GRIFO 14

Page 1

Risadas sonoras, causos do rádio Página 30 O que a CPI mostrou

Nº 14

NOV

Página 10

Apoio a Verissimo e à cultura Página 27

2021

IGOR MOTA

C A R T U N I D S O T S A S J O R N A L

D A G R A F A R

Valéria Barcellos:

Minha existência é política. Meu corpo é político. Página 18


editorial

Amigos do Grifo

A

A gente ainda tá sorrindo por causa do sábado 6 de outubro. No Espaço Amelie, onde as Margaretes, a Dornelles e a Morais, nos receberam à tarde, apresentamos a versão impressa da 13ª edição, comemorativa ao nosso primeiro aniversário. Quem pôde ir, dentro dos limites que o tempo e condições de segurança sanitária permitiam, disse o que outros também disseram em mensagens virtuais: “Parabéns”, “vida longa”, “leitura imprescindível nesses tempos”, “publicação corajosa”. Alexandre Costa, com duas câmeras e mais um celular, registrou no seu blog esquinademocratica.com. Pela manhã, a ARI (Associação Riograndense de Imprensa) nos entrevistou no programa de sábados pela manhã (tá lá no youtube). O Brasil de Fato (brasildefato.com.br) também registrou nossa edição de aniversário. Enfim, temos muitos amigos. Um grupo de mais de 60 pessoas participou da ação coletiva organizada pelo Catarse para viabilizar a versão impressa. Alguns deles recolheram seus exemplares no evento, outros pelos Correios. Faltou um pouco de prática pra gente na hora de despachar, o que gerou desagradáveis atrasos. Mas é só entrar em contato pelo nosso e-mail comunicando o que está errado que a gente conserta.

Nosso agradecimento a vocês, listados a seguir, por essa colaboração: Abrão Slavutzky, Adhemar dos Santos Mineiro, Airton Kanitz, Anelise Neu, Angela Hubner, Antonio Flavio Uberti Costa, Augusto Bier, Bayard Steiger, Caco Bisol, Carlos Krebs, Carlos Roberto Winckler, Carlos Souza, Castelo Carlos, Celso Schröder, Celso Vicenzi, Cesar Lopes Aguiar, Cindi Regina Sandri, Clarisse Aronson, Cláudio Mércio, Crau da Ilha, Cristiano Hanssen, Demétrio de Freitas Xavier, Denise Yanda, Eloir Paulo Schenkel, Elvin Fauth,Eudes Ailson, Graça Craidy, Herta Elbern, Idezio Junior, Jaque Martins, Joaquim Soriano, Jorge Alberto Benitz, José Manoel Alvarez V Porto, Lauro Roque Goularte, Leonardo Batista da Cruz, Leonardo Batista da Cruz, Lu Vieira, Luciano Kayser Vargas, Luiz Cláudio Cunha, Luiz Eduardo Robinson Achutti, Marco Antonio Schuster, Marco Antonio Villalobos, Maria de Fátima Saraiva, Maria Thereza Ribeiro, Matheus Mayer Mombelli, Neltair Abreu, Omar Rösler, Paulo De Tarso Carneiro, Paulo de Tarso Riccordi, Regina Helena van der Laan, Ricardo Rossi da Silva Couto, Robson Pereira Rosalino Mello, Samuel Mânica Radaelli, Sergio Batsow, Sergio Caveira, Suzete Antunes, Ubiratan Libanio Dantas de Araujo, Vando Frois, Vanessa Carra, Wagner Valente dos Passos, Wilson F. Cavalcante.

O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Editor gráfico: Caco Bisol. Participam desta edição: Alisson Afonso, Apparício Torelly, Batsow, Bier, Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Castelo, Carlos Winckler, Carol Andrade, Céllus, Celso Vicenzi, Cláudio Duarte, Donga, Dóro, Edgar Vasques, Fetter, Fifa Quintana, Flávio Luiz Bastos, Janete Chargista, Jeferson Miola, João Bosco, João Simões Lopes Neto, José Weis, Juska, Karina Schröder, Kayser, Levitan, Lor, Lú Vieira, Max Ziemer, Moisés Mendes, Mouzar Benedito, Ohi, Óscar Fuchs, Pena Cabreira, Rafael, Reinaldo Pedroso, Roberto Silva, Rodrigo Schuster, Rodrigo Stumpf González, Samuca, Santiago, Schröder, Simch, Suzart, Tarso, Thaís Gil, Tom Jobim, Uberti, Vladimir Sacchetta, Wagner Passos.

EX PE DI EN TE grafar.hq@gmail.com

02

E mais: Brady (Cuba), Lukyan (Ucrânia), Marghe Allegri (Itália), Mate (Argentina).

O GRIFO de Brady

Receba as edições do Jornal Grifo totalmente grátis e em primeira mão Basta entrar em um dos grupos de WhatsApp para receber sua edição em pdf! ATENÇÃO! Nos grupos do WhatsApp do Grifo só são permitidas mensagens do administrador.

CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 3 DO GRIFO


pandeconomia

Uma por semana

C

omeçou em outubro. Um aumento de gasolina por semana, sempre às sextas-feiras. Somando com os restantes reajustes do ano, na metade de novembro gasolina e diesel estavam quase 50% mais caros que em primeiro de janeiro. O botijão de 13kg de gás subiu 30%. Muito mais que a inflação exagerada, causando queda de salário, aumento do desemprego e da desesperança. Todo país? Não. Têm alguns ganhando muito, seja com aplicações em paraísos fiscais ou aqui mesmo. Os bancos, por exemplo. A soma dos lucros dos quatro maiores (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) é de R$ 21,3 bilhões no terceiro trimestre do ano, o quarto maior lucro da história (o terceiro maior foi no trimestre anterior). Enquanto o comércio vende osso sem carne, pés e pescoço de galinha, os três maiores frigoríficos do país também tiveram lucros recordes no ano, por que exportam suas carnes A inflação chegou a 9% no ano e deve bater os 10% em dezembro, a taxa de desemprego é de 13,2% e a renda média dos brasileiros caiu 10,34%. Mas o governo não se contenta com pouca maldade. Acabou com o Bolsa Família e com o Auxílio Emergencial. Inventou o Auxílio Brasil, que não atende ao número de pessoas atingido pelos dois anteriores e termina no final de 2022. Para viabilizar tudo isso, criou um orçamento secreto, uma estratégia para desviar dinheiro do orçamento real a parlamentares em troca de voto. O Supremo Tribunal Federal mandou acabar com isso, numa votação de 8 a 2. Êta governo cheio de números ruins!

03


04

pandeconomia


pandeconomia

05


06

pandeconomia

Para onde vai o Brasil? Rodrigo Stumpf González, cientista político

H

á cerca de uma década, a revista britânica The Economist trazia uma capa que representava o Cristo Redentor como um foguete decolando para representar os bons resultados da economia. Veio a recessão e a capa foi substituída pelo Cristo como um foguete desgovernado. Mantendo a metáfora visual, durante a pandemia a representação foi da estátua com uma máscara ligada a um cilindro de oxigênio. Uma imagem de nosso presidente da república tentando implodir as bases da nonagenária estátua seria mais realista. Em dados objetivos, a situação do país está pior hoje do que há 10 ou 20 anos (há 30 anos talvez estivesse pior, mas estávamos mais otimistas sobre o futuro). Alta taxa de desemprego, inflação, desequilíbrio de contas públicas, insegurança alimentar e trabalho infantil são males que o país já viveu no passado e que um a um têm retornado ao noticiário. Porém novos problemas se acumulam no país. A polarização política aumentou, alimentada por bolhas informativas das redes sociais e por fake news e contribuiu no negacionismo da pandemia de Covid19, tendo como consequência sermos o segundo país no mundo com maior número de mortos pela doença. O Brasil se tornou um pária na política internacional. Alguns analistas dizem “que as instituições funcionam”. Por um lado, temos uma CPI que apontou responsabilidades no Governo Federal e em empresas, em negócios escusos durante a pandemia, inclusive uma macabra trama de uso de pacientes como cobaias em um plano de saúde. De outro, o STF tem presidido inquéritos por ataques à instituição e ao regime democrático, determinando a prisão de personagens da ultra-direita. O senador Renan Ca-

lheiros e o ministro Alexandre de Morais tornaram-se improváveis heróis do momento para setores da sociedade brasileira. Mas para quem as instituições funcionam? A denúncia do ex-ministro de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal ficou em uma gaveta do mesmo STF. Este mesmo presidente recentemente fez falsas relações entre a vacina contra Covid e o vírus do HIV, num escancarado crime contra a saúde pública que nem mesmo fez corar a face do Presidente da Câmara dos Deputados, que irá bloquear todo e qualquer pedido de impeachment, mesmo que tenha fundamento. Embora a Procura-

doria da República critique a abertura de inquéritos no âmbito do STF, isto só ocorre pela própria inépcia da Procuradoria de cumprir suas funções. Neste meio tempo, o TSE constatou que houve abuso de uso de redes sociais na campanha eleitoral de 2018, mas vai deixar punições para a próxima eleição. Reconstruir o Brasil internamente e sua credibilidade externa levará anos. Não será uma tarefa fácil e na improbabilidade de um impeachment, começa nas eleições de 2022, não apenas as presidenciais, mas em especial as do legislativo. Pior que um presidente com tendências genocidas são poderes da república incapazes de fazer o devido controle de seus abusos.


fez-se news moisés mendes

07

Mascarados

T

enho um amigo que, além da máscara, usa óculos escuros. Diz que se sente mais seguro. Esta semana, esse amigo, que se chama Adalberto, me contou que, mesmo usando máscara e óculos de sol, foi reconhecido no supermercado pela ex-mulher. Viveram seis anos juntos, separaram-se há três, não se viam há dois, desde o começo da pandemia. Ele ficou impressionado com o fato de a ex-mulher ter percebido que era ele, quando se encontraram ao acaso no balcão das verduras. Ele viu, pela contração dos olhos dela, que a ex-mulher sorriu e fez um movimento de oi com a cabeça. A pandemia criou essas situações estranhas. Olha-se para quem está ao lado e a dúvida se manifesta: será o fulano? Eu cumprimento todos os mascarados que suspeito que conheço. Há um mês, olhei um sujeito de cabeça branca, com óculos de tartaruga e camiseta do Grêmio, e pensei: é o Pimentel. Já era noite, ele estava sentado tomando cafezinho no Paseo. Meu amigo que eu não via há uns quatro anos, porque foi morar no Recife e há poucos

D

meses estava de volta a Porto Alegre. Cumprimentei com o soquinho, quase o abracei e disse: aparece lá em casa, porque já tomei a terceira dose. Vamos comer uma costela uruguaia no sábado. Ele disse apenas que sim, que legal, que também estava tri-imunizado, e apareceu no sábado com a mulher. Sentou-se e eu vi que algo estava errado, porque aquele ali era maior do que o Pimentel. Não era o Pimentel. Era outro sujeito, que eu conhecia. Ele sabia onde eu morava, mas eu não o convidaria para comer uma costela. Me segurei, minha mulher franziu a testa e me olhou preocupada quando percebeu que não era o Pimentel, mas fomos em frente. Até que o cara começou a elogiar Bolsonaro, com a ajuda da mulher dele. Meu primeiro churrasco na pandemia, e eu estava com um bolsonarista comendo costela uruguaia e bebendo minha cerveja. Eu dizia que não concordava, ele rebatia que sabia, mas que conhecia minha tolerância com a liberdade de opinião e que por isso mesmo havia aparecido.

