizar a graphic novel que coloquei numa gaveta da minha mente por cerca de vinte anos, uma história centrada na figura de Tina Modotti. Como já me aconteceu em outros casos, Tina o Maria não é uma biografia, mas um ponto de vista para induzir o leitor a refletir sobre os controversos acontecimentos existenciais dessa protagonista do século XX e sobre a própria vida. Portanto, os efeitos restritivos da pandemia pouco incidiram nos meus ritmos de vida, também graças ao fato de eu morar em uma cidadezinha na Riviera da Ligúria, onde as distâncias são reduzidas a uma dimensão humana. No término da obra, no início de 2021, as vacinas foram chegando pouco a pouco e a situação melhorando gradativamente. Em nível geral, certamente há eventos extraordinários que podem alterar os hábitos da população, arruinando o dia a dia das pessoas que se sustentam com os recursos da sua própria criatividade. Essa pandemia já era prevista pelos estudiosos, justamente pelos hábitos insanos ​​do homem que há

TIKI - O MENINO GUERREIRO

muito tempo vêm alterando os frágeis equilíbrios naturais. Resta a esperança de que esta adicional campainha de alarme da Natureza possa servir para se repensar esse persistente sistema consumista anômalo em mecanismos mais sábios para a conservação da Criação, pelos quais nós, humanos,

estamos de passagem, embora produzindo enormes danos em um curtíssimo período existencial. Nós, artistas, em nível criativo, temos um ofício belíssimo que nos torna afortunados independentes de horários ou crachás, mas também de assistência à saúde, férias e verbas rescisórias!


papo reto com ivo milazzo 17 Na realidade, o nosso recurso permanece absolutamente fruto do nosso trabalho, que comercialmente permanece apenas de nossa propriedade por longo tempo, mesmo depois de nós. E isso é ótimo, senão único! Somente nós para estabelecermos como nos relacionar com ele. O início pode ser complicado, mas, se tivermos talento, podemos realizar coisas impensáveis. Em caso contrário, podemos ainda ser capazes de tornar reais as imagens da nossa mente por meio dos esforços desenvolvidos no aprendizado de uma técnica apropriada às habilidades individuais. O momento no Brasil é devastador: genocídio da população, opressão, censuras, ameaças... Pra ti, qual é o papel do artista em momentos de opressão como esse? A disparidade econômica entre quem tem muito e quem não tem nada (a pandemia fez o poder econômico dos habitantes do planeta deslizar de 8% para 1%, com poucos indivíduos que possuem tanto dinheiro quanto o PIB de todas as nações presentes na Terra) está degenerando em ditaduras e divisões geopolíticas potenciais com terríveis consequências para os povos mais fracos da América do Sul, África e Oriente Médio. Os frágeis equilíbrios para a proteção das pessoas menos abastadas, alcançados a duras penas após a última guerra mundial, foram rapidamente triturados sob o fascínio mais recente de globalização e tecnologia digital, hipóteses de progresso das possibilidades infinitas, mas, em geral, concebidas de modo errado, sempre a favor de muito poucos. Na situação atual, o Brasil está vivendo uma tragédia pessoal que, em breve, repercutirá em todo o mundo. As míopes estratégias utilitaristas de alguns políticos, certamente não a favor da Natureza e dos

KEN PARKER - ATÉ ONDE VAI O AMANHECER

seres vivos, podem provocar futuras guerras e pandemias. Por intermédio da sua obra, em todas as formas criativas possíveis, o artista pode tratar de temáticas que sensibilizem o público na tentativa de romper – graças à Cultura – o círculo vicioso do Lucro, de forma asséptica a partir da interpretação dos meios de comunicação. Eles são sempre propriedade de alguém, mas nós temos a sensível capacidade de reconstruir a realidade dos fatos por meio de uma pesquisa aprofundada. Mais cedo ou mais tarde, o significado das mensagens sempre chega, independente de quem tente limitar o “conhecimento” na tentativa de dividir o mundo com voracidade famélica. E a Cultura é uma lente de aumento livre de mentiras para a compreensão da Verdade. Ken Parker é uma obra que nos faz pensar, mostra injustiças, lutas

