Papo reto com Eleonora Lucena
Nº 13
OUT
A gente recebe toneladas de mentiras todo dia Página 12
2021 C A R T U N I D S O T S A S J O R N A L
D A G R A F A R
Edição de aniversário
A mídia é pop
E esconde o jornalismo
editorial
Muitos anos de vida
A
lguns de nós já nos conhecemos de outras publicações, do tempo do jornalismo impresso, quando se fazia o trabalho e tinha que esperar horas, ou dias, para ouvir e ler comentários sobre nossas frases, ou desenhos. Outros de nós se conheceram em agosto do ano passado, no tempo de amizades virtuais, já integrados a publicações em que se termina o trabalho e segundos depois alguém se manifesta (e ficamos sabendo que há muito mais xingamentos que imaginávamos). Em agosto de 2020 houve a primeira conversa promovida pelo Schröder e a Grafar para fazer um jornal (revista, gibi) virtual que tivesse o Pasquim como referência. Muito humor, mas poderia haver textos sem humor. Afinal, o Pasquim tinha o Newton Carlos escrevendo sobre política internacional. Além de alguns encontros virtuais, discutíamos no grupo de mensagens, e depois de centenas de trocadilhos (os
O GRIFO de Eugênio Neves
menos infames publicamos no primeiro editorial) optamos pelo nome GRIFO. Estreamos em outubro e chegamos a 12 edições em setembro. Lá pela décima edição, o pessoal que se conhecia há mais tempo começou a sonhar com uma publicação especial de aniversário, impressa. Está aí, graças à solidariedade do grupo de pessoas que aceitou dividir o custo de impressão. Foi necessário um esforço interno para convencer ao pessoal pós-impresso que precisavam esperar tempo de gráfica e de envio do jornal entre produzir seu desenho ou texto e ouvir as repercussões. Para outros, foi como experimentar novamente uma satisfação que sentia saudade. Estamos terminando de curtir o momento e já já trataremos da próxima edição. Talvez a de dois anos também seja impressa, só pelo prazer de ouvir o barulhinho do papel e sentir o cheiro de tinta de impressão.
O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Diagramação: Caco Bisol. Participam desta edição: Participam desta edição: Angeli , Alisson Affonso, Aroeira, Bier, Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Castelo, Carol Cospe Fogo, Celso Vicenzi, Céllus, Dalcio, Demétrio Xavier, Dóro, Edgar Vasques,Edu, Eduardo Simch, Elomar, Eugênio Neves, Graça Craidy , J.Bosco, Jorvel , José Evaristo Villalobos (Nobrinho), Jota Camelo, Karina Schröder, Kayser, Levitans (pai e filho), Lu Vieira, Luca, Marco Antonio Villalobos, Mário Quintana, Miguel Paiva, Mouzar Benedito, Nando Motta, Óscar Fuchs, Rafael, Pena Cabreira, Rekern, Roberto Silva, Rodrigo Schuster, Samuca, Santiago, Schröder, Schuster, Sérgio Batsow, Sílvio Tendler, Tarso, Wagner Passos, Will Cavalcanti. E mais: Brady (Cuba), Alexys Leyva Machado (Cuba), Ares (Cuba), Moro (Cuba)
EX PE DI EN TE grafar.hq@gmail.com
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Só (ainda?) mais um ano, gente
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aqui um ano, a edição de segundo aniversário do GRIFO vai tratar dos novos governadores, senadores, deputados e, ufa!, presidente do país. Nossa pitonisa não apareceu para prever como serão os próximos 12 meses, mas setembro de 2021 serve de ideia geral. O bolsonarismo sonhou com um golpe, acordou com a rejeição crescendo junto com a inflação, dólar e combustíveis. Houve até sessão tragicomédia: Bolsonaro é chamado de mentiroso pelo mundo inteiro ao fazer o tradicional discurso brasileiro de abertura de sessão da ONU, isso depois de comer pizza na rua porque foi proibido de entrar em restaurante de Nova York. No mesmo estilo foram os atos públicos vazios dos mais recentes arrependidos que eram fiadores de Bolsonaro desde 2018. Nem a “terceira via” tem tão poucos adeptos. A CPI da Covid-19 descobriu mais um escândalo envolvendo o governo, desta vez com um plano de saúde, e o relatório final deve ser mais revelador ainda. Pra resumir: setembro preparou as grandes manifestações de 2 de oubro por Fora, Bolsonaro! Vão ser 12 meses muito interessantes.
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golpismo
Eles continuam tentando
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everia ser uma repetição, mas com outro final, da invasão do Capitólio promovida por Trump no ano passado. Afinal, teve até tocador de berrante fazendo convocação no mês de agosto. Aliás, o silêncio do berrante antes do tempo foi um alerta. Mas não, o bolsonarismo não está atento a sutilezas. E lá se foi o presidente vociferar no dia 7 de setembro. Porém, “ai, porém”, foi um caso diferente. Nem tinha tanta gente como esperado, como nem oposição, nem judiciário, nem congresso calaram. O “para-te quieto” foi tanto que Bolsonaro recuou. Dias depois, vazou o vídeo de um jantar em homenagem a Temer, onde ele ria de deboche feito a Bolsonaro e depois ligou pedindo des-
culpas, que foram aceitas! Talvez Temer tenha explicado que era um “homenageado decorativo” na festa. É o fica dessa história: tentativa
de golpe, alguém inventando uma “terceira via” na política brasileira e vigilância militante para garantir democracia.
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Massacre do jornalismo
Assim, denúncias falsas, boatos e mentiras foram divulgados sem a devida checagem. A pandemia, dentro do caos social promovido pelo governo, abriu brechas. Mas ainda são poucas na mídia: no início de outubro, um consórcio internacional de jornais denunciou, com milhares de dados, que o mi-
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jornalismo brasileiro mostrou alguma reação no período de pandemia. As denúncias contra a Lava Jato, sobre o “tratamento precoce” e medicamentos ineficientes defendidos pelo governo, cobertura da CPI são exemplos. Verdade que nem todas as boas reportagens saíram nos veículos de maior audiência: aqueles pertencentes a empresas que gostam de se denominar mídia. Essas empresas deixaram o jornalismo de lado para apoiar o projeto político lançado em 2013 que resultou na situação atual.
nistro da economia e o presidente do Banco Central mantêm contas num paraíso fiscal. Pior: eles articulam uma legislação para beneficiar quem têm contas em paraísos fiscais. Isso não foi manchete nos grandes veículos. Limitaram-se a repercutir timidamente. Jornalismo é um assunto que o GRIFO acompanha de perto.