Quando o desespero bateu, tocaram na campanhia. Era o meu amigo aquele que havia encontrado a ex-mulher no supermercado, o Adalberto. Ele e uma mulher que, pensei, era sua ex-mulher. Sentaram-se e eu vi que havia de novo algo errado. Era muito parecida, cabelos curtos, sobrancelhas naturais, mas não era a ex-mulher dele. Achei que estivesse delirando. Foi quando ele esclareceu que aquela era a mulher que ele havia confundido com a ex-mulher no supermercado. Passaram a conversar depois, em outras compras, quando ele percebeu que não era sua ex-mulher. E acabaram namorando. Tinham aparecido para que a gente a conhecesse. A chegada do casal me distensionou um pouco e conteve a conversa do outro casal bolsonarista. Já no meio da tarde, tocou o telefone. Era o Pimentel, que ligou para contar uma novidade: estava namorando a ex-mulher do Adalberto. E contou então que se viram na fila da vacina e ali tudo começou e que ele havia percebido que a ex-mulher do Adalberto era mais bonita de máscara e que ela só andava de máscara, mesmo estando em casa e que...

Grafar pela cultura

e 20 de novembro a 19 de dezembro de 2021, acontece a exposição GRAFAR NA LUTA PELA CULTURA, na galeria Ecarta de Porto Alegre. São 100 desenhos de 22 cartunistas e curadoria do Eugênio Neves. Endereço: Av. João Pessoa, 943 bairro Farroupilha, P. Alegre RS Terças a domingo, das 10h às 18h. Observando todos os protocolos de segurança sanitária recomen-

dados pela Organização Mundial da Saúde e autoridades locais. Os cartunistas: Alisson Afonso, Anibal Bendati (in memoriam), Augusto Bier, Celso Schröder, Edgar Vasques, Eugênio Neves, Fernando J. Uberti, Francisco Juska, Jô Xavier, Lancast, Leandro Hals, Lu Vieira, Luciano Kayser, Máucio, Moacir Gutterez, Santiago, Paulo Vilanova, Rafael Correa, Rafael Sica, Rodrigo Rosa, Ruben Castillo, Vicente Marques.


08

Os maus e o bem “Eu não vim pra explicar. Eu vim pra confundir” Chacrinha

N

ão é por outro motivo que a audiência do grupo Globo continua caindo sem paraquedas. Seu “jornalismo” já havia inventado, no governo Bolsonaro, a “ala ideológica” e a “ala militar”. Como se militares no governo batessem ponto só depois de tomarem banho com sabonete neutro. O “jornalismo” da Globo voltou a desfilar naqueles velhos tanques que produzem muita fumaça. Com desfaçatez, dia desses o repórter revelou um conflito entre a “ala política” e a “ala econômica” do governo. Mas soprou um vento e me clareou as vistas: para a Globo, “a ala técnica” - portanto desideologizada, descomprometida com a política, comprometida com “o país” e não com grupos, angelical, enfim - é quem tem razão e deve ser defendida pelo jornalismo ‘soit disant’ imparcial. Até porque defendem os interesses da própria Globo, do Mercado de capitais voláteis, de uma parcela dos altos empresários “nacionais”, dos bilionários brazileiros (sic) e do Departamento de Estado do grande irmão. Enfim, as alas da golpista Globo são as “técnicas, profissionais e imparciais”. Não importa o quão afundadas estejam nos crimes do mercado paralelo de vacinas e cloroquinas, nem o quando estejam escondendo nos paraísos fiscais. Afinal, há maus que vêm para o bem (deles). (Paulo de Tarso Riccordi)

golpismo


golpismo

9


10

Siga a CPI

A

CPI terminou. Sem pizza, que alguns encontram em torres e em calçadas de restaurantes, nem espetáculo circense, que outros - amigos dos alguns tentaram transformar. O relatório apresentado dia 26 de outubro apontou as causas e os responsáveis pelos mais de 600 mil mortos de Covi-19 no Brasil. A CPI descobriu esquemas de corrupção nas negociações de compras de vacina, um gabinete paralelo comandando a política governamental e uma usina de notícias mentirosas funcionando com a conivência do governo federal. Além do presidente da república ser indiciado - a CPI pede seu banimento das redes sociais - duas empresas e outras 78 pessoas foram denunciadas. Agora, é seguir o caminho apontado pela CPI.

cpindo


cpindo

11

Como o Brasil estaria hoje se a CPI não tivesse acontecido? Jeferson Miola, analista político

N

a instalação da CPI da COVID [27/4] o relator Renan Calheiros enunciou: “A diretriz é clara, militares nos quartéis e médicos na saúde. Quando se inverte, a morte é certa”. E concluiu: “E foi isso que, lamentavelmente, parece ter acontecido”. O relator deixou implícitas as duas premissas centrais de investigação. A primeira, do fato concreto, ou seja, do morticínio equivalente a perdas humanas de 10 guerras do Paraguai e que, como a própria CPI pôde comprovar nos seis meses de trabalho, derivou de escolhas deliberadas do governo militar. A segunda premissa, consequência da primeira, identifica a responsabilidade dos militares pelo morticínio – fora dos quartéis, usurparam as funções de cientistas e especialistas da saúde. E, como discursou Renan, quando estes papéis se invertem, “a morte é certa”. Paradoxalmente, duas das principais lacunas do relatório de 1.178 páginas da CPI referem-se precisamente a essas premissas enunciadas na largada da Comissão: uma é a não responsabilização do comando do Exército e a outra, a não tipificação da prática de crime de genocídio em relação aos povos indígenas, tal como define o direito internacional. A responsabilidade do comando do Exército é indiscutível: autorizou a designação do general da ativa que conduziu a gestão criminosa da pandemia; mandou o laboratório do

Exército fabricar cloroquina em larga escala e, além disso, mandou distribuir a droga nas comunidades indígenas e em cidades administradas por aliados negacionistas do governo. Quanto ao crime de genocídio, a Convenção da ONU de 1948 [incorporada ao arcabouço jurídico brasileiro em 1956 – Lei nº 2.889], é claríssima: “a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial”. Mesmo com suas limitações, porém, a CPI foi essencial. Como o Brasil estaria hoje se o STF não tivesse obrigado o presidente do Senado a instalar a CPI? O exercício contrafactual evidencia que apesar das duas lacunas primordiais, se a CPI não tivesse acontecido a situação estaria muito pior no Brasil. A Comissão foi fundamental

para reverter a tendência de uma hecatombe humanitária de proporções ainda mais trágicas para a sociedade brasileira. A CPI recomendou a responsabilização criminal de Bolsonaro e de outras 79 pessoas; e, ao desarticular esquemas mafiosos na compra de vacinas, obrigou o governo a encontrar respostas efetivas de imunização. A investigação revelou a máquina de horror bolsonarista inspirada nos experimentos nazistas de Auschwitz. E também esmiuçou o funcionamento da estrutura criminosa de sabotagem à ciência instalada no porão do Palácio do Planalto. Os colaboracionistas do fascismo – Arthur Lira e Augusto Aras – até poderão bloquear as investigações criminais, mas a cumplicidade deles não conseguirá anular os resultados indiscutíveis já alcançados pela CPI. Difícil imaginar a dimensão da tragédia brasileira se a CPI da COVID não tivesse acontecido.


12

A Lava Jato de novo

S

e é verdade que a Globo, com parte da imprensa, resolveu se livrar de Bolsonaro como de um berne indesejável, também é verdade que esta imprensa acalentou a Lava Jato neste período, guardando com carinho os carnegãozinhos que produziram o golpe e a destruição do sistema de proteção social herdado do getulismo. Moro e Dallagnol estão sendo guardados para serem apresentados como a improvável terceira via. Pouco importa se eles são a expressão do neofascismo que acabou ao mesmo tempo com a economia, a justiça e a política brasileira e depositaram o germe do bolsonarismo. Pouco importa se eles próprios estão mergulhados na corrupção que tanto combatem retoricamente e mais, pouco

schröder

querquedesenhe?

importa a enorme contradição destes cruzados que, para defender retoricamente a lei, acabaram com a lei no país. Pouco importa, finalmente, se os promotores da criminalização da política nacional se movimentam, agora publicamente, para exercer os cargos políticos que tanto repudiaram. A imprensa continua na sua tarefa cada vez mais difícil de lavarem a jato estas duas figuras contaminadas pelos interesses mais escusos da atualidade, nacional e internacional.

E a CPI foi A CPI começou de leve, tateando, com a confiança desconfiada dos brasileiros e a impunidade dos criminosos no horizonte da tradição. Durante seis meses foi levantando tapetes, revirando o lixo nacional e espremendo o furúnculo bolsonarista. Iniciou com questão confessa do negacionismo,

querqueescreva?

depois avançou para a óbvia corrupção das propinas das vacinas e da venda de medicamentos impróprios para o tratamento da pandemia. Desencadeou a reação governamental que, sem conseguir negar a responsabilidade, incrementou a vacinação e recuou no boicote às ações preventivas de faseamento social e uso da máscara. E finalmente a CPI chegou ao ápice do crime inédito cometido contra a população brasileira: a ideologia nazista eutanásia e da eugenia concretizadas no plano de darde privado Prevent Sênior. O indiciamento de 78 pessoas, entre elas o Presidente da República e seus filhos e duas empresas é inédito na história brasileira, como inéditos foram os crimes cometidos, mas certamente está longe de apontar para todos os responsáveis pela tragédia nacional. A CPI não foi pizza na sua feitura, agora, ficar atento para que não vire pizza no seu cozimento.


13 terraplanismo mental


14

só cartum Eu pedi massa curta!