por igualdade e equidade... "Greve", publicada em 1984, é o ponto alto disso. Estamos vivendo retrocessos inacreditáveis nos direitos trabalhistas, aumento da concentração de renda etc. Qual é o teu sentimento, mesmo depois de quase 40 anos, de "Greve" ainda ser tão necessária e atual? Parece-me que grande parte das novas gerações está demonstrando aquela sensibilidade já mencionada, mediante ações específicas destinadas a obter o devido respeito pelo seu futuro por parte de um certo insaciável Poder econômico e político. No entanto, é igualmente desagradável constatar como, neste momento difícil, muitas pessoas não conseguem perceber a diferença entre o Real e a Ficção, pois a Verdade é muitas vezes instrumentalizada a favor de uma ou de outra, em detrimento da consciência individual que apenas uma aprofundada conscientização pode formar. Uma pesquisa recente confirmou


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KEN PARKER - LILY E O CAÇADOR

o quanto as notícias falsas se espalham de modo particular e mais rapidamente do que as verdadeiras. A conhecida teoria do fascínio do “Mal” e de quanto ele é, portanto, mais envolvente do que o “Bem” (uma vez estabelecido o que um ou outro é...!) As massas trabalhadoras, seja qual for a forma que se expressem, têm direitos imprescindíveis no que respeita à dignidade humana e laboral. A interpretação das teorias marxistas sobre “mais-valia” tem produzido visões antitéticas sobre a consequente distribuição econômica, em presunções conceituais tendenciosas, nas quais com frequência a liberdade individual e o respeito pelo aporte laboral tornam-se críticos. Em teoria, muitos países estabeleceram, com os Direitos Humanos e suas respectivas constituições, que tais pressupostos são imprescindíveis, enquanto outros os desconhecem de alguma forma, com as consequentes respostas empresariais inadequadas ou de deslocalização. Na prática, resta a expansão contínua da disparidade econômica que tem gerado novas formas de escravidão para a sobrevivência de muitos, onde até fazer greve pelos próprios direitos se torna impensável, apesar

KEN PARKER - OS FILHOTES

de este ato permanecer para o trabalhador o único resgate de si mesmo como “pessoa”. Infelizmente, hoje, é predominante o desprezo pela vida humana de quem está em dificuldade ou por

razões étnicas (de novo!), que nenhuma compaixão de origem latina jamais poderá extinguir. Os interesses de parte dos poderosos impedem, aparentemente, a aplicação de ações salvadoras con-


papo reto com ivo milazzo 19 cretas para uma verdadeira compaixão. O que é desconcertante é o compartilhamento aberrante de tais conceitos por tantos “conservadores”, na extenuante defesa de uma pequena horta “impermanente”. Tu és um dos artistas que mais me influenciaram, não só tecnicamente, mas também sobre como a arte pode transformar a vida e a visão de mundo das pessoas. Qual a tua expectativa com a republicação de Ken Parker no Brasil e o alcance de jovens leitores? Ken Parker procurou desenvolver, narrativamente, uma determinada missão através da sensível complementaridade criativa dos seus autores, como filhos de uma certa época. A bondade da história e de alguns argumentos é demonstrada pela discreta atenção que as atuais gerações de leitores sempre reservam para as novas reproposições editoriais do personagem em diversos países. No Brasil, as histórias de Ken Parker saem isoladamente há anos em

KEN PARKER - ADAH 2

uma edição limitada de qualidade, adquirível por assinatura, produzida com paixão pelos queridos amigos Rosana e Wagner Augusto, tentando resistir aos altos e baixos do mercado. Recentemente, chegaram algumas propostas empresariais para uma edição cronológica com a combinação de dois episódios em volume de capa dura. Exatamente como a Mondadori Comics os editou na Itália, em 2014, dando origem ao episódio conclusivo "Até onde chega a manhã". Veremos... Quanto a mim, levei muitos anos para compreender a verdade sobre o meu trabalho como autor. Quanto a desenhar, escrever, fazer música ou cinema, são meios extraordinários para entrar em ressonância com o usuário desconhecido e consigo mesmo. Como é essencial conhecer os próprios deveres e direitos éticos e morais, além daqueles jurídicos, para se relacionar de forma equilibrada com o próximo, produtor ou colega. Só desse modo é possível ter consciência do quanto somos responsáveis ​​pelo nosso futuro, criativo