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querquedesenhe? schröder
Todos contra a besta
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imprensa sempre conteve as contradições que ainda a definem. Criada a partir dos tipos móveis no século XV, ela possibilitou o surgimento do capitalismo com a revolução protestante que a leitura crítica da Bíblia impressa permitiu. Ao mesmo tempo que libertava ao democratizar a informação de uma maneira até então inédita, rapidamente a proliferação de livros indicou uma nova alienação em andamento. Dom Quixote, de Cervantes, além de ser provavelmente a obra literária mais importante da humanidade, é um livro que critica a leitura excessiva de má literatura. O Cavaleiro da Triste Figura enlouqueceu pela quantidade de livros de cavalaria, mitologia de um século anterior, que consumia acriticamente. O jornalismo, dois séculos depois, também vai conter e até amplificar as contradições entre a emancipação que permite com seu conhecimento específico e a alienação. Esta ambiguidade vai permitir que teóricos como Adelmo Genro Filho e Nilson Lage vislumbrem elementos revolucionários e emancipatórios na prática jornalística ao lado da sua dimensão ideológica alienante. A contradição entre a informação libertária e a reprodução dos interesses da classe que a viabiliza ficaram muito claros nesta pandemia em termos globais e até no Brasil, em que o jornalismo sempre foi muito ralo. A crise sanitária criou um limite de sustentação que parecia inexistir para as ações do governo Bolsonaro. O negacionismo, na verdade uma conspiração criminosa agora desvendada pela CPI da Pandemia, apresentou para os setores mais estabelecidos do jornalismo uma linha que, se ultrapassada,
não só acabaria com seus negócios que precisam de, pelo menos, elementos de verdade e informação, como esgarçariam de maneira irreversível a esfera pública burguesa já comprometida no seu limite. A negação da doença e a recusa de busca de ações de enfrentamento, hoje se sabe que eram apenas movimentos pensados para aumentar a propina para compras de vacinas por um lado e venda de remédios ineficazes por outro, jogaram a imprensa, Rede Globo fundamentalmente, no seu limite de apoio e sustentação visível desde 2013. Se a imprensa regional ainda persiste num apoio tácito ao bolsonarismo, a grande imprensa nacional deu um basta e assumiu a denúncia daquele que será, provavelmente, o maior crime desde o enfrentamento internacional ao nazismo. Se de um lado ainda apoia a agenda econômica ultra neoli-
11 beral, por outro selou o fim do governo Bolsonaro ao construir um consórcio para garantir os números realistas da tragédia brasileira e apoiou a CPI que levantou a tampa de um esgoto até então mantido fechado com sua cumplicidade. O jornalismo se impôs e garantiu, com o apoio tardio e discreto do STF e parte do Senado nacional, a reconstrução de um estado nacional dinamitado pela Lava Jato e pisoteado por um grupo de atores políticos constituídos principalmente de milicianos e de uma nata social de criminosos em potencial ou criminosos de fato. Quando William Bonner revela-se exausto no início da pandemia, expressava a contradição em toda a sua extensão. A mídia, que criara um monstro insaciável, resolveu enfrentar o monstro, pelo menos naquilo que o monstro tinha de incontrolável.
querqueescreva?
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A tolerância com o intolerável é o que marca esses anos Bolsonaro
TUTAMÉIA TV acompanha o teu trabalho aí há muito tempo há muito tempo, uma referência pra gente. vocês todos que estão fazendo essa empreitada agora é muito legal. eu quero dar um abração em cada um, agradecer muito convite. é muito bom falar com vocês, estou aqui.
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PARTICIPARAM DESTA ENTREVISTA CACO BISOL, CELSO SCHRÖDER, LU VIEIRA, MARCO ANTONIO SCHUSTER E PAULO DE TARSO RICCORDI.
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esde os primeiros números do Grifo, desejamos tratar do tema Comunicaçãojornalismo. Queremos manter a crítica que fazemos ao abandono do jornalismo por grande parte dos veículos de comunicação, mas sem dar margem a que sejamos confundidos com os autoritários de sempre, que odeiam não apenas o jornalismo, mas o conhecimento. Não abrimos mão de nossa convicção de que, sem jornalismo, as sociedades estão perdidas. Neste número de aniversário, entrevistamos um grande nome do jornalismo, Eleonora Lucena, como diziam em sua Pelotas natal, née Eleonora Allgayer Canto. São quatro décadas de alta qualidade, competência e relevância profissional, seja na imprensa sindical e comunitária, seja em veículos comerciais de porte nacional. Ela esteve na Zero Hora, na Gazeta Mercantil, foi chefe de redação e diretoraexecutiva da Folha de S. Paulo no período de maior relevância desse jornal. Há quatro anos, com o marido Rodolfo Lucena, mantém um excelente site jornalístico, baseado em entrevistas indispensáveis para a compreensão do país e do mundo, o Tutaméia [https://tutameia.jor.br].
SCHRÖDER – Eleonora, chegamos ao limite? A Globo está sinalizando que o intolerável, pelo menos do ponto de vista comportamental, será barrado? ELEONORA – Acho que não. A tolerância com o intolerável é o que marca esses anos Bolsonaro. Não é possível esse comportamento tão acanhado, tão rebaixado da imprensa em relação a Bolsonaro. Primeiro, na campanha eleitoral. Muito pouco se falou desse personagem. Os eleitores brasileiros não tiveram condições de fazer uma avaliação de quem era esse sujeito. Ele não foi a debate nenhum, não se fez nenhuma grande matéria sobre milícias, não se fez nenhuma grande matéria sobre as “rachadinhas” e todo o seu esquema no Rio de Janeiro. Então, isso começou antes, começou na própria campanha eleitoral. Bolsonaro foi um personagem tolerado, tratado [pelos meios de comunicação] no máximo como um sujeito estranho, esdrúxulo. Depois, não é possível que uma pessoa que cotidianamente ataca o jornalismo, ataca as liberdades, ataca tudo o que é da
Humanidade seja tratado como mais um excêntrico. Não é. É um fascista. É uma pessoa à qual não deveria ter sido dado espaço. E a contestação que agora chega, está chegando muito tarde. A contestação deveria ter começado muito antes. Mesmo as ofensas que ele dirigiu a jornalistas no tal “cercadinho” são coisas impensáveis. Mas a imprensa tolerava, tolera ainda, pela função que ele exerce nas reformas neoliberais. Não houve e não há qualquer possibilidade de domesticar, pacificar o Bolsonaro. É um autoengano. O cara é um fascista, que deveria ter sido tratado como um fascista. Mas vamos lembrar que o Hitler também recebeu essa atitude condescendente, e até apoio, mesmo de jornais como The New York Times, até muito próximo do início da Segunda Guerra Mundial. A imprensa se aliou a Hitler, se aliou a Mussolini, assim como se aliou a Bolsonaro. Apesar dessas posições críticas em relação a ele, não há justificativa para aquele tratamento. E esta droga de “narrativas” é uma visão que escamoteia os fatos, ajuda na disseminação das
”As ofensas que ele dirigiu a
jornalistas no tal “cercadinho” são coisas impensáveis. Mas a imprensa tolerava, tolera ainda, pela função que ele exerce nas reformas neoliberais.