Lukyan (Igor Lukyanchenko) é ucraniano de Kiev. Cartunista há 25 anos, acumula mais de 50 prêmios internacionais.


15 só cartum


16

só cartum


diabo rosa

PALAVRAS DA SALVAÇÃO Deus que me perdoe, mas a erva do diabo é um santo remédio. O STF pede calma. As instituições já estão voltando à anormalidade. Que falta faz um grande filho da puta jogando a nosso favor... Como é que eu vou me ressignificar se não consigo nem me entender? Roubou no jogo do osso e fez uma sopinha no rancho. Na Feira do Livro: - O senhor tem leitura de autoajuda? - As revistas de muié pelada tão no banheiro. Se Augusto Aras elogiar alguma coisa, saia de perto da coisa.

17

bier

Após tempestade de pó, Aécio Neves foi visto procurando imóvel no interior de SP. Ao se deixar picar, Cleópatra já tinha conhecido as cobras de César e de Marco Antônio. Com um Judiciário desses já dá pra gente abrir uma franquia do inferno. Luto é isso. Família sai da cremação e vai chorar na churrascaria.

A Camorra e a Cosa Nostra já emitiram nota de repúdio à presença de Bozo na Itália. O problema do presidente no exterior é que ele nunca entra no clima. Torre de pizza, mesmo, é o Congresso Nacional. Hoje, no Japão, é comemorado o Dia Nacional do Sorriso Amarelo. Aqui se faz, aqui se caga - disse o presidente. A vovó pra atendente do sex shop: - Eu tô em busca de boas vibrações...

Não se pode dizer que o Centrão não é um grupo de autoajuda.

O empreendedorismo estimulado pelo governo me deixa na dúvida: inauguro uma igreja ou abro um banco?

Apesar de todas as explicações, a maior causa dos acidentes aéreos ainda é a lei da gravidade.

Pastel de vento bom é aquele que a gente morde e baixa hospital com pneumonia.


18 papo reto com valéria barcellos

IGOR MOTA

Na cabeça de vocês, eu não sou mulher, sou ‘qualquer coisa’


papo reto com valéria barcellos 19

NR: nesta entrevista, com frequência são utilizadas as palavras cisgênero e transgênero. Cisgênero refere-se à pessoa que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero designado no nascimento – por exemplo, uma mulher cis é uma pessoa nasceu com uma vagina, se identifica com o gênero feminino e se expressa socialmente como mulher. Transgênero é a pessoa que se identifica com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído ao nascer. Uma mulher transgênero nasceu com pênis, porém possui uma identidade de gênero feminina. Essa pessoa está em desacordo com as características de gênero que são atribuídas aos homens. PARTICIPARAM DESTA ENTREVISTA CACO BISOL, LÚ VIEIRA, MARCO ANTONIO SCHUSTER, RODRIGO SCHUSTER E PAULO DE TARSO RICCORDI

GRIFO ERROU na edição nº 13. Na entrevista com a jornalista Eleonora Lucena, erramos ao dizer que ela nasceu em Pelotas. Ela é portoalegrense. E ainda erramos quanto ao Simonsen: na p. 15, Eleonora referiu-se ao industrial Roberto Simonsen (1889-1948) e não ao economista Mário Henrique Simonsen, ministro da ditadura nos governos Geisel e Figueiredo.

”Penso o

conservadorismo como uma conserva de rabanetes. Quando abre, tem um cheiro horroroso! LU – Valéria é multiartista, cantora com quase 30 anos de carreira, atriz, escritora, poliglota, premiadíssima, integrante do conselho curador do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul e uma mulher trans preta. Então, Valéria, tu és uma voz ouvida, ouvida através de tua arte. Como tu pensas a arte como esse instrumento não só pra te expressares mas também para ampliar o horizonte das pessoas, para fazer ouvida a voz das pessoas que muitas vezes não são ouvidas? VALÉRIA – Eu acho que é a melhor maneira de dizer as coisas. Eu gosto sempre de pensar a palavra Arte dividida em duas: ar e ter. O ar que eu tenho. Eu trabalho com o ar. Trabalho com coisas que não se toca; mas que

se sente. A gente se faz sentir através dos fazeres artísticos. No meu entender, a sociedade contemporânea tem certa dificuldade de colocar na prática os conceitos mais básicos, como o respeito. E gosto de meus fazeres artísticos como disseminadores dessas coisas. Eu penso a arte como uma mensagem subliminar. As pessoas jamais vão tirar da memória a minha presença numa exposição de arte ou no palco, cantando. O acesso é afetivo. É uma mensagem que a gente passa nas entrelinhas e que acaba ficando nas entranhas das pessoas. Ninguém vai esquecer que teve a oportunidade de assistir a uma cantora, que por acaso é uma cantora trans. Ninguém vai se esquecer de uma exposição fotográfica que mostrava a realidade de uma pessoa trans. Eu acho que os fazeres artísticos têm muito mais responsabilidade social do que se imagina. Talvez os artistas ainda não tenham tido esse clique, tão rápido e tão preciso, de entender que sua arte vai muito além de uma tela, de uma música, de uma novela. Existe uma responsabilidade social gigante atrás disso. TARSO – Embora a dimensão histórica e social seja muito diferente em muitos aspectos, tu enfrentas uma barra pesada muito assemelhada à da Nina Simone, não é? Há uma identidade? VALÉRIA – Certamente. E o que é mais curioso de se pensar é que se


20 papo reto com valéria barcellos passaram tantos anos e a gente ainda está falando do princípio básico que é o respeito. Eu não estou falando de aceitação. Aceitação é quando eu te pergunto “quer namorar comigo, Paulo?” e tu aceitas ou não. Agora, respeito, que é uma premissa básica, é outra coisa. É muito louco a gente estar falando do respeito a uma premissa básica há tanto tempo! Quando a Simone de Beauvoir disse que “não se nasce mulher, torna-se uma”, ela estava implicitamente falando de uma série de outras questões. De qualquer maneira, ela não iria querer ser essa mulher que tem a submissão como emblema de vida, que tem dedicação total ao marido, etc. e tal, porque há outras possibilidades. Ela está dizendo que há outras possibilidades, que não é só o que a gente está vendo. Talvez, quando a gente pensa numa pessoa trans, numa pessoa preta no nosso país, que ainda nega a sua própria cor, o tornar-se ainda é entender, entender em que essa pessoa está se tornando. E ainda entender o que essa pessoa é. Nós, pessoas trans, e nós, pessoas pretas, estamos lutando por um direito básico sobre o qual as pessoas cisgêneras como vocês não precisam nem pensar, que é o direito a ser. Vocês nos dão o direito de estar. Eu posso estar aqui, ocupando este espaço, posso estar escrevendo um artigo, posso estar. Agora, ser, de maneira plena, ir e vir, ainda não nos é dado esse direito. Nem como pessoa trans, nem como pessoa preta. Há algum tempo eu ganhei um prêmio, o “Mulher cidadã”, que é a maior honraria dada a mulheres no Rio Grande do Sul. No discurso, eu agradeci, disse: “Obrigada pelo prêmio, embora alguns de vocês não me considerem nem mulher, nem cidadã. Na cabeça de vocês, não sou mulher, sou qualquer coisa (tanto que quase me impediram de receber o prêmio). E não sou cidadã porque não tenho direito sequer de ir ao banheiro, por exemplo, de forma naturalizada, como vocês” — eu entrei no banheiro da Assembleia e as pessoas ficaram me olhando de maneira esquisita. Então, a gente ainda está lutando pelo direito de ser. Guardadas as devidas proporções

— respondendo à tua pergunta —, sim, a gente tem muito em comum. Mais do que se imagina, talvez. [NR: O Troféu “Mulher Cidadã” foi atribuído pela Assembleia Legislativa gaúcha, em 2016, a Valéria Barcellos e a outras seis mulheres que se destacaram na defesa dos direitos, educação, promoção da participação política, profissionalização e geração de trabalho e renda, saúde, atividade comunitária em prol da mulher e o destaque de mulher na cultura. Valéria foi a primeira, e até agora a única, transexual a receber esse reconhecimento. Na Mesa Diretora da AL houve três votos favoráveis à indicação e três abstenções. A presidente, Silvana Covatti, desempatou favoravelmente.] TARSO – Valéria, tu referiste o drama do banheiro. Podes discorrer sobre isso? É invisível para mim. VALÉRIA – Sim, é completamente invisível. A sociedade trabalha com o binarismo de gênero muito fortemente. O binarismo de gênero é muito colonial. A gente precisa descolonizar as ideias. Eu tive câncer no ano passado e, nesse processo quimioterápico e radioterápico, fiquei com o cabelo curtinho, o que é sinal binário de gênero “homem”. Todas as vezes que saio para viajar, no aeroporto, ou num bar, eu sempre penso duas vezes se preciso realmente ir ao banheiro ou não. Pois são duas coisas que me podem acontecer: posso ser hostilizada no banheiro feminino ou sofrer mais uma violência se fosse imposta a ocupar o banheiro masculino, porque não sou homem, sou uma mu-

Eu posso ser ”hostilizada no

banheiro feminino. No banheiro masculino, nem pensar, não vou porque não sou homem, sou uma mulher trans.