e de vida, sem falsos álibis de hipotéticas “culpas” alheias. Quais são os artistas brasileiros que tu mais acompanha e admira? Seja na Itália, seja em outros países, confesso que há algum tempo tenho dificuldade em acompanhar a produção de histórias em quadrinhos por falta de conteúdos e equilíbrio criativo na realização das diferentes propostas editoriais. Sem dúvida, o hábito de uma determinada formação visual e de leitura condiciona esse julgamento pessoal conteudista, independentemente das habilidades indiscutíveis dos colegas. Acompanho de vez em quando, na revista mensal Internazionale, as tiras de sátira sociopolítica da amiga Laerte. Então, lamento não poder satisfazer essa curiosidade com senso de causa. Tu tiveste a tua liberdade de criação e expressão limitadas dentro do mercado de quadrinhos? Como foi pra ti percorrer o caminho de um trabalho autoral?


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KEN PARKER - GREVE

KEN PARKER - APACHE

Estabelecido o target de referência do empresário/produtor/editor do momento, acho que raramente sofri quaisquer limitações à liberdade de expressão pessoal. No início de Ken Parker, uma vez Sergio Bonelli me pediu para cobrir a bunda de uma mexicana nua que saía do rio. Depois, nunca. No entanto, ao realizar histórias de personagens criados por outros, estabeleci desde logo um equilíbrio narrativo com o editor de plantão, em respeito à história editorial do personagem e à minha história criativa. O respeito recíproco é essencial para realizar um produto equilibrado. Por ‘equilíbrio’ entendo uma obra satisfatória para o leitor nos conteúdos e estimulante em possíveis reflexões. A serialidade foi um mecanismo complexo de aprender, com grandes possibilidades de crescimento criativo como também de repetição nas lógicas perversas de publicação. Em 2003, decidi empreender um caminho diverso para novos estímulos em diferentes encontros sobre projetos e de maior pesquisa pessoal, com o impensável resultado de conhecer e colaborar com o diretor Ettore Scola para a graphic novel "Um dragão em forma de nuvem", extraída de um filme dele não realizado por escolha pessoal. Ficaria realmente feliz se os livros produzidos nessas experiências também pudessem ser compartilhados por leitores brasileiros. Um dom criativo tem necessidade de ser cultivado e aprofundado para uma verificação concreta da capacidade individual de engenhosidade. Estar satisfeito significa, em termos literários, “limitar” a si mesmo e perseverar em alguma coisa que, talvez, satisfaça a parte racional de si. Aquela das “necessidades” concretas, que em geral são criadas pelo inconsciente com falaciosas “necessidades preestabelecidas indispensáveis”. Mas essa é uma outra história.


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IMPEESA - PAOLO FIZZAROTTI/IVO MILAZZO


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@ Ken Parker e Lu, facetas do Milazzo

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onheci Milazzo antes de conhecer seu principal personagem, o icônico Ken Parker. Em algum dia dos anos 1980, em uma das bancas de revistas do Bom Fim, em Porto Alegre, ao folhear um gibi em formato pequeno, que eu detestava, detectei um desenho de western que me encantou imediatamente. Leve, arejado com um claro-escuro na melhor tradição de um Hugo Pratt. Era uma história de caubói, onde imediatamente percebi a influência do icônico filme de Jeremiah Johnson, Mais Forte do Que Vingança, com a identificação fácil do Robert Redford como modelo do herói do quadrinho. O desenho me lembrou imediatamente os desenhistas que mais gostava além do já citado Pratt, os argentinos da Cripta, o gaúcho e colega de Pratt, o Mottini e até mesmo o meu ídolo mais próximo, o Edgar Vasques. Os traços eram soltos com achuras econômicas, mas demarcadoras das sombras que definiam objetos e personagens com uma iluminação reveladora. O desenhista era um óbvio conhecedor de anatomia humana e animal e tinha uma perceptível segurança na composição de cenários e na precisão da reprodução de armas, roupas e arquitetura. A narrativa oferecia uma agradável leitura sem malabarismos ou tentativas fáceis de impressionar. Era um desenho sóbrio, porém estimulante, tradicional e ao mesmo tempo absolutamente contemporâneo. O preto e branco do interior e a edição paupérrima não escondiam o talento de colorista do desenhista na capa. Daí comecei a ler. E não parei mais. Comprei o que pude fui então apresentado, por Milazzo, ao seu herói Ken Parker, um filósofo e humanista cowboy jogado num oeste complexo e romântico. Descobri em seguida Berardi, o argumentista e roteirista que