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”Várias vezes, ficou muito claro, no mundo todo, que, para
a direita, e especialmente para os fascistas que tiveram essa ascensão no Brasil, não interessa democracia.
notícias falsas sem dizer que são mentiras. O jornalismo parece que entrou nessa conversa das “narrativas” e esqueceu que sua função principal é tratar dos fatos. E o fato é que Bolsonaro é um fascista que despreza e quer golpear a democracia, 24 horas por dia. Então ele não pode ser tratado da mesma forma que outros presidentes foram. Não pode. Ele é uma pessoa que deveria ter tido um olhar de atenção muitos graus acima. O que ele está tendo agora é muito pouco em relação ao que ele deveria ter recebido de crítica da mídia. TARSO – Democracia é coisa que interessa somente à esquerda? O “discurso democrático” dos grandes meios de comunicação parece acontecer somente quando o governante não está na sua linha. Aí libera a Redação para cair de pau. Quando o interesse dos empresários da comunicação está rodando, não importa o modo como esse governante o está realizando. Os meios de comunicação não têm nenhum interesse real em democracia para todos. ELEONORA – No limite, é isso que acontece. À direita, ao capitalismo monopolista, não interessa a democracia. Especialmente no Brasil. No limite, democracia não importa, desde que os negócios es-
construir o que chamam de terceira via, com um candidato de direita que “saiba usar os talheres”, eles vão ter que se definir entre um lado e outro.
tejam fluindo. E não estou falando nem em negócios estratégicos, mas em negócios de curto prazo mesmo. Tem uma visão muito limitada ao curto prazo. Várias vezes, ficou muito claro, no mundo todo, que, para a direita, e especialmente para os fascistas que tiveram essa ascensão no Brasil, não interessa democracia. Por isso eles querem golpear a democracia o tempo todo e fugir do voto. Está ficando claro que, se as eleições acontecerem normalmente, eles vão perder. Eles estão vendo esse projeto desmoronar, não estão conseguindo um projeto alternativo para evitar seu embaraço de hoje e não enxergam alternativa fora de Bolsonaro. Dá para ver que, apesar de todo esse alegado interesse por democracia e apesar das críticas ao comportamento de Bolsonaro, não subiram o tom. Pelo contrário. A perspectiva de vitória da esquerda está provocando uma rearrumação na mídia. A não ser que consigam
TARSO – E continuarão com ele. Isso bota um pouco de luz sobre a horrorosa dificuldade do capitalismo brasileiro. A possibilidade de eles próprios terem um projeto de país está reduzida a quase nada, não é? O tamanho do PIB do agronegócio dependente de decisões internacionais, o tamanho do PIB dos bancos com matriz internacional... Tira isso, sobram dois ou três caras daqui. Nem os Gerdau mais têm independência para propor um projeto de capitalismo que favoreça os locais. E o dinheiro da produção está em aplicações financeiras. Azar do goleiro! ELEONORA – É, o capitalismo passou por essas transformações nas últimas décadas. As grandes empresas viraram aliadas das Finanças. Então a gente não tem mais os debates como os dos anos 40, 50 e depois com o Simonsen [Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda no governo do Ernesto Geisel e ministro do Planejamento no de João Figueiredo], o Gudin [Eugênio Gudin, ministro da Fazenda de Café Filho], num ambiente de disputa ideológica. Não tem.
papo reto com eleonora lucena 15 A Redemocratização teve empresários na linha de frente que se opuseram à ditadura. Teve lá o [José] Mindlin, o [Antônio] Hermínio de Morais, o [Olavo] Setúbal. Teve momentos no Brasil em que a burguesia se propôs a fazer alguma coisa. Naquela época, a indústria teve 35% do PIB, hoje tá perto dos 10%.
preocupação com o que está acontecendo aqui. Por conta de sua própria contabilidade interna, eles têm alguma preocupação com o desempenho do país. E são mais organizados, também. Mas mesmo entre os bancos as posições são diferentes. Itaú está de um lado, o Bradesco, de outro. O Bradesco está jantando com Bolsonaro, o Itaú não foi. Há SCHRÖDER – Tu achas que a incisões na burguesia, mas ainda Lava Jato foi o tiro no coração das de forma insuficiente para provoempresas nacionais? car um movimento de crítica ou de ELEONORA – Sim, o alvo da queda de Bolsonaro. Lava Jato foi o capital nacional, ainda incipiente em poucas áreas, SCHUSTER – O jornalismo a construção civil, também a Petro- brasileiro perdeu espaço dentro das bras e tudo o que ela carregava. Foi empresas de comunicação? Elas muito claro o golpe às empresas que não conseguem mais dedicar muipodiam fazer frente a algum projeto to espaço para o jornalismo. ´Tem nacional. Mas o fato é que, mesmo mais espaço nas empresas jornalísessas empresas aí, não consegui- ticas médias e até pequenas. Carta ram construir uma visão de país. Capital, Carta Maior, Intercept... E hoje, curiosamente, o setor um Não te parece que tem uma granpouco mais avançado do capitalis- de incompatibilidade entre grandes mo brasileiro são os bancos. São os empresas de comunicação e o jorbancos, ou parte deles, que estão se nalismo? contrapondo ou levantando alguELEONORA – Nesse movima crítica ao Bolsonaro, enquanto mento dos últimos 20 anos, as ema imensa maioria da Indústria está presas jornalísticas começaram a calada ou está apoiando Bolsonaro. investir em entretenimento. Tem A massa dos empresários está com Bolsonaro. TARSO – E qual é a lógica dos bancos? ELEONORA – Os bancos nacionais têm um dilema que é o mercado. Estão sempre sob a sombra da entrada do capital externo. Vários grupos estrangeiros entraram, alguns saíram. Temos bancos internacionais, mas o capital nacional ainda tem predominância no mercado financeiro. A população brasileira é um mercado excelente. Então, os bancos têm ainda alguma
”Sim, o alvo da
Lava Jato foi o capital nacional, a construção civil, também a Petrobras e tudo o que ela carregava.