lher trans. São coisas que a cisgeneralidade jamais imagina que possam acontecer. Eu tenho duas amigas trans que estudavam na PUC-RS e passaram por violências gigantescas. Uma teve uma infecção urinária de tanto segurar o xixi, porque era hostilizada no banheiro. Ela acabou desistindo da faculdade. A outra não tinha o nome social respeitado. Na chamada, o professor insistia em chamá-la pelo nome civil, que ela não tinha modificado ainda. Ora, estão empurrando essas pessoas para a marginalidade, para um lugar que não pertence a elas. Não é uma opção delas, é uma imposição. Isso é uma violência de que certamente as pessoas cisgêneras nem se dão conta, porque a gente passa por isso e vocês não passam. E uma preocupação que tenho repetidamente na minha vida é a de ocupar certos espaços. Imagina como seria a tua vida, Paulo, se, todos os dias, ao sair de casa, tu tivesses que pensar que na próxima esquina alguém vai te xingar de alguma coisa. Que não outra esquina vão rir da tua cara. Que tu vais dizer “bom dia” e te responderão “bom dia, senhor”. Que tu vais chegar num lugar pra comer e as pessoas vão se cutucar e te apontar: “olha lá, olha lá”. Isso é recorrente nos meus dias. E nos dias de todas as pessoas trans. Todos têm que entender de uma vez por todas: pessoas trans não são pessoas cis, mas merecem o mesmo respeito. Nós mesmas às vezes caímos nessa ilusão de que temos que ter uma “passabilidade” cisgênera [parecer o mais cis possível], uma vida cisgênera, para que a gente conviva. É bem verdade que isso facilita muito o nosso viver. A gente não precisa pensar tanto se faz isso ou se faz aquilo. Mas isso não nos abona. A gente só está teatralizando a nossa vivência. TARSO – Tem um corte de classe aí também? VALÉRIA – Ah, com certeza! Paulo, todas as questões da vida têm um corte de classe e um corte de raça. Tudo fica “normal” quando se tem dinheiro e se é branco. Normal vem de norma, norma é regra, e as regras foram feitas


papo reto com valéria barcellos 21 por brancos, cisgêneros e ricos. Então, certamente tem recorte de classe aí. Ora, se eu chegar em algum lugar usando uma marca famosa — é claro que terei que estar respaldada por alguma pessoa branca —, eu posso até me misturar naquele ambiente. Mas é como misturar leite com toddy: mistura, mas não tão bem assim. TARSO – A pessoa transgênera rica também encara rejeição, mais que estranhamento? VALÉRIA – A gente precisa entender e acabar com essa falácia de que somos aceitas. Nós somos toleradas nos lugares. E digo mais: pessoas trans são toleradas, muitas delas, graças ao recorte de classe, graças a seu poder aquisitivo. E graças também a serem brancas. E é preciso que a gente entenda como é urgente falar em raça quando se fala em pessoas trans. Uma mulher trans preta traz consigo muitos outros signos. Primeiro, ela traz a vivência de um homem negro, que está intimamente relacionada à falocentria, à imagem de bestialidade sexual, de um homem que é voraz sexualmente, que tem um pinto gigante. Depois, ela traz junto o signo da mulher preta, que, de um lado está relacionado à romantização dos problemas, à mulher “guerreira”, e, de outro, à hipersexualização: a mulher preta tem uma sensualidade, uma malemolência, o sexo com ela é diferente. Em Santo Ângelo, — interior do Rio Grande do sul — se dizia que a vagina da mulher preta tem uma lixa, dá uma coceira diferente, enfim, que o sexo com a mulher preta é diferente. Por último, depois de ela ter passado por tudo isso, em termos de características físicas, fenotípicas, ela traz o signo da mulher trans preta, que junta os dois e mais o fetiche. Uma mulher trans é fetiche. O que eu mais recebo de imbecilidade nas redes sociais é “Nossa! eu tenho uma curiosidade de ficar com uma mulher trans!” A gente precisa pensar nesse recorte racial. Tem uma junção da falocentria do homem negro com a hipersexualização e romantização da mulher negra e a fetichização do corpo, da

Pra tudo na vida ” tem um corte de classe e um corte de raça. Tudo fica “normal” quando se tem dinheiro e se é branco.

existência, da presença de uma mulher trans em todos os espaços. LU – Eu sou uma pessoa trans não binária. E não tenho necessidade de mudar minha expressão de gênero. Sou uma pessoa que estou dentro, compreendendo meus privilégios de leitura social. Para mim, é muito chocante pensar que apenas em 2018 a transgeneridade deixou de ter CID [Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde]. Gente, faz três anos! Quando se fala que a homossexualidade deixou de ser considerada doença em 1990 e poucos, já é um absurdo! A transgeneridade deixou de ser considerada doença há apenas três anos! E no Brasil já se tem, de certa forma, bastante avanço na legislação para as pessoas LGBTs. VALÉRIA – Com todos os atrasos, o Brasil ainda tem avançado. LU – Agora que estou na Itália, vejo que a legislação sobre os direitos LGBTs é mais atrasada em relação ao Brasil. VALÉRIA – E a Itália é um dos países que mais consome pornografia

trans... Há uma máxima das travestis que vão tentar a vida na Itália como prostitutas que diz que o que o Brasil rejeita, a Itália aceita. Qualquer pessoa que se viu atraída pela prostituição se dá bem na Itália. Nove anos atrás, a gente estava aqui engatinhando pela carteira com nome social, que já é um certo avanço, e, em Paris, as pessoas ficavam chocadas: “Como assim, no Brasil já existe isso?!” É um contrassenso gigantesco. Lu, é assustador ler o que está escrito na minha sentença de retificação de nome. Sou tratada como louca, como portadora de doença mental. E esse era o ponto a que a gente tinha que chegar para poder ter a retificação do nome. Para poder ser “a” Fulana, ou “o” Fulano, no caso de um homem trans, a gente tinha que provar para a Justiça que tinha uma doença mental! LU – Tinha que ter um laudo psiquiátrico para poder fazer a retificação do nome. VALÉRIA – Eu tive que passar por uma perícia forense. Lembro como um dos episódios mais loucos da minha vida. O psiquiatra forense estava muito constrangido porque isso não devia ser muito comum naquela época. Ele me fez uma série de perguntas sem sentido, que eu achei horrível. Ele me perguntou assim: “Você conversa com a televisão?” Eu ia dizer: “Sim, dou boa noite ao William Bonner”, mas lembrei que estava sendo avaliada. “Você tem pensamentos suicidas?”, “Você tem vontade de matar alguém?” — eu pen-


22 papo reto com valéria barcellos sei: “Neste momento, tenho vontade de matar você”. Vejam o quanto a sociedade precisa evoluir em todos os aspectos, principalmente nos aspectos jurídico e psiquiátrico. Isso a gente só vai entender através da vivência, da convivência e da pergunta. LU – Em que momento uma pessoa cis precisa provar para um médico que ela é uma pessoa cis? VALÉRIA – A cisgeneralidade nem imagina que perguntas desse tipo são feitas para a gente todos os dias. SCHUSTER – Vamos falar de tua carreira. Tu tens uma gravação agora, ao meio dia. Como estás te sentido? Foi uma batalha muito grande, já tiveste até que pedir dinheiro emprestado para pegar o ônibus para fazer um teste num karaokê. Mas as coisas agora estão melhores, tu já tens vídeos gravados e tal. Como está tua carreira profissional? VALÉRIA – Marco, me lembraste agora que ainda não paguei o empréstimo da passagem de ônibus! Eu lembro exatamente desse dia em que ele me emprestou o dinheiro. Ele disse assim: “Não te preocupes. Depois tu me pagas em euro”. Eu realmente dei um upgrade muito bonito na minha carreira. Eu saí do interior do Rio Grande do Sul, de uma cidade extremamente racista, machista, misógina e todo esse bolo aí, e consegui fazer as coisas que eu faço, com os meus fazeres artísticos tomando uma proporção muito maior. Eu tenho vontade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Eu tenho muita urgência em viver. E, como eu sei que estou com seis anos de bônus nesta vida — a expectativa de vida de uma mulher trans é de 35 anos e eu estou com 41 —, minha urgência agora é muito maior. Os meus fazeres artísticos têm sido muito satisfatórios e, embora eu reclame algumas vezes, tenho conseguido viver de arte nesses 20 anos de profissionalização — na verdade, são mais de 30 anos de história artística, porque eu canto desde os seis, sete. E eu vejo uma curva ascendente ao longo desses 20 anos. Porém, o mercado não colabora

muito, embora isso tenha começado a mudar em 2015, com a criação do MPB Trans, que é o movimento da música popular feita por pessoas trans. Estou num momento muito legal da minha carreira artística, em que consigo fazer minhas coisas. Eu consigo criar minhas próprias narrativas. Se eu não me vejo num lugar, eu vou lá e crio. Se eu não me vejo numa peça, eu quero uma peça que eu faça como atriz. TARSO – Tu já comes e bebes da tua arte? VALÉRIA – Exatamente. Vivo, respiro, faço, vivo dela. E dissemino para outras, o que é mais legal ainda. TARSO – Tu compões também? VALÉRIA – Eu aprendi a compor. Eu escrevo, escrevo muito, sou uma pessoa que desconta na caneta muitas das minhas frustrações e das minhas vontades de dizer certas coisas. TARSO – Então, música, teatro, livro... VALÉRIA – Eu estou finalizando uma peça que quero que aconteça em 2022, sobre a minha experiência no “quarto signo” — forma mais poética de dizer câncer — e quero finalizar mais algumas que tratam de toda essa temática. Tem outra que se chama “Enzo e Valentina”, que fala de uma relação de uma pessoa com deficiência com uma pessoa trans, mais uma que ainda não tem nome, que vai tratar

Estou finalizando ” uma peça que quero

que aconteça no final de 2022, uma outra que chama ”Enzo e Valentina” que fala de uma relação de uma pessoa com deficiência com uma pessoa trans.

desse processo de câncer, a partir dos depoimentos que eu colhi na sala de quimioterapia. Tem um disco que está sendo finalizado, chama-se “Carnaval”, com a produção da Felipe Catto e do Davi Catto, com músicas da Zélia Duncan, com participações especialíssimas de que ainda não posso falar. E também estou finalizando um livro de poesias. Eu e [a escritora] Clara Averbuck estávamos num evento de poesia e ficamos muito p... da vida com os caras ali objetificando a mulher, falando “como ela é linda, como é maravilhosa” e da cor e dos olhos. A gente é muito mais que isso. Daí eu fiz um livro em que homenageio os homens, falando do corpo deles, falando de como são deliciosos. Esse livro tem a pretensão de ser um livro diferente de todos porque vai ter narração, vai ter videoarte e um QR Code para outras maneiras de acesso. Então, vídeo, peça, audiovisual — estou fazendo uns vídeos por aí. E o que aparecer eu estou fazendo. TARSO – Com a pandemia, tuas apresentações caíram, não é? O teu mercado está onde? VALÉRIA – O meu mercado está na música. Mas as apresentações caíram. Antes da pandemia, eu estava num crescente gigantesco. Estava com uma turnê pronta para Portugal — um show chamado “Anu”, que fala sobre as questões indígenas e negritude, mas que acabou sendo cancelado. Eu estava viajando bastante entre Rio de Janeiro e São Paulo, fazendo shows em diversas casas, em especial o Galeria Café, onde tive a oportunidade de me encontrar com muitas pessoais legais, como Maria Gadú, Tony Garrido e o próprio Cláudio Lins, que é o dono do bar. Eu tenho feito um circuito muito bonito. A arte feita por pessoas trans vem ganhando mais espaço, pois hoje, com o Google, a informação está na palma da mão. É por isso que nosso fazer artístico está tão disseminado. Aonde me chamam, eu vou. Mas estou sediada em Porto Alegre, por enquanto. SCHUSTER – E estás sendo mais