KEN PARKER - RIFLE COMPRIDO

KEN PARKER - QUACK

havia dado vida a Parker. Encontrei mais uma meia dúzia de excelentes desenhistas que se revezavam para, na tradição dos westerns italianos, se dedicarem a reinterpretar o mito do oeste norte-americano, desta vez sob a ótica política da esquerda humanista,

ambientalista, feminista dos anos do final dos anos 1960. Ken Parker não tinha super poderes e nem mesmo era o que sacava mais rápido, apenas pensava e agia como um hippie deslocado no tempo e armado com um longo rifle Kentucky. De repente, em 2015, no Café Cartum, saudoso bar onde nos reuníamos para conversar e desenhar, numa sessão de modelo vivo, vejo uma menina com o Ken Parker tatuado no braço. Para mim foi inusitado o fato de uma mulher e jovem tatuar este herói da minha geração. Conheci então a Lu Vieira, uma tatuadora que além de fã da saga era uma grande conhecedora do entorno da produção e que já havia encontrado Milazzo num encontro de quadrinhos no Brasil. Agora no Grifo, Lu virou uma desenhista de mão cheia (esta vai pegar) e articulou esta inédita e exclusiva entrevista com este mito do quadrinho (Schröder).


só cartum

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MONGO (CUBA)

BRADY (CUBA)


24 MAHNAZ YASDANI (IRAN)

só cartum


querquedesenhe?

schröder

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O aplauso indesejado

A

ntes de ser jornalismo, portanto antes de ser informação, o que circulava era a opinião de grupos privados com teor político ou literário no formato de textos impressos. A revolução capitalista consagrou o jornalismo informativo que cumpriria um papel duplo de produto comercial para uma massa agora hegemonizada pela burguesia incipiente ao mesmo tempo que construía uma opinião pública crítica. De tal maneira este papel crítico marcou o jornalismo que chegou a deformá-lo em algumas circunstância. O jornalismo e os jornalistas sabiam que não eram eles os portadores das boas notícias, suas existências tinham outro destino e papel: a crítica do estado e dos poderes. Obviamente este destino era relativizado pelo papel não menos importante de sustentação ideológica

deste estado. Por isso, o jornalismo vagou nestas décadas entre a aclamação subserviente e a crítica independente. A esfera pública burguesa é o resultado desta tensão. Nos anos sessenta, Jürgen Habermas nos alertou que a aclamação estava derrotando a crítica e que isto seria fatal para a democracia burguesa. As tecnologias nos anos subsequentes apenas provaram sua teoria sobre a mudança estrutural desta esfera e a ascensão definitiva da aclamação. A isto ele chamou de refeudalização. Estamos agora em plena ampliação e consagração deste modelo de aclamação que se manifesta em tipos muito peculiares de “jornalismo”. Jornalismo-serviço, jornalismo de utilidade pública, jornalismo-cidadão etc são alguns nomes que este tipo de jornalismo “positivo” assume.

A “pauta positiva” passou a ser a obsessão de editores subservientes que não conseguiam enxergar o suicídio que cometiam como profissionais e serviço ao abdicarem da crítica e assumirem o princípio do não conflito, da não crítica. A pandemia apresentou no entanto uma esquina histórica inédita e inesperada que poderia devolver ao jornalismo seu papel exclusivo de relato do singular a partir do princípio do interesse público e pautado pelo imperativo categórico da verdade. Este chegou a assumir este papel nos primeiros meses da pandemia, para sorte da população brasileira que teve no jornalismo o único adversário do negacionismo bolsonarista e que com isto adiou a carnificina depois do meio do ano de 2020. No entanto se a mídia nacional consegue esboçar o seu papel original de crítica, as mídias regionais submergem na insuficiência de financiamento que as toma como reféns e impõe a lógica publicitária do jornalismo-desejo ou do jornalismo-esperança. Desejo e esperança das classes econômicas hegemônicas, bem entendido. Prisioneiras do provincianismo determinante, as mídias regionais abdicam da vocação crítica do jornalismo e a entregam para o mundo da auto-ajuda. O jornalismo de serviço é a autoajuda no jornalismo. De matérias pseudoeconômicas em que tentam intervir num mercado moribundo a matérias fofas de constituição de mitos e heróis que ajudem, segundo esta lógica, na constituição de um cenário sem conflito, este jornalismo é a simulação do jornalismo crítico original.


