Nº 15
DEZ
2021 C A R T U N I D S O T S A S J O R N A L
Grifo recebe o Oscar. O ator, no Papo Reto Página 18
No Chile, já mudaram o Natal Página 14
D A G R A F A R
Não quero outro Natal assim
editorial
Ainda um ano mais. Ou, só mais um ano!
E
stejam certes nosses amáveis leitores: nos próximos 12 meses o Grifo continuará baixando o pau (a caneta, a pena, os pincéis) nesse governo de fascistas, ladrões e criminosos. Até a data em que escrevemos esta linha, 15 milhões de crianças no Brasil já poderiam estar vacinadas contra a Covid. Mas o governo genocida, por capricho e negação - se não for por outra maracutaia - recusa-se a liberar o início da proteção dos pequenos. Em outro prédio do Planalto, dinheiro da saúde vira carne de primeira pra churrasco. Num anexo deste, reinventaram o salário de marechal, extensivo às filhas mães e avós de família, mas “solteiras”. Os únicos felizes são os assaltantes do Tesouro. O país termina o ano com 10,42% de inflação, quase 13 milhões de desempregados, o bujão de gás a R$ 120, a carne 48% mais cara do que no início do governo da destruição. Nada disso tem graça. Essa gente nos roubou a maioria dos motivos pra rir. Mas, para desgraça deles, em todos os tempos os opressores ouviram às suas costas ou na sua cara os risos do deboche, as piadas sarcásticas. Riremos mais quando acabar o governo e começarem a andar os processos contra os hoje governantes. Mas nosses amáveis leitores também podem estar certes que o Grifo não guar-
da em seu peito somente ódio pelos fascistas. Somos um bicho feioso, mas com um coraçãozinho generoso, transbordante de esperança. Temos esperança - e trabalharemos por isso - de que 2022 será o último ano de governo da quadrilha bolsonarista, do partido dos generais de pijama, da livre circulação dos milicianos. Este será o ano da esperança. Mas, até a eleição de outubro, certamente será brutal, terrível, mentiroso. O empresariado voltará a se agrupar para tentar impedir o triunfo de projetos populares, o partido da imprensa (já começou) arrancará a máscara e expressará seus próprios interesses políticos. E a classe média, coitada, surrada por Bolsonaro e Paulo Guedes, votará em outra aventura collorida. O conservadorismo, o preconceito, a despolitização lhes impede a lucidez. Junto com o baixo neopentecostalismo e as baratas, serão os únicos sobreviventes do choque com o cometa Dibiasky. ....... Agradecemos o apoio e os elogios de nosses amáveis leitores em todes nosses 14 primeires edições. Vocês nos animam. Afinal, e esperance é e últime que corre. A todes, beijes e abraces, abracem, nos abracemos. Ademã, que vamos em frente.
O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi. Editor gráfico: Caco Bisol. Participam desta edição: Da Bahia: Simone Bacelar. De Minas Gerais: Dê e Janete Chargista. Do Pará: João Bosco. De Pernambuco: Samuca e Thiago Lucas. Do Rio Grande do Sul: Bier, Carlos Roberto Winckler, Edgar Vasques, Eduardo Simch, Eugênio Neves, Gilmar Eitelwein, Jô, José Antônio Silva, José Weis, Juska, Kayser, Lu Vieira, Luiz Carlos Fetter, Marco Schuster, Marco Villalobos, Marcos Breda, Moisés Mendes, Óscar Fuchs, Rodrigo Schuster, Santiago, Schröder, Tarso, Uberti. De Santa Catarina: Celso Vicenzi, Cláudio Duarte e Luiz Carlos Bernaski. De São Paulo: Bira Dantas, Caco Bisol, Carlos Castelo, Céllus, Jota Camelo e Mouzar Benedito. E mais: Argentina: Matias Tejeda (Mate) e Miguel Angel Escobar. Cuba: Brady Izquierdo e Michel Moro Gomez. Itália: Marghe Allegri. Irã: Mahnaz Yazdani. e Nahid Maghsoudi
EX PE DI EN TE grafar.hq@gmail.com
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O GRIFO de Jô
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Um ano plano
EUGÊNIO NEVES
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a Terra Plana, baleia é peixe e morcego é pássaro. Vacina é perigosa, desmatamento é progresso, garimpo é desenvolvimento. Tem receita na TV pra comer osso, já que a carne o agronegócio pop prefere exportar, governo defendendo curandeirismo e ministro investindo em paraíso fiscal. É um lugar imaginário, onde o sol e todos os astros se movem num céu estático, ao contrário do planeta esférico girando em torno de uma estrela, que gira com outras em torno de um centro. Às vezes, pessoas da Terra Plana governam no planeta esférico: é quando temos natais e anos como os de 2021.
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moisés mendes
Bolsonaro vai se vacinar
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olsonaro decide que vai usar máscara, elogiar o SUS e tomar a vacina. Chama Osmar Terra, seu médico de confiança, e pergunta se deve tomar no braço ou na bunda. Explicam que será preciso tirar uma foto, porque as pesquisas mostram que o apoio a Bolsonaro cresceria se ele tomasse a vacina. Arma-se no gabinete, num grupo com mais de 20 pessoas, uma controvérsia sem fim. Se for no braço, será tudo bem, tudo normal, e Bolsonaro pode até erguer com a mão um cartaz de Viva o SUS. Mas não no braço esquerdo, e sim no braço da extrema direita, para que não fique nenhuma dúvida. Mas, se for na bunda, vão explorar a frase “Bolsonaro só toma na bunda” nos jornais e nas redes sociais. Além do que a foto pode mostrar uma bunda em condições não muito boas. Mas o problema é que Bolsonaro só toma injeção na bunda desde o golpe de 64. Alguém sugere que ele finja que tomou no braço (porque tudo que faz é fingimento) e faça a foto, e a vacina seja de fato aplicada na bunda. Vários na turma confessam que sempre tomaram na bunda, qualquer tipo de injeção, porque foi assim desde criança. – Então vai na bunda mesmo – diz Osmar Terra, enquanto enfia na boca e toma cinco comprimidos de cloroquina no seco, só com o cuspe. – De pé ou deitado? – pergunta
Bolsonaro. – De pé, é claro, só deita nos braços do Queiroz se sentir tontura – diz Augusto Heleno. Sim, o Queiroz estava na sala. Um enfermeiro pega a seringa com determinação para aplicar na bunda de Bolsonaro. – Vai devagar, porque odeio picada – diz o genocida. O enfermeiro finca a agulha e Bolsonaro cai para trás, mole como uma vara de machimelo, e derruba Braga Netto e Carluxo. É um Deus nos acuda. Chamam o Onyx, que sabe reanimar Bolsonaro, mas Bolsonaro continua caído e mole nos braços do Augusto Heleno. Chamam Paulo Guedes, e nada. Chamam gente da família e até amigos milicianos, colocam bem alto um vídeo do Olavo de Carva-
lho, e Bolsonaro não reage. Até que alguém grita: – Vamos chamar o Alexandre de Moraes. Bolsonaro dá um pulo, arregala os olhos, agarra-se ao filho Jair Renan e berra: – O careca, não. E se põe de pé, meio bamba. Sentam Bolsonaro numa cadeira, abanam com um risque-rabisque, e aos poucos o sujeito vai recobrando os sentidos. Põe-se de pé de novo, molengão, e alguém se dá conta de que ele está com a seringa dependurada na bunda, como se fosse aquele personagem do Glauco. Reúnem-se em grupo para decidir como puxar a seringa, quando Hamilton Mourão entra na sala. Bolsonaro desmaia e cai de novo com a bunda sobre a seringa.
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NAHID MAGHSOUDI
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A vocação da política
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eve existir pelo menos uma centena de razões legais para o impedimento e prisão imediata de Bolsonaro e outras tantas, políticas, sociais e, principalmente, morais. No entanto, ele está solto e tem ainda vinte por cento de brasileiros que o sustentam. Para facilitar, poderíamos dizer que são os vinte por cento de sociopatas do país contra oitenta por cento com alguma sanidade – que elegerão Lula no primeiro turno. O problema porém não é psiquiátrico, pelo menos não todo o problema, e sim, principalmente, político. Foram decisões de natureza política, portanto essencialmente econômicas, que permitiram que um juiz caipira de primeira instância reproduzisse um estratagema testado na Itália e concebido nos serviços de inteligência
das grandes economias ocidentais e colocasse de joelhos, ao mesmo tempo, a justiça, a economia e a política nacional. Foi a política, na verdade a sua negação, que é a mesma coisa, que produziu um dos congressos mais corruptos da história nacional, que derrubou, sem crime comprovado, a presidente eleita Dilma Roussef. Foram interesses políticos que permitiram que um tenente desequilibrado, expulso do Exército, condenado por ato terrorista e reformado como capitão – que se elege deputado federal com apoio das milícias e dos habitantes dos porões dos quartéis –, reconhecidamente desprovido de inteligência, cultura ou a menor habilidade discursiva, se elegesse presidente. Política não é apenas eleição, movimento de partidos e escolha de representante. Política é essencialmente negocia-
querqueescreva?