papo reto com valéria barcellos 23 aceita, não? Tu sempre te apresentas como “trans, preta...” eu não decorei toda a frase. VALÉRIA – Ahahaha! Não precisa decorar, Marco. Basta entender, que já está ótimo. Eu gosto de me apresentar como uma pessoa trans e preta. Quando as pessoas me perguntam se realmente preciso falar sobre isso ainda, respondo com outra pergunta: “E por que não pode falar?” Quando não existirem mais motivos para falar, eu paro. Na nossa existência, ainda é necessária essa demarcação de território. Com todo esse avanço, eu ainda tenho que explicar para as pessoas cisgêneras o que é ser uma pessoa cisgênera! Eu dei uma palestra numa empresa e perguntei à plateia: “Quantas pessoas cisgêneras há na empresa?” Eles não souberam me responder! SCHUSTER – É menos difícil conquistar espaço se apresentando assim agora do que há cinco, dez anos? VALÉRIA – Sim, é muito mais fácil. Se eu for procurar as minhas referências de pessoas trans – sou de 1979 –, nenhuma delas representa o que eu sou hoje. “Ah, tinha a Rogéria.” Ora, a Rogéria se denominava “o” travesti da família brasileira. Que travesti tem família? Qual de nós tem ou teve uma relação amigável com a família? Não existe isso. O movimento MPB Trans surgiu em 2015. Seis anos atrás era difícil ainda. A gente teve que criar uma categoria que nos enquadrasse, para que as pessoas prestassem atenção e vissem que a gente faz algo, e que tem qualidade. A nossa narrativa no movimento de MPB Trans, movimento artístico feito por pessoas trans, é sempre de denúncia: “sou isso, sou aquilo, estou passando por isso”. A gente não pode fazer música de passarinho e de florzinha. Não dá. Mas é um movimento tal e qual a bossa nova. A gente está refletindo a nossa época. SCHUSTER – O preconceito está mais arraigado ou mais explícito? A impressão que eu tenho é que o preconceito está maior, inclusive por parte do governo. Foi o preconceito que aumentou, ou

A gente faz no ” movimento de MPB

Trans, uma narrativa sempre de denúncia. A gente não pode fazer música de passarinho e de florzinha. Não dá. simplesmente a gente o está percebendo mais agora? VALÉRIA – Simplesmente o estamos percebendo mais. Porque o conservadorismo, esse conservadorismo podre, sempre esteve aqui. Eu penso no conservadorismo como uma conserva de rabanete. São frutos espremidos dentro de um vidro, imersos num mesmo líquido do qual eles se alimentam. Tal qual os conservadores. Eles estão ali dentro de uma bolha. Quando tu abres a conserva de rabanete, sai um cheiro horroroso. Eu acho que abriram um vidro de conservadorismo agora. Eu penso que isso ainda está por aqui porque a gente está olhando para o lado errado das coisas. A gente olha para o racismo e não olha para o racista. Passa a mão na cabeça. Olha para a transfobia e não olha para o transfóbico. Por que é muito difícil tolher o pai da gente, o nosso irmão, a nossa mãe. É difícil dizer para a nossa mãe que tal atitude dela é racista, ou transfóbica, ou homofóbica. Porque a gente acaba etarizando o preconceito. Diz que ela é assim

porque é muito velha, ela não entende. Mas precisamos parar de olhar para o lado errado e focar nessa pessoa. Essa situação só existe por causa dessa pessoa. O racismo é problema de branco, não é problema de preto. Vocês é que têm aí um problema a resolver. Vocês é que criaram isso. A transfobia também. A gente só queria viver aqui de boa, como todo mundo, pagar os nossos impostos, botar a roupinha do jeito que a gente gosta. É preciso entender melhor essas questões na prática do dia a dia. A gente realmente percebe um aumento expressivo da manifestação de preconceito de uns cinco, seis anos para cá. Mas essas pessoas sempre estiveram aqui, do nosso lado. Às vezes, somos até nós replicando alguns preconceitos sem nem perceber. LU – Tu escreveste um artigo para a Psicologia da UFRGS sobre política marginal. Fala mais sobre isso. VALÉRIA - Eu fiquei muito impressionada por ter sido convidada para estar ali, junto a doutores. E gostei da postura acadêmica de fazer isso, de estar ali, junto, falando, não sendo narrada por alguém. Me chamam muito para dar palestras na universidade, principalmente a UFRGS. Esse capítulo que eu escrevi fala sobre a arte ser transgressora ou agressora de pessoas trans. Acham que a arte feita por pessoas trans é muito transgressora. E, na verdade, a gente só quer fazer a nossa musiquinha. A arte também pode ser “transagressora”, agressora de pessoas trans. A gente vê muito creepface, que é


24 papo reto com valéria barcellos quando pessoas com deficiência são interpretadas por quem não é PCD. E se vê muito transfake na novela. “Ah, mas a novela das nove está falando desse assunto”. Mas não é uma pessoa trans! Tem um homem gay cis interpretando uma pessoa trans, que não é o caminho. A gente precisa ter a oportunidade de expor as nossas próprias narrativas por nós mesmos. Esse meu capítulo fala sobre isso. Dá uma explicação sobre corpos parlamentares — corpos que falam por si, um corpo que chega num lugar e (supostamente) fala determinadas coisas. As pessoas veem esse corpo e pensam: “O que ela está fazendo aqui?” “Veio transar com alguém?” “Ela é faxineira?” É a leitura que as pessoas fazem do meu corpo. É a minha delimitação física dizendo alguma coisa para as pessoas. Por outro lado, a academia também nos suga, suga as causas das mulheres, das pessoas negras e das pessoas trans. Hoje em dia, há muitos TCCs que abordam essas questões. Porém, essa necessidade de a Universidade saber das coisas passa pela nossa invisibilidade. A academia nos ouve, como uma voz que vem do além, como uma psicografia, mas não nos coloca lá dentro. Pelo contrário, nos expulsa de lá. E essa premissa serve para todas as esferas da sociedade. A gente quer estar nos lugares para que vocês nos ouçam, para que vocês nos conheçam. Para que entendam que sexualidade e gênero não são a mesma coisa. [caiu a internet da Valéria] LU – A Valéria já se apresentou com cantoras internacionais. VALÉRIA – Pois é, dessas coisas que acontecem na vida da gente. Eu abri o show da Katy Perry [cantora pop, compositora e atriz americana] aqui em Porto Alegre. Eu conheço as músicas dela, mas não sou uma fã desesperada. O convite veio de um amigo que estava na produção, aqui. Um tempo depois, ele me liga dizendo que eu havia sido aprovada. Até achei que era trote. Eu não podia contar para ninguém. Isso era em março e o show, em dezembro. E eu vendo a movimentação da imprensa, enlouquecida atrás do nome

que iria abrir o show em Porto Alegre, e eu não podia falar nada. Foi uma das coisas mais lindas do mundo. Um público incrível. Eu cantei música brasileira, cantei meu repertório autoral, também. Foi uma aposta arriscada minha, que deu muito certo. Depois do show, a Kate Perry quis me conhecer, me chamou para conversar, para tomar um drinque. Eu agradeci bastante, ela agradeceu bastante por eu ter aberto o show dela, foi muito gentil. Ela é muito linda, muito acessível à comunidade LGBTQIAP+. Já com a cantora Zaz [Isabelle Geffroy], a oportunidade surgiu por meio de uma amiga francesa, a Marie, que já conhecia a Zaz. Ela morava aqui em Porto Alegre, na comunidade do Arvoredo. Ia ter um jantar e me chamaram meio às pressas para fazer um show. Quando cheguei lá e vi a banda da Zaz, fiquei chocada. Mas tudo bem, fiz a minha parte. Cantei, ela cantou um pouquinho ali com a gente, bebemos uma coisa. No outro dia, eu ia entregar um prêmio ao meu grande amigo Jean Wyllys. No meio da cerimônia, o telefone toca, era a Isabelle me convidando para fazer uma canção com ela! Ne me quitte pas, que eu havia cantado no dia anterior. Só que, para ela, Ne me quitte pas é como Meu Brasil brasileiro, todo mundo conhece, mas não sabe a letra. Ahahah. Ela queria ensaiar. Terminou a cerimônia e eu fui para o auditório Araújo Vianna. Foi também uma das maiores experiências de minha vida. Lotação esgotada. Ela, com um amor pelo Brasil! Ela me apresentou como “uma estrela da música brasileira”. Foi lindo demais poder fazer tudo isso.

vimos agora uma ”Nós grande polêmica.

Que o filho do Super Homem é homossexual. Gente, o Super Homem nem existe, nem é real, é um quadrinho!

SCHUSTER – Essa amizade com o Jean Wyllys envolve a política também? Politicamente, como tu te colocas no país e no mundo? VALÉRIA – A amizade com o Jean vem do Galeria Café. Eu o conheci lá. Não tinha nenhum cunho político, apesar de defendermos as mesmas coisas. Eu sou uma pessoa claramente de esquerda. O Jean, fora o ser político, é uma pessoa que me ajuda muito, me apresenta a pessoas que me possibilitam muitas coisas. Isso é muito importante para as pessoas trans. Fazer contatos é muito precioso para nós, para que as pessoas nos conheçam. É isso: as pessoas têm um distanciamento gigantesco da nossa vivência, tem um hiato entre o que as pessoas pensam de nós e o que a gente é, que só poderá ser desfeito com a convivência, com a proximidade, com a escuta. Nós, pessoas trans, estamos no limbo social. A gente precisa ainda se entender como pessoa. Muito dessa minha consciência política, desse meu despertar, vem da minha amizade com o Jean. Ele me fez entender que a minha existência é política, que o meu corpo é político. Ele me fez entender que, se eu não falar sobre isso, alguém vai falar no meu lugar. Precisamos perceber e depois fazer alguma coisa, precisamos falar de política, precisamos falar sobre tudo o que nos atinge. Através dele, eu fui convidada para muitos eventos em Brasília, que me fizeram entender como funcionam as coisas lá. Mas nem pensem que eu almejo algum cargo político. Mas sou uma pessoa que gosta de reclamar, que gosta de saber. Eu participo de muitos fóruns LGBT em que o Jean normalmente está, por ser um homem assumidamente gay. Fóruns importantíssimos que nos trouxeram, por exemplo, a retirada do CID, a facilitação da retificação de nomes [a oficialização do nome social]. Isso veio da nossa luta política. De entender e nos aproximarmos de certas figuras públicas — e é muito importante a gente entender essas figuras — que só se aproximam de nós em junho [mês da visibilidade gay] ou janeiro [mês da visibilidade trans]. Ele me fez também tirar esse ranço de pensar que é obrigação do