uma grande empresa brasileira, que é a Globo, com ganhos em entretenimento que é outra escala de valores. Houve uma diversificação no sentido de investir em entretenimento, não em jornalismo. Encartes promocionais, pseudodebates que são anúncios disfarçados... Toda essa busca de faturamento através de outras áreas que não o jornalismo vai enfraquecendo o jornalismo nessas empresas. Ao mesmo tempo, o modelo de negócio está em xeque. Todas essas empresas, desde a Globo até o jornal local das cidades do interior, estão sendo esmagadas pelo Facebook, por todas essas megaempresas que abocanharam seu faturamento publicitário. O faturamento publicitário hoje está no Google. Então, o modelo de negócios foi colocado em xeque. As empresas buscam esses subterfúgios e o jornalismo não está nas suas possibilidades de faturamento. Isso é muito ruim para o Brasil, para o público, porque a gente acaba não tendo investimentos na produção de jornalismo, na feitura de reportagens. As empresas estão numa situação muito ruim. Elas perderam credibilidade, investiram em outras áreas para buscar faturamento, estão perdendo dinheiro a rodo para esses conglomerados. Também acabaram não golpeando um governo que, de alguma maneira, deveria fazer esses megaconglomerados passarem por algum tipo de regulação, pagar imposto. Na Europa e em vários lugares, há uma preocupação em garantir que esses conglomerados respondam, de alguma maneira, à justiça do país. E não está acontecendo. A gente está na mão de vândalos. Esses caras são vândalos, que estão despejando
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as mentiras que bem entendem e ninguém os regulamenta, ninguém os controla – está ao deus-dará. E a empresa local não consegue fazer frente a eles. É muito pouco o que oferece em termos de jornalismo. A imprensa no mundo todo está passando por isso e no Brasil mais ainda, porque a gente não tem empresas com visão nacional para enfrentar essa batalha. A gente está numa posição muito ruim para enfrentar essa mudança, que é inexorável e que vai exigir que a sociedade faça alguma coisa. SCHRÖDER – Ao invés de reconhecer que esse modelo global de produção de jornalismo era o grande adversário do modelo nacional de mídia e jornalismo, as empresas brasileiras tentaram mimetizar. Numa espécie de suicídio planejado, incorporaram os serviços dessas grandes plataformas como se não fossem predadoras, como se fossem se transformar em sócios dos predadores. O grupo RBS deu um nome pomposo [GZH] ao que era, na verdade, um ajuntamento das redações de rádio, de jornal e de TV, numa tentativa de subsistência das mídias, mas que não reagia naquilo que podia, que era a produção de jornalismo. Reação estapafúrdia ou burra, por não conseguir identificar nessas grandes plataformas predadores vorazes e sem nenhum tipo de consciência ou compromisso com o país. A Folha de S.Paulo nas Diretas Já, por exemplo, embora possamos condená-la em outros momentos, ali cumpriu um papel relevante. A Globo, no início da pandemia, foi importante. Mas são resquícios de reação e que em seguida são sub-
”Teremos, no
ano que vem, um momento crucial. Nos Estados Unidos, está sendo mostrado como o Facebook atuou na eleição presidencial. metidos a esse arremedo de jornalismo, onde o entretenimento assume e o resto vai desaparecendo. ELEONORA – Concordo. O problema foi subestimado, não compreenderam o que está acontecendo. São empresas que têm tradição de muitos anos, se acomodaram, talvez, mas o fato é que muita desinformação e muita mentira é o que está circulando no país. Teremos, no ano que vem, um momento crucial. Nos Estados Unidos, está sendo mostrado como o Facebook atuou na eleição presidencial. Essa busca pelo sensacionalismo, busca pela mentira mesmo, que dá cliques, é o que move essas empresas. Por mais que haja uma tentativa de colocar uma capa de credibilidade, o fato é que essas empresas – cuja maior parte de seus dirigentes tem uma visão de direita, para não dizer de extrema direita – estão impondo ao mundo uma lógica desagregadora, que é a de solapar o noticiário e solapar o debate público. SCHRÖDER – A FIJ, Federação Internacional de Jornalistas,
percebendo isso e também a descapitalização que o jornalismo sofreu no mundo diante dos lucros estupendos dessas grandes plataformas digitais, construiu uma ação global. E aqui no Brasil, a Fenaj está construindo dois projetos de lei, que é a taxação das grandes plataformas digitais e a criação de um fundo que reverta esse fluxo de dinheiro para estimular a produção de jornalismo, reconhecendo que o jornalismo é determinante para a democracia. CACO – Hoje, não se sabe mais o que é verdade e o que é mentira. Hoje, fake news é o trivial simples. O filho do Bolsonaro, o 02 [Eduardo], foi aos Estados Unidos conversar com o Steve Bannon [estrategista do governo Trump e assessor da ultradireita mundial] para sediar nos Estados Unidos a emissão de fake news para interferir na eleição do ano que vem, já que o Lula é o favorito. O que preocupa é a desinformação. ELEONORA – Esse é o grande desafio. A gente recebe toneladas de mentiras todo dia. Uma falha da esquerda, dos democratas, é que a gente não consegue fazer a produção da notícia. A maioria dos sites, dos serviços de jornalismo, basicamente cozinha o que é produzido pelos grandes jornais. Fazem às vezes coisas muito boas, mas não há a preocupação de produção independente. Com algumas exceções, não há diariamente uma produção jornalística confiável que se possa olhar e dizer “é isso que está acontecendo”. Tem muita opinião, mas quem está informando são as grandes empresas. Isso é um ponto importante. Nós precisaríamos ter a preocupação de produzir a notícia
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”Esse é o grande desafio. A gente recebe
toneladas de mentiras todo dia. Uma falha da esquerda, dos democratas, é que a gente não consegue fazer a produção da notícia. originalmente. Antes de fazer o Tutaméia, a gente [Eleonora e Rodolfo Lucena] pensou nisso. Falamos com muitas pessoas aqui em São Paulo. A ideia era fazer o que chamamos na época de um “UOL de esquerda”, um “UOL democrático”. Seria um lugar onde se teria alguma produção, ainda que limitada, que seria uma vitrine das várias coisas que estão sendo produzidas. Há coisas muito bacanas sendo produzidas e precisaríamos ter um ponto de convergência na internet. Uma questão que nos aflige muito é, a cada dia, ter informação sobre o que está acontecendo em Nova Iorque, o que está acontecendo na China, ou sobre uma manifestação aqui na avenida Paulista. Onde vamos buscar toda essa informação? É uma miríade de sites, de agências, você vai buscar na Globo, vai buscar na Folha, vai buscar no Estadão, no Valor Econômico... Mas seria possível haver uma certa consolidação dessas informações, especialmente produção de informações. Hoje se confunde muito propaganda com jornalismo. Fica uma zona cinzenta aí, com pouca preocupação com o rigor da informação. Antes de fazer o Tutaméia, conversamos muito aqui [sobre essa possível consolidação]. A ideia não foi para frente porque, evidentemente, isso tam-