ção a partir de forças decorrentes da opinião pública. Por isso, Max Weber colocava os jornalistas e o jornalismo no mesmo patamar dos políticos e da política. Daniel Herz, que já havia nos alertado sobre o papel político partidário, portanto ilegítimo, da Rede Globo a partir dos anos 60, não se surpreenderia com a retomada de sua vocação partidária conservadora, em que pese o importante papel civilizatório que cumpriu ao enfrentar o negacionismo bolsonarista na pandemia e ter ajudado, sem dúvida nenhuma, a salvar milhares de brasileiros. A Globo não é apenas uma empresa capitalista. A Globo é uma empresa capitalista que luta como partido político pela manutenção do capitalismo a qualquer preço. Mesmo quando o preço é a democracia.
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mundo
América Latina: entre cautela e esperança Carlos Roberto Winckler, sociólogo
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vitória, com alguma comodidade, de Gabriel Boric, do Apruebo Dignidad, coalizão de esquerda, no dia 19 de dezembro no Chile, foi comemorada com sentimento de alívio e júbilo, pois no primeiro turno José Antonio Kast do Partido Republicano, de extrema direita, venceu Boric por estreita margem. As pesquisas tendiam a mostrar um equilíbrio entre as duas forças. Entre uma coalizão que reflete um avanço frente à esquerda tradicional e forças de centro da Concertación, herdeira das manifestações estudantis, feministas, ecológicas e indígenas, e forças que ultrapassam a direita tradicional, defendem a ordem neoliberal e reforçam, nostalgicamente, traços da ditadura pinochetista. No Chile, o impulso das manifestações de 2019 levou a uma expressiva vitória dos setores de esquerda na eleição para a Constituinte. Isso não se refletiu nas eleições para o Senado e Câmara. O fato de Kast ultrapassar por muito pouco Boric, no primeiro turno, mostrou a capacidade da extrema direita em aglutinar forças após as eleições para a Constituinte, reafirmada no segundo turno. De qualquer forma, as eleições chilenas reiteram uma tendência na América Latina. Na Bolívia o MAS, retornou, em 2020, ao poder com Arce, depois do curto e canhestro golpe em 2019; mas permanece a ameaça golpista. Em 2019, o peronismo com Alberto Fernández venceu a direita neoliberal de Macri. No Peru, Pedro Castillo do Pátria Libre derrotou os fujimoristas. Em poucos meses de governo, conservadores e fujimoristas tentam destruí-lo sob a acusação de “incapacidade moral”
para governar; nas recentes eleições em Honduras – país onde se inaugurou-se a técnica de lawfare em 2009 com a destituição de Zelaya – a vitória de Xiomara Castro, candidata da esquerda não deixou margem à dúvidas. Na Nicarágua, em que pese as inúmeras críticas de setores da esquerda a Daniel Ortega, a FSLN foi reconduzida em um ambiente de enorme abstenção – caso se considere a dimensão geopolítica, é uma derrota dos EUA. Há perspectivas de vitória da esquerda na Colômbia no próximo ano, um país esgotado por políticas neoliberais e pela militarização patrocinada pelos EUA. Na Venezuela, o chavismo, em novembro, venceu em 20 dos 23 estados do país a uma direita oposicionista, que se apresentou desunida. Nas eleições estiveram presentes observadores externos. Não ocorreram as usuais acusações de fraude. Nem por isso o Império deixará de impor
sanções à Venezuela pela ousadia em lutar pela autodeterminação. Política que penaliza Cuba há 60 anos. Na tentativa de recuperar o protagonismo nas relações internacionais, o governo estadunidense organizou a Cúpula da Democracia em novembro, repisando o esforço em isolar diplomaticamente China, Rússia, Irã, Cuba e Venezuela. Um rotundo fracasso. Argentina 10 de novembro. Comemoram-se 38 anos da democratização, data em que a Assembléia da ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Lula é homenageado, com outras personalidades, pela sua luta pela democracia e direitos humanos. A multidão a entoar “Vamos a volver” para Lula, evidencia a necessidade de que é decisiva, dado o peso do Brasil, sua vitória em 2022, para a relativa estabilidade democrática na América Latina.
15 tiras Blau Bier
COLARINHO, PÃO E VINHO João Bosco
BIOMA PAMPA Celso Schröder
Kayser
16 DR. ROBALO Kayser
ONOFRE, O GAUDÉRIO DE APÊ Óscar Fuchs
MORGANA, A BRUXINHA Celso Schröder
RANGO Edgar Vasques
tiras
diabo rosa
PALAVRAS DA SALVAÇÃO Tem prefeitura tão ruim, que, se criar a Secretaria da Merda, nem precisa das outras. Paternidade responsável teria sido se o pai do Bozo o tivesse afogado no banho. Não me importo de ser cremado. Mas só depois do óbito! Sei fazer centenas de coisas. Quase todas muito mal. Olhando as caras no ato de filiação do Bozo no PL, dá pra estimar um milhão de anos de cadeia. Uma namorada, por ser uma floresta úmida, não pega fogo? Mentira! Sair do galinheiro pra ir na cama do Sargento Aristides não deixa de ser um avanço na vida sexual.
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bier
- Tomás de Torquemada, monge dominicano do Século XV, fundador e organizador da Inquisição Espanhola. Queimou mais gente do que o diabo. - Jair Messias Bolsonaro.
OS PIORES DOS ÚLTIMOS 1.000 ANOS
- Ivan, o Terrível, primeiro czar da Rússia, Século XVI. Fritou, assou, castrou, cegou, estripou, degolou, empalou e matou centenas de milhares de pessoas.
- Califa Al Hakim: sua perseguição aos cristãos deu origem às cruzadas e às atrocidades que se seguiram. Declarou-se Deus em 1020 e foi assassinado em 1021.
- Jair Messias Bolsonaro.
- Jair Messias Bolsonaro.
- Jair Messias Bosonaro.
- Tamerlão, conquistador mongol do século XIV. Queimou 100 mil pessoas de uma cidade e noutra fez uma pirâmide com 5 mil cabeças decapitadas.
- Pol Pot, no Século XX Acabou com a sétima parte de população do Camboja.
- Jair Messias Bolsonaro.
(Inspirado em F. Wolff, 1999)
- Adilf Hitler, Século XX. Seu belo currículo dispensa comentários.
- Jair Messias Bolsonaro.
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papo reto com oscar simch REGINA FAGUNDES
A arte teatral está quase congelada
PARTICIPARAM DESTA ENTREVISTA CACO BISOL, CELSO SCHRÖDER, EDGAR VASQUES, GILMAR EITELWEIN, MARCO SCHUSTER E SANTIAGO.
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Para esta edição de final de ano, o Grifo entrevistou o ator Oscar Simch. Já são 45 anos diante da ribalta (tá certo, tem também spot, holofote, flash para quem faz teatro, televisão, cinema, rádio, dublagem e música). Sua estreia profissional foi em uma peça do Qorpo-Santo, gaúcho antecipador do teatro do absurdo, no século 19. Oscar é o quarto de seis irmãos de uma família de conhecidos artistas gráficos e da palavra, em que o mais perna de pau é o músico das festas dos Simch Vasques da Silva. Respeitável público, com vocês Oscar Simch.