papo reto com valéria barcellos

25

outro — “ah, eu não vou falar de política, já tem quem fale”. Não é assim. A gente precisa se posicionar. SCHUSTER – Tu já estás passando essa visão, tu já estás ampliando a discussão política. Tem mais gente discutindo política entre os trans? VALÉRIA – É mais do que necessário. Tudo o que está acontecendo aqui é porque a gente não deu bola, deixou que outros fizessem por nós. Porque a gente não ouviu. Essa manipulação não vem de agora, vem de muito tempo. A gente está agora numa discussão muito ferrenha sobre não binaridade, sobre linguagem neutra. Eu ainda tenho dificuldade com a linguagem neutra, mas acredito muito nela, respeito muito, ela já é adotada em muitos lugares do mundo. Mas ela não é uma imposição. É uma coisa que vem das ruas e vai ser introduzida no dia a dia de forma natural, como “você” e diversas outras palavras que foram sendo modificadas e adotadas através de manifestações populares. A grande polêmica agora é que o filho do Super-Homem é bissexual. Gente, o Super-Homem nem existe, nem é real, é um quadrinho! Está cada dia mais difícil! Isso parte do discurso político, sim. A gente precisa entender quem é que está pondo lenha nessa fogueira, que inflama essas pessoas que vão contra tudo e contra todos. Precisamos falar de política, sim. Precisamos entender. A gente está pagando essas pessoas. E, figurativamente, estamos pagando um alto preço, por não entender e não conversar sobre isso. SCHUSTER – Falar de política e arte? VALÉRIA – Falar de política e arte, as duas coisas ao mesmo tempo, se possível. SCHUSTER – Falar e fazer. VALÉRIA – A Elisa Lucinda [Elisa Lucinda Campos Gomes, poeta, jornalista, escritora, cantora e atriz] organiza jantares maravilhosos em que a gente faz exatamente isso. Saímos de lá saciados fisicamente e mentalmente.

Valéria, como ” é que tu transa?”,

”Valéria, como é que tu escondes o pinto?” Não é isso. É entender nossa sobrevivência. E que não é igual à tua. Foi ela que me falou da noção de corpo parlamentar. “Nós, mulheres pretas, somos um corpo parlamentar. Imagina tu, que és mulher trans preta! Um corpo que fala muito”. Eu perguntei: “O que é isso que tu tá dizendo? Vamos falar disso?” A gente precisa que as pessoas leiam de maneira real, que parem de procurar no Google resumos sobre nossa existência. Nenhuma ferramenta será melhor que a convivência com a gente. Não é perguntar “Valéria, como é que tu transas?”, “Valéria, como é que tu escondes o pinto?” Não é isso. É entender nossa sobrevivência, que não é igual à tua. Não conhecem o site da Antra — Associação Nacional de Travestis e Homossexuais. Se tu me deres a oportunidade de conviver contigo, uma oportunidade de trabalho, de convivência e de aproximação, talvez tu aprendas, na prática, tudo isso que tu estás querendo saber de mim. E isso só vai acontecer quando a sociedade, enquanto ser político, nos admitir como cidadãs. Precisamos recuperar

para as pessoas trans, as pessoas pretas, a condição de cidadãs, para que a gente consiga conviver. Está muito difícil conviver com qualquer pessoa, mas que a gente consiga, pelo menos, existir. A gente não consegue ser. A gente só está, mas não é. Eu fico pensando muito sobre nosso papel, como disseminadores de arte e política, de arte e notícia. A gente tem muita coisa para saber. A nossa existência é essa. A gente não vive sozinha no mundo. Temos que saber de tudo. Mesmo que em pequenas partes. Eu gosto de terminar com algumas perguntas: Quantas pessoas trans vocês conhecem?/ Com quantas vocês convivem? / Vocês foram na casa de quantas delas? / Quantas foram na casa de vocês? / Com quantas já passaram as festas de fim de ano? / Com quantas pessoas trans você riu? / De quantas você riu? / Quantas pessoas trans já foram alvo do teu afeto? / E quantas já foram alvo de tua raiva? / Por quantas pessoas trans você já teve desejo e teve vergonha disso? / Quantas dessas pessoas trans você já teve orgulho de apresentar como amiga ou amigo? Revejam, em suas respostas, o conceito de inclusão, o conceito de vivência e de sobrevivência. E comparem, a partir de agora, com suas relações com pessoas não trans. Depois disso, eu quero que vocês pensem na frase que é subtítulo do meu livro: vocês me conhecem porque têm medo ou têm medo porque me conhecem?


26

mundo

Marquês Vargas Llosa. Um Señorito no reino da política Carlos Winckler

N

as recentes eleições peruanas, vencidas em segundo turno apertadissimo por Pedro Castillo, professor e sindicalista de posições à esquerda, o Primeiro Marquês Vargas Llosa, agraciado com o título pela Monarquia Espanhola, apoiou Keiko Fujimori , herdeira política de Alberto Fujimori, que governou ditatorialmente o Peru na década de 90. Detalhe: Vargas Llosa foi derrotado por Fujimori em 1990. A rigor, Llosa e Fujimori não se diferenciavam drásticamente: ambos defendiam o ideário neoliberal . Fujimori tinha veleidades “populistas” de direita e Llosa assumia poses aristocratizantes de Señorito na complexa e excludente sociedade peruana. Segundo Borón, autor de O feiticeiro da tribo, Vargas Llosa é um caso espetacular de conversão de um intelectual de esquerda ao neoliberalismo. Um itinerário iniciado na juventude com simpatias pelo marxismo, leituras do existencialismo sartreano, posterior adesão à Revolução Cubana, finalizando com a adesão ao liberalismo radicalizado. Emerge, nas últimas décadas, o intelectual público, conferencista em think tanks e encontros internacionais organizadas pela direita, além de intensa produção jornalística em periódicos liberaisconservadores. O essencial de sua produção política sobre a América Latina está organizada em Sabres e Utopias ( 2009), compilação de artigos, com críticas a regimes ditatoriais seja de esquerda ou direita segundo uma concepção liberal descontextualizada e normativa; nesse sentido Pinochet e Hugo Chavez se equivalem. Posteriormente, publicou O chamado da tribo (2019) que, segundo suas

próprias palavras, “descreve o caminho que foi trilhando de posição à esquerda ao liberalismo, passando pela revalorização da democracia...”, investindo contra qualquer forma de “coletivismo” – comunismo, socialismo, estatismo, populismo. O último, um conceito elástico, que exorcisa qualquer tentativa de exercício efetivo da soberania popular. Ao tratar ensaisticamente de Adam Smith, Ortega y Gasset, Friedrich von Hayeck, Karl Popper, Isaiah Berlin, Raymond Aron e Jean–François Revel, faz uma releitura de liberalismo – mesmo aquém da tradição clássica do liberalismo (por exemplo, ao revisar, senão ignorar, a visão pragmática de Estado em Adam Smith). Da análise desses autores depura a idéia do primado do mercado e de uma ordem espontânea com atuação muito limitada do Estado, um reformismo gradual, temperado pelo temor da emergência das massas, constituídas por indivíduos tribalizados, que aceitam o despotismo por temor à liberdade; a crítca a toda e qualquer forma de determinismo; a necessidade de combater posições extremadas e ameaças às democracias ocidentais, vítimas de si mesmas, apesar da superioridade econômica, científica e tecnológica. Nesse conjunto o indivíduo é o demiurgo, que organiza e modela a realidade. Não é gratuito seu elogio às práticas imperiais dos EUA, secundados pela Europa e o fascínio por figuras como Reagan e Tatcher, que na crise do Welfare State e do socialismo real, impulsionaram o neoliberalismo como arma de dominação econômica e ideológica no centro e na periferia capitalista, com diferentes ritmos, a depender de contextos nacionais. Na periferia significará o aprofundamen-

to do neocolonialismo com apoio das elites locais, apesar dos hiatos progressistas. A rigor, também, uma perspectiva anacrônica da Guerra Fria, onde se agita o fantasma do comunismo frente a qualquer inclinação mais consequente de reformismo. Se antes foram decisivas a atuação da Escola das Américas e do Congresso pela Liberdade da Cultura, hoje, pesam as redes internacionais da direita , o amplo uso de fake news via internet, formas matizadas de guerra híbrida com a atuação, que se pretende discreta, dos Departamentos de Estado e da Justiça estadunidenses. A visão de Vargas Llosa não é meramente um conservadorismo, é uma releitura do liberalismo com aspectos regressivos no plano econômico, mas inovadora na pauta de costumes, renovação que reputa ao liberalismo, quando na verdade os avanços têm muito a ver com pressões democratizantes. Vargas Llosa recicla a velha dicotomia civilização e barbárie. Bárbaros são os outros que não seguem sua cartilha, insinua El Señorito, Primeiro Marqués Vargas Llosa.

Receba as edições do Jornal Grifo totalmente grátis e e m primeira mão Basta entrar em um dos grupos de WhatsApp para receber sua edição em pdf!

CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 2 DO GRIFO


27

Retratos de Verissimo

O

GRIFO é metade quero-quero, metade leão-baio. Admira “O Pasquim” dos anos 1960 e 1970. Se fosse humano, gostaria de ser Luis Fernando Verissimo: bom no humor, no texto, na política e no cartum. Pois esse parâmetro foi atacado em outubro. Graça Craidy organizou a exposição “Autorias”, na galeria informal a céu aberto na escadaria do viaduto Otávio Rocha. Eram 26 retratos de autores gaúchos. O de Verissimo foi vandalizado, “Provavelmente por um bolsonarista”, sabiamente suspeita Graça. Mas Verissimo tem amigos e eles fizeram um ato de desagravo no dia 30 de outubro desenhando, duas crianças participaram, 25 retratados dele. Agora, todos eles estão com o retratado (desde 8 de novembro) que convalesce, mas Graça Craidy fez cópias e nos mandou. O GRIFO também presta desagravo publicando os retratos e dizendo: “Verissimo é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo”.

cultura


cultura

28


29

Viva o Saci Pererê!