bém é uma discussão política. Enquanto não houver uma discussão sobre a necessidade de o jornalismo ser uma ferramenta de discussão política, isso não vai para frente. Então a gente pensou em fazer alguma coisa que oferecesse uma leitura dos jornais, diariamente, mas achamos que isso não avançaria muito o debate, a gente também iria ficar cozinhando notícias daqui e dali. Então, aos poucos fomos fazendo um projeto que está calcado nas entrevistas. É menos importante nossa opinião do que ouvir pessoas. Volta e meia, a gente tem um programa diferente, acontece alguma coisa e a gente entra em cima para falar. Mas a nossa opinião sobre o que está acontecendo não é o mais importante. O que queremos é pegar alguma coisa que achamos relevante no dia a dia e colocar as entrevistas. Então fizemos esse formato, que era o que dava para duas pessoas. A gente faz notícia, a gente redige um resumo das entrevistas todo dia, a gente gosta de escrever. Eu acho que essa ideia de ter uma construção coletiva deveria avançar. Mas só vai avançar se a gente tiver a percepção de que precisa colocar para o grande público uma visão do que está acontecendo, uma visão de mundo e se contrapor a essa avalanche que estamos vendo aí.
E acho que tem público para isso. Existe uma parcela da população brasileira que está órfã. Os grandes grupos abriram mão de uma parcela dos brasileiros e estão se concentrando em atender um grupo muito minoritário na sociedade. Então existe uma demanda por informação e essa informação está disponível, é importante, mas está fragmentada. SCHRÖDER – Temos uma agressão, por parte da direita, e um certo abandono do jornalismo pelas empresas de comunicação, que o trocaram por entretenimento, por venda de queijos e vinhos, em nome de seus negócios. Mas, e aqui vai uma autocrítica, tu te apresentaste, e nós todos aqui também, como sendo de esquerda. No entanto, o jornalismo que tu fazes, como o que nós fazemos, com algum exceção, é jornalismo. Não é um “jornalismo de esquerda”, como se poderia imaginar. E, aliás, eu não sei se eu estaria disposto a fazer um jornalismo de esquerda ideologicamente pautado por uma visão de mundo e tal. E não sei se é esse tipo de jornalismo que está fazendo falta ao Brasil. E aí o problema não são só os ataques da direita [ao jornalismo]. É também um descuido e, inclusive, aversão de setores da esquerda ao jornalismo.
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A esquerda parece que flerta com a ideia de que o jornalismo bom é um jornalismo publicitário. Criaremos as condições de constituir um centro de pensamento que aposte no jornalismo, a despeito de ele corresponder aos desejos momentâneos, pontuais, eleitorais, inclusive, da esquerda? ELEONORA – Até agora, a esquerda não tem tido essa visão. Confunde jornalismo com propaganda. Esse é um problema. Não há interesse em fomentar o jornalismo. Há interesse em fazer propaganda. Por isso, também, em todos esses anos de governos de esquerda, não houve nenhum projeto, não houve nada em relação ao jornalismo. Não houve estímulo a qualquer tipo de projeto que contestasse os grandes que estão aí. É uma percepção reduzida, tacanha, do “para que é o jornalismo”. Há uma confusão sobre o que é jornalismo para boa parte da esquerda, dos partidos, inclusive. Para eles, o que interessa é a propaganda e não o jornalismo. Por isso não se construiu nenhum tipo de alternativa. Por isso a própria Empresa Brasileira de Comunicação, que era um projeto legal, demorou muito para acontecer. É sempre lembrado que havia uma visão de que, pelo fato de a esquerda estar no poder, as empresas, de certa maneira, apoiariam o governo. Houve essa ilusão e não houve nenhuma preocupação em fazer um projeto jornalístico. Só publicitário. Quem perdeu foi a população, que ficou sem informação, ficou na mão dessas empresas daqui ou lá de fora, que não prezam pela informação.
lismo, de ataque à questão comunitária, do associativismo, ganhou espaço. A gente vê esses programas vespertinos... é um horror! Isso tudo foi cevando esse ambiente de ódio, de virulência, de desinformação e acabamos chegando a este desastre de agora.
”Sempre
lembrado que havia uma visão de que, pelo fato de a esquerda estar no poder, as empresas, de certa maneira, apoiariam o governo. Houve essa ilusão e não houve nenhuma preocupação em fazer um projeto jornalístico. Só publicitário.
vel, por exemplo, pela possibilidade do crescimento espantoso que o fundamentalismo teve no Brasil? ELEONORA – Eu acho que é uma das explicações, sim. Tem um conjunto de fatores que nos levaram a isso. A falta de informação, a falta de jornalismo, é um deles. E SCHRÖDER – Tu achas que a toda a mentalidade que se formou ausência de jornalismo é responsá- nas últimas décadas de individua-
TARSO – Temos plena ciência da necessidade de agrupar esse enorme esforço de um jornalismo crítico, que já é feito pela Tutaméia, pela Carta Capital, e inclusive por nós, no Grifo, mas não conseguimos dar o passo seguinte. Temos concordância sobre a necessidade da retomada do jornalismo. Vivemos essa tragédia, mas não conseguimos reunir o poder de convencimento necessário. SCHRÖDER – O papel educador que a CPI teve foi o de conseguir trazer a verdade para as grandes redes. LU – É impressionante o poder das redes sociais hoje. Quantas pessoas leem jornal hoje? Quantas pessoas ouvem rádio? Aquilo que chega no seu celular é o que elas têm como verdade. SCHRÖDER – E lerão cada vez menos, Lu, porque, se não tem diferença nenhuma entre o que aparece no jornal e o que aparece na rede social, por que tu vais ler jornal? GRIFO – Eleonora, te agradecemos a entrevista, que também é uma forma de manifestar nosso reconhecimento pela importância e pela qualidade jornalística que tu e o Rodolfo Lucena imprimem ao Tutaméia. Quem quer conhecimento e informação qualificados precisa ler o site e assistir à Tutaméia TV.