”Se pensar
bem, eu não fiz nenhuma apresentação de teatro nesses últimos dois anos, porque não houve possibilidade, com os teatros todos fechados, alguns falidos. SCHUSTER – Em setembro, fizeste um monólogo pelos teus 40 anos de carreira, “CuriosaMente: do fim do mundo ao começo”. É meio que um balanço teu? OSCAR – Se pensar bem, eu não fiz nenhuma apresentação de teatro nesses últimos dois anos, porque não houve possibilidade, com os teatros todos fechados, alguns falidos. Em 2020, o Porto Verão Alegre existiu normalmente porque foi em janeiro e fevereiro e a pandemia oficialmente começou em março. Então ele conseguiu acontecer como espetáculo normalmente. Em 2021, houve uma adaptação em vídeo. Esse espetáculo — no sentido de ter sido exibido — foi um festival on-line.Eu aproveitei a deixa, pois já vinha escrevendo sozinho, e estreei no Porto Verão Alegre 2021, no Theatro São Pedro, um espetáculo virtual, sem plateia. Meio sui generis. O nome do espetáculo é “CuriosaMente: do fim do mundo ao começo”. Sim, tem subtítulo; a gente tem que ser um pouco pretensioso (risos), principalmente se vai fazer o espetáculo sozinho. É uma sucessão de falas/discursos sobre cultura, o pensamento humano,
pessoas que fizeram coisas interessantes. A dramaturgia é um pouco cambiante em termos de não contar com um ator interpretando um papel. Eu sou, ali, um apresentador ou um facilitador que traz uma ambientação ideológica, trazendo personalidades da cultura e eventos interessantes. Eu começo falando do fim do mundo e por aí vai. A peça termina no começo do mundo. SCHRÖDER – Tu foste um dos caras da tua geração que conseguiu transitar, no teatro, na tevê, no cinema, para o centro do país. E não são tantos assim os artistas gaúchos desta tua geração que conseguiram fazer isso, seja na música, seja no teatro. Nesses últimos dois anos, a situação ficou ruim pra todo mundo da cultura brasileira, em função, obviamente, do vírus, mas também, dos vermes. O quanto os vermes atrapalharam a cultura brasileira e, particularmente, a cultura gaúcha e, muito especialmente, a tua profissão? O que está em andamento é uma asfixia, né? OSCAR – Foi um desastre pra todas as áreas. Mas a área cultural, que é uma área muito sensível, é a primeira a ser prejudicada numa crise que é, atualmente, uma crise ideológica, obtusa, anti-intelectual, anti-cultura — as correntes dominantes da política hoje são assim, não são? O neo fascismo é anticultura. Nada de positivo se pode dizer deles. Nos governos anteriores, havia vários mecanismos criados pra facilitar o acesso dos artistas ao público. A pau e corda, mas foram criados vários mecanismos. E, agora, foram paulatinamente sendo revogados, sabotados, criaram uma série de dificuldades. Hoje, a luta toda que há na área cultural é por fazer voltar a ação positiva do Estado para retomar os incentivos e os apoios. Em qualquer país, não existe uma cultura que seja absolutamente independente, totalmente autossuficiente. Nem nos Estados Unidos, nem na Europa. Sempre há necessidade do Estado. Aliás, o Estado está presente em tudo. Se não está presente, não tem sentido a sua existência. O “Estado mínimo” significa o mínimo de compromissos com
20 a sociedade. Isso é péssimo. Principalmente num momento de pandemia, num momento de crise da saúde, com todas as dificuldades que advêm daí. É o momento que todos os setores da sociedade mais precisavam do apoio do Estado e não encontramos isso. A luta ferrenha dos artistas hoje é pra bater de frente com os negadores da cultura. EDGAR – Sobre essa questão do “Estado mínimo”, tem uma nuance importante: essa ultradireita, que faz o discurso do Estado mínimo baseado na teoria neoliberal, está, na verdade, fazendo é “o Estado meu”. OSCAR – Exatamente! EDGAR – Eles se assenhoraram do Estado e estão usando o Estado para os seus próprios interesses, para saquear o país. OSCAR – Esse “Estado mínimo” significa o mínimo de compromisso com a sociedade. O Estado brasileiro foi assaltado por uma tropa tosca de milicianos, corruptos na essência. Como tu falaste: tem um “Estado mínimo” e um “Estado meu”. Um Estado mínimo, que não se viabiliza, que não tem nenhum compromisso com a sociedade, e um Estado para patrimonializar a coisa pública. Mas sobre o negacionismo cultural, esse foi um dos motivos que me levaram a escrever esse espetáculo, o “CuriosaMente…”. Um certo desespero de ver a incultura e a estupidez tomando conta, como nunca, do país, negando coisas básicas. EDGAR – Dentro desse nexo, não é por acaso que tu tenhas te sentido estimulado a produzir alguma coisa no campo da linguagem que sempre conseguiu se opor a isso, que é o humor. OSCAR – É, é verdade. EDGAR – A linguagem que conseguiu resistir à ditadura, que disse coisas nas entrelinhas, foi a linguagem do humor, seja o humor gráfico, seja o humor de texto, seja o humor de presença, que é o teatro. OSCAR – É verdade. Embora o
papo reto com oscar simch “CuriosaMente…” não seja exatamente um espetáculo de humor, ele tem momentos engraçados, tem ironia, sarcasmo. E digo mais: existem muitas vertentes hoje fazendo humor, mas, em muitos casos, não é um humor que de certa forma se refere a isso, não é um humor de resistência, de rebeldia. É um humor mais resiliente, um humor mais de costumes. E não é que seja ruim. Tem coisas até muito engraçadas. O humor de costumes pode ser uma coisa engraçadíssima. Tem muitas vertentes de humor que não estão tão ilhadas assim. Talvez, Edgar, o humor tenha se ressentido, num certo sentido, de uma certa repetição. Ele meio que se ressente de estar repetitivo. Eu vejo gente nova querendo fazer humor e saindo pela tangente, não sei se vocês também percebem isso. Tem gente que faz um humor diferenciado, mas tem quem faça um humor resiliente.
EDGAR – Mas por baixo disso existe um processo, que não existe somente na cultura, mas que se reflete na cultura, que é a mercantilização de toda a atividade. Quando o sujeito vai fazer um stand-up, ele cria uma mercadoria, que está vendendo, e que segue determinadas linhas: essa que vai ter publicidade, essa que vai ter investimento, e o cara vai lá vender aquele “xis-búrguer humorístico”. Tudo parecidinho e, portanto, mantendo o status quo. EDEGAR - Toda a produção cultural tá virando mercadoria. Não é mais arte, já é produto, mercadoria. OSCAR – É, mas isso não é de hoje, não é, Edgar? Já começou há tempos.
SCHRÖDER – O stand-up, que há alguns anos surgiu no Brasil, parece que inaugurou um humor de direita, um troço meio esquisito. Eu percebi nos programas de tevê um humor de direita mesmo, nesses últimos quatro ou cinco anos. Meio que antecedeu essa onda que a política trouxe agora. Estou enganado ou, realmente, isso aconteceu? OSCAR – Exatamente. Hoje, esse humor de combate ao autoritarismo tem diversas frentes, diversas tendências. E há a tendência da resiliência, um humor muito acomodado. E às vezes de direita. Então, essa força de contestação meio que andou se perdendo. Houve um cansaço, houve um não sei o quê. Nós temos que falar sobre isso. Acho muito interessante essa discussão.
SCHRÖDER – Eu vejo isso também e compreendo. Mas estou falando de caras ideológicos, humoristas ideologicamente sintonizados com a direita. Aliás, caras se encaminhando para fazer política [profissional] em algum momento. E que estão nesse nicho do stand-up, do humor escrachado, do humor homofóbico, do humor misógino… EDGAR – Sim, mas o humor de direita é uma tradição no Brasil. Desde a mesa de bar, onde o gozado era o português, o anão, o viado. Isso sempre existiu no humor brasileiro. É um humor que mantém o status quo. Isso aí sempre houve, só que agora eles estão empoderados. O investimento [de patrocínio] vai pra quem diz isso. Era uma coisa que a gente vinha superando, desde que a esquerda instaurou, a partir de 64, o humor contestador, o humor esclarecedor, o que quebra os preconceitos e tal. Então, agora é a hora desse tipo de humor preconceituoso e safado que mantém o status quo. OSCAR – Tens toda a razão. Eu concordo contigo. Eu acho que, no atual estado de coisas, a arte está tendendo a se tornar mercadoria. Existe um humor de direita que está empoderado. Hoje,
Estado brasileiro ”foiOassaltado por uma tropa tosca de milicianos, corruptos na essência.
EDGAR – Mas agora é especialmente deletério. Agora é que era a hora de ser artista. OSCAR – Ah, claro, nesse momento, sim.
papo reto com oscar simch 21 além de ser uma mercadoria vendável, ele está empoderado pela direita.
OSCAR – Eu parei, eu não tive condição nenhuma neste ano.
EDGAR – Qual é a saída de quem faz “humor de presença” [de palco]? A gente faz um desenho. É um desenho, não é a minha cara. Agora, tu não. Tu botas a tua cara a tapa ali na frente. OSCAR – Por isso eu posso ser convidado para fazer coisas ou não. O teatro atinge menos pessoas que um livro. O livro de humor tem a capacidade de atingir e influenciar muito mais pessoas do que uma peça de teatro. O teatro é uma plataforma livre. Eu vou lá e faço o que quero, não preciso de nada para isso. Estou no palco sozinho. Eu tenho luz, eu tenho som, mas não precisava. Tudo que eu preciso, como dizia o Shakespeare, são duas tábuas e uma paixão. Por outro lado, o teatro atinge pouca gente. E essas poucas pessoas que estão ali têm que compactuar comigo, ter adesão ao artista que está no palco. Há, de antemão, uma certa identidade do público com o artista. Eu não estou dizendo novidades ideológicas para eles. Talvez eu esteja entrando em comunhão.
GILMAR – Muitos músicos migraram para as lives. O pessoal também tentou, gravou algumas peças, mas é mais difícil. Depois desse desastre que aconteceu com a cultura, vai ser possível o teatro se readaptar de alguma maneira? OSCAR – Realmente, os últimos dois anos foram um desastre total. Terremoto com terra arrasada. Na música, é mais fácil se utilizar das lives. Não é o ideal, mas é mais fácil. No teatro é mais complicado. Eu mesmo fiz — eu e meu grupo de humoristas, Os Mequetrefes. Algumas coisas funcionaram, outras, nem tanto. A gente ainda tem que estudar e adaptar para fazer uma nova concepção de arte dramática com as lives. O que tem acontecido, como eu comentei, agora no festival Porto Verão Alegre e em outras atividades, é o espetáculo ser gravado no palco de um teatro, depois editado, e depois ser mostrado virtualmente. Isso muda um pouco a linguagem teatral. O teatro exige que tu tenhas plateia e estejas recebendo trocas de perdigotos. Eu acho que isso é muito importante.