Vladimir Sacchetta, saciólogo

E

le nasceu indígena nas bordas da região sul. Em sua jornada Pindorama acima incorporou identidades africanas dos escravos que encontrou pelo caminho. Aprisionado e acorrentado a um tronco, preferiu perder uma perna para ganhar a liberdade. E, na bagagem dos imigrantes europeus, apropriou-se do barrete frígio que transformou em capuz. Dando baforadas com seu pito, abraçou a defesa intransigente das florestas e dos animais silvestres. O mito brasileiro mais conhecido estava completo e se espalhou por todo o país, com denominações e formas as mais variadas. Se no século XIX tinha perfil demoníaco, pés de bode e exalava cheiro de enxofre, a imaginação de Monteiro Lobato o transformou numa entidade com a estatura de uma criança de dez anos, travesso, ágil e simpático, que o escritor incorporaria à sua obra. Passou a fazer parte do imaginário de gerações de crianças e jovens. Coube à SOSACI – Sociedade de Observadores de Saci – organização não capitalista (ONC) criada em 2003, ressignificá-lo para enfrentar a invasão colonialista das bruxas do Haloween nos nossos espaços culturais e nas nossas mentes. O dia das bruxas-abóboras do raloÍn é comemorado em 31 de outubro, data que transformamos no dia DELE. Viva o Saci Pererê!

cultura


cultura

30

Humor nas ondas do rádio sos de humor não intencional. Há dois famosos em Bagé: Narrador e repórter de campo estavam “de mal” e a vingança veio pelo ar: - Sensacional pelotaço! Chute perigoso, passou raspando na trave!! Fala, Fulano. - Realmente, chute sem pretensão...

Paulo de Tarso Riccordi

N

o passado, sem telefonia rural, a principal forma de comunicação das cidades com a área rural, eram os programas de avisos das emissoras de rádio. Na fazenda do meu tio Alvim (Cyro Álvaro) Freitas, éramos audiência cativa dos programas que chamávamos de “alô alô”. Alguns avisos saíam com uma redação meio torta, o que possibilitava sentido dúbio. Vários viraram clássicos do humor, repetidos boca a boca há décadas. Este é o clássico dos clássicos: Um fazendeiro enviou seu capataz a um haras para adquirir uma parelha de equinos. Mas havia outros compradores fazendo ofertas altas pelos animais. Pelo “alô alô” o funcionário informou ao patrão: - Alô, alô Coxilha das Flores, senhor Alberto. Pedro avisa que o negócio da égua está fechado. O do cavalo está duro, mas tá pro seu lado”. Minha conterrânea Fifa Quintana arrebanhou um lote desses causos do “Mensageiro Difusora”, da Rádio Difusora - “a voz de Bagé“: Um quera de Torrinhas, distrito de Pinheiro Machado, foi a Bagé a negócios, com a intenção de voltar no mesmo dia. No entanto, se demorou e botou o aviso: - Alô, alô Torrinhas, senhora Maria Eugênia. Seu esposo avisa que se atrapalhou por aqui e só poderá voltar quarta-feira. Que é para a senhora arrumar outro homem para lhe fazer o serviço. Assina Juca.” O bagual veio a Bagé comprar ingredientes para fazer linguiça e aproveitou para visitar uma parente que estava com problemas de saúde. - Alô, alô Palmas, senhor Salustiano. Pedro Anildo

O narrador: - Começa a chover aqui no estádio da Pedra Moura. E o repórter de campo: - E aqui também.

avisa que a tia Morena já foi operada e passa bem. Aguarde as tripas na porteira que vão pelo ônibus da linha.” - Alô, alô Coxilha do Fogo, senhor Isaías. Baile confirmado para sábado. Não esqueça da missa de aniversário de morte do teu avô. Assina Zefa.” - Alô, alô Santa Maria Chica, senhora Anúncia. Papai e a porca vão juntos hoje. Limpe o chiqueiro pra eles. Assina mãe Márcia.” - Alô, alô Coxilha do Aedo, senhor Paulo. A vaca atolou, mas não te preocupa. Peguei pelas ancas e resolvi. Não esqueça da minha bóia (mantimentos). Assina Zeca.” - Alô, alô Torquato Severo (distrito de Dom Pedrito). Senhor Jonata. Pega as coisas do mocotó. O bucho é da mãe. Assina Elange.” - Alô, alô Palmas, senhor Atanagildo. Nasceu. Mãe e filho passam bem. Mama que nem um bezerro. Vou carnear amanhã. Assina Nicanor.”

O Uberti também é da região da Campanha gaúcha e contou esta, do folclore do Alegrete: A Rádio Alegrete estreou nas transmissões de partidas de futebol com o jogo mais importante da cidade, o Guarani x Flamengo. Narrador na arquibancada de madeira, repórter de campo a quatro palmos de distância, logo ali abaixo, em um banquinho quase queimando a linha lateral do campo. Estourou uma briga entre jogadores. Aproveitando a chance de mobilizar “a reportagem”, o locutor fez onda e chamou: - O que houve aí fulano? - Aqui ouve a Rádio Alegrete ZYE9, sicrano!!!

Quem conta estas é o Santiago: A Rádio Santiago, ZYU 26, também tinha dessas: - Perdeu-se na estrada no trajeto Unistada-Santiago um macaco hidráulico. Quem encontrou o devido animal favor devolver na rua dos Cinamomos”.

Na Rádio Cacequi: - Alô, alô, Rincão do Macaco. Ramãozinho avisa que vai levar na caFãs do rádio sabem que transmissões mioneta a mesa de comer velha de ao vivo sempre possibilitam grandes ca- quatro pé.


cultura

31

Incidente em Antares, o passado não foi sepultado José Weis

N

o ano de 1971, o Brasil sobrevivia a duras penas sob o auge da Ditadura Militar. O Ato Institucional Nº 5, o famigerado AI-5 que bolsonaristas querem de volta, era a garantia do ditador de plantão, general Médici. Eram tempos de censura, de tortura, desaparecimentos de pessoas, assassinadas pelo regime sem que seus corpos nunca mais fossem localizados. A mais perfeita tradução do que seja o terrorismo de estado. Nesse contexto, Erico Verissimo publica seu último romance, Incidente em Antares. Meio século depois, o Brasil está virado numa grande Antares, cidade fictícia criada e desenhada pelo autor de O Tempo e O Vento. Cada vez mais os mortos insepultos da história de Erico Verissimo, velhos fantasmas, rodam por aí, como o autoritarismo, o racismo, a misoginia, a corrupção, o negacionismo, conchavos políticos e a ignorância. O povo brasileiro não sabe bem o que fazer com o mau cheiro de incômodos cadáveres em decomposição nos coretos das praças do país. Provocativa, a Editora Globo, onde o pai de Luís Fernando Verissimo publicou quase toda a sua obra, saiu na frente. No material publicitário do livro constava um aviso: “Num país totalitário, este livro seria proibido”. O autor reconheceu que se puxou, “abri a veia da sátira e deixei seu sangue escorrer

livre e abundantemente”, escreveu na orelha do livro. É a história de uma cidade da fronteira gaúcha, que devido a uma greve, sete cadáveres não foram sepultados. Já em adiantado estado de decomposição, os defuntos vão até o

Receba as edições do Jornal Grifo totalmente grátis e em primeira mão! CLIQUE AQUI E ENTRE NO GRUPO 3 DO GRIFO

coreto da praça principal de Antares cidade. E, pela confortável condição de mortos, começam a contar os podres de muita gente de bem em Antares. Ou seja, quem corneou quem, quem trapaceou quem, quem matou ou mandou matar, um perfeito escândalo municipal. Os sete mortos também são uma representação social da comunidade antarense e da condição humana. Isso se traduz até pelo aspecto de cada um, desde a representante do patriarcado rural, no caso da matriarca Quitéria Campolargo até os dois do lumpesinato antarense, o bebum Pudim de Cachaça e a prostituta pobre Erotides. No livro de Erico, Lucas Faia teve seu periódico, único jornal da cidade, proibido de publicar qualquer coisa sobre o “incidente”, o negacionismo. A tortura também é denunciada, João Paz, pacifista, morreu sob os excessos de uma sessão de tortura. Humor, ironia, sátira de costumes e denúncias políticas estão plenamente abordadas em Incidente em Antares. E, é claro, a corrupção e os conchavos políticos ente os caudilhos de sempre. Trapaças e violências que nunca ficam de fora na história do país onde tem um presidente que elegeu Jair Bolsonaro. O mandatário que escavou e retirou da sepultura, cadáveres que o Brasil jurava que nunca mais voltariam. Antares, além da referência à estrela da constelação de escorpião, para alguns antarenses era a “terra das antas”. O autor não perdia os personagens nem a piada.


cultura

32

Barão de Itararé: um Dom Quixote nacional O júri, no Brasil, 3 consta de um número li-

Mouzar Benedito

A

lgumas pessoas acham que gente de esquerda tem que ser “séria”, carrancuda. Nada mais falso. Uma prova que sempre cito é o gaúcho Aparício Torelly, autointitulado Barão de Itararé, humorista de primeira e militante de esquerda. Foi preso várias vezes, uma delas por ter participado da chamada “Intentona Comunista”, em 1935. O Barão morreu há 50 anos, em 27 de novembro de 1971, e aqui vai uma pequena lembrança dele. Autor de muitas máximas citadas até hoje, começo por algumas menos frequentes. E em seguida, já que estamos num tempo cheio de programas televisivos de culinária, vai uma receita criada por ele...

mitado de pessoas escolhidas, para decidirem quem tem o melhor advogado.

Perdizes ao Molho 3 Madeira

3

A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.

Napoleão foi o primeiro louco 3 que apareceu no mundo com mania de 3 As pessoas de bem costumam falar mal dos vagabundos. Mas não é ser Napoleão. Depois vieram outros que foram muito melhores.

por mal. É por inveja.

O erro do governo não é a falta de 3 O homem que se vende, em 3 persistência, mas a persistência na falta. geral, recebe muito mais do que real-

3

Num governo sem razão todos gritam e ninguém tem pão. O voto deve ser rigorosamente se3 creto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.

3

O dinheiro é a causa de todas as desgraças, quando não se lh’o tem.

3

Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.

mente vale.

3 O fígado faz muito mal à bebida. Cristo nasceu numa manjedou3 ra, mas, em compensação, há muitos cristãos que parece que foram criados numa estrebaria.

3

Quando o queijo e a goiabada se encontram na mesa do pobre, devemos suspeitar dos três: do queijo, da goiabada e do pobre.

Apanhe cinco perdizes e cinco garrafas de bom vinho Madeira. Abra uma perdiz e tire-lhes as penas. Abra uma garrafa de vinho Madeira e despeje, sem pena, num copo o seu conteúdo. Beba-o todo, para ver se é bom mesmo. Não vá ser falsificado. Se ficar na dúvida, encha outro copo e beba-o devagar. Estale a língua no céu da boca. É bom? Ah, então tome mais um traguinho e depois acenda o fogão, ponha a panela no fogo lento e vá despejando, aos goles, o conteúdo da garrafa e vá sorvendo aos poucos a madeira que está no copo. Pegue a perdiz, sem penas, atire-a dentro da panela, que já deve estar ao rubro, abra depressa outra garrafa e vá bebendo, trago a trago, para não esfriar. Apanhe outra perdiz, medite um instante sobre a maldade dos homens com as pobres avezinhas e atire-a, com pena, na panela. Abra as outra garrafas de vinho, despejando sempre o seu conteúdo no copo, atire no lixo as vazias, tome um gole de perdiz da panela para ver se está seca ou molhada, molhe a garganta mais uma vez e leve, com passo incerto mas com muita dignidade, a panela diretamente para a mesa, onde estão os convidados esperando. Deixe as perdizes sobre a madeira, com muita pena para que cada um se sirva à vontade, como manda o protocolo.