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PALAVRAS DA SALVAÇÃO Auxílio emergencial de 800 dólares? Ora, nem precisava tanto...
Incrível. O Véio da Havan teve de usar a Prevent Senior pra provar que tinha mãe. O Heinze era pra ser o porta-voz do diabo, mas foi reprovado por falta de escrúpulos. Em mensagem psicografada, Nero, antigo imperador romano, confessa amor incondicional por Ricardo Salles. Nesta primavera, em Brasília, não há flor que se cheire... Na China o Setembro Amarelo dura o ano inteiro. Não é verdade que Jack, o Estripador, recusou convite pra fazer palestra no Conselho Federal de Medicina. Será que serei obrigado a entrar numa milícia pra conseguir ver uma nota de 200 pila? Depois de seu discurso na ONU, Bozo vai ganhar um santuário em Nova Bréscia. Os intestinos funcionando regularmente também são sinal de desapego. O cara me disse que tinha “piçoríase”. Nem perguntei onde ele tava se coçando... Próximo filme com o sentador Artur Lira: MEU RABO ESTÁ EM CHAMAS. Eu tinha um armário aéreo na cozinha, mas abri a janela e ele saiu voando.
Já avisei: a minha piroca jamais será verde e amarela! E aqueles cartazes? O idioleto bozista é uma corruptela do maiamês brazuca falado na Flórida. Em rio que tem piranha, jacaré paga michê. Embora este seja o mês de prevenção do suicídio, a Campanha do Aleitamento Fraterno segue em curso.
LIGEIRO Entreguei o apê O barco e os cavalos A légua de campo A caminhonete E os olhos da cara Em honorários E negócios mal fechados Morri ontem Nem fui sepultado ainda Meu advogado Já passa a mão distraída No traseiro da viúva VERSINHOS DO CAMINHO Abraço Quem nunca É abraçado Jogo bolita E perco Dou a rosa Da namorada Pra mendiga Coço a sarna Do vira-lata Colho amoras Pra quem Não alcança E assim De derrota Em derrota Fica o riso No caminho
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regional
Gaúcho, uma disputa ideológica Demétrio Xavier
ROBERTO SILVA,
S
ou um emocionado com a “cultura gaúcha”. Não no sentido gentílico; falo do universo ligado ao personagem que é e/ou foi o gaúcho. Esse “é e/ou foi” já diz muito: é procurar as pontas em uma gamela de tripa. A disputa ideológica sobre o gaúcho - cancha nada reta do conflito de narrativas, para usar uma palavra consagrada “de já hoje” – é conhecida e centenária. E o cavalo do comissário tem ganhado de luz. A mitificação do personagem e seu passado, por hegemonias políticas e movimentos organizados, tem rendido assunto. Falta é quem esporeie o outro parelheiro (ou os outros; podem ser vários, como em uma penca), resgatando o popular e o libertário no gaúcho histórico e contemporâneo. Há razões recuperáveis, na pesquisa, na leitura... até com uma olhada em torno. Aparto algumas. O gaúcho surgiu de forma marginal à violenta sociedade colonial, bastardo miscigenado, excepcionalmente também por decisão de alguns indivíduos de famílias regulares em busca de vida aventureira ou desertores de forças militares e marinheiros. Os fermentos: gado proliferando livremente, posse indeterminada da terra, fronteiras indefinidas, ausência da instituição, contrabando... Uma “terceira via” (credo em cruz com essa expressão!!!) à angústia do Novo Mundo (eu sou quem invadiu e violentou ou sou a vítima?), identificada com fartura por cronistas e historiadores. Passando o filme rápido, por questão de espaço e porque o quadro a quadro pode ser muito café para a minha chicolateira: seguiram-se a ocupação regular do território, a perseguição domesticadora ou exterminadora desse sujeito... e a construção tendenciosa do personagem.
Assunto político: questão de sentir-se representado por esse ou aquele bando. No Prata, sobretudo nos períodos de repressão, buscou-se, mais do que aqui, o que o personagem tem de potencialmente reativo; excluído, alternativo, inclusivo (que outro grupo, no século XVIII ou XIX, abrigava mestiços, negros, indígenas de nações distintas; livre da moral da Igreja e da autoridade, autogerido e capaz de negociar com potências em guerra entre
si, transitando entre idiomas...?) E que não é “de raça morredeira”, como dizia o Gildo: sempre em transformação, mas resistindo a todos os sábios atestados de óbito. Milito nessa disputa. Conta-se que um desertor da Colônia de Sacramento foi viver entre um grupo de charruas. Um destacamento foi prendê-lo, duas semanas depois. O grupo, serenamente, disse que o tinham acolhido e agora era um charrua (e afinal, a qual dos lados ele pertencia mais legitimamente?) Teriam que brigar – e brigar bem, se de charruas se tratava – para levá-lo. Digo o mesmo aos civismos positivistas e sua adubação contemporânea; ao Tradicionalismo simplificador ou malicioso, à vulgaridade que busca o pitoresco; a quem vive fantasias xenófobas ou sublinha exterioridades racistas e machistas... aos que só aproveitaram de uma figura tão rica algum grito e o relhinho comprado na correaria da esquina: querem se apropriar do gaúcho? Venham buscá-lo.
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filhosdonobre Como era Três histórias verídicas (acreditem!!!) o nome mesmo?
Marco Antônio Villalobos
I
José Evaristo Villalobos (Nobrinho) 1) O comício
Minha mãe, Virgínia Villalobos, foi rádio-atriz na sua juventude. Uma vez, para ganhar um dinheirinho extra, foi mestre de cerimônias no comício de um político. A mãe acertou todos os detalhes de como seria o ato e, por fim, “conferiu” o microfone, liberando o tal político para entrar em cena. Lá veio ele.... - Minhas senhoras, meus senhores.... Minhas senhoras, meus senhores... Minhas senhoras, meus senhores..... Só dizia isso. E passava o microfone de uma mão para a outra. Sem parar. Até que a mãe gritou dos bastidores: - Diz logo alguma coisa porque as pessoas estão ficando impacientes. O político, já meio desesperado, largou, então: Minhas senhoras, meus senhores. Esta merda aqui está dando choque....