SCHUSTER – No tempo da ditadura, houve uma mobilização muito grande do humor de esquerda. As categorias profissionais, os artistas, acabaram se mobilizando muito em torno da defesa da democracia. A impressão que eu tenho é que agora — talvez por causa da pandemia — não existe essa mobilização. Parece que os atos são muito individualizados. Os artistas não estão conseguindo se reunir e trabalhar conjuntamente pra combater esse domínio dos vermes, como diz o Schröder? OSCAR – É, tem muita dificuldade. A pandemia também complicou as coisas. É preciso ter coesão. Eu vejo os artistas muito dispersos… não que não tenham interesse, porque todo mundo tem todo interesse, mas eu não vejo os artistas com suficiente força de coesão para meter medo, enfrentar o que é necessário. É muito complicado. As pessoas estão todas tentando viver suas próprias vidas, tentando caçar o
”Eu acho que,
no atual estado de coisas, a arte está tendendo a se tornar mercadoria. Existe um humor de direita que está empoderado. seu dia a dia. As coisas ficaram muito difíceis. Isso tirou as pessoas de um caminho de coesão, de algum tipo de associação. A arte teatral está quase congelada. Não tem muita coisa acontecendo. Sempre foi difícil, mas com a pandemia está a zero.Depois de muita luta da classe artística, algumas iniciativas foram conquistadas, como a própria Lei Aldir Blanc e, agora, a aprovação da Lei Paulo Gustavo. E são coisas conseguidas, ainda que pareça uma contradição, num ambiente totalmente adverso. EDGAR - Oscar, a outra linguagem em que tu te expressas, que é a música, é uma linguagem mais fácil de produzir com as tecnologias que existem hoje? Como é que está a tua produção musical?
SCHRÖDER – Eu tenho visto nos canais fechados de TV espetáculos de teatro gravados numa espécie de reconstrução do teatro shakespeareano. Às vezes com público, às vezes sem público. Para quem assiste em casa, como eu, pela televisão, é uma experiência muito interessante. Não é teatro antigo, mas proporciona ao espectador a linguagem e a experiência do teatro. OSCAR – Isso aí é genial, Schröder, maravilhoso! É uma baita alternativa para o público conhecer grandes textos, grandes atores, elencos, produção… Lá na Inglaterra, que tem uma grande tradição, o povo valoriza. E eles têm uma emissora de televisão, paraestatal, que é a BBC, que tem uma política de valorizar a cultura própria, que nós não temos no Brasil. Não há uma política oficial de valorizar a cultura. Não há uma emissora que possa pegar
22 um teatro, produzir programas que reproduzam grandes espetáculos com grandes elencos. Isso é uma alternativa maravilhosa para o público. Mas não há disso no Brasil. Aqui a gente esperneia. Tem que espernear aqui pra fazer alguma coisa nesse sentido. EDGAR – Já houve. A Globo teve um programa que era o Aplauso, teatro televisado. E veiculou grandes peças clássicas do teatro. Foi uma coisa que brilhou por um momento e depois refluiu. O que tá acontecendo hoje é um desmonte programado da cultura brasileira. OSCAR – Exatamente. A falta de política para a cultura desse governo aí é, na verdade, uma política. Uma política de desmonte, uma política de sabotagem, uma política pra acabar com a cultura, porque ela questiona, enfrenta. EDGAR - ...é perigosa. OSCAR – ...é perigosa, óbvio. Não querem nada disso. Existiu esse programa na Globo, mas a TV Cultura de São Paulo também fez, com o Antônio Abujamra, que dirigiu alguns clássicos na cultura. A TV Educativa, de Porto Alegre, nos anos 80 e 90, teve um programa que chamava-se Palcos da Vida, que também gravava e reproduzia. Iam no teatro, faziam uma gravação integral do espetáculo, muito boa, e depois botavam no ar. Isso era maravilhoso. É um excelente incentivo para o público, uma divulgação gigantesca, maravilhosa para a arte dramática. Essas são iniciativas incríveis, que poderiam ser feitas por emissoras de televisão, estatais ou não, se tivesse uma política voltada pra isso. GILMAR – Assim como gravava música, orquestras nos teatros e exibia. OSCAR – Claro! Te lembras, Gilmar, do Palcos da Vida? SCHRÖDER – Mas não está barato fazer isso hoje em dia? Por que precisa de uma televisão? Com as tecnologias de captação de imagem, não fica mais barato, mais fácil fazer? Não é possível grupos teatrais, ou editoras, ou o Grifo,
papo reto com oscar simch seja lá quem for, bancar os aparatos de gravação, duas ou três câmeras? EDGAR – Em termos técnicos, sim. Mas eu acho que essa facilidade acaba atrapalhando. É tão fácil fazer, que a concorrência é enorme. Como é que tu vais aparecer num universo em que todo mundo pode gravar uma imagem, um som? OSCAR – Mas não é só isso. Tem que ter um canal de exibição. Pode ser uma TV comercial, uma TV Educativa. Precisa haver uma política para exibir. As TVs comerciais exigem que tu leves um patrocinador para exibir. Tu podes gravar, mas tens que levar quem te patrocine. Basicamente, tens que comprar teu espaço na televisão. É muito restritivo. E as TVs Educativas não têm política pra isso e estão sendo desmontadas. Não têm mais espaço. Existe uma facilidade de gravar, embora isso tenha custo, nem todos os grupos têm condições de bancar, mas existe uma facilidade. Mas também é preciso ter um teatro, gravar, montar, editar, com
”A falta de
política para a cultura desse governo aí é, na verdade, uma política. Uma política de desmonte, uma política de sabotagem, uma política pra acabar com a cultura...
boa qualidade, e depois exibir. O principal problema é exibir. Mas temos alternativas. Dentro da pandemia, temos alternativas. Estão se criando alternativas. As leis de incentivo estão vindo aí, existe uma mobilização das classes artísticas pra que essas leis vinguem. Existem iniciativas mais ou menos privadas, como o Porto Verão Alegre, que grava os espetáculos e cobra ingressos muito baratos pra exibi-los nas plataformas. O próprio Porto Alegre em Cena fez isso também. São maneiras que se estão buscando para furar o bloqueio econômico e o bloqueio político mental. Esse é o principal, porque esse é o que não te deixa fazer as políticas de incentivo, de apoio. É por essa meeeerda que a gente não consegue fazer: o bloqueio mental. E o poder político é o principal responsável pelo bloqueio mental. Quem tem a caneta. Esse é o problema, nem é a pandemia. A pandemia é desastrosa, mas poderia ser menos desastrosa com outro governo. Se não fosse isso, não teria havido tantos problemas. SCHRÖDER – A ditadura militar produziu, no Brasil, reações culturais em todas as áreas, na televisão, no jornalismo, produziu O Pasquim, e no teatro produziu o que de melhor tivemos nos anos 70. Aliás, o teatro — e o cinema — foi vanguarda da resistência cultural à ditadura, portanto, da resistência política. E nós temos hoje uma geração, talvez estejamos no final da geração, desses caras produzidos naquela reação. Tu consegues enxergar no Brasil, hoje, uma reação em grupo? Assim como o jornalismo está produzindo o Grifo, o teatro brasileiro está reagindo culturalmente e politicamente? OSCAR - O teatro está quebrado! As pessoas estão quebradas, estão exaustas, cara! O que está acontecendo agora é muito pior, há buraco violento nas pessoas. O que está acontecendo agora é a reação de alguns grupos que estão mais ou menos coesos, o Sated [Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul], o Move [Rede
papo reto com oscar simch 23 de Artistas de Teatro de Porto Alegre], gente que está reunida tentando batalhar por essas leis de incentivo e políticas culturais, e há algumas coisas mais ou menos individuais. Fora isso, a classe artística está falida, quebrada, exausta. Tu queres saber se tem uma vanguarda? Não tem. SCHRÖDER – É claro que a situação é diferente da ditadura. Em que pese a ditadura reprimir mais, fisicamente, inclusive, havia um espaço econômico razoável que permitia… OSCAR – Exatamente. SCHRÖDER – … os grupos sobreviverem. Eu recordo que a maioria dos atores era bancário, jornalista… OSCAR – Ahahahaha! SCHRÖDER – … eram outras coisas. Os cineastas, o Glauber Rocha se virava, era crítico de cinema. OSCAR – O Jaguar era funcionário do Banco do Brasil. SCHRÖDER – Pois é. Ou seja, de alguma maneira, a opressão produziu uma reação no campo ideológico, em que pese todas as dificuldades. Eu compreendo e reconheço que hoje as dificuldades econômicas são maiores, mas são pra todos nós. E as reações estão acontecendo aqui e acolá. O que me parece é que nós não estamos conseguindo reagir ideologicamente — e talvez porque a situação econômica seja muito pior do que na época da ditadura, pode ser isso também – para construir um movimento cultural de reação, como se teve nos anos 70. OSCAR – É verdade. É que na época da ditadura, ou tu eras a favor da ditadura ou eras contra. Era simples. Hoje não. Hoje tem uma confusão. Tem um campo sombrio e tem muita gente que é artista que tá no campo cinzento. Então é muito complicado. Não existe um movimento coeso contra o status quo. EDGAR – Eu acho que é inútil comparar com a época da ditadura de 64. Até porque em 1968 o Oscar tinha,