33 Blau Bier

BIOMA PAMPA Celso Schröder

COLARINHO, PÃO E VINHO João Bosco

Wagner Passos

tiras


tiras DR. ROBALO Kayser

ONOFRE, O GAUDÉRIO DE APÊ Óscar Fuchs

MORGANA, A BRUXINHA Celso Schröder

RANGO Edgar Vasques

34


35 rodrigo schuster e

E

lu vieira

texto&traço

Subiu

sta querida página que Lu Vieira e eu dividimos tem basicamente uma regra: temos que tratar do mesmo tema. Lu faz seu comentário gráfico e eu faço meu comentário textual, sobre o assunto que decidimos abordar. Nesse momento Lu está na Itália fazendo um curso de desenho, o que é totalmente irrelevante para essa história pois sempre nos falamos por redes sociais, mas eu queria muito contar pra todo mundo que o curso, decepcionantemente, não se chama Cursione de Desenhare. Estávamos falando sobre o tema desta edição quando Lu me enviou a arte sensacional que está aqui. Ou ali. Ou em outro lugar dessa página que o diagramador ache melhor. Eu fiquei impressionado, como de costume, e definimos a inflação e o empobrecimento do povo brasileiro como nosso tópico do mês. Por isso um texto sobre a gasolina. A alta da gasolina faz os preços dos outros bens de consumo subirem

mais que o foguete do Bezos, impactando na vida de todo mundo, inclusive de quem não tem carro. Agora chega a hora do texto esmiuçar isso um pouco mais, falando sobre nossa matriz energética de combustíveis fósseis e nosso transporte quase exclusivamente rodoviário. Agora seria bom colocar uns dois exemplos, como a cerveja custando no super o mesmo que em 2016 custava na balada. Depois poderia citar uma fala estapafúrdia do presidente, ou quem sabe uma auto-condecoração. Por fim, encerrar o texto fazendo umas piadas para manter o tom, algo sobre a torre de pizza ser torta porque o entregador fez curvas rápidas e tá feito. Hehehelp. Tá difícil escrever sobre inflação no Brasil. Eu decidi tratar da gasolina a sete reais, quando eu abri o editor de texto já tava oito. Melhor encerrar por aqui, enquanto anéis de noivado ainda não são anéis de lata. Lu, me traz uma fatia da torre.


entrevero O Grifo tá sempre ótimo. De cabo a rabo, sem nenhum menoscabo. Celso Vicenzi

36 Casablanca 1942

Aviso aos navegantes: não há bóia. Barão de Itararé Lembrado pelo Ayrton Centeno, a propósito do Sérgio Moro: “Cavalo de olho de porco, cachorro calado e homem de fala fina... sempre de relancina”. João Simões Lopes Neto, no “Contos Gauchescos”, 1912. Moro presidente? Não seria impossível ele ser pior que Bolsonaro. Caco Bisol Daqui a pouco, o presidente falará em cadeia. Por enquanto, de televisão Carlos Castelo

Capitão Louis Renault - O que o trouxe a Casablanca? Rick Blaine - Minha saúde. Vim pra cá por causa das águas. Renault - Águas?! Que águas? Estamos num deserto! Blaine - Fui mal informado. (Casablanca, filme de 1942)

A Peste O governo federal tem uma publicidade na TV onde manifesta preocupação com a peste suína. A peste humana não preocupa. Schröder

Quem achou que o bicho iria pegar vai ter que se contentar com a caça aos bodes expiatórios. Celso Vicenzi

Dizem que a esperança é a última que morre. No Brasil, ela preferiu se suicidar. Celso Vicenzi Depois que o golpe abriu a porteira das aberrações, lobisomem virou pet e o véio do saco virou vô Noel. Flávio Luiz Bastos

Telefone sem fio Parafraseando o José “Macaco” Simão: O presidente telefona à esposa. Jair - Chegou um email pra mim? Michele - Um e meio, não. Até agora, só 89 mil. Paulo de Tarso Riccordi

Diz-me com quem andas e eu te direi se vou contigo. Barão de Itararé

Caiu na malha fina, é peixe pequeno. Carlos Castelo

Fulano é muito pretencioso. Jamais faz autocrítica. Só altas críticas. Paulo de Tarso Riccordi Suja a Jato Globo News endossa conversa fiada do Dallagnol e defende Lava Jato como trincheira do neoliberalismo fundamentalista. Schröder

Dar bom dia atualmente virou ironia. Carlos Castelo O Paraguai não merece essa História de Brasil. Carlos Castelo TSE é uma mãe. Pra ser mais exato, mãeZONA! Celso Vicenzi

Casal flagrado na cama: Meu bem, não é o que você está pensando. Isso de traição é uma narrativa! Paulo de Tarso Riccordi Casal flagrado na cama: - Céus, meu marido! - Rápido, cria uma fake news! Paulo de Tarso Riccordi


entrevero

37 Alô, fonoaudióloga global: podes melhorar a dicção do conje, o caráter, não. Caco Bisol Descarte o filósofo e matemático e anote essa verdade do conhecimento bolsomínico: creio, logo, existe. Celso Vicenzi Supremacismo: a crença de que seu grupo de idiotas é superior a outros. Carlos Castelo A Fama O bolsonarismo transformou Ricardo Salles de um medíocre e desconhecido picareta, num picareta medíocre, porém conhecido. Schröder Com tanta filiação de procurador bandido e juiz ladrão, podemos chamar o partido de PodRemos Caco Bisol Uma chácara pode evoluir até chegar ao estado de sítio. Barão de Itararé

As mulheres estão cada vez mais lindas e eu, cada vez mais velho. Tom Jobim

Errar é humano. Insistir no erro é Ciro Gomes. Celso Vicenzi

Na saavana, quem menos corre... morre. Paulo de Tarso Riccordi A ignorância não só venceu o bom senso como bateu de 7X1. Carlos Castelo

Estupidez disruptiva. Taí um bem de consumo que podemos exportar para o mundo inteiro. Carlos Castelo Os apoiadores do presidente são a prova cosmológica e quântica de que é possível, sim, a existência de mundos paralelos. Celso Vicenzi

O Congresso e o Judiciário estão paralisados porque são tantas provas contra Bolsonaro que custa a acreditar… Celso Vicenzi

Merreca A Globo treina o marreco falar como candidato a presidente, mas quá!, Uma vez marreco, marreco até morrer (perdão, flamenguistas). Caco Bisol Texto/tema do desenho: Paulo de Tarso Riccordi em parceria com o Tom

Nas feiras de antiguidades, meia dúzia de cálices são sempre cinco. Paulo de Tarso Riccordi

O Brasil é maravilhoso, mas é esquizofrênico. Carlos Castelo

Pior do que a ilusão de ótica é a ilusão de ética. Celso Vicenzi

Roupa suja se lava em casa. Ou no STF. Celso Vicenzi

Eram outros tempos. Vivia-se até. Carlos Castelo Do jeito que vão as redes sociais, até as frases soltas vão acabar sendo presas. Carlos Castelo Meu Deus, que ano! – disse a barata. Carlos Castelo


38

entrevero Ainda a Globo Globo continua governando o país. Vetou a PEC que civilizaria o MP, está derrubando o “furo do teto de gastos” e agora endossa a “punição branda” de Alexandre de Moraes à chapa Bolsonaro/Mourão. E vejo discursos da esquerda ativista sobre a ”democracia digital”. Então tá. Schröder Bilete pro psicanalista Caro M: foi acertado esse desmame do ansiolítico”, te agradeço. Tenho brigado muito com amigos, clientes… mas já consigo descascar uma dúzia de ovos de codorna sem reclamar. Aliás, se desse pra comer com a casca, seria o fruto perfeito, não? Resposta do psicanalista  ai ai...você está naquelas que não chupa mel mas masca a abelha? Caco Bisol Crime, só em 2022 TSE criou a jurisprudência a posteriori ao decidir que o uso de fake news é crime, mas só em 2022. Faltou dizer: e se o PT não for denunciante. Globo acha normal “ a tese”.Opa, bugou! Schröder

Somos todos passageiros da vida. Mas a maioria viaja no porta-malas. Carlos Castelo Esse governo não trabalha. Mas dá um trabalho… Jorvel Político Waldemar Abre as portas e as pernas E chama o Bozo pra entrar Mouzar Benedito Grupo de médicos olavistas cria vacina a favor do covid. Carlos Castelo

Jornalismo de dossiê Agora, vamos combinar, o resultado da CPI é a confissão do fracasso do jornalismo comercial brasileiro. O “jornalismo investigativo”, na verdade de dossiês, não moveu um músculo antes do Senado e contradisse a tradição da investigação no jornalismo. Schröder

Contribuição para o Futuro Dicionário Lógico da Língua Portuguesa Canabis. Chocolate Bis sabor cana de açúcar Capivárias. Grupo de capivaras Contra filé . Grupo de vegetariano Detergente. Policial Paraseutamol. Nome do genérico do Viagra Pinalcoteca. Conjunto de quadros com pinturas de revólver

Os fins do capitalismo não têm princípios. Carlos Castelo Esse governo não para de trabalhar. Infelizmente. Rodrigo Schuster Na agricultura transgênica, todo fruto é proibido. Carlos Castelo O Huber foi enterrado três dias depois com sinais de decomposição em vez de sinais de vida. Se eu fosse neopentecostal, pediria meu dízimo de volta. Schröder

Uma mangueira tava ali no chão do pátio. Alguém a atirou de qualquer jeito. Então, formou-se essa "cara de cartum". Só dei uma mexida no olho esquerdo, que tava meio pequeno. Fotografei do jeito que tava. Apenas acrescentei as bolitas dos zóio. Roberto Silva


39

rabiscos Pena Cabreira

é gaúcho. Diretor cinematográfico, roteirista e apaixonado desenhista e pintor.


rabiscos

40


41

thaís gil

”A arte urbana promove um viajar sem passaporte, sem visto ou cartão, trânsito ou distanciamento”. Thaís é ilustradora, pinta murais internos e externos, painéis e afins.

artes drásticas


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.