2) Das velhas rádio-novelas
Locutor – O marido traído chega ao décimo andar do prédio onde morava e encontra a esposa com o amante. Sacou a arma e disse: -De hoje vocês não passam. E disparou o revólver.... O operador se enganou e trocou o barulho do tiro pelo mugido de uma vaca. O marido retrucou: -E não adianta vocês se esconderem atrás da vaca. Os dois vão morrer hoje. Sem falta. Não passam de hoje.
sto aconteceu na década de 70. Eu trabalhava na chefia de Reportagem e a repórter, que anos depois foi uma das mais importantes do Brasil, iniciava na televisão. Uma de suas primeiras reportagens tinha a ver com o sempre delicado casamento entre jornalistas e militares. Ela ia cobrir uma troca de comando na Aeronáutica, lá na base aérea de Canoas. Logo de cara enfrentar este clima tenso, que quase sempre marcava nossos encontros com os fardados, deve ter deixado a jovem um pouco nervosa. E aí, para variar, quase que o casal briga, e muito feio. O nome do brigadeiro que ela pelo menos tentaria entrevistar era Rodopiano Barbalho. Huuumm. Ai, ai, ai! Mistura adrenalina, nervosismo, inexperiência e qual o resultado? Ao apresentar-se ao ajudante-de-ordens, nossa repórter solicita uma entrevista, não exatamente com o brigadeiro Rodopiano e sim com o brigadiano Rodopiero. Muitos panos quentes esfriaram até provar que tudo se tratava apenas de um grande equívoco. Menos mal que o sobrenome ela acertou, afinal na corrida, em meio a tanto stress, sei lá no que Barbalho poderia ter se transformado.
3) Do féretro
O locutor da velha rádio anunciava o convite para enterro: - Noticiamos o falecimento de fulano de tal. O féretro deixará a Irmandade de São Miguel e Almas, em Porto Alegre, às 17 horas. Aí, olhou para o relógio e viu. Já eram 17h05min. Disse, então: -Mas se os amigos andarem rápido ainda pegarão o enterro na subidinha.....
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só cartum
só cartum
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cultura
Lu Vieira
SANGRIA Enquanto o vermelho da minha boca se descora no cigarro, eu sangro pela caneta. Poetar é a sangria desatada da minha alma. (Graça Craidy) Ilustrações: Graça Craidy (1951, Ijuí/RS)/ Sangria/ nanquim/ 21X14/ 2021
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cultura
Paulo Freire
O
mundo todo, incluindo o Google, comemorou o centenário de Paulo Freire dia 19 de setembro. Bem, com exceção da terra plana. Mereceu tanta atenção porque em 1961 ele inventou um método de alfabetização mais eficiente que os praticados no Brasil. Nem todos gostaram e na ditadura militar ele foi preso e exilado. Voltou ao Brasil em 1980, reconhecido internacionalmente. Faleceu em 2 de maio de 1997, é patrono da Educação brasileira desde 2012, mas tem gente que o chama de “energúmeno”. Mas sempre tem esperança: na Escola da Serra, de BH, no final de setembro, crianças de menos de 9 anos fizeram cartazes pedindo aumento do recreio, num deles Paulo Freire ergue a mão apoiando o protesto. O recreio aumentou.
26 Lu Vieira
BIOMA PAMPA Celso Schröder
COLARINHO, PÃO E VINHO João Bosco
DR. ROBALO Kayser
tiras
tiras ONOFRE, O GAUDÉRIO DE APÊ Óscar Fuchs
MORGANA, A BRUXINHA Celso Schröder
Wagner Passos
RANGO Edgar Vasques
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lu vieira e rodrigo schuster
texto&traço
Boca seca
E
m conversa com o primeiro-ministro britânico, Bolsonaro reafirmou não ter tomado vacina contra Covid-19. Não temos como confirmar, já que ele colocou sua carteira de vacinação em sigilo, mas precisamos repetir: Ignorem o presidente! Tomem vacina e, sob hipótese alguma, adulterem o certificado de óbito materno. A profusão de “ignorem o presidente” é tão grande que algumas coisas passam batidas e eu acho que a Globo deveria tratar esse governo como ele merece; colocando na redação dos telejornais a pessoa que escreve as chamadas da Sessão da Tarde: “Essa galera muito louca vai aprontar altas confusões na Assembleia da ONU. ‘Bol-
sonaro e Sua Turma - Perdidos em NY’, essa vergonha, você só vê até 2022”. Sim, tenho esperança que em 2023 tenhamos na presidência alguém que não precise ser ignorado com tanta frequência. Aliás, quem completa 16 anos antes de 02 de outubro de 2022, pode fazer o título de eleitor gratuitamente pelo site do TSE. Então jovem, tire seu título de eleitor e, por favor, não vote em quem quer tirar o de todo mundo. Lembre que as urnas eletrônicas são seguras e auditáveis. Mais uma vez, ignore o presidente. Um “ignore o presidente” que passou meio batido é o “quando
acaba a saliva tem que ter pólvora”. Em novembro de 2020 existiam alertas mais urgentes para serem feitos e esse “conselho” não tinha consequências tão graves. Mas agora que, apesar do governo, a primavera chegou e a imunização em massa se aproxima, ele voltou a ganhar relevância. Eu não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos sexuais (não sou sexólogo nem bombeiro), mas uma coisa que posso afirmar é que a ideia de que quando acaba a saliva tem que ter pólvora é das piores possíveis. Sério gente, não coloquem pólvora. Vai ser péssimo. Pólvora é tipo uma areia que explode, e mesmo que não se gere calor suficiente para provocar uma combustão, vai ser muito desconfortável, existem opções melhores. Tem gel que é feito especificamente pra isso, na falta de gel há opções pouco recomendadas que ainda assim são melhores. Coloca manteiga. Coloca óleo de cozinha. Não coloca nada e vai ser melhor que colocar pólvora. Aliás, que pessoa é essa que tem pólvora em casa? Tá tentando descobrir o elixir da vida? Tá tentando transformar ferro em ouro? É alquimista medieval? Imaginem a situação; tudo muito divertido, tudo muito delícia, as roupa tudo no chão, as boca tudo lambuzada, os dedo tudo melado, a pessoa abre uma gaveta e fala “vou pegar…” você pensa “camisinha”, a pessoa diz “pólvora”. Eu iria embora.