Dos últimos 10, ” 15 anos para cá,
tem surgido uma geração de novos atores que são muito interessados na arte teatral, até porque Porto Alegre tem tradição nisso. o que, uns 12 anos? Então a situação é outra e as pessoas são outras… SCHRÖDER – Eu não vivi o império romano também, Edgar. OSCAR E SANTIAGO – Ahahahahah! EDGAR – O humor é para esclarecer, não pra embair. Essa tua piada aí não tem nada a ver com o assunto. SCHRÖDER – Não é piada, cara! É que o teu argumento neutraliza o meu argumento e… EDGAR – Deixa eu terminar de falar que tu vais entender. SCHRÖDER – Tá bom. EDGAR – A situação é outra, as pessoas são outras, nós somos veteranos combatentes que nos acostumamos a combater em outras condições. A tarefa de a luta, nas condições que estão dadas hoje, com toda essa tecnologia que está aí, com toda essa campanha contra o coletivo, que individualiza as pessoas para procurarem soluções individuais e não coletivas, que é o tal
bloqueio mental, a lavagem cerebral de que a gente estava falando, deve ser conduzida pelas pessoas que estão vivendo isso — e não aposentadas como nós, voltando ao combate que não precisávamos mais estar fazendo. A gurizada é quem tem que fazer essa luta. Então eu pergunto ao Oscar, que é vários anos mais moço que eu, se ele vê a juventude na área dele do teatro, da música, do espetáculo se mobilizando para combater o combate nas condições de hoje. OSCAR – Eu posso responder de forma relativa, porque eu também sou mais velho que as novas gerações do pessoal de teatro. Eu não convivo com a gurizadinha. Dos últimos 10, 15 anos para cá, tem surgido uma geração de novos atores que são muito interessados na arte teatral, até porque Porto Alegre tem tradição nisso, tem o curso universitário de Arte Dramática, tem a Casa de Teatro, que forma artistas da mais alta qualidade. Então tem uma geração forte, que tem assunto, que tem preparo intelectual. A maior parte das gerações mais jovens que se dedicam de uma ou outra forma à arte dramática pensa exclusivamente em fazer televisão. Mais especificamente, fazer novela e ficar rica e famosa da noite pro dia. Isso é muito comum. GILMAR – Surgiu uma geração de videomakers, que criam vídeos, documentários para divulgar na internet. EDGAR – E cinema também. OSCAR – Tem muita gente. Nos últimos 15 anos, o Brasil vinha progredindo, crescendo economicamente, crescendo culturalmente, mais universidades, mais discussão, mais gente tentando seguir carreiras artísticas. Isso era extremamente importante, estavam se criando condições sólidas pra isso. Hoje, tem um monte de gente formada em cinema. Tinha gente que vinha se solidificando na carreira. Mas aí, depois do golpe na Dilma, começaram a destruir tudo, levaram tudo à falência. Em 2018, entrou esse FDP aí, em 2020 veio a pandemia e foram quatro ou cinco anos destruidores, arra-
24 sadores. Destruíram tudo o que vinha sendo construído. A pandemia foi só a pá de cal. Já vinha ocorrendo essa decadência horrorosa. Essa nova geração foi solapada pela crise de 2016 e depois pela pandemia. Então, eu não vejo hoje uma vanguarda. Nem um movimento artístico, nem um movimento político. Eu vejo um ou outro grupo, personalidades que marcam presença. Mas não tem grupo de vanguarda, não tem um Cinema Novo, não tem a Bossa Nova, não tem movimentos estéticos, políticos. Não tem uma plataforma sólida para uma vanguarda ou uma intelectualidade nova que esteja trazendo ideias. Suponho que, passado esse momento nebuloso, isso venha a acontecer. Mas agora não está acontecendo. Infelizmente. EDGAR – Mas então é hora de preparar essas gerações. OSCAR – Exatamente. Criar uma plataforma que traga discussão, criar uma vanguarda intelectual, artística, mental e que tenha prestígio também. Tá na hora! Caetano Veloso e os caras que estão fazendo isso estão com 80 anos! Estamos esperando para nascer de novo. Essa vai ser a manchete: “A cultura espera nascer de novo”. SCHUSTER – Eu queria que tu falasses mais dos teus projetos pessoais na área da cultura. Tu tinhas um programa infantil na TVE e depois num canal a cabo. Isso parou também? OSCAR – Parou tudo. Eu saí da TV Educativa no governo Sartori. Eles acabaram com tudo. Achavam que não tinha que produzir nada. E fomos “saídos” da TVE. As TVs institucionalizadas não produzem mais programação infantil. Eu tive uma carreira longa na programação infantil. Tive quase 20 anos na TV Educativa fazendo o “Pandorga”, eu trabalhei na TV Cultura (SP) nos anos 90, fiz dois programas, o “X Tudo”, alta produção. GILMAR – Qual a saída que é possível? Aqui no Rio Grande do Sul, o pessoal está tentando se salvar com
papo reto com oscar simch projetos pela Lei de Incentivo à Cultura. Aqui ainda existe uma esperança, porque o governo, por mais neoliberal que seja, ainda tem alguma abertura para a cultura. Recriou a Secretaria da Cultura, manteve a rádio FM Cultura aberta, a TVE, mal e porcamente. A tendência é o fim do Estado na cultura, do apoio, das políticas de incentivo. Tu achas que tem alguma perspectiva? OSCAR – Eu acho difícil. Vai demorar muito tempo, Gilmar, para as coisas melhorarem, pelo menos no sentido de possibilitar que os artistas não apenas sobrevivam, mas façam fluir sua arte e se conectem novamente com os públicos. Não sei quanto tempo, mas vai demorar. Enquanto isso, vamos fazendo o possível aqui. As iniciativas que nós temos são as poucas leis de incentivo à cultura, algumas que ainda estão para nascer, como é a Lei Paulo Gustavo, a Aldir Blanc, o FAC [Fundo Estadual de Apoio às Culturas] das Artes de Espetáculo, essas leis são fundamentais para manter a coisa andando, senão não teria atividade nenhuma. Então, suponho que os artistas ficarão atrelados às leis e aos Fundos, porque não tem outra alternativa agora. Está complicado até pra entrar numa casa de espetáculos. Tu tens o teu espetáculo. Tu queres um teatro pra apresentá-lo. Eu teria que desembolsar de R$ 3 mil a R$ 5 mil de diária numa sala de espetáculos. Depois tem um alto investimento em publicidade pra atrair um público que pague um ingresso cujo valor seja suficiente pra eu tirar todos os custos e ter algum lucro pelo trabalho. Dada a
tudo. Eu saí ”daParou TV Educativa no
governo Sartori. Eles acabaram com tudo. Achavam que não tinha que produzir nada. E fomos ”saídos” da TVE.
situação que estamos vivendo, isso está tremendamente difícil. As alternativas que estão surgindo são essas: produzir as coisas pela Lei do Audiovisual, como fez o Porto Verão Alegre, como estão fazendo alguns grupos independentes no teatro, na música, nas artes de forma geral. Ou um espetáculo pequeno, solo, para poucas pessoas. São essas as alternativas que estão acontecendo aqui. E as Leis de Incentivo, quando a gente consegue burlar a ausência de política para a cultura. Mas, principalmente, não se conseguiu ainda criar plataformas de apoio onde surjam vanguardas, não apenas no sentido estético-artístico, mas vanguardas de pensamento que criem caminhos de ação para a classe artística e produtora de cultura. SANTIAGO – Como é que os atores estão sobrevivendo? Como é que estão pagando as contas? A publicidade salva vocês, ou não? OSCAR – A publicidade… existe um pouco. Porto Alegre é um relativo polo de produção publicitária. E não é de hoje. Porto Alegre é um polo de produção audiovisual e de cinema há muito tempo. Eu mesmo fiz dois comerciais neste ano. Mas aquele mercado que havia muito antes, de produzir espetáculos, o próprio SESC, que criava grande circuitos de apresentação, parou. Só há pouco tempo os estúdios foram liberados para reunir gente para gravar. Há um ano, era proibido. Só no final do ano passado a publicidade recomeçou a produzir, a gravar. SCHRÖDER – O humor tá um horror. A sensação que eu tenho, vendo a publicidade televisiva agora, é que estou vendo a televisão dos anos 50. OSCAR – Ahahahah! SCHRÖDER – Uma televisão muito atrasada. Tu não achas isso? Horroroso! O da manteiga, por exemplo… Já teve publicidade boa, já teve… Já chegamos a uma coisa de humor, de cinema. A sensação que eu tenho é muito ruim também nessa área.