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lu vieira & rodrigo schuster

texto e traço

Tempo

O

tempo é um negócio muito louco e que pode gerar confusão mesmo que a gente fale dele usando apenas afirmações verdadeiras. Dia quinze de julho, aos 34 anos, eu tomei a primeira dose da Coronavac e só vou receber a segunda aos 35. Aliás, quando eu fiz 34 anos já tinha vivido em quatro décadas, neste cinco de agosto completo 35 tendo vivido em cinco décadas. Mas o mais curioso sobre o tempo é como a gente vai perdendo a capacidade de dimensionar conforme o período vai se tornando maior Algumas coisas que parecem antigas e estabelecidas na verdade não são. Aos 32 anos, eu votei para a presidência pela quinta vez. Para mim, e mais ainda para quem nasceu depois de mim, eleições presidenciais diretas são eventos quadrienais que aconteceram desde o início da vida. Assim como Olimpíadas e Copa, as eleições estavam lá na minha infância, na adolescência e na juventude. Meu pai, quando votou pela primeira vez, já tinha 35. Mesma idade com que eu agora vejo essa garantia ameaçada por idiotas delirantes e megalomaníacos caquéticos. Notem, porém, que aqui ainda estamos lidando com um período de tempo que está dentro da duração média de uma vida humana. Depois disso, só consigo vislumbrar com marcos históricos. Apenas duzentos anos atrás o Brasil ainda era colônia de Portugal; por outro lado, o apogeu do Império Tolteca foi há mais de mil anos, o Coliseu de Roma tem quase dois mil e a pirâmide de Quéops tem mais de quatro. A roda e a escrita foram inventadas há cerca de cinco mil e quinhentos anos. Seis mil anos atrás, a humanidade estava dando início à urbanização e à ideia

de concentração de renda. O objeto de cobre fundido mais antigo do mundo tem seis mil e cem anos. Mas o mais impressionante mesmo, é que se quem fez essa fundição tivesse recebido um dólar por segundo desde então, ainda não seria a pessoa mais rica do mundo.

Seis mil e seiscentos anos. Esse é o tempo que Jeff Bezos levaria para esgotar sua fortuna de duzentos e nove bilhões de dólares, caso começasse a gastar um dólar a cada segundo. São todos os segundos da história da humanidade e ainda sobram mil anos de pré-história.


tiras Colarinho Pão e Vinho

João Bosco é o chargista do jornal O LIBERAL, de Belém. Amigão e fera no traço! (Bier)

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entrevero

Já que há tanta desconfiança com as urnas, sugiro o voto oral. Basta chegar na urna e gritar: ”Fora, Bolsonaro!” Celso Vicenzi

”Não sei se é proibido, se é perda de tempo, se não deve ser feito. Mas eu gosto de dar de comer aos sinais”. Marghe Allegri, Cremona, Itália

No Brasil, atualmente, só há um extremismo perigoso: o dos indivíduos extremamente conservadores. Millôr Fernandes

Edipianismo Agora é o Ciro Nogueira que dá as tetas à mamãe. Paulo de Tarso Riccordi No Brasil, os corruptos estão cada vez mais bronzeados porque não precisam agir na sombra. Celso Vicenzi Definitivamente, a figura pública que usar ‘narrativa’ para significar relato, história ou parecer deveria ser banido de suas funções por dez anos e obrigado a reparação de decorar um dicionário, à sua escolha, no prazo de seis meses. Schröder

Caco Bisol

O STF não foi o primeiro. Nero também não estava nem aí enquanto Roma pegava fogo. Celso Vicenzi