entrevero
29 Não sei na outra vida, mas nesta uma das melhores sensações deve ser a do corrupto acobertado pela mídia e não incomodado pelo Judiciário. Celso Vicenzi
No Brasil, a mídia, cada vez mais leviana, roda a bolsa e, mais que o corpo, vende a alma por uma boa grana. Celso Vicenzi No frigir dos ovos, estamos fritos. Carlos Castelo A Esperança é a última que corre. Ela confia que os reforços chegarão a tempo. Paulo de Tarso Riccordi Estamos vivendo num momento tão difícil que a única salvação está na transgressão. Sílvio Tendler, cineasta Fusão do DEM e PSL oficializa uma sigla impronunciável. Toc, toc, toc! Caco Bisol O homem não mudou porque caçou uma cabra; mudou porque a pintou na parede de uma caverna. Alexis Leyva Machado Kcho,artista plástico cubano Teje preso Acho que, preventivamente, todos os arrolados até agora e que constarão do relatório da CPI deveriam entregar seus passaportes e colocar suas tornozeleiras, que aliás deveriam ter seus estoques já atualizados. Schröder
futuca a túia, pega o catadô vamo plantar o feijão no pó elomar, arrumação, 1988 Consultório sentimental Não tens que te incomodar que ela reclama. Tens que te preocupar é quando ela deixar de reclamar. Aí tu vai saber que “deu” pra ti. Paulo de Tarso Riccordi No Brasil, nunca tantos jornalistas se venderam tanto por tão pouco. Celso Vicenzi
31 de outubro Comemoramos aqui O Dia do Saci!
Em mil dias de governo, a única coisa que deveria ser positiva, deu negativa: o teste de Covid do Bolsonazi. Santiago
O matadouro No matadouro Brasil descobrimos que a eutanásia era mais rápida com plano de saúde. Schröder Pra onde vai o Brasil, ninguém sabe. Mas, com esse dólar, não deve sair do país tão cedo. Carlos Castelo O Brasil nunca foi um oceano de virtudes. Além do mar de lama tem a onda reacionária. Celso Vicenzi A juventude não é eterna. Se eu não me olhar no espelho, tudo bem. Luca, da ZL Há basicamente dois tipos de políticos: os que têm sede de poder e aqueles com apetite por cargos. Celso Vicenzi Machado de Assis tava certo no seu Alienista. Quem sabe um rodízio nos dias de hoje fosse o caso. Caco Bisol
A coisa tá tão feia que o dono de circo pegou o papel do equilibrista. Paulo de Tarso Riccordi Quem diria que o Brasil, um país tão musical, ficaria assim, tão fora do tom? Carlos Castelo
Eu e meu celular Aonde vamos os algoritmos nos assediam. Não tá dando pra ser esse GPS ambulante, Raulzito. Caco Bisol
Facebook: sosaci.observadores Intagram: sosaci_slp Site: sosaci.org.br
Já são tão poucos homens honrados que se tornou cada vez mais difícil atingir a honra de alguém. Celso Vicenzi
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entrevero
Coincidência Às vezes a gente pensa que está dizendo bobagem e está fazendo poesia. Mário Quintana
Esse é para mim o maior signo da evolução: ocupar-se dos demais, ocupar-se de alguém. Alexis Leyva Machado
Quando sairmos desses tempos sombrios, não seremos nem uma sombra do que já fomos. Carlos Castelo
Convicção Temos que admitir, o Senador Heinze é um estúpido convicto e renitente. Schröder
Hay que endurecerse. Che Guevara (Esqueci alguma coisa? Caco Bisol) A coca que manda no Brasil não é concorrente da Pepsi. Celso Vicenzi Sócios Um ministério da saúde que mata só pode se associar a um plano de saúde que mata. Schröder
Manifestações de amor Uma das mais deliciosas manifestações de amor é a falta de respeito. Mário Quintana
A história de Robin Hood não faz sucesso no Brasil. Aqui se rouba dos pobres para dar aos ricos. Celso Vicenzi
A fila anda Já que o Lula não aceitou, PDT convida Datena pra vice do Ciro. Caco Bisol
Bobagens Dizer bobagens areja a alma e faz a gente gozar com a cara do outro. Dizer isso, por exemplo, a uma dona-de-casa que acha que comemos pouco: “Eu sou um animal de pouco comer, porém de olhar compreensivo”. Mário Quintana O Brasil foi transformado em um deserto político. E a próxima eleição pode ser uma miragem. Celso Vicenzi O silêncio O Conselho Federal de Medicina hoje foi quem sofreu o abraço de afogado de Bolsonaro. Arrolado como cúmplice está em silêncio assertivo até agora. Schröder Antes, a direita usava a religião para fazer política, agora, usa a política para fazer religião. Jorvel O Brasil tem mais de 200 milhões de cabeças de gado. Só uma dúvida: será que computaram aquelas pessoas que aceitam tudo bovinamente? Celso Vicenzi A diferença A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta sabe que é louco... porque a poesia é uma loucura lúcida. Mário Quintana
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entrevero Kaikais
Nem na ONU ele declina Sua condição existencial De boca de latrina
X Chegou a Nova York O tradicional lero-lero Do pai dos zero-zero
Os deuses astecas Os deuses astecas Huichtlipochtb, Quetzalceatl, Ixtlipetzlic et cetera morreram engasgados com os próprios nomes. Mário Quintana
X O mundo se curva ao Brasil: Presidente lunático e falso Como esse nunca se viu.
X Mundo, mundo, vasto mundo, Que pariu gente boa e ruim, E o presidente mais vagabundo.
X Em discurso de 12 minutos, Ele se propunha e conseguiu: Desmoralizou o Brasil!
X A CPI, que surpresa! Num clima nada morno, Teve até defesa do corno!
X Sentindo-se sob uma prensa, Na mira de quem ela ajudou, Despertou a grande imprensa
X Jornais, estamos ao seu lado, Mas que seja a serviço da verdade E não faturar satisfazendo o gado.
X Record, agora é só clichê. E o que dizer do SBT? Pior que ela, só a Rede TV!
X A verdade nua e crua: Fora do Brasil o boquirroto Tem que comer pizza na rua. Mouzar Benedito
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cava
artes drásticas