papo reto com oscar simch OSCAR – Sabe por que? Não é mais voltado para o público da televisão. O comercial está voltado para o público da internet. De todos os comerciais que a gente grava, uma edição é feita para a televisão. Mas todo o resto da produção, todas as outras edições são para a internet: um formato para o YouTube, um formato para o Instagram, um formato para o Facebook, um formato para o Twitter e para os diversos tipos de público que estão na internet. Não há mais um tipo de público, como quando o meio audiovisual era só a televisão. Ele [o publicitário] tem que fazer [publicidade] para um monte de tipo de público que habita a internet. O da televisão é o menos importante. A televisão continua com o mesmo tipo de público que havia, um público mais velho, mais conservador, etc. As novas gerações partiram para a internet. E a publicidade vai atrás dessas pessoas aí. Então, o conceito de publicidade hoje está difuso, em função dos diversos tipos de mídia. SANTIAGO – Uma última pergunta. SCHRÖDER – O Neltair [Rebés Abreu, vulgo Santiago] chega rengueando, mas chega. OSCAR – Ahahahah! SANTIAGO – Como é que é naquela casa, com seis irmãos, todos artistas, e a dona Belchis sofrendo com aquele bando de loucos? OSCAR – Era muito louco! Eram seis cabeças, seis crianças loucas, o pai era o mais louco de todos, e a coitadinha da senhora minha mãe é quem tentava equilibrar isso tudo. Foi ela que garantiu a coesão daquela família. EDGAR – É que a Belchis [a mãe] era professora de Jardim de Infância! Criança era a praia dela, era uma educadora, ela sabia levar os bandidos. OSCAR – O pai [Hélio Vasques da Silva, redator e revisor de debates na Assembleia Legislativa gaúcha] passava o dia fora. Quem ficava com a bucha era a mãe. A mãe tinha tripla jornada.
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As alternativas que estão surgindo são essas: produzir as coisas pela Lei do Audiovisual, como fez o Porto Verão Alegre, como estão fazendo alguns grupos independentes no teatro, na música, nas artes de forma geral. Ou um espetáculo pequeno, solo. EDGAR – Ela trabalhava no Instituto de Educação. Ela também chegava no final da tarde. OSCAR – Aquela casa era um turbilhão. E a gente saiu mais ou menos ileso. SCHRÖDER – Eu tenho uma curiosidade: como é que distribuem os sobrenomes entre vocês? EDGAR – Eu comecei. Como sou o irmão mais velho, em mim botaram todos os sobrenomes: Simch Vasques da Silva. Os outros todos são Simch da Silva. Economizaram. Tem uma peculiaridade em relação ao Oscar. A prole do meu pai e da minha mãe se divide em três partes: os três mais velhos, eu, o Zé Antônio Silva, jornalista e poeta, o Carlos Alfredo Simch (o Alf), que também é artista gráfico; depois, com intervalo de alguns anos, veio o Oscar; aí, com outro intervalo de alguns anos, os dois mais moços, Eduardo Simch, tam-
25 bém artista gráfico, e João César, geólogo. Então, o Oscar ficava isolado ali no meio. Não era nem dos pequenos, nem dos grandes. Nas palavras do meu pai, ele era o sargento. Nem praça, nem oficial. Então, eu acho que é por isso o Oscar desenvolveu essa... Essa fera é teatral. Ele fica falando com ele mesmo. OSCAR – Ahahahah! SCHRÖDER – Não tem ninguém sério nessa família? SANTIAGO – O irmão mais moço é geólogo, o João. EDGAR – Nas palavras da minha mãe, “finalmente, alguém que tem profissão!” SANTIAGO – Ele tem algum pendor artístico? EDGAR – Ele tem muito pudor a respeito a isso. Deixa os artistas morrerem em faixa própria. OSCAR – O João toca violão nas festas. Tem um repertório mais festeiro. Pega o violão e anima as festas. SCHRÖDER – Foi o pai que incentivou vocês nas artes? EDGAR – A mãe também. Meu pai tinha umas tiradas, umas frases… SANTIAGO – O dr. Hélio era grande frasista, brilhante! OSCAR – Era grande frasista, sarcástico. Tinha muito humor. Um humor especial, específico dele, muito ferino. Era muito engraçado e esperto nas tiradas. SANTIAGO – Ele chamava o Breno Caldas de Soba Africano. EDGAR – O Rei da Tribo. OSCAR – Ele tinha apelido para todo mundo. Mas é isso. Aquela casa nos construiu para sermos o que a gente é. Eu sou assim por causa daquele ambiente. Seria diferente se tivesse um regime conservador em casa, ou se fossemos menos irmãos, se houvesse uma irmã… Eu queria encerrar nossa entrevista dizendo que foi uma grande honra participar dessa roda de conversa com o Grifo. O Grifo é um movimento, o início de uma plataforma de vanguarda.
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cultura a mão que pesa no sal que pesa no gesto que pesa na defesa que faz parte de um todo que equilibra a espinha dorsal a mão que escreve linhas tortas que escreve histórias que escreve este que faz parte de um todo que lutou contra células mortas a mão que impõe limite que impõe respeito que impõe? que faz parte de um todo da que se recusa ser Afrodite
a mão que afaga o louco que afaga a lepra que afaga o sonho que faz parte de um todo que aprendeu a não aceitar pouco a mão que descobriu leveza que descobriu o instrumento que descobriu musicalidade que faz parte de um todo que descobriu a essência da sua natureza Simone Bacelar
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cultura
Humor e religião Marco Villalobos
T
endo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o mundo. Quando ele gargalhou fez-se a luz. Ele gargalhou pela segunda vez e tudo era água. Na terceira gargalhada apareceu Hermes. Na quarta, a geração. Na quinta, o destino. Na sexta, o tempo. Depois pouco antes do sétimo riso Deus inspira profundamente. Mas ele de ti tanto que chora, de suas lágrimas nasce a alma (Velho Testamento - Livro do Gênese). A julgar-se pelo que está registrado nas antigas escrituras, o Universo teria nascido de uma grande gargalhada. Neste caso, o humor e o riso acompanhariam o homem desde a aurora da humanidade. O historiador das mentalidades religiosas, Georges Minois, explica que “o humor surge quando o homem se dá conta que é estranho perante si mesmo; ou seja, o humor
nasceu com o primeiro homem, o primeiro animal que se destacou na animalidade, que tomou distância em relação a si próprio.” O mesmo autor questiona: “De fato o homem é o único animal que ri, ele é também o único que sabe que vai morrer. Será que o riso não existe para consolá-lo desta amarga certeza?” CRISTO: UM MAL HUMORADO? Muitos anos depois, o Antigo deu lugar ao Novo Testamento. Era o surgimento do cristianismo que, ao definir o riso como a desforra do diabo, decreta que, por toda parte onde ele ressoa, há o pecado. Não há nenhuma menção de riso positivo. Para muitos dos primeiros cristãos o riso é diabólico. Essa atitude inscreve-se na mentalidade apocalíptica marcada pela obsessão do diabo em que se situa o nascimento da nova religião.
Vários propagadores do catolicismo garantiram em seus escritos: Jesus jamais riu. Esse é o tipo de verdade que surgiu no século IV e que, por muito tempo, indicou os caminhos na relação do riso com as igrejas católicas e, posteriormente, após a reforma, com as igrejas protestantes. Minois explica que “a advertência de não provocar o riso e não se viciar no riso remonta-se aos doutores da igreja como São João Crisóstomo e as regras monásticas de São Bento de Nursia. Suas explicações vão sempre em direção da condenação do riso, afinal para eles o riso é um fenômeno diabólico, ligado à decadência humana.” Basílio de Cesaréia acrescenta que não é permitido rir em qualquer circunstância por causa da multidão que ofende a Deus, até porque o riso pode nos fazer esquecer o medo que devemos ter do inferno. Para São Bento, o riso em excesso era condenado especialmen-
cultura te por estar muitas vezes ligado aos prazeres carnais pecaminosos. Neste sentido me permitam o comentário, gostaria de ser um cara bem mais sorridente. Santo Ambrósio também é categórico: em qualquer circunstância o riso é inconveniente, contrário aos ensinamentos de Cristo e, portanto, diabólico. Mesmo que as brincadeiras sejam moralmente belas e agradáveis são, contudo, repugnantes à disciplina eclesiástica, porque como podemos utilizar o que não encontramos nas escrituras? Mais ortodoxo do que latinha de pomada Minancora, sugere o Rei dos radicais adversários do riso, São João Crisóstomo (344-607). Para ele: “O riso é absolutamente satânico, diabólico, infernal”. O simpático Santo defendeu, durante toda sua vida religiosa, o banimento do riso na Doutrina Cristã. Foi ele o responsável pela formulação dos argumentos clássicos que viriam a ser reiteradamente utilizados por moralistas e escritores posteriores, visando a banir o riso da esfera oficial da doutrina cristã. “O riso degrada e arruína tudo”. Antecipando o filme 50 Tons de Cinza, Santo Agostinho também radicaliza ao defender algo como uma apologia do sofrimento. Ele não cansava de repetir que, “mesmo o riso sendo uma faculdade humana, ele é desprezível e que, portanto, a purificação deve ser obtida através da dor”. O papa Gregório, o Grande, explica que o riso deve ser contido pela barreira de dentes. Não encontrei em minhas pesquisas, se somente os banguelas riam na época. O austero religioso definia o riso como a pior poluição da boca. Vimos portanto que o argumento teológico essencial contra o
28 riso era que, de acordo com todos os evangelhos, Jesus jamais rira enquanto seus lamentos eram registrados. Este mito foi desenvolvido no final do século IV . Os evangelhos e epístolas não fazem qualquer menção ao riso do sempre afável Cristo. Séculos e séculos depois penso que um Jesus mal-humorado, um homem que jamais riu, poderia se justificar pelo que o Messias, que nada tem a ver com o atual, passou na vida. Não é fácil alguém ser traído pelos amigos, apresentado como um aborrecido e antipático pelos mesmos amigos, sofrer torturas e ainda acabar pregado a uma cruz. Esta poderia ser portanto uma questão indiscutível, mas não é bem assim. Existiram vozes discordantes dentro da igreja. Para o professor de história José Rivair Macedo isso tem muito a ver com o Aristotelismo que foi importante para o surgimento de uma teologia renovada nos séculos XII e XIII. Este pensamento mais desenvolvido alterou a velha concepção da imagem de um Cristo sempre taciturno que por fim não resistiu às vicissitudes do tempo. A IGREJA QUE RI Se o riso era próprio do homem e se Cristo tinha sido efetivamente o verbo que se fez carne, como poderia jamais ter rido? A questão que dividiu os eruditos da escolástica por ir contra a tradição é levantada por Macedo. O autor identifica, no século XII, através de Hugo de São Vitor e Pedro, o Venerável, a defesa da liberdade do bom cristão poder rir em determinadas situações. Estes pensadores menos ortodoxos, mesmo não sendo completamente favoráveis ao riso, cediam.