Mouzar Benedito, por Tarso

E a repórter da Globo News, tomada de sabujice compulsiva saudava a tal ‘nave’ como um ‘feito científico’ equiparável à vacina. A tal geringonça, com a aerodinâmica de uma prótese peniana, subiu e desceu reto como aqueles brinquedos de parquinho. Está mais para a última geração de roda-gigante do que para nave de exploração interestelar. Schröder Há pessoas que foram tão bem adestradas pela mídia que basta uma palavra – “Cuba”, por exemplo – e já começam a latir. Celso Vicenzi Com general e tantos coronéis nessa história, vai acabar sobrando pro cabo do jipe... Paulo de Tarso Riccordi A pimenta é 3,1416 vezes mais forte que a menta. Demétrio Xavier

ironia ironia oo exterminador exterminador de de índios índios ee negros negros anoiteceu anoiteceu preto preto

Eu acredito na Joice Hasselmann, no Pazuello, no Bolsonaro e no Velho do Saco. Schröder Às vezes, para fazer sucesso na TV, basta acrescentar um pouco d e simpatia à ignorância. Celso Vicenzi

| osso | fila do osso | tem fila | pro osso | o povo tá comendo osso |

| Caco Bisol


entrevero

29 Kaikais

O mundo acelerou e não sei se vamos conseguir fazer a curva. Celso Vicenzi

Nero tocava lira. O Bozo não... Mas tem um Lira.

Reverendo não era aquele que merecia reverência? Ao invés de cadeia? Schröder

Eram contra a “vachina” Porque o que queriam Era um negócio da China.

O semi presidencialismo brasileiro tá com cara de semi jeitinho. E consegue ser mais meia boca do que o jeitinho”. Eugênio Neves Eu sofro de “Transtorno Afetivo Bipolar”: cada duas Polar que eu tomo, me altera o humor completamente! Eu fico alegre, depois triste, depois quero brigar... coisa séria! Demétrio Xavier A lama que se espalha já está deixando marrom a farda verde-oliva. Celso Vicenzi

Para uns, a Justiça tarda Para outros, falha. E não existe diante de farda Não vacilemos! Se a gente bobeia, O cara golpeia.

A

O que há em comum dizer que não haverá eleições sem voto impresso e o atentado a Joice? Caco Bisol

Gado de corte Caminha célere Para a morte. Pela pátria, diz que mata! Fala isso querendo dizer: O que eu quero é mamata! Por mais que pareça, A merda que ele tem Não está só na cabeça Fanfarrão + Centrão = Acordão

M

Procurador que não procura Portador de uma cara dura Blinda e protege a cavalgadura Para completar a turma fuleira E se juntar à bandalheira. Vai lá, Ciro Nogueira Urna eletrônica ou papel? Para quem quer um Brasil pária, O melhor é urna funerária. Seria bom que fossem pra longe Não os atletas olímpicos, E sim governantes alímpicos. Mouzar Benedito Cê tá iteindeindo? Caco Bisol


30 ”Os americanos farão sempre a coisa certa. Mas só depois de terem esgotado todas as outras possibilidades”. Winston Churchill Revisitando Arquimedes: dê-me o ponto de apoio da mídia e eu moverei os analfabetos políticos em direção ao fascismo. Celso Vicenzi Semipresidencialismo é a recuperação do golpe de 1961 requentado pelo parlamento mais corrupto da história do país para tentar esvaziar o provável novo mandato de Lula. Schröder Nos momentos de crise ou perigo é fundamental manter a presença de espírito, embora o ideal fosse conseguir a ausência de corpo. Millôr Fernandes Revisitando Arquimedes: dê-me o ponto de apoio da mídia e eu moverei os analfabetos políticos em direção ao fascismo. Celso Vicenzi

Onix terá

2022 cargos

para apoiar bozo. Caco Bisol

Enquanto subia a escada pra forca, Tiradentes lembrou do Joaquim Silvério dos Reis e pensou: ”cada falso!” Demétrio Xavier Democracia, no Brasil, é o regime que elege, pelo voto popular, os corruptos escolhidos e financiados previamente pelos donos do capital. Celso Vicenzi

entrevero Guimarães Rosa Guimarães Rosa, digo amém: ”A noite não é o fim do dia; É o começo do dia que vem”. Guimarães Rosa disse tudo: ”Cão que ladra, Não é mudo”. Falou o escritor do Sertão: ”Em casa de caranguejo, Pele fina é maldição”. Mouzar Benedito