Um exemplo é o tratado destinado à orientação doutrinal para catequese de neófitos cristãos. O documento chega a dar instruções aos missionários no sentido de que integrassem em seu discurso palavras mais simples e exemplos agradáveis para obter a simpatia dos ouvintes com linguagem clara e bem -humorada . Esta linha de pensamento ganhou força com representantes do clero defendendo uma posição radicalmente oposta aos conservadores. O mesmo riso, que já havia sido definido como diabólico e ofensivo a Deus, é tido como o caminho direto para a salvação. É o riso do humorismo devoto que se espalha na primeira metade do século XVII em uma igreja que se orienta pelas lágrimas triunfantes e que vê a salvação na tristeza. Minois define o movimento como um grupo de eclesiásticos que avança para o céu gargalhando. Estes otimistas situam-se na trilha de Francisco de Sales para quem não é o riso que é diabólico, mas a tristeza. Satã não ri, ele é triste e gostaria que todo mundo fosse. Para ele é justificável não ser sempre alegre, uma vez que não somos donos da alegria para tê-la quando quisermos, mas não devemos nos entregar à melancolia. Seguindo linha de pensamento semelhante a Sales, surge o exemplo de Pascal, um jesuíta que chega a Provençal de Paris e cujo riso sonoro escandaliza alguns. Minois revela que “para este padre rir é a palavra de ordem, é a melhor arma contra o diabo que é um triste Senhor. É também o melhor medicamento, remédio universal para o corpo e para o espírito”. Penso que os bons e progressistas cristãos deveriam fortalecer estes pensamentos, afinal se temos o papa Francisco porque seu chefe jamais teria rido? sorridente?
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cultura
Poemas panfletários de tão datados: José Weis
AGNÓSTICO Gostaria tanto de acordar mais uma vez ao teu lado, nem que fosse num sonho entanto sou um descrente muito ruim de sonho bom. DESCARTES Quando uma biblioteca desaparece pelo fogo, pela água ou abandono parte da humanidade desfalece e o leitor é um cão sem dono. MIL NOVECENTOS E DOZE Um dia me acreditei insubmersível minha embarcação bateu de raspão no gelo da indiferença e do insensível ninguém salvou meu coração O amor é igual a um Titanic, quem não embarcou, perdeu, quem viajou naufragou.
DISTOPIA As luzes do semáforo acendem e apagam Meninos pobres fazem malabarismos Dentro dos automóveis, ninguém se move As luzes de semáforo alternam suas cores Meninos pobres e seus malabares Ninguém se move dentro dos automóveis.
DANTES DEBRET Le Brésil sempre à sombra, deitado em redes sociais o livro caixa escrito a lápis facilita a corrupção Da Colônia à República Tem sempre alguém exposto ao sol E não é pelo bronzeado.
CENA DE CINEMA (FINAL DOS ANOS70) No Bom Fim, em frente ao cine Baltimore, uma câmara super 8 na mão registra os movimentos: o filme era Janis, olhando câmera alguém diz: “a gente sempre quer namorar uma Janis Joplin, né?”
ADESIVO Uma vontade que não desgruda um instante da camisa, da estante, do para-brisa É um fora fulano, fora beltrano e ainda prepara o fora sicrano Até quando?
premiados
O
Grifo já tem prêmios. Celso Schröder com a charge “Armário Aberto?” publicado na nossa décima edição ganhou o segundo lugar em charge no 63º Prêmio ARI (Associação Riograndense de Imprensa) 2021 Thiago Lucas ganhou o prêmio Cristina Tavares, categoria charge, do Sindicato dos jornalistas de Pernambuco. Ele tem 34 anos, é chargista do Jornal do Commercio desde 2015. Antes, esteve na Folha de Pernambuco. O cubano Brady Izquierdo ganhou 11 prêmios internacionais (entre eles 2nd Award Internacional Cartoon contest Talide. Germany 2021) e 4 nacionais; prêmio com a ilustração Contra o assédio, o abuso e a violência contra a mulher. E ainda, a iraniana Mahnaz Yazdani recebeu o Grande Prêmio do Contekst/Canadá de Imagens de Justiça - direito à moradia.
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dzicroniquets
31 Asterix e o Grifo
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á na chegada a Portugal tive uma boa surpresa. Vi, no aeroporto de Faro, o novo livro de Asterix, da dupla Ferri e Conrad. Nesta 39ª edição da mais bem sucedida criação de Goscinny e Uderzo, os romanos sequestram a guerreira Kalachnikovna, sobrinha do xamã sármata do longínquo Cazaquistão com o objetivo de descobrir o santuário do Grifo e se apoderar de seus ovos de ouro. Quem dá a ideia a César é Desorientadus, na verdade uma caricatura do escritor Michel Houllebecq. Ele será ladeado pelo gladiador Vedeta Suprassumus (um terraplanista) e o legionário Feikenius, negacionista, contra o distanciamento social e contra a vacina... ops, a vacina ainda não tinha sido criada. O grifo estampa a capa do álbum. Não poderia deixar de me lembrar do jornal dos cartunistas da Grafar, que já tem 15 edições. Um jornal plural, de resistência e enfrentamento. Assim como os irredutíveis gauleses: um grito de guerra contra o imperialismo político e cultural. Este quinto álbum da dupla que assumiu a produção dos quadrinhos de Asterix é o que mais gostei. Roteiro, desenhos e citações estão mais fluidos. O traço de Didier Conrad, mais solto,
apesar da arte-final a pincel lembrar muito Uderzo, que aliás passou tudo por seu crivo, consertando proporções, expressões e detalhes de roteiro. Jean-Yves Ferri diz que Uderzo foi dando liberdade à dupla até sua morte, há um ano. E realmente senti que eles deram seu salto
Avisos aos paroquianos
O
ator Marcos Breda colheu “nove pérolas nos quadros de avisos paroquiais, fixados nos murais de algumas igrejas. Todos eles são reais, escritos com boa vontade e má redação”:
Na sexta-feira às sete, os meninos do Oratório farão uma representação da obra Hamlet, de Shakespeare, no salão da igreja. Toda a comunidade está convidada para tomar parte nesta tragédia.
Para todos os que têm filhos e não sabem, temos na paróquia uma área especial para crianças.
Prezadas senhoras, não esqueçam a próxima venda para beneficência. É uma boa ocasião para se livrar das coisas inúteis que há na sua casa. Tragam seus maridos!
O torneio de basquete das paróquias vai continuar com o jogo da próxima quarta-feira. Venham nos aplaudir, vamos tentar derrotar o Cristo Rei!
Assunto da catequese de hoje: Jesus caminha sobre as águas.
para a liberdade, tal qual Grifo, que se joga da mais alta montanha do Olimpo e vagueia pelo ar. Para retratar esta longa viagem rumo ao leste europeu, eles homenagearam os filmes de farwest do clássico John Ford. Transformaram os heróis gauleses em cowboys montados a cavalo em grandes espaços naturais. Mas ao invés de um western, esta banda desenhada - como chamam aqui em Terras Lusitanas - virou um eastern. Goscinny, como excelente roteirista, juntava de forma brilhante fatos do passado com atuais. Uderzo simplificou a narrativa em troca de uma boa gag, como bom cartunista, mas mantinha os paralelos históricos. Bem como o discurso anti-imperialista e a sátira. A nova dupla manteve isto tudo e ainda me fez lembrar do jornal Grifo, para onde envio mensalmente minhas charges. Insistentes e resistentes. (Bira Dantas)
Assunto da catequese de amanhã: Em busca de Jesus. O coro dos maiores de sessenta anos vai ser suspenso durante o verão, com o agradecimento de toda a paróquia. O mês de novembro finalizará com uma missa cantada por todos os defuntos da paróquia. O preço do curso sobre Oração e Jejum não inclui as refeições. Por favor, coloquem suas esmolas no envelope, junto com os defuntos que desejem que sejam lembrados.
32 rodrigo schuster e
lu vieira
texto&traço
Mosquitocracia
C
hegou o calor e com ele seu grande contra, os mosquitos. Esses insetos que existem há milhões de anos e só são conhecidos por espalhar doenças e atormentar os outros animais. Mas nos últimos três dias tenho lidado com um representante muito peculiar dessa espécie. Eu entro no quarto e não tem sinal dele, eu deito na cama, nada. Apago a luz, ele parece não ter vindo hoje. Quando estou quase pegando no sono, BZZZZZZZZZZZZZZ.
Começam assim as sessões de mãos abanando freneticamente e auto estapeamento, até que resolvo acender a luz pra resolver isso. Assim que a luz se acende, o desgraçadinho desaparece. Olho em volta, procuro na prateleira, desisto e apago a luz. Livre desse ser inconveniente, vou enfim pegando no sono, aproveitando o silêncio da BZZZZZZZZZZZZZZ.
Só pode ser de propósito! Ele fica cuidando, tenho certeza. Três dias já desse malditozinho espécime cuja única função na natureza é alimentar peixes. Chegou não sei de onde, continua aqui não sei como, só sabe espalhar doença, é extremamente desagradável e normalmente por gosto. Eu tô chamando esse mosquito de JB. Tentei ligar ventilador, tentei borrifar óleo essencial, tentei inseticida químico, nada parece abalar o sadismo de JB. Que venham os frutos-do-mar.
entrevero Empresariado conservador é capaz de tudo. Até de empreender. Carlos Castelo Tantos anos como autodidata me transformaram nisso que hoje sou: um autoignorante! Celso Vicenzi A inteligência nunca esteve tão a serviço da estupidez como agora. Carlos Castelo Filme da semana: OS BRUTOS TAMBÉM AMAM - estrelando Aristide e um cadetinho jovememoção quente sobre um tatame de judô! Santiago Tudo é porco para os porcos. Carlos Castelo Filme da semana 2: SE O MEU TATAMI FALASSE! - estrelando, novamente a dupla Aristide e o inocente cadete - paixões na caserna Santiago Não sou especialista em teoria da evolução, mas quando o ser humano passou a caminhar sobre dois pés, parece que começou a pôr os pés pelas mãos. Celso Vicenzi Aposto que, nesse carnaval, farão o primeiro baile de máscaras sem ninguém usando máscaras. Carlos Castelo Filme da semana 3: ”AVENTURAS NAS AGULHAS PREGAS”, estrelando Aristide e o noviço! Santiago O Brasil levou a maior delegação do mundo à COP26: 479 pessoas. Nem assim entrou no ”clima”. Celso Vicenzi Sugestão de slogan para o Ministério da Economia: ”Nada para todos.” Carlos Castelo
33 Filme da semana 4 : ”SEDOTTO I ABANDONATTO” - estrelando Aristide e o soldadinho cujo coração não era de chumbo. Santiago Um roleta dentro de outra roleta é uma roleta russa? Rodrigo Schuster Digam o que quiserem desse governo. Mas nunca ninguém fez uma distribuição da pobreza tão completa assim. Carlos Castelo Descobri uma nova espécie humana, o “homo ridentis”. Você está na rua, num bar, em qualquer lugar e vê uma pessoa alheia a tudo em volta, rindo com o olhar fixo no celular. Celso Vicenzi
Pegadinha lá nas Agulhas Negras: Conhece o Aristides Mário? Santiago Comigo é assim: virou imortal, morreu. Carlos Castelo Merval na presidência da ABL encerra a discussão sobre a relevância desta tumba. Espero! Schröder Meu problema com a virada do ano é que ele parece nunca virar para o lado certo. Celso Vicenzi Aristide, Aristide foste embora e levaste o meu vestido de noivinha! Santiago
entrevero
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Bicho grilo
2GE
Ela vinha borboleteando pela rua, vestindo roupas amplas e coloridas, que grudavam no corpo, ao vento primaveril. Quando passou por mim e estancou: - Ei! Jonas! Jonas!! Verdade que eu a tinha visto e reconhecido – mas também não tinha. Sabem cumé? Mergulhado em mim mesmo, cheio de minhocas na cabeça. - Oi, desculpe. Nem tinha te visto… - Sim… Mas… tu tá grilado com alguma coisa? Comigo? - Não! De modo nenhum… Eu… eu estava preocupado com outra coisa… Me desculpe mesmo, desculpa minha falta de atenção. - Olha, aproveita este sol e vai lagartear na praça, pegando um sol! Mas põe a máscara! - disse ela. - Claro, eu estava desligado – falei, puxando a máscara do queixo para proteger o nariz.
Cão que ladra não dorme. Carlos Castelo Se eu vier a adotar a linguagem neutra, ficarei com o tradicional “todos e todas”. Não sei se chego ao esquisitíssimo “todes”. Mas “todxs” não não dá. Todxs não representa “todo mundo”. Todxs só inclui cariocas. Paulo de Tarso Riccordi
- Tu está bem tristinho, Jonas, tá na cara. Mas… não barateia teus sentimentos, aconselhou-me. - E não te enfia em qualquer boteco, como uma mosca morta. O RS é um estado onde é muito fácil ganhar dinheiro. É só alterar o S: R$. Celso Vicenzi
E continuou:
A vida está tão cara que ficou pela hora da morte. Carlos Castelo
A menção ao nome da minha ex foi como a picada de uma abelha no meu coração.
O que o rato sabe fazer como ninguém é ser rato Schröder
- Não mereces sofrer assim, por ela… aquela... ratazana…a....
Enfiou sua mão na minha e agarrou meu braço. - Querido!…. Vamos dar uma voejada por aí. Vem comigo, gato!
-Se Deus é brasileiro, está na hora de aparecer. Luiz Carlos Bernascki
Não existe terceira via. Já quarto poder é o coronel dono de município. Carlos Castelo
Dentro da cabeça, e no corpo também, senti que uma aranha avançava para mim. Ainda bem que nunca tive medo desse bicho.
O Brasil só não virou ficção científica porque não tem mais ciência. Carlos Castelo
O melhor resumo de como está a economia brasileira: tá osso! Celso Vicenzi
José Antônio Silva Jornalista, escritor e poeta
entrevero Só há três coisas erradas no atual governo: a concepção, a implementação e as entregas. Carlos Castelo Recado do Hacker: ”É um avizo! Não queremo mais conversa sobre vassia. Táoquei?” Schröder O brasileiro é um historiador com Alzheimer. Carlos Castelo A gente engorda mais no verão porque é uma estação muito ”calórica”. Celso Vicenzi Brasil. País que se localiza entre o talvez e o possivelmente. Carlos Castelo Papai Noel é o mais famoso de todos os puxa sacos. Celso Vicenzi Éramos uma nação pacífica, viramos essa zona militarizada. Carlos Castelo
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JUIZ ~ LADRAO MO R O
Vox populi
Micheque ganha medalha. Aristides, o anel” Schröder Todos são honestos até que provem o erário. Carlos Castelo Chapeuzinho Vermelho, versão feminista: E para que esses seios tão grandes, Vovozinha – perguntou o Lobo Mau. - É para peitar melhor lobos machistas como você – respondeu a Vovozinha. Celso Vicenzi
kaikais A cara de banjo Diz que conversa Em língua de anjo Mefistofélico Se diz terrivelmente Evangélico Milcheque: “Aleluia, Deus: Já tenho no STF dois ministros Pra chamar de meus!” Gente cheia de treta Festeja, pula e grita Na língua do capeta! Tucano com pose de puro. É ruim no seu meio termo E pior quando desce do muro. À beira de um estouro Parte do gado se acalma E dá vivas ao Moro. Brasil hoje, que colosso! Quem comia carne, Agora faz sopa de osso Papai Noel vem chegando. E lhe traz algo em seu saco. Espere-o de cata-cavaco! Sai 2021, vem 22. O máximo a comemorar: Sobrevivi, ora pois! Como hoje em dia não se pode brincar com essas coisas do kaikai em vermelho, se quiser, pode substituir por esse abaixo: Presente para o Brasil e o mundo É o que peço ao Papai Noel: Mande esse governo pro beleléu! PS.: exageros do politicamente correto são chatos demais. Mouzar Benedito
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lu vieira
rabiscos
rabiscos
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artes drásticas