G A imprensa não chuta mais na previsão do tempo do que chuta em economia ou política. Só que na previsão do tempo eles são desmentidos no outro dia. Schröder O Mario bota a gente em Frias, deixa incendiar de propósito e ainda quer culpar o PT Caco Bisol A Lava Jato esteve no centro de 2013 e no golpe de 2016. Patrocinados pela direita e acalentados pela ”esquerda ingênua” que se apresenta de novo tentando resolver seu tédio histórico com radicalismo cinematográfico. Schröder No Brasil, a ignorância, de mãos dadas com a má-fé, faz juras de amor ao fascismo. Celso Vicenzi Aqui em casa fazemos DR diariamente: Dia de Resistência! Celso Vicenzi Vinícius de Moraes gostava de uísque e defendeu o hábito de beber: ”Nunca fiz amizade tomando leite”. Alécio de Andrade/ADAGP, Paris


dzicroniquetas

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Pureza no mercado Esses tempos resolvi, por motivos decorativos, comprar um saco de bolitas, ou bolas de gude, ou ainda (como se dizia na minha zona) bolinhas de inhaque. Me lembrei da história do Caveira contrabandeando bolitas de trem pro Uruguai... Mas o melhor de tudo, foi a ilustração na embalagem das bolitas: o desenho totalmente naif e tosco, mas completamente expressivo dos dois guris jogando tria, a determinação do guri da esquerda, o receio do da direita. Em duas cores, também aplicadas sem muito critério. No conjunto, a impressão de algo decalcado, com espontaneidade (e moda) meio antiga, que faz a gente pensar em quando terá sido feito o desenho original...

E, brilhando nos supermercados, aparece a incrível embalagem do Sal Azir (moído e iodado). Começa pelo nome: por que “azir” e não “azar”? Talvez para não parecer homenagem ao velho ditador luso... E por que a figura no desenho parece um daque-

les exploradores coloniais britânicos? Com mochila, chapéu de cortiça e... cachimbo! Enfim, nem tudo está perdido, resiste uma certa pureza no “mercado”... Gd abr Edgar Vasques

coletiva no inverno sureño. Ao longo do dia, o fogão a lenha era o ponto de reunião da família, uma jangada quente no oceano gelado das manhãs gaúchas. Terminada a faina da cozinha, as brasas eram levadas para o aquecedor de ferro, colocado no centro da peça, com a família em círculo bem apertado, para que não escapasse nada de calorzinho. Já fiz uma variação desse

aquecedor: uma lata comum, cheia de brasas, segura firme entre os pés enquanto preparava aulas ou corrigia provas em noites congelantes. A única forma de dar e tomar banhos era com a espiriteira, ou mesmo a velha lata de sardinha cheia com álcool, para esquentar o banheiro antes da entrada das crianças. É a única circunstância em que um adolescente dispende menos de 10 minutos no banho. A famosa casca grossa da gauchada, na verdade não é coragem, não, é pouco banho... Mas, acima de tudo que esteja abaixo do céu, a sopa de pedra antes de dormir nos garantiu a sobrevivência através dos longos invernos. Para o bem e para o mal, certamente que sem os sopões, fogões a lenha, aquecedores à brasa, espiriteiras e lareiras a maioria da gauchada não teria sobrevivido (e teríamos produzido menos ditadores para o Brasil). Paulo de Tarso Riccordi

Sou de Bagé, na linha de fronteira com o Uruguai, uma extensa planície sem nada que segure o vento; onde quem tem couro meio fino não sobrevive. Até os cachorros só caminham colados às paredes do lado do sol. Vem daí a crença de que não temos pescoço. Durante a desafiadora travessia do inverno – que era MUITO frio e agora voltou a ser -, mães e pais precisavam montar operações de guerra para salvar as crias novas. Nas casas onde havia lareira (estranhamente, poucas casas gaúchas são equipadas com algo tão indispensável), dormíamos ali, num enorme ninho de pelegos, colchões, cobertores, ponchos, mantas de bichará (trançado de lã crua de ovelha) nos aquecendo uns nos outros. Onde não havia lareira, as camas eram preaquecidas por garrafas com água quente ou tijolos aquecidos no fogão a lenha – esse outro equipamento indispensável à sobrevivência

LÍDIA FABRÍCIO

Espiriteira


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juska

artes drásticas


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